domingo, 26 de janeiro de 2014

Democracia ou Capitalismo?



A democracia liberal foi derrotada pelo capitalismo e não me parece que seja derrota reversível.
Portanto, trata-se de inventar nova democracia























Por Boaventura de Sousa Santos (*) 


No início do terceiro milênio as esquerdas debatem-se com dois desafios principais: a relação entre democracia e capitalismo; o crescimento econômico infinito (capitalista ou socialista) como indicador básico de desenvolvimento e de progresso. Nesta carta, centro-me no primeiro desafio.

Ao contrário do que o senso comum dos últimos cinquenta anos nos pode fazer pensar, a relação entre democracia e capitalismo foi sempre uma relação tensa, senão mesmo de contradição. Foi-o certamente nos países periféricos do sistema mundial, o que durante muito tempo foi chamado Terceiro Mundo e hoje se designa por Sul global. Mas mesmo nos países centrais ou desenvolvidos a mesma tensão e contradição esteve sempre presente. Basta lembrar os longos anos do nazismo e do fascismo.

Uma análise mais detalhada das relações entre capitalismo e democracia obrigaria a distinguir entre diferentes tipos de capitalismo e sua dominância em diferentes períodos e regiões do mundo e entre diferentes tipos e graus de intensidade de democracia. Nesta carta concebo o capitalismo sob a sua forma geral de modo de produção e faço referência ao tipo que tem vindo a dominar nas últimas décadas, o capitalismo financeiro. No que respeita à democracia centro-me na democracia representativa tal como foi teorizada pelo liberalismo.

O capitalismo só se sente seguro se governado por quem tem capital ou se identifica com as suas “necessidades”, enquanto a democracia é idealmente o governo das maiorias que nem têm capital nem razões para se identificar com as “necessidades” do capitalismo, bem pelo contrário. O conflito é, no fundo, um conflito de classes pois as classes que se identificam com as necessidades do capitalismo (basicamente a burguesia) são minoritárias em relação às classes (classes médias, trabalhadores e classes populares em geral) que têm outros interesses cuja satisfação colide com as necessidades do capitalismo.

Sendo um conflito de classes, afirma-se social e politicamente como um conflito distributivo: por um lado, a pulsão para a acumulação e concentração da riqueza por parte dos capitalistas e, por outro, a reivindicação da redistribuição da riqueza criada em boa parte pelos trabalhadores e suas famílias. A burguesia teve sempre pavor de que as maiorias pobres tomassem o poder e usou o poder político que as revoluções do século XIX lhe concederam para impedir que tal ocorresse. Concebeu a democracia liberal de modo a garantir isso mesmo através de medidas que mudaram no tempo mas mantiveram o objetivo: restrições ao sufrágio, primazia absoluta do direito de propriedade individual, sistema político e eleitoral com múltiplas válvulas de segurança, repressão violenta de atividade política fora das instituições, corrupção dos políticos, legalização dos lobbies. E sempre que a democracia se mostrou disfuncional, manteve-se aberta a possibilidade do recurso à ditadura, o que aconteceu muitas vezes.

No imediato pós-segunda guerra mundial, muito poucos países tinham democracia, vastas regiões do mundo estavam sujeitas ao colonialismo europeu que servira para consolidar o capitalismo euro-norte-americano, a Europa estava devastada por mais uma guerra provocada pela supremacia alemã, e no Leste consolidava-se o regime comunista que se via como alternativa ao capitalismo e à democracia liberal.

Foi neste contexto que surgiu na Europa mais desenvolvida o chamado capitalismo democrático, um sistema de economia política assente na ideia de que, para ser compatível com a democracia, o capitalismo deveria ser fortemente regulado, o que implicava a nacionalização de sectores-chave da economia, a tributação progressiva, a imposição da negociação coletiva e até, como aconteceu na então Alemanha Ocidental, a participação dos trabalhadores na gestão das empresas. No plano científico, Keynes representava então a ortodoxia económica e Hayek, a dissidência. No plano político, os direitos econômicos e sociais (direitos do trabalho, educação, saúde e segurança social garantidos pelo Estado) foram o instrumento privilegiado para estabilizar as expectativas dos cidadãos e as defender das flutuações constantes e imprevisíveis dos “sinais dos mercados”.

Esta mudança alterava os termos do conflito distributivo mas não o eliminava. Pelo contrário, tinha todas as condições para o acirrar logo que abrandasse o crescimento econômico que se seguiu nas três décadas seguintes. E assim sucedeu.

Desde 1970, os Estados centrais têm vindo a gerir o conflito entre as exigências dos cidadãos e as exigências do capital, recorrendo a um conjunto de soluções que gradualmente foram dando mais poder ao capital. Primeiro, foi a inflação (1970-1980), depois, a luta contra a inflação acompanhada do aumento do desemprego e do ataque ao poder dos sindicatos (1980-), uma medida complementada com o endividamento do Estado em resultado da luta do capital contra a tributação, da estagnação econômica e do aumento das despesas sociais decorrentes do aumento do desemprego (meados de 1980-) e, logo depois, com o endividamento das famílias, seduzidas pelas facilidades de crédito concedidas por um setor financeiro finalmente livre de regulações estatais, para iludir o colapso das expectativas a respeito do consumo, educação e habitação (meados de 1990-).

Até que a engenharia das soluções fictícias chegou ao fim com a crise de 2008 e se tornou claro quem tinha ganho o conflito distributivo: o capital. Prova disso: a conversão da dívida privada em dívida pública, o disparar das desigualdades sociais e o assalto final às expectativas de vida digna da maioria (os trabalhadores, os pensionistas, os desempregados, os imigrantes, os jovens em busca de emprego,) para garantir as expectativas de rentabilidade da minoria (o capital financeiro e seus agentes). A democracia perdeu a batalha e só não perderá a guerra se as maiorias perderem o medo, se se revoltarem dentro e fora das instituições e forçarem o capital a voltar a ter medo, como sucedeu há sessenta anos.

Nos países do sul global que dispõem de recursos naturais a situação é, por agora, diferente. Nalguns casos, como por exemplo em vários países da América Latina, pode até dizer-se que a democracia está a vencer o duelo com o capitalismo e não é por acaso que em países como a Venezuela e o Equador se tenha começado a discutir o tema do socialismo do século XXI — mesmo que a realidade esteja longe dos discursos. Há muitas razões para tal mas talvez a principal tenha sido a conversão da China ao neoliberalismo, o que provocou, sobretudo a partir da primeira década do século XXI, uma nova corrida aos recursos naturais.

O capital financeiro encontrou aí e na especulação com produtos alimentares uma fonte extraordinária de rentabilidade. Isto tornou possível que governos progressistas, entretanto chegados ao poder no seguimento das lutas e dos movimentos sociais das décadas anteriores, pudessem proceder a uma redistribuição da riqueza muito significativa e, em alguns países, sem precedente.

Por esta via, a democracia ganhou uma nova legitimação no imaginário popular. Mas por sua própria natureza, a redistribuição de riqueza não pôs em causa o modelo de acumulação assente na exploração intensiva dos recursos naturais e antes o intensificou. Isto esteve na origem de conflitos, que se têm vindo a agravar, com os grupos sociais ligados à terra e aos territórios onde se encontram os recursos naturais, os povos indígenas e os camponeses.

Nos países do sul global com recursos naturais mas sem democracia digna do nome o boom dos recursos não trouxe consigo nenhum ímpeto para a democracia, apesar de, em teoria, a mais fácil resolução do conflito distributivo facilitar a solução democrática e vice-versa. A verdade é que o capitalismo extrativista obtém melhores condições de rentabilidade em sistemas políticos ditatoriais ou de democracia de baixíssima intensidade (sistemas de quase-partido-único) onde é mais fácil a corrupção das elites, através do seu envolvimento na privatização das concessões e das rendas extrativistas. Não é pois de esperar nenhuma profissão de fé na democracia por parte do capitalismo extrativista, até porque, sendo global, não reconhece problemas de legitimidade política.

