segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Löwy: Marxismo além do Progresso e do Trabalho




Pensamento de Marx está vivo, mas apenas se admitir suas próprias lacunas
e insuficiências - ouvir vozes rebeldes como as Mariategui, Benjamin e Rosa Luxemburgo



Michael Löwy, entrevistado por Marco Álvarez*, no site da Fundação Miguel Enríquez | Tradução: Vivian Neves Fernandes, da Brasil de Fato



O franco-brasileiro Michael Löwy é um dos mais destacados intelectuais revolucionários em nível mundial. O sociólogo e filósofo marxista é um dos principais impulsionadores da alternativa ecossocialista. Em uma entrevista para a Fundação Miguel Enríquez, do Chile, ele dialoga sobre o marxismo na América Latina, movimentos sociais, o novo internacionalismo e os desafios do anticapitalismo.


Michael, no seu livro O Marxismo na América Latina, você assinala três períodos na história do marxismo na região: um “período revolucionário”, a partir dos anos de 1920 até meados dos anos 30, no qual se sobressaem o aporte teórico de [José Carlos] Mariátegui e a experiência de insurreição em El Salvador, em 1932; um “período stalinista”, iniciado em meados dos anos 1930 até 1959, marcado pela hegemonia soviética; e um terceiro que você denomina “novo período revolucionário”, iniciado com o triunfo da revolução cubana. Continuando com essa classificação, como você denominaria a etapa do marxismo na América Latina dos últimos 25 anos e quais seriam suas principais características?

Michael Löwy: Boa pergunta… É difícil saber se o período revolucionário aberto pela Revolução Cubana segue até hoje, de alguma forma, ou se ele terminou logo depois de 1990 (derrota dos Sandinistas [Nicarágua], dos Acordos de Paz em El Salvador). Talvez o futuro nos dê a resposta. Outra hipótese é considerar terminado o capítulo iniciado em 1959 e definir os últimos 25 anos como “a batalha antineoliberal”: é um período no qual se ensaia, em vários países do continente, saídas do inferno neoliberal. Uma hipótese mais otimista seria falar de um período de “socialismo do século 21”, mas isso é, por enquanto, mais um horizonte de esperanças que uma realidade social. O que caracteriza esse período é: 1) a grande dispersão da referência marxista, que já não é limitada às correntes “clássicas” da esquerda; 2) a vitória eleitoral da esquerda na maioria dos países, mas com uma diferenciação muito clara entre os governos social-liberais (Brasil, Uruguai, Chile) e os anti-imperialistas (Venezuela, Bolívia, Equador), com várias situações intermediárias.

No prefácio da reedição do livro A Teoria da Revolução no Jovem Marx, você se refere às “numerosas lacunas, limitações e insuficiências de Marx e da tradição marxista” e sugere corrigi-las “por meio de um comportamento aberto, uma disposição a aprender e se enriquecer com as críticas e contribuições de outros setores”. Nesse contexto, como se expressaria esse comportamento aberto e quais são esses “outros setores” chaves para corrigir a teoria marxista e suas contribuições?

Em primeiro lugar, acredito que nós, os marxistas, temos que estar dispostos a aprender com os movimentos sociais: sejam os mais “clássicos”, como o movimento operário e o camponês, ou os mais “heterodoxos”, como o feminismo, o indigenismo, as redes de luta contra o racismo. Trata-se, nestes últimos casos, de problemáticas – as formas não classistas de opressão – pouco desenvolvidas na tradição marxista. Vale a pena também “reinventar” as outras correntes revolucionárias do socialismo – incluindo as que Marx e Engels já haviam “refutado” – como os socialistas utópicos, os anarquistas e o que eu chamaria de “socialistas românticos”: William Morris, Georges Sorel, Charles Péguy. Temos também que estar abertos às contribuições do pensamento social não marxista, de Max Weber a Sigmund Freud, ou de Karl Mannheim a Hannah Arendt, o que não significa, claro, aceitar todos seus apontamentos.

Mas penso que a principal insuficiência da tradição marxista – ainda que se encontrem alguns elementos importantes sobre essa temática na obra de Marx e Engels – é a questão ecológica. Uma reflexão marxista no século 21 tem que dar a isso uma importância central pela ameaça que representa, para a humanidade, o processo de destruição capitalista acelerada do meio ambiente e dos equilíbrios ecológicos (mudança climática). Isso implica uma revisão da visão tradicional do “desenvolvimento das forças produtivas” e mesmo do socialismo. O conceito de “ecossocialismo” busca traduzir essa nova visão ecológica e antiprodutivista da revolução socialista.

No Chile, desde 2011, encontramos um forte protagonismo dos movimentos sociais, como o estudantil, os regionalistas, etc. Que avaliação você faz desses movimentos sociais e qual deve ser, na sua opinião, a relação entre eles e as organizações anticapitalistas?

O movimento da juventude estudantil no Chile e a luta dos Mapuche são alguns dos movimentos sociais mais importantes da América Latina nos últimos anos. Creio que os anticapitalistas devem apoiar sem reservas essas mobilizações, tratando de impulsionar sua dimensão antissistêmica e fazendo propostas concretas que enfrentem a lógica do capitalismo neoliberal.

Duas das referências históricas do marxismo que você estudou são Walter Benjamin e Rosa Luxemburgo. Quais seriam, na atualidade, as principais contribuições ao marxismo dessas referências?

O que os dois têm em comum é a ênfase na luta de classes como eixo central do pensamento e da ação marxista. Rosa Luxemburgo representa uma das formas mais radicais da filosofia da práxis: é na ação coletiva, na luta, que se desenvolve a consciência de classe e a auto-organização dos oprimidos. Por isso, a democracia, ou seja, a participação efetiva da classe explorada nas decisões, é uma condição fundamental do processo de transformação revolucionária da sociedade.

Walter Benjamin se propôs a entender a história “à contramão”, do ponto de vista dos oprimidos. A partir dessa perspectiva, ele rechaça a visão burguesa – compartilhada por boa parte da esquerda – da história como “progresso”. Para ele, a revolução não é a conclusão de uma longa evolução “progressista”, mas a interrupção da cadeia milenar da dominação.

Você militou junto com Daniel Bensaïd [filósofo francês, teórico do movimento trotskista na França e dirigente da Quarta Internacional] durante muitos anos. Qual é, no seu ponto de vista, o principal legado teórico dele?

