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Cartaz da Associação Internacional dos Trabalhadores Industriais (IWW).
Fundada em Chicago (1905) teve influência marxista em diversos
períodos de sua história |
Crise econômica provoca reedição de livo que narra trajetória de 150 anos. Autor prevê: país viverá novamente intensas lutas sociais
Por Renato Pompeu, em Retrato do Brasil
A esmagadora maioria dos brasileiros, mesmo entre o público culto em geral e o de esquerda em particular, imagina que o marxismo é uma presença negligenciável nos EUA, país famoso porque lá mesmo as camadas populares são partidárias do individualismo e da privatização total da economia – em suma, do liberalismo mais radical. No entanto, se mantém nos EUA uma tradição marxista que já dura mais de 150 anos sem outras quebras de continuidade que não a mundialmente bem conhecida dança das diferentes correntes, ora predominando umas, ora ascendendo outras.
Prova disso é o livro Marxism in the United States – a history of the american left, de autoria do historiador, professor universitário e militante Paul Buhle, 69 anos, lançado este ano pela Verso, em terceira edição revista e atualizada. A primeira edição surgiu em 1987, e a segunda, apenas quatro anos depois, em 1991, o que demonstra o grande interesse que a obra despertou entre o público americano naqueles anos de crise financeira. Retomada a “normalidade” capitalista, o interesse por uma terceira edição só surgiu agora, com os sofrimentos da população americana em meio à crise estrutural que se arrasta desde 2008.
A intensa atenção despertada por esse livro, em meio a muitos outros sobre o marxismo americano que foram editados ao longo de décadas nos EUA, se explica por dois motivos principais. Em primeiro lugar, ele cobre todos os períodos da história do marxismo nos EUA e não se cinge a uma época específica. Assim, Buhle fala dos imigrantes socialistas que formaram a espinha dorsal do marxismo americano desde meados do século XIX; da nova fase surgida com a fundação do Partido Comunista dos Estados Unidos da América, na esteira da Revolução Russa, dos êxitos desse partido com a grande influência da chamada Frente Popular nos anos 1920 e 1930; da crise e das divisões nos anos 1950, especialmente a divisão em 1957 entre os pró-soviéticos e os que ficaram profundamente afetados pelas revelações, na própria União Soviética, em 1956, dos crimes lá cometidos em nome da construção do socialismo – incluindo-se nesses anos a perseguição macarthista, ela própria uma demonstração de que o marxismo se tinha tornado uma presença importante nos EUA: a participação dos comunistas no movimento antirracista, em que eles foram o foco crucial do apoio branco aos movimentos negros; o surgimento nos anos 1960 e 1970 de um poderoso marxismo fora do PC e entre os meios que lutavam contra a Guerra do Vietnã; e, finalmente, as peripécias do marxismo americano desde aquele auge até o presente século XXI.
A segunda razão do grande interesse despertado pelo livro é que ele não defende explicitamente corrente nenhuma das numerosas vertentes do marxismo americano. Embora tenha pertencido ao Partido Socialista dos Trabalhadores e ao Estudantes por Uma Sociedade Democrática e seja atualmente um dos líderes do Movimento por uma Sociedade Democrática, Buhle, que se considera um marxista não ortodoxo, trata as diferentes correntes marxistas do ponto de vista de um historiador tanto quanto possível isento, sopesando os pontos fortes e fracos de cada tendência e de cada momento.
Para termos uma ideia da importância do marxismo na cultura americana e da relevância do marxismo americano para a civilização globalizada, basta citarmos, pela ordem alfabética do sobrenome, alguns dos personagens do livro de Buhle que tiveram papel saliente, favorável ou desfavorável, na constituição do marxismo nos EUA: o filósofo Thomas Adorno, o economista Paul Baran, o cantor Harry Belafonte, o poeta William Blake, o ator Humphrey Bogart, o pesquisador Harry Braverman, o militante sem-terra Cesar Chavez, o escritor Stephen Crane, o líder progressista John Dewey. Constam ainda da lista o poeta T. S. Eliot, o psiquiatra e militante Franz Fanon, o escritor William Faulkner, o físico Enrico Fermi, o escritor Gustave Flaubert, os psicanalistas Sigmund Freud e Erich Fromm, a atriz Greta Garbo, o poeta Heinrich Heine, a escritora Lillian Hellmann, o filósofo Max Horkheimer, o dramaturgo Henrik Ibsen, o político Jesse Jackson, o crítico literário Fredric Jameson, o cineasta Spike Jones, o reverendo Martin Luther King Jr, o cientista político Karl Korsch. Engrossam a relação o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o presidente Abraham Lincoln, o jornalista Walter Lippman, o escritor Jack London, o ator Bela Lugosi, a atriz Jeanette MacDonald, os sociólogos C. Wright Mills e Lewis Mumford, o presidente Richard Nixon, o escritor George Orwell, a escritora Dorothy Parker, o poeta Ezra Pound, o presidente Ronald Reagan, o jornalista John Reed, o cantor Paul Robeson, o presidente Franklin Roosevelt, o escritor Upton Sinclair, o cantor Bruce Springsteen e o economista Paul Sweezy.
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Paul Buhle, o autor, considera-se marxista não-ortodoxo e vê corrente
com força ampliada em todo o mundo |
Como se vê pela simples lista de alguns nomes citados por Buhle, o marxismo está longe de ser algo à margem da sociedade americana. Pelo contrário, está ligado a aspectos centrais da cultura e da sociedade dos EUA. No entanto, nestes momentos de crise estrutural do capitalismo internacional e particularmente do capitalismo americano, que vive uma estranha situação de recuperação do PIB combinada com o agravamento do empobrecimento da população pela continuidade do desemprego agudo, talvez mais importante do que relembrar os auges do esquerdismo nos EUA nos anos 1920 e 1930 e nos anos 1960 e 1970 seja assinalar a grande novidade da nova edição do livro de Buhle: o estado do marxismo americano de 1991 até os dias de hoje.