Por sua vez, a reivindicação da redistribuição da riqueza por parte das maiorias não chega a ser ouvida, por falta de canais democráticos e por não poder contar com a solidariedade das restritas classes médias urbanas que vão recebendo as migalhas do rendimento extrativista. As populações mais diretamente afetadas pelo extrativismo são os camponeses — em cujas terras estão as jazidas de minérios ou onde se pretende implantar a nova economia de plantation, agro-industrial. São expulsas de suas terras e sujeitas ao exílio interno. Sempre que resistem, são violentamente reprimidas e sua resistência é tratada como um caso de polícia. Nestes países, o conflito distributivo não chega sequer a existir como problema político.

Desta análise conclui-se que o futuro da democracia atualmente posto em causa na Europa do Sul é manifestação de um problema muito mais vasto que está a aflorar em diferentes formas nas várias regiões do mundo. Mas, formulado assim, o problema pode ocultar uma incerteza bem maior do que a que expressa. Não se trata apenas de questionar o futuro da democracia. Trata-se também de questionar a democracia do futuro.

A democracia liberal foi historicamente derrotada pelo capitalismo e não me parece que a derrota seja reversível. Portanto não há que ter esperança em que o capitalismo volte a ter medo da democracia liberal, se alguma vez teve. Esta última sobreviverá na medida em que o capitalismo global se puder servir dela. A luta daqueles e daquelas que veem na derrota da democracia liberal a emergência de um mundo repugnantemente injusto e descontroladamente violento tem de centrar-se na busca de uma concepção de democracia mais robusta cuja marca genética seja o anti-capitalismo.

Depois de um século de lutas populares que fizeram entrar o ideal democrático no imaginário da emancipação social seria um erro político grave desperdiçar essa experiência e assumir que luta anti-capitalista tem de ser também uma luta anti-democrática. Pelo contrário, é preciso converter o ideal democrático numa realidade radical que não se renda ao capitalismo. E como o capitalismo não exerce o seu domínio senão servindo-se de outras formas de opressão, nomeadamente, do colonialismo e do patriarcado, tal democracia radical, além de anti-capitalista tem de ser também anti-colonialista e anti-patriarcal.

Pode chamar-se revolução democrática ou democracia revolucionária — o nome pouco importa — mas é necessariamente uma democracia pós-liberal, que não aceita ser descaracterizada para se acomodar às exigências do capitalismo. Pelo contrário, assenta em dois princípios: o aprofundamento da democracia só é possível à custa do capitalismo; em caso de conflito entre capitalismo e democracia é a democracia real que deve prevalecer.

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(*) Boaventura de Sousa Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25 de Abril, e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - todos da Universidade de Coimbra. 


FONTE: Outras Palavras 

sábado, 25 de janeiro de 2014

Editado o Ato Institucional nº 1 da era petista



(Nota Política do PCB)




No último dia 20 de dezembro, o Governo Dilma, através da PORTARIA NORMATIVA No 3.461, contribuiu decididamente para a reformulação da logística de repressão do Estado, exigida há tempos pelas Forças Armadas e pelos setores mais retrógrados da sociedade, atribuindo ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica a condição de planejar, organizar, gerenciar e efetuar ações repressivas contra manifestações públicas organizadas por movimentos e/ou ativistas sociais.

Sob a justificativa de efetuar Operações para a Garantia da Lei e da Ordem (OP GLO) em situações previsíveis ou em iminentes situações de crises políticas, contra ações das chamadas Forças Oponentes (FOpn), as Forças Armadas passam a ter a incumbência de assessorar e efetuar todas as medidas necessárias com vistas à repressão e à restauração da ordem desejada.  As ações vão desde o uso da inteligência e contrainteligência, com possíveis monitoramentos das comunicações e outros apetrechos de espionagem, até o uso de medidas psicológicas e de comunicação de massas, para condicionar o apoio da opinião pública aos atos praticados pelo governo.

Como se já não bastasse a violência de policiais militares equipados como gladiadores, as Forças Armadas, para enfrentar a “desordem”, vão lançar mão “de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Op GLO em relação às FOpn”.

As chamadas Forças Oponentes são identificadas como grupos, organizações, pessoas, “infiltrados” em Organizações Sindicais e Políticas, que de modo geral possam gerar “instabilidades, insegurança e ameaças públicas ou privadas”. Cabe nesse aspecto ressaltar a desfaçatez do governo em enquadrar, sob a mesma classificação, desde grupos narcotraficantes até entidades e movimentos sociais, numa clara lógica de criminalização das organizações e dos militantes políticos e sociais que lutam contra os efeitos perversos do sistema capitalista na vida da população.

Entre os delitos classificados como ações de Forças Oponentes, destacam-se: paralisação de atividades produtivas,  invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; bloqueio de vias públicas de circulação e distúrbios urbanos; “delitos” que, por sua vez,  já são acintosamente propagados pela mídia como ações de “vândalos” e “terroristas”, mas que, na verdade, correspondem a respostas efetivas da classe trabalhadora e das camadas populares à opressão, miséria, desigualdade e exploração causadas pelo capitalismo e seus agentes. Até mesmo as greves, direito dos trabalhadores garantido pela Constituição, entraram no rol dos “delitos” a serem reprimidos pelas Forças Armadas, num claro retrocesso que lembra o tempo da ditadura.

O PCB vem a público denunciar que esse ato do Governo Dilma, a mando dos setores mais reacionários e a serviço dos grandes grupos capitalistas e das empresas preocupadas com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, representa a instauração de um verdadeiro estado de exceção no país, visando a resguardar não a segurança pública, mas a garantia da lei da exploração burguesa e da ordem do capital. O ato demonstra ainda o grau de subserviência do governo petista às imposições da FIFA, que teme a não realização da Copa em função das manifestações populares, que certamente voltarão com força neste ano e tendem a prosseguir mesmo depois dos eventos, em função da continuidade dos problemas que provocaram as grandes mobilizações no ano passado.

Diante da grave crise social na qual estamos mergulhados e das crescentes manifestações que evidenciaram o esgotamento do modelo político e econômico social-liberal vigente, o PT e os demais partidos da ordem burguesa vêm acelerando ações que visam a aumentar a repressão, a vigilância social e a submissão das massas ao sistema, pretendendo evitar que as contradições sociais explodam através de revoltas populares, sempre ameaçadoras aos interesses do capital e de suas forças políticas representativas.

A publicação dessa Portaria, às vésperas de o golpe empresarial-militar de 1964 completar 50 anos, apenas reforça a percepção de que, em momentos de aguçamento da luta de classes, independentemente de quem esteja administrando o estado burguês, as classes dominantes se antecipam a qualquer possibilidade de instabilidade política resultante do acirramento das contradições sociais e se lançam ao ataque em defesa de seus interesses.

O ato político do Governo Dilma revela a existência de um processo de fascistização em curso da sociedade brasileira, com o início de uma série de atos articulados que, a partir de agora, ampliarão a ação repressiva do Estado. Associada à pesada propaganda ideológica disseminada pelos meios de comunicação, esta ação tem o intuito de tentar calar todas as justas e genuínas manifestações contrárias aos efeitos do sistema no dia a dia das pessoas, tornando oficial a criminalização das organizações políticas e sociais que lutam contra o capitalismo e seus agentes, assim como de todos os movimentos populares. É a tentativa de impor a ordem a ferro e fogo, garantindo a paz dos cemitérios!

O PCB conclama os partidos e organizações de oposição socialista, assim como o conjunto dos ativistas dos movimentos populares e sociais, à necessária unidade política para barrar as medidas reacionárias adotadas pelo governo Dilma, as quais representam claramente mais uma traição de classe do PT aos trabalhadores brasileiros.

PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comissão Política Nacional
Janeiro de 2014

FONTES:  RESISTIR.INFO - Portal PCB

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A questão do Estado operário no marxismo



Esse debate teórico demonstra que a atualidade da revolução ainda hoje passa pela problemática do Estado e do socialismo. Portanto, os conselhos operários estão na gênese dessas possibilidades.