São muitas as contribuições de Daniel Bensaïd, mas a mais importante me parece ser seu apontamento – inspirado por Pascal e pelos trabalhos do marxista heterodoxo Lucien Goldmann – da revolução como “aposta melancólica”. “Aposta” porque não há nenhuma certeza no triunfo do socialismo, na emancipação dos oprimidos. O revolucionário só pode apostar em um futuro possível, jogando sua vida e sua ação nessa esperança, correndo o risco da derrota. E “melancólica” porque, até agora, os grandes revolucionários – Rosa Luxemburgo, León Trotsky, Che Guevara, Miguel Enríquez – foram derrotados e assassinados.

Você também escreveu bastante sobre Che Guevara. Onde você acredita que se encontra a vigência de seu pensamento?

Por um lado, no seu apontamento estratégico: “não há outra revolução a fazer – ou é revolução socialista ou caricatura de revolução”. Por outro lado, em sua tentativa, durante sua estada em Cuba, de propor um caminho em direção ao socialismo alternativo ao modelo soviético, com maior democracia e um conteúdo ético comunista. É um erro reduzir Guevara ao “guerrilheiro heroico”. Ele foi um dos pensadores marxistas mais importante da América Latina. O humanismo marxista dele encontra sua máxima expressão em seu internacionalismo, na convicção de que um comunista tem que sentir como uma agressão pessoal um golpe que atinge um lutador em qualquer país do mundo.

Você sempre foi um internacionalista. Existe um novo internacionalismo? De que forma se expressa hoje esse novo internacionalismo?

Parece-me que o novo internacionalismo, tal como se apresenta em movimentos como a Via Campesina, em iniciativas como o altermundialismo ou nos levantes dos “indignados”, tem um conteúdo anticapitalista e/ou antissistêmico. Já não apresenta, como nos anos 1960, a “solidariedade” com as lutas do Sul, mas sim uma aliança entre movimentos do Norte e do Sul contra seus inimigos comuns: o neoliberalismo, o FMI, o Banco Mundial, as multinacionais, o imperialismo. Os herdeiros das melhores tradições do internacionalismo do passado – os anarquistas, os marxistas da Quarta Internacional, os guevaristas – participam das mobilizações do novo internacionalismo.

Você é um dos grandes impulsionadores da alternativa ecossocialista. O livro O Que É o Ecossocialismo? compila vários artigos seus sobre o tema. A respeito disso, poderia explicar brevemente o que é o ecossocialismo e quais são seus principais fundamentos teóricos?  

O ecossocialismo reivindica a herança marxista, da crítica da economia política capitalista por Marx e o programa socialista. Ao mesmo tempo, se dissocia das vertente produtivistas do marxismo – que predominaram no curso do século 21 – e rompe com o modelo soviético (antidemocrático e antiecológico) de pretensa “construção do socialismo”.

Muitos ecologistas criticam Marx por considerá-lo um produtivista. Tal crítica nos parece equivocada: ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, a ideia que a produção de mais e mais mercadorias é o objeto fundamental da economia e da sociedade.

O objetivo do socialismo, explica Marx, não é produzir uma quantidade infinita de bens, mas sim reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhador tempo livre para participar da vida política, estudar, jogar, amar. Portanto, Marx proporciona as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notavelmente, do produtivismo capitalista. No primeiro volume de O Capital, Marx explica como o capitalismo esgota não só as forças do trabalhador, mas também as próprias forças da terra, extinguindo as riquezas naturais. Assim, essa perspectiva, essa sensibilidade, está presente nos escritos de Marx, e, no entanto, não foi suficientemente desenvolvida.

Uma reorganização do conjunto dos modos de produção e de consumo é necessária, baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população e a defesa do equilíbrio ecológico. Isso significa uma economia de transição ao socialismo ecológico, na qual a própria população – e não as “leis de mercado” ou um comitê político central autoritário – decidam, em um processo de planejamento democrático, as prioridades e os investimentos. Essa transição conduziria não só a um novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária, mais solidária e mais democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização ecossocialista, para além do reino do dinheiro e da produção ao infinito de mercadorias inúteis.

Quais seriam, na sua opinião, as principais tarefas das e dos militantes ecossocialistas nos países da América Latina?

Participar em todas as lutas e mobilizações socioecológicas, dos indígenas e dos camponeses contra a fúria destruidora do agronegócio e das multinacionais, com a juventude e a população periférica pelo transporte público e gratuito, etc. No seio dessas lutas, contribuir na tomada de consciência anticapitalista e na apresentação de propostas concretas e uma perspectiva alternativa radical, o ecossocialismo.

Para finalizar, você poderia falar sobre a importância que, na atualidade, adquire a unidade das e dos anticapitalistas?

Permita-me citar um bonito artigo de José Carlos Mariátegui para o Primeiro de Maio de 1924: “Uma variedade de tendências e grupos bem definidos e distintos não é um mal; ao contrário, é um sinal de um período avançado no processo revolucionário. O que importa é que esses grupos e essas tendências saibam como atuar em conciliação, frente à realidade concreta do dia a dia. (…) Que não empreguem suas armas (…) para ferir um ao outro, mas sim para combater a ordem social, suas instituições e seus crimes”.

É importante constituir, em um primeiro momento, uma Frente Única das e dos anticapitalistas, com base nas tarefas concretas da luta social e ecológica; e, em um segundo momento, tratar de criar, pela convergência de múltiplas correntes, uma Federação Anticapitalista capaz de atuar com uma perspectiva de transformação revolucionária da sociedade.

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*Marco Álvarez é diretor da Fundação Miguel Enríquez.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Mészáros: A disputa pelo Estado


Entrevista com István Mészáros, por Leonardo Cazes


István Mészáros é um dos mais destacados pensadores marxistas da actualidade. Nesta entrevista, a reflexão de fundo é muito mais importante do que esta ou aquela apreciação conjuntural. Publicada em Fevereiro, é possível que a valorização que fazia então de Syriza e Podemos não fosse hoje a mesma. Mas o essencial é o que afirma, com lapidar ironia: à frase de Rosa Luxemburg “socialismo ou barbárie” pode hoje acrescentar-se: “barbárie…se tivermos sorte”.
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No contexto do lançamento de seu novo livro, A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado, o filósofo marxista húngaro István Mészáros concedeu uma longa entrevista a Leonardo Cazes para o jornal O Globo, em que discutia alguns aspectos centrais da obra, como sua concepção de Estado, de democracia e da crise estrutural do capital, à luz de alguns dos protestos e mobilizações políticas que se vêm alastrando mundo afora. O resultado foi publicado parcialmente em fevereiro deste ano. A entrevista, contudo, supera em mais de três vezes o espaço disponibilizado pelo jornal. A pedido do autor, o Blog da Boitempo publica agora a versão integral da entrevista, enviada a nós diretamente pelo jornalista e revisada pelo tradutor Nélio Schneider. Também a pedido de Mészáros, a entrevista deve se somar ao apêndice das próximas edições ampliadas de A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado.
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Por que o senhor, no título de seu novo livro, comparou o Estado que se deve conquistar a uma montanha?