Ele assinala inicialmente que as antigas interpretações do marxismo adotadas pelos imigrantes europeus, pelos americanos influenciados pelas grandes greves do começo do século XX, pelos adeptos de Stalin e de Trotski nos anos posteriores hoje parecem estar a anos-luz de distância e não deixaram herdeiros à altura de seu rigor teórico e de seu empenho na militância. Quanto à Nova Esquerda dos anos 1960 e 1970, para usar os termos consagrados por Friedrich Engels, deixou herdeiros que abandonaram o “socialismo científico” e o marxismo pelo “socialismo utópico” secularmente tão desprezado e ultimamente tão vigoroso nos EUA – e, podemos dizer, em muitos outros lugares do mundo, como se pode ver no chamado “socialismo internético”.
Mas, por outro lado, se o marxismo vai mal, Marx vai bem na Europa, na Ásia e na América do Sul, diz Buhle. Nunca como hoje em dia os textos do pensador alemão foram lidos e debatidos em escala global por tantas pessoas nesses continentes e, em menor escala, na própria América do Norte. Ele sustenta que os antigos marxismos dependiam ou de afinidades eletivas entre adeptos de diferentes versões empobrecidas das teorias e constatações de Marx, seja da Segunda, Terceira ou Quarta Internacionais, ou do poderio político e econômico dos antigos Estados socialistas. Agora, diz Buhle, está surgindo uma verdadeira massa crítica globalizada de pessoas que realmente entendem pelo menos grande parte do que Marx pretendeu dizer, e não uma versão vulgarizada disso.
Especialmente, acresce Buhle, é notável o fato de que a proporção de jovens entre os interessados em estudar Marx é globalmente maior em relação aos mais velhos mesmo em comparação com os chamados “anos de ouro” da juventude mundial, as décadas de 1960 e 1970. Ao mesmo tempo, não é possível manter as velhas certezas do antigo marxismo e não se tem noção do que é que realmente se pode fazer com as ideias hoje bem mais conhecidas do próprio Marx. Em suma, a maior formação teórica não se traduziu até agora em palavras de ordem práticas, embora, defende Buhle, a situação crítica da economia e da maioria da população esteja fazendo o mundo em geral e os EUA em particular literalmente “gritarem” por socorro em busca de novas soluções.
Um exemplo dessa situação que exige novas ideias a partir das observações de Marx, destacado por Buhle, é o clima de mobilização popular que acompanhou a primeira campanha eleitoral e a primeira posse de Barack Obama como presidente dos EUA. De alto a baixo e mais de baixo para cima do que de cima para baixo, nunca houve mobilizações de massas e massas tão progressistas e tão dinâmicas – avalia Buhle – quanto naquela ocasião, mais até do que nos movimentados anos da Frente Popular nos anos 1930. Não houve, porém, a formação de uma liderança política que transformasse esses anseios das grandes massas em ações políticas, sociais e econômicas que obrigassem Obama a não ser, como está sendo, mais um presidente-imperador dos EUA.
Pode-se esperar, diz Buhle, que nos anos vindouros, nos EUA, ocorram mobilizações “macroscópicas” como a Primavera Árabe e não “microscópicas” como a que ocorreu recentemente no estado americano de Wisconsin, quando o governo estadual deixou de reconhecer os sindicatos dos trabalhadores do setor público. O autor especifica: “Assumir a visão de longo prazo, captando os significados das continuidades, particularmente as ocultas à primeira vista, tanto capitalistas como anticapitalistas, pode ser a contribuição mais útil” que a nova geração de interessados em Marx pode dar.
De crucial importância é a constatação de Buhle de que não devem ser desprezadas e ignoradas, como faziam os antigos marxistas, as propostas não baseadas em Marx para a presente crise. Também ele julga crucial o movimento que se observa em várias partes do mundo daquilo que chama de “o retorno de Hegel”. O filósofo do idealismo objetivo alemão só esteve nas margens do marxismo do século XX, mas atualmente está mais no centro das preocupações dos jovens no mundo inteiro que estão estudando Marx.
Outra coisa importante é recuperar “os capítulos perdidos da história da esquerda americana”. De particular relevância é a observação de Buhle: desde os anos 1970, no que se refere à história da esquerda americana, “os novos eruditos adotaram energicamente diferentes métodos de pesquisa, bebendo de fontes que iam de jornais e histórias orais a dados do recenseamento, do folclore musical e das imagens icônicas, que pudessem oferecer um retrato preciso da vida da classe trabalhadora, tal como foi vivida e entendida por seus próprios participantes”. E o autor prossegue nesse raciocínio: “Poder-se-ia perguntar, após terem passado 40 anos, se a realidade da vida da classe trabalhadora no presente (especialmente, mas não somente, entre os trabalhadores brancos) pode incorporar de modo útil esse novo conhecimento. Mesmo assim, foi fácil ver, a partir da história viva de muitas comunidades de trabalhadores manuais e dos relacionamentos dos historiadores com estudantes e habitantes locais, que pelo menos algo do passado dos trabalhadores permanecia, especialmente entre os mais velhos”.
Em outras palavras, o radicalismo dos trabalhadores dos anos 1930 só sobrevive mais entre aqueles que viveram aqueles tempos. Apesar disso, conclui Buhle, “a história da vida da classe trabalhadora branca, porém mais especialmente da classe trabalhadora afro-americana e hispânica, era tudo, menos passado. Para os milhões de imigrantes que chegaram depois de 1965, na verdade, a maior parte da história estava no futuro americano”.