Por Milton Pinheiro

O texto de György Lukács, “O Estado como arma”, entra, de forma seminal, no debate sobre os conselhos operários apresentando uma posição: o cenário da luta de classes cresce e compreende o conjunto desbloqueado dos espaços onde ela pode se revelar, contribuindo, assim, para explodir as cidadelas do Estado e suas fronteiras. Na posição de Lukács, agora se luta contra o Estado, mas também o Estado se manifesta enquanto “arma da luta de classes”.

O filósofo húngaro localiza em Marx e Engels, distanciando-os dos oportunistas da Segunda Internacional, a tese de que a questão do Estado é extremamente relevante para as possibilidades da re­volução proletária, utilizando-se dessa abordagem como referencial para enfrentar a “essência revolucionária” de sua época. Lukács qualificou os pensadores reformistas do período em questão como sendo aqueles que capitularam ao modelo de Estado desenvolvido na sociedade burguesa, e essa crítica se dirige essencialmente a Kautsky e a Bernstein.

Neste texto inédito encontramos, ainda, a notável influência de Lenin. Lukács reconhece a relação teórica daquele com Marx na interpretação de uma “posição proletário-revolucionária sobre o problema do Estado”, salientando que Lenin não fez uma abstração sobre a questão, mas levantou o problema a partir das tarefas dos trabalhadores que faziam o enfrentamento na luta de classes, tendo como eixo central a direção da tomada do poder. Na interpretação de Lukács, Lenin rompeu com o programa de uma teoria geral do Estado baseada em postulados diletantes e, pautado pelas análises concretas feitas por Marx sobre a Comuna de Paris, avançou no debate sobre a questão do Estado, como afirmei, a partir das con­tradições do momento histórico em que as lutas do proletariado se projetavam em um cenário em aberto. Transparece nos estudos de Marx, Engels e, principalmente, em Lenin – chamado à aten­ção por Lukács – que a questão do Estado é o objetivo que deve movimentar os trabalhadores nas tarefas cotidianas, e não apenas quando se apresentar o “objetivo final”.

Para Lukács, Lenin deu a importância devida ao papel do Estado no tempo presente, o que contribuía para educar os traba­lhadores em sua luta pelo poder. Mas isso ocorria, principalmente, porque ele acentuava em suas análises o papel do “Estado como arma da luta de classes”. Nessa contenda sobre o Estado, Lukács avança, antecipando um grande debate contemporâneo, ao sinalizar que os instrumentos de luta em curso (partido, sindicato e cooperativas) são, já naquele momento, “insuficientes para a luta revolucionária do proletariado”. A perspectiva projetada pelo autor é a construção de uma representação que unifique todo o proletariado às amplas massas, ainda dentro da sociedade burguesa, para pôr a revolução “na ordem do dia” – e, para ele, esse instrumento seria os conselhos operários.

Nas formulações de G. Lukács, os conselhos aparecem como “organização de toda a classe”. Eles devem agir para desorganizar “o aparelho de Estado burguês”. Nessa conjuntura de desorgani­zação, eles, enquanto representação de classe, deverão entrar em choque com a possível tentativa da burguesia de impor uma ampla repressão para recompor seu poder. É diante desse cenário que os conselhos operários se apresentam como aparelhos de Estado na perspectiva da “organização da luta de classes”. A partir de sua aná­lise sobre a Rússia em 1905, os conselhos “são um contragoverno” que enfrenta o “poder estatal da burguesia”.

É importante salientar ainda a crítica de Lukács a Martov: este último compreende os conselhos “como um órgão de luta”, sem necessariamente transformar-se em aparelho de Estado, enquanto, para o primeiro, essa posição afastaria os trabalhadores da revolução e da “real conquista do poder pelo proletariado”.

Nesse debate, surge uma polêmica sobre o papel do sindicato e do partido. Lukács criticou aqueles que queriam substituir de forma permanente esses dois instrumentos pelos conselhos, confundindo o entendimento do que seja, ou não, uma situação revolucionária. Ele afirma que o conselho operário, enquanto aparelho de Estado, “é o Estado como arma na luta de classes do proletariado”. Mas, para fazer a defesa dessa posição leniniana, Lukács ataca o reformis­mo oportunista e sua “capitulação ideológica à burguesia”. Ainda nesse debate, critica a ideia de democracia da social-democracia e seu projeto de “agitação pacífica” para a modificação da sociedade de forma não revolucionária, ao considerar que, para se chegar ao socialismo, as ideias dos trabalhadores irão num crescendo até a conquista do poder.

Os reformistas se mantêm no campo da “democracia pura, formal”, e se iludem com o voto do cidadão abstrato, considerado por Lukács como “átomos isolados do todo estatal”, na contramão das pessoas concretas, “que assumem um lugar na produção social, que seu ser social (que articula o seu pensamento etc.) é determi­nado por essa posição”. Dentro dessa temática (democracia), o crítico húngaro identifica o “domínio minoritário da burguesia” na “desorganização ideológica” para transformar a democracia pura e formal em um instrumento de regulação da vida social. Para responder a essa situação (desorganização), os conselhos devem ser reconhecidos como o “poder de Estado do proletariado”, ao passo que avançam para destruir “a influência material e ideológica da burguesia” sobre as massas. Garantir o contrafogo ideológico é contribuir para o surgimento de condições de direção do prole­tariado “no período de transição”. Agora o proletariado, tendo os conselhos como sistema de Estado, deve marchar para continuar destruindo a burguesia em todas as suas frentes.

Neste sentido, o sistema de conselhos, agindo de forma edu­cativa e autônoma, deve incentivar uma participação que articule “uma unidade indivisível entre economia e política, ligando, desse modo, a existência imediata das pessoas, os seus interesses cotidia­nos etc. com as questões decisivas da totalidade” e contribuindo assim para evitar a burocratização. Para Lukács, esse movimento do sistema de conselhos e do Estado proletário “é um fator decisivo na organização do proletariado em classe”, permitindo que, agora, o tornar-se consciente e classe para si se efetive.

Para Lukács, com base em Lenin, o Estado proletário é aber­tamente um Estado de classe, sem a farsa montada pela burguesia para transformar seu Estado em Estado de todos. Mais uma vez, esse debate teórico demonstra que a atualidade da revolução ainda hoje passa pela problemática do Estado e do socialismo. Portanto, os conselhos operários estão na gênese dessas possibilidades.

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Milton Pinheiro é professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), tem diversos livros e artigos publicados. É editor da revista teórica Novos Temas.

György Lukács, Lenin – Studie über den Zusammenhang seiner Gedakem. Neuwied: Luchterhand, [1924] 1967, p. 57-68.


FONTE: BRASIL DE FATO

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A atualidade de uma marxista rebelde



Por Antonio Martins 


Como Rosa Luxemburgo, morta há 95 anos, ajuda a reinventar, em tempos de crise do capitalismo,o pensamento de Marx





Entrevista de Isabel Loureiro | Imagem: Rolando Astarita

(Publicado originalmente em 19/3/13. Atualizado em 15/1/14)

Há cinco anos, surgiu e cresce, em paralelo a uma crise do capitalismo duradoura e de final imprevisível, um movimento intelectual surpreendente: a reabilitação das ideias de Karl Marx. O filósofo alemão, que muitos desprezaram após a queda do Muro de Berlim, está de volta. Seus livros são republicados em todo o mundo, com tiragens e repercussão expressivas. Não raro, sua importância e contemporaneidade são reconhecidas até mesmo por publicações conservadoras e por consultores ilustres das grandes finanças globais.

Num 15 de janeiro como hoje, era assassinada, em Berlim, uma pensadora e militante que se apaixonou pelo marxismo muito jovem, viveu intensamente sob sua influência e contribuiu para enriquecê-lo – mas foi esquecida, no século 20, tanto pelo socialismo soviético quanto pelas correntes hegemônicas entre a esquerda. Estamos falando de Rosa Luxemburgo.