No sentido mais simples e direto, porque a estrada que devemos seguir para garantir nossa sobrevivência e nosso avanço está bloqueada por um obstáculo gigante – muitos Himalaias, um em cima do outro –, representado pelo poder de decisão global do Estado. E não podemos dar a volta nessa montanha, nem passar por cima dela. O perigo de fato consiste em que alguns poucos Estados nacionais têm o poder de destruir a humanidade inteira, um poder zelosamente defendido por eles como sua “segurança” e “autodefesa” nos seus confrontos, reais e potenciais, uns com os outros.
E, enquanto os Estados e a sua necessária rivalidade sobreviverem, a esmagadora maioria da humanidade não pode fazer absolutamente nada contra isso. Nada pode ser mais absurdo do que isso.
A ideia de que, na tentativa de superar as desigualdades estruturalmente arraigadas e saná-las de uma forma duradoura, as pessoas poderiam usar a “sociedade civil” contra o poder do Estado é extremamente ingênua, para dizer o mínimo. Tal como a presunção de chamar de “ONGs”, isto é, “Organizações Não Governamentais” essas organizações pateticamente limitadas que dependem, para o seu financiamento e funcionamento, dos recursos concedidos pelo Estado.
Essas mitologias autocontraditórias não podem oferecer soluções para os nossos piores problemas. O Estado é a estrutura política global de comando do sistema do capital em qualquer uma das suas formas conhecidas ou concebíveis. Sob as condições atuais não pode ser de outra maneira. É por isso que a ordem social reprodutiva do capital é antagônica ao seu núcleo e precisa da problemática função corretiva do Estado para transformar, num todo coeso, as partes constitutivas em conflito do sistema, na sua incurável centrifugalidade.
Houve um tempo em que esse tipo de correção não era só defensável, mas trazia consigo um avanço histórico que a tudo conquistava. Hoje, entretanto, a outrora bem-sucedida função corretiva do Estado falha em funcionar de forma duradoura, na medida em que a profunda crise estrutural do sistema do capital fica cada vez mais clara. O resultado é uma destruição ainda maior, não apenas em incontáveis guerras, mas também da natureza.
É por isso que argumento que a famosa frase de Rosa Luxemburgo, “socialismo ou barbárie”, precisa ser completada, para o nosso tempo para: “… ou barbárie, se tivermos sorte”. A aniquilação da humanidade é a nossa sina se falharmos na conquista dessa montanha que é o poder destrutivo e autodestrutivo das formações estatais do sistema do capital.
No mundo atual, os Estados nacionais parecem ter cada vez menos poder diante de organismos financeiros internacionais e mesmo de organizações políticas interestatais, como a União Europeia. Assim, qual é esse Estado que se deve conquistar?
A alegada redução do poder dos Estados-nações é um grande exagero alardeado por governos com o objetivo de justificar seus fracassos em promover até mesmo as limitadíssimas reformas sociais solenemente prometidas por eles. Os fatos mostram o contrário. Cito apenas alguns exemplos: o Syriza, respaldado por larga margem de votos, está tentando hoje afirmar os interesses gregos contra o FMI e a União Europeia. No Reino Unido, nas eleições gerais de maio próximo, o partido que deve ter o maior crescimento percentual em número de votos é o Partido Independente do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês). Além disso, sob o impacto do crescente sucesso do UKIP, o Partido Conservador (do primeiro-ministro David Cameron) está ameaçando deixar a União Europeia caso não ocorram mudanças no bloco que atendam aos interesses do país.
A propósito, não se pode excluir a possibilidade de que a própria União Europeia acabe. Ainda mais representativo foi o plebiscito, realizado meses atrás, sobre a independência da Escócia. O percentual de eleitores que apoiaram a independência atingiu a impressionante marca de 45%, o que provavelmente levará à sua realização quando eles puderem votar sobre esse assunto novamente. Ao mesmo tempo, a Catalunha, na Espanha, está tentando afirmar os seus interesses no mesmo sentido, como mostram as votações recentes. Na Bélgica, temos contradições parecidas, em alguns casos com manifestações violentas, e também na Itália, na região do Alto Adige, há um forte movimento pressionando por independência. E não devemos esquecer que, na Europa Central, não faz muito tempo que a Eslováquia se separou da atual República Tcheca.
Assim, a realidade não é a eliminação das aspirações dos Estados nacionais, mas o superaquecimento de um caldeirão de perigosos antagonismos e contradições em vários níveis, todos situados entre os atuais Estados nacionais e aqueles que aspiram a tornar-se Estados nacionais e até mesmo as estruturas criadas para solucionar os antagonismos interestatais como União Europeia – que está muito longe de ser unificada.
A crônica falta de solução para esses problemas oferece grandes perigos para a sobrevivência da humanidade. Por acaso deveríamos ignorar o fato de que os Estados Unidos estão ameaçando armar a Ucrânia contra a Rússia, com consequências potencialmente sérias e incalculáveis? Onde foram parar os dias de glória em que líderes políticos mundiais alardearam em alto e bom som “o fim da guerra fria”? E, para além do confronto entre EUA e Rússia, o que pensar do antagonismo, num horizonte não muito distante, entre EUA e China – os mais poderosos dos Estados nacionais – na disputa acirrada pelos recursos naturais do planeta?
Trata-se de um antagonismo ainda limitado, mas com uma inegável tendência a intensificar-se. Estados nacionais rivais são totalmente incapazes de oferecer uma solução para esses antagonismos. Nenhuma organização financeira internacional, nem as bem-intencionadas organizações políticas interestatais conseguem sequer arranhar a superfície de problemas tão graves.
A gigantesca falha histórica do capital foi – e continua sendo – sua incapacidade de constituir o sistema do capital como um todo, enquanto irresistivelmente proclama os imperativos do seu sistema como as determinações materiais diretas da ordem reprodutiva do capital em escala global. Essa é uma enorme contradição. Antagonismos interestatais numa escala potencialmente autodestrutiva – um presságio foram as duas guerras mundiais do século passado quando ainda não tinham sido completamente desenvolvidas as atuais armas de autodestruição total – são a consequência necessária dessa contradição.
Portanto, o Estado que devemos conquistar para a sobrevivência da humanidade é o Estado tal como nós o conhecemos, chamado de Estado em geral na sua realidade existente, como foi articulado ao longo do curso da história, e capaz de se afirmar apenas na sua modalidade antagônica tanto internamente quando nas suas relações internacionais.