Talvez esta polonesa judia, que se tornou líder da Revolução Alemã de 1918 (1 2 3) seja importante hoje exatamente pelos motivos que a fizeram maldita no passado. É o que pensa a filósofa Isabel Loureiro, principal estudiosa da obra de Rosa no Brasil, autora de diversos livros sobre a líder da Revolução Alemã de 1918 e organizadora de uma vasta coletânea sobre sua obra, em três volumes (1 2 3), 

A primeira particularidade de Rosa, avalia Isabel, é ponto de vista extremamente sofisticado sobre Revolução, Reformas e Poder. Rosa enxergava a importância (e a beleza…) das revoluções — as mudanças inesperadas, os grandes movimentos da História em que as maiorias desafiam o automatismo enfadonho das relações sociais e viram a mesa. Mas via estes momentos como a abertura de um longo processo de mudanças, não como mera oportunidade para instalar novos grupos no poder de Estado.

Disso derivava seu grande empenho em construir formas avançadas de democracia. Para transformar a vida, pensava ela, as sociedades precisavam enxergá-la; deviam superar a alienação, a repetição quase inconsciente de relações consolidadas ao longo do tempo. Esta lenta conquista de autonomia exige, é claro, abertura ao debate, à crítica e à polêmica. Por isso, Rosa, embora aliada a Lênin na luta contra o amortecimento e burocratização do marxismo, no início do século 20, divergiu abertamente das tendências centralizadoras do revolucionário russo. Em consequência, “foi posta no índex dos partidos comunistas”, diz Isabel Loureiro.

Mas esta combinação de rebeldia contra o capitalismo e desejo de valorizar a autonomia não fará de Rosa uma autora a ser estudada com atenção especial em nossos dias? Sua obra não será, de certa forma, um convite a rever a obra de Marx e reinventar seus sentidos? Isabel pensa que sim. Na entrevista abaixo, ela, que dedicou um dos três volumes da coletânea de Rosa à correspondência trocada com amigos e amantes, frisa: “Pelas cartas, podemos acompanhar seu doloroso processo de amadurecimento, conflitos amorosos, desejo de ser feliz, suas reclamações de como a vida política era desumana, seu grande amor à natureza e suas reflexões sobre arte”. (A.M.)

Isabel Loureiro: "Rosa tem uma concepção aberta do marxismo. Para ela, Marx não era uma Bíblia com verdades
prontas e imutáveis, mas manancial que permite levar adiante trabalho de compreensão do mundo contemporâneo"

Pouco mais de um ano depois de lançar uma coletânea de três volumes sobre a obra de Rosa Luxemburgo, você organizou, em 2013, um seminário de três meses sobre o tema. Em que Rosa e sua visão particular do marxismo podem ajudar os novos movimentos que questionam o capitalismo no século 21?

Essa foi precisamente a pergunta que me fiz quando comecei a preparar o seminário. Por que, quase cem anos depois de seu assassinato, voltar a discutir as ideias de uma revolucionária marxista clássica, formada na cultura humanista europeia do século 19, cujo mundo desmoronou com a Primeira Guerra Mundial? A resposta não é evidente. Por que sua interpretação de Marx ainda hoje é atual? Para começar, Rosa tem uma concepção aberta do marxismo. No seu entender a teoria de Marx não era uma Bíblia com verdades prontas e imutáveis que os fieis tinham que seguir sem questionar, mas um manancial inesgotável que permite levar adiante o trabalho de compreensão do mundo contemporâneo.

Por isso mesmo, ela nunca hesitou em criticar as vacas sagradas do marxismo europeu, como Bernstein e Kautsky, e nem sequer o próprio Marx. Essa independência intelectual é, para os marxistas – que infelizmente têm uma tendência ao dogmatismo e à ossificação – uma indicação de que precisam continuar pesquisando e criando conceitos que permitam dar conta da nova fase da acumulação do capital e da nova situação em que se encontram as forças sociais. Além disso, Rosa acrescenta à teoria de Marx algo original, propriamente seu: a ideia de que as transformações sociais são fruto da ação autônoma das massas populares que, na luta quotidiana pela ampliação de direitos e, sobretudo, na luta revolucionária pela transformação radical da sociedade capitalista, ou seja, no seu processo de existência real, forjam sua consciência político-social. Em resumo, e simplificando muito, se queremos mudar o que está aí, devemos agir aqui e agora, porque a nossa ação é o que pode interromper o curso da história em direção ao abismo.

Alguns aspectos centrais que você enxerga no pensamento de Rosa têm muito a ver com a nova cultura política de autonomia e horizontalidade. Por que você a identifica com a crítica ao vanguardismo, à burocratização e ao centralismo?

Esses pontos que você menciona resumem bem o que opôs Rosa Luxemburgo à social-democracia e ao bolchevismo e continuam sendo de grande atualidade na cultura da esquerda. Durante o século 20, Rosa foi posta no índex dos partidos comunistas devido à sua crítica a Lênin e aos bolcheviques. Foi usada como ícone revolucionário pelos comunistas da antiga Alemanha Oriental (RDA), mas suas ideias democráticas e libertárias foram deixadas na sombra ou censuradas. O stalinismo acusou-a de espontaneísta, de não dar importância à organização política.

É preciso deixar claro que Rosa não é contra a organização (afinal ela sempre militou num partido político), e sim contra uma concepção de partido como vanguarda de revolucionários profissionais, hierarquicamente separada das massas, e que leva de fora a consciência às massas informes. Essa crítica era endereçada tanto à social-democracia, quanto ao bolchevismo. Para Rosa, que é herdeira do Iluminismo, o verdadeiro líder político é aquele que esclarece, que destrói a cegueira da massa, que transforma a massa em liderança, que acaba com a separação entre dirigentes e dirigidos, que contribui para formar aquilo que ela considera o mais importante pré-requisito de uma humanidade emancipada: a autonomia intelectual, o pensamento crítico das massas trabalhadoras. E, por sua vez, a autonomia intelectual requer a existência de liberdades democráticas: direito de reunião, associação, imprensa livre, etc. Daí a crítica que Rosa faz aos bolcheviques por terem eliminado o espaço público, que ela vê como o único antídoto contra a burocratização do partido e dos sovietes.

No seminário, uma sessão foi dedicada à “dialética entre reforma e revolução”. Algumas das características mais marcantes da nova cultura é o desejo de produzir mudanças, ainda que parciais; a recusa a reduzir a política a eleições, ou mesmo a apostar na revolução como um momento mágico e transcendente, em que toda a sociedade se transforma. O que Rosa poderia dizer sobre isso?

Esse é mais um ponto em que Rosa continua sendo atual. Ela queria uma humanidade em que houvesse liberdade e justiça social; para isso, era necessário passar do capitalismo ao socialismo. Porém, essa transição só seria possível com a mais ampla participação dos de baixo nos assuntos que lhes dizem respeito, o que significava um longo processo de amadurecimento, de correção de rota, etc. Daí a necessidade do debate público. A revolução não consistia na troca de homens no poder, era muito mais que isso, era todo um processo econômico, social, cultural e, claro, político – isto é, de tomada do poder pelos trabalhadores, que levaria muito tempo para se efetivar. Resumindo: no pensamento de Rosa Luxemburgo a ideia de tomada do poder – revolução como quebra rápida das relações de poder existentes – não se separa da ideia de mudança estrutural da sociedade, o que implica mudança de valores, ou seja, uma revolução no longo prazo. Para ela, as duas coisas precisam ocorrer conjuntamente.

Vivemos num mundo em que estão abertas janelas tanto para enormes transformações como para riscos de desumanização inéditos. Estão aí os drones, a tentativa de controlar a internet e vigiar os cidadãos por meio dela, os sinais de xenofobia, os grupos nazistas em certos países europeus. “Socialismo ou barbárie”, uma consigna de Rosa, tem a ver com este futuro tão aberto?

Quando Rosa diz que a humanidade está perante o dilema “socialismo ou barbárie”, o que ela tem diante dos olhos é o horror da Primeira Guerra Mundial que, para aquela geração, foi um cruel divisor de águas. Pela primeira vez, as pessoas se deram conta de que os avanços tecnológicos podiam ser mortíferos, de que a modernização capitalista destruiria todos os obstáculos que aparecessem no caminho de seu avanço infernal. E a esquerda radical alemã, de que Rosa era uma das lideranças, via no socialismo a única alternativa capaz de barrar essa descida aos infernos.

Mas, ao mesmo tempo, ela também se dava conta de que, com a guerra e o chauvinismo, que haviam engolido as massas trabalhadoras europeias, a luta em prol do socialismo tinha se tornado infinitamente mais difícil. Acho que podemos fazer um paralelo com o que se passa hoje. Depois da queda do comunismo burocrático, parecia que agora sim o terreno estava finalmente livre para que as ideias socialistas democráticas vingassem. Mas o que vemos é que, precisamente num momento em que o capitalismo está em crise e sofre um golpe poderoso, no momento em que constantes e gigantescas manifestações da população europeia mostram claramente que o capitalismo chegou ao fim da linha, o que acontece em termos de mudança no rumo de uma sociedade mais justa, mais igualitária? Absolutamente nada!

Os governantes continuam fazendo os ajustes pedidos pelo capital financeiro e as populações vivem num permanente estado de sítio econômico, sem saber o que o dia de amanhã lhes reserva. Precisamos nos perguntar por que, precisamente num momento em que caiu a máscara ideológica do neoliberalismo, a esquerda não consegue aparecer como alternativa. É necessário rever a história da esquerda institucional europeia para entender porque isso acontece. E aqui, mais uma vez, Rosa Luxemburgo tem o que dizer com sua crítica à adesão da social-democracia alemã ao estado de coisas vigente.

A democracia institucional está esvaziada e em crise, mas os novos movimentos reivindicam formas cada vez mais democráticas de decisão — inclusive em seu próprio interior. De que forma o debate sobre o partido, que opôs Rosa Luxemburgo a Lênin, no início do século XX, pode informar este anseio por democracia?

É preciso que fique claro que Rosa Luxemburgo é contra a abolição da democracia “burguesa” tal como ocorreu no mundo soviético. O que ela quer é complementar a liberdade política com a igualdade social. Isso significa que o pluralismo partidário, a imprensa livre, a liberdade de associação, etc. devem ser preservados. Rosa era uma marxista clássica, como eu disse, que tinha uma visão muito crítica dos regimes autoritários do seu tempo, como o czarismo e o império alemão.

Ao mesmo tempo, também se deve enfatizar que ela, diferentemente de seu companheiro de partido Eduard Bernstein, não tem ilusões quanto à democracia burguesa parlamentar. Ela não acredita na transição ao socialismo pela via eleitoral. Durante a revolução alemã de 1918, Rosa ficou entusiasmada com os conselhos de operários e soldados que surgiram no início do movimento, vendo neles uma forma de ampliar a participação dos de baixo. Mas não foi muito longe nestas reflexões, pois foi assassinada pouco tempo depois.

É muito comum que a esquerda libertária recorra ao exemplo dos conselhos como panacéia que supostamente resolveria os problemas da democracia representativa. É sem dúvida uma forma democrática que deve ser preservada, sobretudo no âmbito local. Mas penso que devemos pensar, como Rosa indicou sem aprofundar em seu texto de crítica aos bolcheviques escrito na prisão em 1918, que o ideal é combinar mecanismos de democracia representativa com mecanismos de democracia direta.

Hugo Chávez, símbolo do “socialismo do século 21″ para parte da esquerda, baseou sua ação num Estado forte e num comando centralizado. Em contrapartida, os zapatistas difundem a ideia de  ”mudar o mundo sem tomar o poder”, cunhada por John Holloway. O que o pensamento de Rosa  sugeriria, sobre esta polêmica?

Rosa defende a tomada do poder de Estado pelos trabalhadores. Nesse sentido, ela se oporia à fórmula de Holloway. No entanto, ao defender a necessidade da transformação radical dos valores burgueses-capitalistas na transição ao socialismo ela percebe que a revolução é um processo muito mais complicado, lento e doloroso que a simples tomada do poder de Estado. Ao mesmo tempo, ela não recusa a tomada do poder, vendo aí um meio de acelerar as mudanças necessárias. Porém, acima de tudo, para Rosa Luxemburgo, o novo grupo que chega ao poder tem a obrigação de preservar e/ou construir mecanismos de participação, de formação política, de criação de autonomia da massa popular e não eliminar os mecanismos democráticos existentes, como se fossem apenas expressão da dominação burguesa.

Crescem em todo o mundo, e em particular no Brasil, os movimentos que criticam a crença cega no “desenvolvimento”. A tradição marxista mais difundida também é desenvolvimentista. Materialista, acredita que o “desenvolvimento das forças produtivas” é anterior aos avanços da consciência. Rosa tem algo a dizer sobre isso?

Rosa é filha do seu tempo, e também filha do marxismo do seu tempo. Isso quer dizer que, por um lado, ela é defensora do desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, da modernização capitalista. Mas, por outro – e isso é interessante e atual sobretudo para nós da América Latina –, ela também enfatiza o aspecto sombrio dessa modernização capitalista, com todo o seu conhecido séquito de horrores: destruição violenta de modos de vida primitivos pelo capitalismo europeu, a fim de submetê-los aos mecanismos do mercado; guerra do ópio na China; enriquecimento da metrópole às custas do endividamento da periferia; acumulação de capital mediante compras de armas pelo Estado, o que favorece guerras de todos os tipos, etc. Essa postura avessa ao eurocentrismo e à ideia de que o progresso da civilização justifica os sofrimentos dos povos periféricos dá-nos elementos para repensar no que consiste verdadeiramente o progresso e se o capitalismo é mesmo o horizonte inelutável da humanidade.

De que forma permanece atual a noção de imperialismo, que era cara a Rosa Luxemburgo? Como este conceito sobrevive num mundo marcado pelo declínio dos EUA e Europa, pela ascensão dos BRICS e, ao mesmo tempo, pela difusão, nestes países, dos modos de vida típicos do capitalismo?

Para Rosa, o imperialismo não é, como para Lênin, uma “etapa superior do capitalismo” e sim uma característica do capitalismo desde as origens. Desde o início, o capitalismo precisou de mercados externos (por exemplo, ao transformar as economias primitivas em economias de mercado) para se reproduzir. A violência e o saque das camadas sociais não-capitalistas, que Marx restringia ao período da chamada “acumulação primitiva”, Rosa Luxemburgo considera uma característica do capitalismo até sua plena maturidade.

Hoje assistimos à mercantilização de tudo que ainda não foi transformado em mercadoria: serviços públicos, saúde, educação, cultura, conhecimento, direitos autorais, recursos ambientais, etc. É precisamente aqui que David Harvey, ao analisar o novo imperialismo, procede a uma interessante atualização da teoria de Rosa Luxemburgo, forjando o conceito de “acumulação por expropriação”. As feministas alemãs, também inspiradas em Rosa, incluem nesse âmbito o trabalho doméstico feminino. Logo, como podemos ver, apesar da ascensão dos BRICS, e apesar de algumas alterações na divisão do mundo entre centro e periferia, a verdade é que o imperialismo, ainda que novo, vai bem, obrigado.

Um dos três volumes da coletânea organizada por você trata da vida privada de Rosa, recupera cartas pessoais, discute sua condição de mulher. Por que este destaque, pouco comum na literatura marxista?

Antes de mais nada, é preciso observar que tivemos a sorte de suas cartas terem sido preservadas praticamente intactas graças à devoção dos amigos. Essa correspondência é um documento precioso sobre o socialismo alemão e internacional da época. Mas a minha escolha recaiu sobre as cartas aos amantes e amigos, pois queria mostrar, pelo exemplo de uma revolucionária, que mesmo a militância política requer qualidades que muitas vezes são desprezadas como pequeno-burguesas, ou sei lá o que.