O senhor aponta que o Estado tal como nós o conhecemos está fundado numa determinada ordem sociometabólica capitalista. É preciso conquistar o Estado para transformar essa ordem? Ou só a transformação da sociedade criará as condições para a transformação do Estado?

O Estado em si não pode refazer a ordem social reprodutiva do capital porque é uma parte integrante dela. O grande desafio da nossa época é a necessária erradicação do capital da nossa ordem sociometabólica. E isso é inconcebível sem erradicar, ao mesmo tempo, as formações estatais do capital historicamente constituídas em conjunção com a dimensão de reprodução material do sistema e inseparável dela.
O fato de o Estado, como a correção necessária para a centrifugalidade incurável do capital, poder se impor às partes constitutivas, sempre em nocivo conflito, de determinada ordem social não significa que o Estado possa impor arbitrariamente qualquer coisa imaginada pelas personificações políticas do capital. Pelo contrário, a imposição corretiva do Estado é objetivamente orientada pelo imperativo autoexpansionista da ordem reprodutiva material do capital. Uma ordem completamente incapaz de reconhecer algum limite a sua autoexpansão, gerando então uma contradição fatal. A insustentabilidade final dessa contradição é revelada pelo fato de que o que é internamente – no âmbito nacional – um requisito e uma conquista autoexpansionista de tendência internacional se tornam problemáticos e potencialmente autodestrutivos. A realidade repressiva do imperialismo monopolista e de suas guerras não é inteligível sem essa perversa dinâmica autoexpansionista instituída pelos Estados mais poderosos.
Assim, para que a tomada de decisão global no processo sociometabólico seja radicalmente alterada, é necessária a eliminação da já mencionada contradição fatal entre a dinâmica interna de reprodução produtiva do sistema e a tendência repressiva internacional inseparável dela, como vivido na ordem social do capital salvaguardada e defendida pelo Estado.

Alguns intelectuais veem a crise financeira iniciada em 2008 como uma crise do capitalismo. Para salvar os bancos, houve um endividamento gigantesco dos Estados. Esta crise do capitalismo é também uma crise do Estado?

Sem dúvida, a crise de que estamos falando é também a crise profunda do Estado. Os defensores do sistema passaram a promover a ilusão e o autoengano de que o Estado resolveu com sucesso a crise, despejando fundos astronômicos de trilhões de dólares no buraco sem fundo do capital quebrado. Mas de onde vieram esses trilhões astronômicos? O Estado como inventor desses fundos não é produtor de nenhum deles, mesmo que finja ser o distribuidor soberano com seus dispositivos, mais ou menos abertamente cínicos, de “quantitative easing [flexibilização quantitativa]” etc. No entanto, a amarga verdade é que a maioria esmagadora dos Estados está quebrada – a quantia chega a 57 trilhões de dólares de acordo com os números mais recentes –, não importando o quanto consigam dissimular sua falência “ex officio”.
Há muitos anos, em um artigo escrito em 1987 e publicado pela primeira vez no Brasil em 1989, na revista “Ensaio”, citei uma fala do então presidente do Federal Reserve (o Banco Central norte-americano) no “Financial Times”, Robert Heller, defendendo que o déficit anual de US$ 188 bilhões na balança comercial norte-americana representava “a saudável continuação da expansão econômica atual”. E eu comentei isso com estas palavras: “Se US$ 188 bilhões de déficit na balança comercial, junto com déficits orçamentários astronômicos, podem ser considerados a continuação saudável da expansão econômica, é estarrecedor pensar o que serão as condições não saudáveis da economia quando nos defrontarmos com elas”. Agora estamos muito próximos disso.
ófico e a falência velada das mais poderosas economias capitalistas, sendo os Estados Unidos responsáveis por 20 trilhões de dólares dessa conta, que continua crescendo inexoravelmente. Isso prosseguirá, não importando quantas vezes os presidentes dos Bancos Centrais ainda venham com a cantilena do que chamam “condições saudáveis de expansão”.

No livro, o senhor parece acreditar que o chamado “fenecimento do Estado” é inevitável. O que o leva a acreditar nisso?

Neste caso não se coloca a questão da inevitabilidade. Dizer que o “fenecimento do Estado” é necessário significa apenas que se trata de uma condição vital exigida para a solução dos problemas em jogo. Mas isso não significa que essa exigência vá realizar-se inevitavelmente. Pelo contrário, aumenta o perigo de que o Estado, com seu gigantesco poder de destruição, dê um fim catastrófico a todo o esforço de transformação e emancipação, o que contraria toda a ilusão da chamada “inevitabilidade histórica”.
Não pode haver algo como “inevitabilidade histórica” em direção ao futuro. História é um destino aberto para o bem ou para o mal. Ressaltar a necessidade do “fenecimento” do Estado foi, em primeiro lugar, um meio de contestar a ilusão anarquista de que a “derrubada do Estado” pode resolver os problemas em disputa. O Estado em si não pode ser “derrubado”, tendo em vista o seu profundo entranhamento no metabolismo social. As relações capitalistas de propriedade privada de determinado Estado podem ser derrubadas, mas isso por si só não é uma solução. Tudo que pode ser derrubado pode também ser restaurado, e tem sido assim, como o destino da “Perestroika” de Gorbachev demonstrou amplamente. Capital, trabalho e o Estado estão profundamente interligados no todo orgânico do metabolismo social historicamente constituído. Nenhum deles pode ser derrubado sozinho, nem ser “reconstituído” separadamente.
A mudança exigida requer a transformação radical do metabolismo reprodutivo social na sua totalidade e em todas as partes profundamente interconectadas que o constituem. E isso só pode ser feito com sucesso em sintonia com as circunstâncias históricas em mudança, dentro dos limites do nosso planeta. Esse é o significado da alternativa socialista à ordem sociometabólica do capital, agora perigosamente sobrecarregada e perdulária. Essa alternativa não é uma questão de “inevitabilidade”. A inevitabilidade deve ser deixada para a lei da gravidade, segundo a qual as pedras lançadas por Galileu da torre inclinada de Pisa atingiriam o solo com toda certeza. É por isso que, na conclusão do meu livro, escrevi que “aquilo pelo que essa alternativa socialista clama é a exigência tangível de sustentabilidade histórica. E isso também é oferecido como o critérioe a medida de seu sucesso viável. Em outras palavras, o teste de validade em si é definido em termos da viabilidade histórica e sustentabilidade prática, ou não, como pode ser o caso” [p. 111-2].

Uma das principais críticas à concepção marxista da história é que ela seria muito teleológica. Esta concepção de que o colapso do Estado é inevitável não seria também um tanto teleológica?

Apenas marxistas dogmáticos mecanicistas argumentariam nesses termos. Marx nunca fez isso. Além do mais, sete décadas antes de “socialismo ou barbárie” de Rosa Luxemburgo, ele escreveu que a alternativa por ele defendida era necessária aos seres humanos “para salvar a sua própria existência”. Em outras palavras, se um pensador claramente afirma que a ação humana autodestrutiva em curso – que advém dos antagonismos internos e das contradições perigosas de certo sistema de reprodução social, estabelecido pelos próprios seres humanos – pode colocar um fim no desenvolvimento histórico, isso é o oposto da crença em uma misteriosa teleologia da inevitabilidade histórica, e não sua defesa.
De qualquer forma, indicar a crescente probabilidade do colapso ou da implosão é sempre muito mais fácil do que projetar em termos concretos algo como um mero o esboço de um resultado positivo viável. Porque este último depende de uma grande multiplicidade de fatores que interagem entre si, colocados em movimento por esforços humanos mais ou menos conscientes, confrontando-se uns aos outros em circunstâncias históricas confusamente complicadas e mudanças na relação de forças. É por isso que é tão importante o desenvolvimento de uma consciência social no âmbito de sistemas de valoresrivais, junto com seus requisitos educacionais. Não passaria de uma ilusão autodestrutiva esperar um resultado positivo aparecer através de uma agência supra-humana fictícia de alguma teleologia histórica quase messiânica preexistente.

O senhor é bastante crítico à “democracia representativa”, mas também não demonstra entusiasmo pela assim chamada “democracia direta”. Em vez disso, propõe uma “democracia substantiva”. Quais são as bases dessa democracia substantiva e como ela funcionaria?

A defesa feita por Rousseau de algo parecido com a democracia direta, abraçada na fase inicial da Revolução Francesa, tem uma precedência histórica sobre a democracia representativa. Esta última foi concebida mais como uma reação do que como uma forma original sustentável de controle político. Além do mais, não devemos esquecer que o grande filósofo liberal/utilitarista Jeremy Bentham começou sua carreira intelectual como opositor da Revolução Americana, no calor dos acontecimentos. A democracia representativa foi convenientemente adotada por muitos parlamentos, mas produz resultados muito limitados. Trata-se de uma forma de controle muito problemática até mesmo nos seus próprios termos de referência e nas conquistas que reivindica para si. A crítica feita por Hegel foi certeira quando ele escreveu em sua “Filosofia da história” que, nessa forma de administração política, “os Poucos supõem ser os deputados, mas eles são quase sempre apenas os exploradores dos Muitos”. Ele poderia ter apontado também que os Muitos não são simplesmente os “Muitos”, mas simultaneamente também os “Todos”. Mesmo que os Muitos possam ser verdadeiramente representados pelo Partido temporariamente dominante, isso ainda assim excluiria boa quantidade dos “Todos”, o que fez Hegel cogitar a tirania da maioria sobre a minoria. Mas é claro que ele não pôde ir além disso, dado o seu próprio horizonte de classe e sua concepção econômica, adaptada da economia política de Adam Smith com sua combinação de benção e maldição orientada para o capital.
Apesar dos seus méritos relativos em comparação com a democracia representativa, a ideia da democracia direta é também muito problemática. Ao se colocar como alternativa à democracia representativa no domínio político, ela ainda está muito longe de começar a perceber a grande tarefa histórica da transformação radical do metabolismo social em sua totalidade.

Por isso não surpreende nem um pouco que até seu contraexemplo institucional extremamente limitado dos “delegados revogáveis” em vez dos “deputados representativos” agora eleitos para o sistema político tenha se comprovado como totalmente incompatível, nos dois últimos séculos, com a ordem de reprodução social estabelecida.
Além disso, a sugestão bem-intencionada de pagar a esses delegados o mesmo que se paga aos trabalhadores de fábrica não deu em nada, embora tenha sido defendida apaixonadamente por Lenin no seu livro “Estado e revolução” e também depois da vitoriosa Revolução de Outubro. Nas sociedades capitalistas ocidentais, temos ouvido falar da virtude da proposta de ter trabalhadores ou até conselhos de trabalhadores participando diretamente do processo de decisão das empresas, como um elemento de democracia direta, esperando assim uma grande transformação da sociedade como um todo com o tempo.
Isso é como a raposa da fábula, ao pé da árvore, dizendo ao corvo, que segura no bico um enorme pedaço de queijo, como seu canto é lindo e pedindo que ele cante, na esperança de que ele deixe o queijo cair. Mas o corvo não é tão estúpido a ponto de alimentar a raposa e ficar com fome. A questão da democracia substantiva é um caso de processos decisórios vitais em todos os domínios e em todos os níveis do processo de reprodução social, com base numa igualdade substantiva. E isso exige a alteração radical no metabolismo social como um todo, substituindo o seu caráter alienado e a superimposição alienante de todo o processo de decisão política do Estado sobre a sociedade. Esse é o único modo em que a democracia substantiva pode adquirir e manter o seu significado.

Na Europa, na Ásia e na América Latina, as ruas foram ocupadas por protestos contra o poder estabelecido, sejam ditaduras ou democracias. Como o senhor avalia esses movimentos? Eles podem ser o motor de uma mudança fundamental da sociedade capitalista?

Sem dúvida nenhuma, estamos assistindo às mais notáveis demonstrações de protesto em todo o mundo nos últimos anos. Ao mesmo tempo, já que as demandas das pessoas nesses protestos de massa não foram atendidas, dificilmente se poderá duvidar que eles reaparecerão em todo o mundo e até mais intensamente se continuarem a ser frustrados. Contudo, seria imprudente pular para uma conclusão otimista tendo em vista a imensa dimensão desses movimentos de protesto mundiais. Não obstante, seria muito prematuro ver neles já o motor de uma mudança fundamental da sociedade capitalista. Esses movimentos de protesto são certamente prenúncios de uma necessária mudança fundamental. A magnitude dessa mudança fundamental exigida é indicada não apenas pelas demonstrações de massa que inequivocamente dizem “não” à perpetuação de múltiplas injustiças, mas também pela subsequente expressão de simpatia e solidariedade das massas que ainda não estão nas ruas.
Uma palavra de cautela é necessária, entretanto, porque é sempre mais fácil dizer “não” ao que existe de prejudicial do que elaborar uma alternativa positiva a ele. Se tomarmos a sustentabilidade histórica como critério e medida da alternativa exigida, devemos aplicá-la também aos movimentos de protesto de massa emergentes. Eles apareceram por todo mundo em geral de forma espontânea e numa grande variedade de formas, relacionadas à multiplicidade de suas queixas particulares.
Em algum ponto do futuro, entretanto, eles devem se unir numa força historicamente sustentável, caso queiram se tornar o que você descreveu corretamente como “o motor de uma mudança fundamental da sociedade capitalista”. Só podemos torcer para que essa coesão estratégica se manifeste rapidamente, antes que seja tarde demais.