O exemplo de Rosa se opõe à imagem falsificada do militante como um ser puritano que dedica 24 horas do dia à causa revolucionária. Pelas cartas, podemos acompanhar seu doloroso processo de amadurecimento, conflitos amorosos, desejo de ser feliz, suas reclamações de como a vida política era desumana, seu grande amor à natureza, reflexões sobre arte.

Ela vai se libertando aos poucos de um relacionamento amoroso que não a satisfazia e se afirmando como uma intelectual dona do seu nariz, que intervém no espaço público, que não teme enfrentar as vacas sagradas da social-democracia alemã, com uma vida privada bastante livre para os valores da época. É uma personagem muito rica do ponto de vista emocional, uma ótima escritora, uma pessoa com um amplo espectro de interesses: fala de pintura, literatura, botânica, geologia, e, sobretudo nas cartas da prisão, descreve o pouco de natureza que pode enxergar da janela da cela ou do pátio da prisão com grande sensibilidade e riqueza de detalhes. As cartas aos amigos eram seu jeito de fugir do cárcere. As cartas da prisão, publicadas pela primeira vez logo depois do seu assassinato e republicadas inúmeras vezes, levaram gerações de militantes a se interessarem por Rosa Luxemburgo. Quem sabe acontece o mesmo com a nossa coletânea, publicada em 2011 pela Editora UNESP?


FONTE: Outras Palavras

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ANTÔNIO GRAMSCI: uma concepção marxista inovadora sobre o fenômeno religioso


Por Tarcísio Marcos Alves (*)


Entre os pensadores marxistas, Gramsci foi talvez o que mais se interessou pela religião, mais precisamente pelo catolicismo como uma das ideologias mais poderosas da história do mundo ocidental, assim como aquele que mais procurou entender o seu papel na cultura religiosas das massas populares.

Revendo as teses de Max Weber, questiona que o capitalismo tenha sido produto da evolução superestrutural da ética protestante . Para ele, "o processo é mais complexo: saído da estrutura sócio-econômica como, aliás, toda superestrutura ideológica, o calvinismo, tornando-se norma da conduta prática, reage por sua vez sobre a estrutura sendo a fonte de novas iniciativas. Voltando ao vocabulário gramsciano, a passagem do calvinismo ao espírito capitalista é a passagem da "necessidade à liberdade." Para Gramsci, o mérito de Max Weber não é de sair do determinismo econômico, mas de mostrar, a partir do exemplo protestante, o mecanismo de passagem de uma concepção do mundo à ação prática. Gramsci recupera Max Weber reintroduzindo nele a dialética." (PORTELLI, 1984: 94).

A análise gramsciana do desenvolvimento ideológico e político do cristianismo segue, em linhas gerais, às de Engels, com algumas novas abordagens – em especial no aspecto cultural, privilegiado por Gramsci, que pode ser sintetizada em três aspectos:

1.O cristianismo é visto por ele como uma "força revolucionária";
2.O cristianismo feudal exerceu uma função hegemônica progressiva na sociedade européia;
3.O cristianismo pós-tridentino, ao jesuitizar-se, fortaleceu o aparelho institucional e hierárquico em contraposição às heresias de caráter popular e tornou-se "opiáceo", o que provocou o afastamento progressivo da Igreja Oficial em relação ao povo, originando a dicotomia entre os "intelectuais" da hierarquia e as massas camponesas. (Cf.:STACCONE,1991:199)

Quando jovem, Gramsci via a religião como um fenômeno alienante, que remete para as esferas meta-históricas, concepção predominante entre os marxistas do início do século XX.

Já a partir da década de 20, ele passou a ter uma nova concepção da religião, encarando-a como uma força ideológica com poder de mobilização das massas oprimidas, em especial os camponeses, para a luta prática, material. Assim ele define o fenômeno religioso (a citação é extensa, mas necessária como definidora da essência da concepção do autor sobre a religião):

A religião é a mais gigantesca utopia, isto é, a mais gigantesca "metafísica" que já apareceu na história, já que ela é a mais grandiosa tentativa de conciliar, em uma forma mitológica, as contradições reais da vida histórica: ela afirma, na verdade, que o homem tem a mesma "natureza’, que existe o homem em geral, enquanto criado por deus, filho de Deus, sendo por isso irmão dos outros homens, igual aos outros homens, livre entre os outros e da mesma maneira que os outros; e ele pode se conceber desta forma espelhando-se em deus, "autoconsciência" da humanidade; mas afirma também que nada disto pertence a este mundo e ocorrerá neste mundo, mas em outro (utópico). Desta maneira, as idéias de igualdade, liberdade e fraternidade fermentavam entre os homens; entre homens que não se vêem nem iguais, nem irmãos de outros homens, nem livres em face deles. Ocorreu assim que, em toda sublevação radical das multidões, de um modo ou de outro, sob formas e ideologias determinadas, foram colocadas estas reivindicações. (1981: 43 )

O que despertou a atenção de Gramsci para a relação entre a Igreja e o povo foi a entrada de católicos – em especial das camadas populares – no Partido Popular, a partir de 1919, em oposição sistemática ao Partido Liberal burguês, o que levou ao conflito entre a hierarquia católica e o Estado . Essa ruptura, que se deu no nível ideológico, será resolvida pelo Estado que conseguiu absorver, durante o período da Primeira guerra e das revoltas operárias a Igreja e absorver os mitos religiosos e utilizá-los como instrumento do governo, em acordo com os altos escalões da Igreja católica. O Partido Popular congregava em suas e representava interesses conflitantes de camponeses, médios proprietários e latifundiários católicos. O conflito entre Igreja e Estado, que camuflava-se no campo religioso, agora explicita-se politicamente, e a convivência entre latifundiários e camponeses torna-se cada vez mais conflitiva.

A alta hierarquia da Igreja católica cria a Ação Católica e alia-se ao fascismo para combater o Partido Popular, agora já esvaziado dos latifundiários e médios proprietários.

Será a partir das reflexões sobre esses conflitos que Gramsci desenvolverá, na prisão, suas teses inconclusivas sobre o catolicismo, e em especial nos Cadernos do Cárceres .Sua principal preocupação será sobre a influência ideológica da Igreja na história da sociedade ocidental e em especial da Itália. As suas reflexões partem da premissa de que as instituições religiosas representam forças ativas na estrutura ideológica das sociedades e não devem, portanto, serem analisadas isoladamente, como algo autônomo e abstrato, mas inseridas na história real das sociedades. Por isto, ela faz parte integrante da ideologia de determinado bloco histórico.

As relações entre a realidade material e a ideologia é assim definida por Gramsci: "As forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, sendo que esta distinção entre forma e conteúdo é puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais." (1981: 63)

O seu conceito de ideologia tem, portanto, um significado positivo no nível do conhecimento e da prática cotidiana – o senso comum - , e também na política. Assim, as ideologias não são apenas "elocubrações arbitrárias":

Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade psicológica: elas "organizam" as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc. "(1981:16) Assim, afirma que as "ideologias necessárias", ao contrário das "arbitrárias" e individuais, são coletivas, e como tal podem "assumir na prática a granítica e fanática solidez das crenças populares, que têm a mesma energia das forças materiais. (1981: 114)

Conclui-se daí que a ideologia é também um produto dos conflitos sociais e das lutas de classes, além de não ser a mesma para todas as classes e grupos sociais. Além disso, e neste aspecto há divergência sobre o conceito ortodoxo marxista da ideologia, Gramsci acreditava que as classe subalternas não aceitam passivamente as idéias das classes dominantes.

Para Gramsci, a religião á uma ideologia; porém, divergindo de Marx, acha que não existe uma realidade única de religião. Analisada nessa perspectiva, a religião seria um fenômeno a-histórico. Daí que se deve analisar o fenômeno religioso no seu contexto histórico-social.

Para Gramsci, o Cristianismo, ao longo de sua história, passou por um processo de desagregação e contaminação doutrinária. O povo, a partir do século VII, deixou de entender o latim, língua oficial da liturgia católica e, sem controle da hierarquia, assumiu característica distintas e afasta-se dos dogmas pregados pelos "intelectuais" católicos. Assim surgiram várias formas e seitas diversas dentro do Catolicismo: "Há um catolicismo dos camponeses e um catolicismo dos pequenos-burgueses, um catolicismo das mulheres e um catolicismo dos intelectuais, também este variado e desconexo." ( In. STACCONE, 1991: 193)

A Igreja católica romana desenvolveu ao longo de sua história, um enorme esforço para evitar a formação de duas religiões: uma ortodoxa dos "intelectuais" e outra " popular", do povo simples. E a força utilizada pelo bloco católico para a unidade ideológica foi a política, a força da coerção utilizada especialmente momentos de debilidades do aparelho ideológico da Igreja, marcado historicamente no período da Reforma Protestante. A Contra-Reforma, com a Companhia de Jesus - os Jesuítas - e as missões, será a resposta da Igreja para impor sua hegemonia.

A partir de então, inicia-se a luta da Igreja contra a modernidade, quando , segundo Gramsci, ela perdeu a hegemonia sobre a sociedade civil na Europa: "A Igreja, com a Contra-Reforma, desligou-se definitivamente das massas dos "humildes" para servir aos "poderosos". (In. STACCONE, 1991: 220). As "heresias" e outros movimentos de contestação à hierarquia, configura a ruptura entre a Igreja e o povo simples, em especial os camponeses... Em relação aos movimentos camponeses, há uma divergência entre Gramsci e Engels: para Gramsci a Reforma é um movimento popular, enquanto Engels. . .

A maior contribuição de Gramsci para o estudo do fenômeno religioso, portanto, situa-se na sua abordagem da religião como uma forma histórica de ideologia, inserida no contextual cultural das sociedades...s é foi movimento iniciado por intelectuais – Lutero, Calvino – e uma revolução camponesa dirigida também por intelectuais ( Münzer).


BIBLIOGRAFIA

GRAMSCI, Antônio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1978.
_____Cartas do Cárcere. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
_____Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilizção Brasileira, 1981
PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questão religiosa. São Paulo: Paulinas, 1984.
STACCONE, Giuseppe. Filosofia da religião – O pensamento do homem ocidental e o problema de Deus. Petrópolis: Vozes, 1991.


 (*) Historiador e professor aposentado da UFPE.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Partido da Esquerda Europeia


Por Aluizio Moreira  



Com certeza muitos dos nossos leitores jamais ouviram falar ou leram a respeito do Partido da Esquerda Europeia e menos ainda do seu último Congresso realizado nos finais de 2013.

Evidente que o termo esquerda, para muitos analistas já caiu em desuso há muito tempo, e consideram que a esquerda como movimento ou como tendência político-ideológica não mais existe. Não faz parte do vocabulário da chamada pós-modernidade. Outros incluem na esquerda uma gama tão ampla de grupos e partidos, que chega a descaracterizar o que se possa considerar esquerda. 

Lembro-me de um relato bastante esclarecedor que nos vem de István Mészáros que ao tratar do socialismo em “Atualidade histórica da ofensiva socialista” (1) admitiu que muitos partidos considerados representantes da velha social-democracia europeia (esquerda,portanto), teriam  traído os trabalhadores, esquecendo  suas propostas históricas, mesmo limitadas, de luta contra o capital, e tomando medidas legislativas conservadoras, inclusive abolindo conquistas trabalhistas em beneficio do empresariado local.  E cita Tony Blair do Partido Trabalhista  da Inglaterra, que em discurso proferido em 1º de abril de 1995, referiu-se ao seu partido como “partido do empresariado e das modernas indústrias na Inglaterra”. (MÉSZÁROS, 2010, p. 12).   

Bem, concordemos ou não com a existencia hoje, da esquerda (2), o fato é que uma nova força politica tem crescido na Europa, mesmo considerando a existência de duas, ou até quem sabe! várias esquerdas europeias. (3)

Voltando ao Partido da Esquerda Européia.(4)

Com séde em Bruxelas, o PEE foi fundado em 2004 no Congresso realizado em Roma nos dias 8 e 9 de maio, inicialmente congregando o Grupo Parlamentar da Europa, a Esquerda Unitária Européia e a Esquerda Nordica Verde, agrupando hoje considerável número dos partidos comunistas e socialistas europeus, bem como várias forças de esquerda que assumem uma posição anticapitalista.

Até onde sabemos, os membros do Partido da Esquerda Europeia são, entre outros: na Alemanha o Die Linke (A Esquerda), na Áustria o Partido Comunista da Áustria, na Bélgica o Partido Comunista de Valonia, na Bielorrussia o Partido Bielorrusso de Esquerda, na Bulgária a Esquerda Búlgara, na Espanha a Esquerra Unida i Alternativa (EUiA), a Esquerda Unida e o Partido Comunista de Espanha, na Finlândia a Aliança de Esquerda e o Partido Comunista da Finlândia, na França a Esquerda Unitária e o Partido Comunista Frances, na Grécia a Coligação da Esquerda Radical, na Hungria o Partido dos Trabalhadores da Hungria, na Itália o Partido da Refundação Comunista, em Portugal o Bloco de Esquerda, na Suíça o Partido do Socialismo Democrático, na Romênia o Partido da Aliança Socialista.

O II Congresso relizou-se na cidade de Praga nos dias 23 a 25 de novembro de 2007.

De 3 a 5 de dezembro de 2010, realizou-se em Paris, o III Congresso. 

Nos dias 13 a 15 de dezembro de 2013, em Madrid, aconteceu o IV Congresso, no qual foi elaborado um documento político sob o titulo “Unidos por una alternativa de izquierdas para Europa”, no qual, partindo de uma análise da crise atual do capitalismo, aponta para o papel decisivo das forças da esquerda européia como alternativa ao fracasso da estrutura do capitalismo globalizado. 

Na parte introdutória do referido documento, considera que


A Europa está atravessando a pior crise de sua história, desde a década de trinta e após a Segunda Guerra Mundial. O Projeto europeu concebido pelas classes dominantes em prol da paz e do progresso social se transformou em pesadelo porque se vê é um brutal retrocesso social. A Europa chegou a esta situação pela crise do sistema financeiro capitalista, cm consequências sociais e ambientais globais que tem atingido a humanidade e o planeta com uma violência sem precedentes. 

Admite mesmo “uma alternativa socialista para a humanidade livre da exploração e da opressão e violência capitalistas.”


Entre as propostas aprovadas nesse IV Congresso, destacam-se:

1-garantia do emprego, desenvolvimento  social,ecologico e solidario
2-independência dos povos em relação ao mercado financeiro, ou  seja, defesa de uma economia voltada para o bem dos seres humanos
3-defesa da soberania popular e avanço da democracia
4-cooperação entre o povos da América Latina, Ásiae   Africa
5-organização anualmente  de um Forum Alternativo Europeu que reunirá as forças da esquerda europeia para discussão e ações politicas em defesa de uma Europa unida e socialista.

Esse projeto, segundo o documento, só será viabililizado se houver uma união das forças da esquerda, que inclua os movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, ativistas que sob varias formas possam colaborar com as discussões acerca das alternativas ao modelo capitalista. 