A Europa tem assistido à ascensão de novos partidos de esquerda, muitas vezes classificados como “radicais”. O Syriza venceu as eleições na Grécia e o Podemos já é a segunda força política na Espanha. Como o senhor vê esses novos partidos? Que tipos de mudança são possíveis por dentro das estruturas atuais?

Syriza e Podemos são bons exemplos da resposta necessária à imposição das cruéis medidas de austeridade pelas autoridades financeiras e estatais internacionais à Grécia e à Espanha, agravadas pela submissão servil de seus respectivos governos nacionais. Mas muito além desses dois países, as medidas de austeridade desumanizantes estão se tornando visíveis e intoleráveis em muitas partes do mundo capitalista, incluindo aqueles países que uma vez pertenceram ao punhado de privilegiados do “Estado de bem-estar”.
O que torna esses partidos particularmente significantes não é apenas que nasceram na esteira de uma esquerda adormecida, mas também alcançaram uma grande massa de apoiadores em um período muito curto de tempo. Nesse sentido, eles claramente sublinham a insustentabilidade da ordem de reprodução social estabelecida que recorre a cruéis medidas de austeridade até na Europa do capitalismo avançado, depois de prometer por tanto tempo – e totalmente em vão – a difusão do bem-estar universal em todos os lugares do mundo.
A expectativa de sucesso dos movimentos mundiais de protesto, mencionados na pergunta anterior, pode ser bastante reforçada pelo desenvolvimento desses partidos. Mas também a esse respeito, uma concepção global estrategicamente viável elaborada por eles, em busca de uma alternativa à ordem existente que seja sustentável historicamente, continua sendo um requisito necessário.

Mais de 20 anos após o fim da União Soviética, por que o senhor acredita que a alternativa socialista não é só possível, mas também necessária?

Em termos históricos, 20 anos é um período muito curto. Isso é um fato especialmente quando a magnitude da tarefa que se apresenta é a da necessidade de mudança radical do sociometabolismo reprodutivo como um todo de uma ordem de desigualdade substantiva para outra de igualdade substantiva. E o desafio histórico para garantir uma ordem de igualdade substantiva não é uma questão das últimas décadas.
A demanda por essa mudança foi eloquentemente afirmada por Babeuf e seus camaradas da “Sociedade dos Iguais”, não há 20, mas há exatamente 220 anos, quando eles insistiram em que: “Não precisamos apenas da igualdade de direitos inscrita na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; precisamos dela em nosso meio, sob o teto das nossas casas”. Sua demanda era totalmente incompatível com a ordem do capital em consolidação, e eles foram executados por isso. Mas o desafio histórico não morreu com eles, já que envolve toda a humanidade. E nenhuma solução parcial ou o seu fracasso pode eliminar essa condição.
Os fatores que levaram à implosão do sistema soviético têm raízes muito profundas. Para citar muito rapidamente apenas duas: as contradições explosivas, herdadas dos czares, de um império multinacional que reprimiu suas minorias nacionais e a proclamação do “socialismo em um só país”, num contexto em que de fato prevalecia o sistema do capital pós-revolucionário. No que diz respeito à primeira contradição fatídica – cujas reverberações perigosas podem ser ouvidas ainda hoje –, Lenin defendia para as minorias nacionais o “direito de autonomia até o ponto de secessão”, e ele criticou incisivamente Stalin como um “nacional-socialista” arbitrário e “valentão da Grande Rússia”; ao passo que Stalin reduziu as minorias nacionais ao status de “região de fronteiras” indispensáveis para a manutenção do “poderio da Rússia”. Em relação à segunda deturpação fatídica, Stalin e seus seguidores afirmaram “a completa realização do socialismo em um só país”, em total contradição com a visão de Marx de que uma ordem social alternativa “só é possível como um ato dos povos dominantes de uma só vez e simultaneamente, o que pressupõe o desenvolvimento universal das forças produtivas e a inter-relação mundial a ele vinculado”.
Babeuf e seus camaradas tragicamente subiram ao palco da história antes da hora com a sua demanda radical. Naquele tempo, o capital ainda tinha o potencial de expansão através da conquista do mundo, mesmo que seu modo de operação nunca tenha podido superar as características problemáticas daquilo que até mesmo seus melhores defensores no campo da economia política descreveram como destruição criativa ou produtiva. Pois a destruição sempre foi parte integrante disso, tendo em vista o crescente desperdício inseparável da inexorável tendência autoexpansionista do capital, mesmo na fase de ascensão do seu desenvolvimento histórico.
A maior e mais perigosa ironia da história moderna é que a outrora tão incensada “destruição produtiva” se converteu, na fase descendente de desenvolvimento sistêmico do capital, em uma produção destrutiva ainda mais insustentável, tanto no campo da produção de mercadorias quanto no domínio da natureza, complementada pela ameaça definitiva de destruição militar em defesa da ordem estabelecida. É por isso que a alternativa socialista não só é possível – no sentido já mencionado de sua sustentabilidade histórica –, mas também é necessária, no interesse da sobrevivência da humanidade.
***
István Mészáros é autor de extensa obra, ganhador de prêmios como o Attila József, em 1951, o Deutscher Memorial Prize, em 1970, e o Premio Libertador al Pensamiento Crítico, em 2008, István Mészáros se afirma como um dos mais importantes pensadores da atualidade. Nasceu no ano de 1930, em Budapeste, Hungria, onde se graduou em filosofia e tornou-se discípulo de György Lukács no Instituto de Estética. Deixou o Leste Europeu após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália. Ministrou aulas em diversas universidades, na Europa e na América Latina e recebeu o título de Professor Emérito de Filosofia pela Universidade de Sussex em 1991. Entre seus livros, destacam-se Para além do capital – rumo a uma teoria da transição (2002), O desafio e o fardo do tempo histórico (2007) e A crise estrutural do capital (2009), A obra de Sartre, e O conceito de dialética em Lukács todos publicados pela Editora Boitempo.


FONTE: ODiario.info

sábado, 15 de dezembro de 2018

No que deu a colaboração de classes petista



Por Fausto Arruda
   

No início de século XXI a América Latina, principalmente a sua porção que vai da Venezuela ao Uruguai, vivia o desenvolvimento de uma situação revolucionária. A crise do sistema imperialista, a partir do interior da superpotência hegemônica única, o USA, com as bolhas especulativas nas bolsas de valores e logo com a grande crise do setor imobiliário, desatou crise financeira e econômica mundo afora.