O Congresso concluiu seus trabalhos, com a indicação de Alexis Tsipras, lider do partido Syriza (Coligação da Esquerda Radical) da Grécia para concorrer à presidência da Comissão Europeia (5). Ao mesmo tempo os congressistas reelegeram Pierre Laurent, do Partido Comunista Frances, presidente do Partido da Esquerda Europeia (6)


Notas:

(1) Mészáros, István. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao sistema parlamentar. São Paulo: Bomtempo 2010.
(2) Admitimos mesmo que os partidos considerados socialistas ou de esquerda, ao assumirem o governo ou a ele se aliarem, se posicionando com praticas conservadoras, de alguma forma reforça a ideia da aceitação da inexistencia  da esquerda.  
(3) A propósito, para Michael Löwy, existem dois tipos de esquerda na Europa: uma esquerda oficial, representada por governos de centro-esquerda, defensora o neoliberalismo, e uma outra esquerda, a chamada esquerda radical, que combate a desigualdade, a injustiça, que luta em defesa da criação de uma comunidade politica livre  igualitária.
(4) Não se deve confundir o PEE com a Esquerda Anticapitalista Europeia (EACE), uma união informal de partidos de esquerda constituida em março de  2000.
(5) Instituição politicamente independente que representa e defende os interesses da União Européia, propondo ações e programas politicos, além de  aplicar as decisões do Parlamento Europeu.
(6) O sitio do Partido da Esquerda Européia é www.european-left.org

sábado, 4 de janeiro de 2014

LÊNIN, Vladimir Ilitch Ulyanov


Vladimir Ilitch Ulyanov, revolucionário e teórico do marxismo, nasceu a 10 de abril de 1870 na pequena cidade russa de Simbirsk (depois Ulyanovsk). Seu pai, Ilya Ulyanov, funcionário do governo, era inspetor das escolas da província e sua mãe, Maria Alexandrovna Ulyanova, professora na mesma província de Simbirsk.

Terceiro dos sete filhos do casal Ulyanov, Lenin assistiu às prisões de seus dois irmãos mais velhos (Anna e Alexandre) por suas atividades políticas que culminaria com um atentado com participação de seu irmão, contra o czar Alexandre III. Por este ato, Alexandre Ulyanov foi condenado à morte e executado em maio de 1887.

Neste mesmo ano Lênin inicia seus estudos de Direito na Universidade de Kazan, onde sua participação em atividades políticas, termina provocando sua expulsão da Instituição.
  
No inicio da década de 1890 formou um grupo marxista em São Petersburgo (depois Petrogrado), integrando-se às atividades revolucionárias, ocasião em que conheceu Nadejda Krupskaya que viria a ser sua esposa.

Em 1891 submeteu-se aos exames na Universidade de São Petersburgo, formando-se  em Direito, passando a exercer a advocacia durante poucos meses na cidade de Samara, sobretudo na defesa de camponeses em litígios com os grandes proprietários de terra.
  
Familia Ulyanov
Muda-se em 1893 para São Petersburgo, onde adere ao marxismo, passando a fazer trabalhos de propaganda e doutrinamento, realizando várias tarefas políticas e partidárias junto ao grupo “Libertação do Trabalho”, organização da qual participavam Plekhanov, Axerold e  Zassoulich. 

Por esta ocasião escreveu seu primeiro panfleto politico “Quem são os amigos do povo e como eles lutam contra os social-democratas”(1), que circulou clandestinamente, fruto de suas atividades em Samara.

Em 1895, fundou a Liga da Luta pela Emancipação da Classe Operária, consolidando a formação de grupos marxistas na cidade. Como um partido revolucionário embrionário, a Liga foi ativa entre as organizações russas de trabalho. Em 7 de dezembro de 1895, Lênin foi preso por conspirar contra o czar Alexandre III, ficando em reclusão durante 14 meses.

Em fevereiro de 1897, ele foi exilado para o leste da Sibéria oriental, casando-se no ano seguinte com  a militante socialista Nadezhda Konstantinovna Krupskaya.

Em abril de 1899, publicou o livro "O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia", sob o pseudônimo de Vladimir Ilyin; um dos trinta trabalhos teóricos que ele escreveu no exílio.

Terminado o seu exílio em 1900, Lênin vai para a Suíça onde se encontra com Plekhanov com quem funda o jornal “Iskra”, que recebe em 1902 mais um  redator, Leon Trotsky, que Lênin encontrara numa viagem que fez a Londres.

Em 1903 no II Congresso do Partido Social-Democrata realizado em Bruxelas e Londres, surge uma cisão no seio do Partido que leva à formação de duas tendências opostas: bolcheviques (sob a liderança de Lênin) e mencheviques (liderada por Julius Martov).

Discursando em praça pública
Em 1905, os movimentos grevistas que espalham por em Moscou, terminam em violento massacre pelas forças czaristas contra os operários (Domingo Sangrento). Em novembro do mesmo ano, Lênin retorna a Rússia passando a apoiar a greve geral deflagrada em Moscou. As perseguições políticas obrigam Lênin a deixar mais uma vez a Rússia, fugindo em dezembro de 1907 para a Finlândia, passando a maior parte do tempo residindo em Genebra e Paris.

Durante a Primeira Guerra Mundial no ano de 1917, deflagrou-se nova insurreição popular em São Petersburgo, que culmina com a deposição  do czar Nicolau II formando-se um Governo Provisório de tendência liberal, com o consentimento do soviete (assembléia de deputados operários) de Petrogrado, composto majoritariamente de mencheviques.

A concessão pelo Governo Provisório de uma anistia geral, permitiria a volta de Lênin à Rússia.  Como se encontrava em Zurique, o caminho de volta se daria via França ou Inglaterra, que criara dificuldades, presume-se, pela proposta assumida por Lênin de pressionar seu país para se retirar do conflito,  pois isso significava que os aliados iriam perder uma frente de combate, favorecendo o Kaiser. Talvez também por isso, o governo alemão permite Lênin chegar à Rússia atravessando a Alemanha. Finalmente V.I.Lênin chegou ao seu país em 16 de abril de 1917.

O crescente enfraquecimento do Governo Provisório,  agora encabeçado por Aleksandr Kerenski que substituíra Lvov em julho de 1917,  favoreceu a ascensão dos bolcheviques sob o seu lema: "paz, terra e pão"  e, após conseguiram a maioria no soviete de Petrogrado, em setembro, decidiram tomar o poder. A revolução consumou-se com a derrubada de Kerenski e a reunião do Congresso Pan-Russo dos Sovietes que criou um Conselho de Comissários do Povo presidido por Lênin e com Trotsky assumindo as Relações Exteriores. Era 7 de novembro de 1917.

A partir daí,  as Histórias da recém criada União Soviética e do Movimento Comunista Internacional  estarão ligados ao nome de Lênin: a fundação em da III Internacional (1919), o enfrentamento das agressões internas e externas contra o novo regime (1918-1920), a instauração da Nova Política Econômica (1921), criação da URSS (1922).

Em maio de 1922, Lênin sofre o primeiro ataque de hemorragia cerebral com a paralisia do lado direito do corpo e dificuldade de fala. Em outubro voltou a trabalhar novamente. Em 9 de março de 1923 teve um novo ataque mais violento, viveu oito meses inválido e faleceu em 21 de janeiro de 1924.

Dentre o grande número de obras escritas por Lênin (ao todo são 33 volumes sem incluir suas correspondências) salientamos: “O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia” (1899); “Que fazer?” (1902); “Um passo em frente, dois passos atrás” (1904); “Duas táticas da social-democracia na Revolução Democrática” (1905); “Materialismo e empiriocriticismo” (1909); “Sobre o Direito das nações à autodeterminação”(1914); “Imperialismo, etapa superior do capitalismo” (1917); “O Estado e a Revolução” (1918); “A doença infantil do 'esquerdismo' no comunismo” (1920).

Nota:
(1) É necessário lembrar que a partir da II Internacional (1889-1914) social-democracia passou a significar tendência conciliadora, reformista, dentro do movimento socialista internacional. (Ver nossa postagem em 08/06/2012).


(Dados compilados por Aluizio Moreira)



Fontes:
Arquivo Marxista na Internet
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais.São Paulo:Expressão Popular,2006.
BRAVO, Gian Mario. Historia do socialismo. Lisboa:Europa-America, 1977, 3 vols.
COLE, G.D.H. Historia del pensamiento socialista.Mexico:Fondo de Cultura, 1957-1960, 7 vols.
DROZ, Jacques (Dir). Historia geral do socialismo. Lisboa: Horizonte, 1972-1977, 9 vols.
HOFMANN, Werner. A historia do pensamento do movimento social dos séculos 19 e 20. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1984.