A crise que estalou na Argentina e se estendeu ao Uruguai, Paraguai, Brasil, afetando inclusive o Chile e Equador, era parte da crise econômica internacional que produz permanentes problemas como as quedas das bolsas de Wall Street e da Europa, e a quebra de gigantescas empresas como a WorldCom, em meio a escândalos pela falsificação de balanços e outros. Tratava-se de uma crise do sistema capitalista em seu conjunto.

Em vários países como Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador as massas se levantaram em protestos cada vez mais massivos e violentos capazes de derrubar presidentes. No Brasil, o descontentamento e indignação das massas prestes a explodir em manifestações violentas foram desviados do caminho da luta para as ilusões eleitoreiras apregoadas pelos acenos de esperanças do PT. A vitória na farsa eleitoral levou Luiz Inácio e o PT à condição de gerente do velho e apodrecido Estado brasileiro, adiando por mais de 12 anos o levante levado a efeito pelos demais povos da América do Sul.

Em seu Editorial do nº 10, de junho de 2003, intitulado Novo governo de traição nacional, o AND apontava a conciliação e colaboração de classe como a base da traição nacional petista.

“O sincretismo político-ideológico que formou a elite petista não é tão mecânico e imediato quanto aparenta. A elite petista não se converteu recentemente. Não foi há poucos dias que concluiu cursos nos institutos contrarrevolucionários dirigidos pelo imperialismo, como o Iadesil (Instituto Americano para o Sindicalismo Livre), mas ela tem raízes profundas na ideologia e na política feudais, no capitalismo decadente do fascismo clássico e do fascismo sofisticado de nossos dias.

A elite petista, uma escória saída da pequena burguesia tecnocrática, foi absorvida, isto sim, pelos especialistas em negócios do governo e admitida na administração auxiliar do imperialismo em nosso país, principalmente, firmando um continuísmo regido à maneira das prefeituras municipais que se submetem ao poder centralizador, dominante. Não por acaso, a direção petista, quando ainda ensaiava os trejeitos debutantes que adotaria na rampa do poder, marcou orgulhosa a sua primeira medida - a de reconhecer obediência ao capital monopolista internacional.”.

Dando prosseguimento aos gerenciamentos pós-regime militar fascista, o gerenciamento petista manteve todos os acordos lesivos à nação brasileira, como os acordos com o FMI e o Banco Mundial, adotando as políticas ditadas pelo sistema financeiro internacional, como a nomeação de Henrique Meirelles, agente do FMI, para o Banco Central. Aceitando todas as modificações realizadas na revisão na Constituição de 1988, da qual foram retirados vários avanços, como a caracterização de empresa nacional, e sem providenciar a regulamentação de direitos pendentes na mesma, como o direito de greve.

Sua covardia diante da extrema-direita levou-o a fazer acordos para preservação de toda estrutura repressiva do regime e, inclusive, do currículo dos cursos de formação de oficiais da Forças Armadas, baseado na famigerada Doutrina de Segurança Nacional elaborada e imposta pelos ianques, ao final dos quais eram homenageados os “Generais ditadores” como patronos de cada turma. Não pararam aí os seus serviços ao latifúndio, à grande burguesia burocrática e ao imperialismo: para segurar a inquietação das massas adotou um projeto que combinava a aplicação das “políticas compensatórias” receitadas pelo Banco Mundial com programas tipicamente fascistas de corporativização das massas miseráveis para arregimentar “curral eleitoral” e massas de manobra. Embrulhou tudo no que pomposamente enunciou como “desenvolvimentismo popular”.

Associando-se ao latifúndio, travestido de agronegócio, boicotou a tímida reforma agrária da época de Cardoso, a demarcação de terras indígenas e quilombolas. Ressuscitou as surradas teorias desenvolvimentistas já comprovadas como tentativas fracassadas de salvar o capitalismo burocrático inerente às colônias e semicolônias. Enquanto levava à falência milhares de empresas nacionais, elegia meia dúzia de super-empreiteiras como as apadrinhadas pelo BNDES, concedendo-lhes isenções fiscais e juros subsidiados.

Prova da insuficiência de seu “desenvolvimentismo” é que o programa Bolsa Família não foi concebido como um programa emergencial enquanto não crescesse mais o mercado de trabalho. Ao contrário, essa “mão de obra” assistida passou sistematicamente a ter crescimento exponencial. Servindo-se dos vícios e privilégios da politicalha os petistas só fizeram reproduzir a velha ordem, inclusive aportando mais legislação para aumentar a repressão sobre as massas.

As manifestações de 2013 como explosão das massas foram o toque de finados do oportunismo petista.

Sua política de conciliação e colaboração de classes obscureceu o verdadeiro caráter de classe do apodrecido Estado brasileiro, como ficou claro nas últimas eleições em que muitos que antes foram iludidos com Lula e o PT, desta vez se iludiram com um fascista. Bolsonaro é o retrato mais fiel da falência desse podre sistema político e sistema econômico de exploração e opressão do povo e subjugação da Nação. Seu governo será o conluio das frações das classes dominantes para aumentar a exploração dos trabalhadores e a rapina imperialista das riquezas da Nação. Porém, será também, em maior escala, de aguda pugna entre essas facções, pela decisão de que sistema político escolherão para tentar salvar o capitalismo burocrático afundado em crise: um regime corporativo e fascista ou o regime demoliberal já tão desmoralizado, maquiando sua fachada, para o que os ianques lançaram a Operação “Lava Jato” e impuseram seu “herói” Moro num superministério.

Só através da dura e persistente luta de resistência popular, guiada pela linha de classe, em defesa dos direitos pisoteados e contra o saqueio de nossas riquezas pelo imperialismo, principalmente ianque, pelo caminho da revolução democrática é que nosso povo irá, parte por parte, separar o joio do trigo nas disputas políticas no país, e dar solução aos graves problemas de que padece, com uma nova democracia e verdadeira independência nacional.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Repensar e desenvolver o marxismo



Por Haroldo Lima




O marxismo, doutrina fundada por Marx e Engels na segunda metade do século 19, influenciou grandemente o pensamento progressista do mundo desde então, até os dias atuais. Os maiores movimentos revolucionários do século 20, a Revolução Russa de 1917 e a chinesa de 1949 apoiaram-se em seus preceitos. As duras lutas de libertação nacional – a do Vietnã e de vários países africanos – também. E a febril atividade democrática, socialista e comunista, teórica e prática, presente na maior parte dos países durante todo o século passado, norteou-se por suas ideias.

As antigas experiências socialistas na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, no Leste europeu e em países da Ásia, e as que continuam na China, no Vietnã, em Cuba e na Coréia do Norte deram-se, ou prosseguem, sob a égide do marxismo e de seus desenvolvimentos.

Contudo, o fim do socialismo na URSS e nos países do Leste europeu, que se coroou com a dissolução da própria URSS em 1991, mostrou as insuficiências e os erros na economia e na política, em geral com base na interpretação do marxismo e do leninismo existente na URSS, após a morte de Lênin.

Lênin faleceu em 1924, mas ainda estava vivo, embora vitimado por dois AVCs, quando surgiram em 1923, entre intelectuais marxistas, os primeiros questionamentos do marxismo prevalecente na União Soviética. Seus autores foram Georg Lukács, membro do Partido Comunista da Hungria, que publicou uma coletânea de textos sob o título de História e Consciência de Classe, e Karl Korsch, do Partido Comunista da Alemanha, que divulgou seu Marxismo e Filosofia.

A Internacional Comunista condenou essas obras no seu V Congresso, em 1924.

Em 1925, veio a público outro trabalho de Lukács, desta vez uma crítica ao Tratado do Materialismo Histórico do comunista russo Nicolai Bukhárin, desenvolvimento de seu livro anterior ABC do Comunismo, escrito em 1920.

Lukács e Korsch são considerados os iniciadores do chamado "marxismo ocidental". Nos referidos trabalhos realçaram e criticaram o mecanicismo na concepção materialista, a esquematização reducionista no marxismo, o dogmatismo que sacrificava a dialética.

Os dramáticos acontecimentos de 1989 a 1991, que redundaram no fim da União Soviética e do antigo campo socialista do Leste europeu, provocaram grandes mudanças no mundo.

Começa pela alteração na correlação de forças em escala mundial, com os segmentos à esquerda, socialista e comunista, postos em uma situação de grande defensiva, uma defensiva estratégica.

Depois, pela mudança na linha de construção socialista, que se referenciava, até então, no que se poderia chamar de modelo soviético e que passou, depois, a seguir em linhas gerais o caminho adotado na China. O Partido Comunista da China, depois de se inspirar no modelo soviético e após experimentações diversas, afastou-se substancialmente da linha soviética de construção socialista e passou a sustentar, a partir de 1978, a ideia de que, nas condições existentes no mundo e na China, a ele caberia lutar por construir a "etapa primária" de um "socialismo com peculiaridades chinesas", onde coexistiriam o plano e o mercado, a propriedade pública e outras formas de propriedade dos meios de produção, incluindo a privada e a estrangeira, tudo sob o "predomínio da propriedade social".

Era uma originalidade. Dita diretriz propiciou o maior e mais prolongado desenvolvimento contínuo que uma sociedade já experimentou na história humana, levou a China à condição de segunda economia do mundo e terminou influenciando a adoção de rotas semelhantes nas construções socialistas do Vietnã e mais recentemente de Cuba.

Também os partidos comunistas do mundo reagiram de diferentes maneiras ao "1991". Houve quem abrisse mão da continuidade da luta pelos objetivos estratégicos, o socialismo e o comunismo, e abandonaram doutrina, nome, sigla, cor, símbolo e bandeira. E houve os que reafirmaram seus objetivos gerais, sua doutrina e seus símbolos, e procuraram atuar no curso dos acontecimentos, com independência, procurando acumular forças para a consecução de suas metas maiores.

Finalmente, sucedeu que o próprio marxismo, nessa fase pós-1991, viu-se reexaminado mais a fundo e desafiado a enfrentar novos problemas, em movimento para perseverar no objetivo socialista, revigorando a doutrina. É neste contexto que se insere a coletânea que ora apresentamos de autoria de Duarte Brasil Lago Pacheco Pereira.

Duarte Pereira é um marxista brasileiro forjado na luta recente que nosso povo travou nas duras condições da clandestinidade contra a ditadura militar implantada em 1964. Anteriormente, deixara fama de aluno brilhante na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Fora presidente do Centro Acadêmico Ruy Barbosa de sua faculdade e um dos vice-presidentes da União Nacional dos Estudantes no atribulado período do governo João Goulart, derrubado pelo golpe militar de 1964. Em 1963, fora um dos fundadores da Ação Popular, a organização política brasileira que tanto contribuiu na resistência à ditadura, mormente no meio estudantil, ao encabeçar a postura antiditatorial militante que tiveram os estudantes brasileiros durante os 21 anos do regime discricionário. Ao surgir, a Ação Popular lançou seu documento-base, que a identificava ideológica e politicamente. Duarte foi um de seus redatores.

Acompanhei a trajetória política de Duarte desde o início e até agora. Atuamos conjuntamente por anos a fio, especialmente nas ásperas condições da luta contra a ditadura, quando cada um de nós vivia na clandestinidade. Tivemos muita unidade e também divergências. E nunca nos unimos ou divergimos por questões menores.

Todos os que bem conhecem Duarte, ou mesmo os que têm a seu respeito um conhecimento menor, sabem da firmeza de sua têmpera de luta, da decisão inquebrantável com que mantém suas convicções, da perspicácia de suas análises, da acuidade com que percebe as coisas relevantes. Foi ele quem, na Ação Popular, pela primeira vez formulou e fundamentou o ponto de vista de que essa organização deveria procurar os caminhos de se unir ao Partido Comunista do Brasil.

Mas, se essas são características amplamente reconhecidas em Duarte, a que mais o singulariza é outra, é o seu vigor intelectual, seu lastro teórico, seu elevado nível cultural. Impressiona sua enorme capacidade de expor ideias.

Dentre o material teórico produzido por Duarte Pereira nos anos que se seguiram à dissolução da URSS e até 2008, há um conjunto no qual ele questiona interpretações conhecidas e até celebradas do marxismo, mostrando suas limitações ou discrepâncias, quando cotejadas com os fundamentos da doutrina. Há textos que realçam problemas da atualidade, desafios decorrentes da crise do socialismo, da reestruturação do capitalismo, das formas mais adequadas para se encaminhar a luta de classes em países de tradição democrática e elevado nível econômico, de como entender a configuração moderna do proletariado e outras questões. A investigação histórica perpassa todos os estudos.

Como são artigos escritos em distintas oportunidades e publicados espaçadamente em diferentes veículos, pareceu-me oportuno juntá-los todos em um compêndio único, pois que cada um deles, e todos em conjunto, transmitem forte apelo à investigação e ao enfrentamento dos problemas novos com espírito aberto e criador.

Com o consentimento do autor e o apoio da Editora Anita Garibaldi, organizei esse Repensando o marxismo, uma coletânea de textos marxistas de Duarte Pereira.

Um alerta precisa ser feito. Algumas informações neles contidas não estão atualizadas, porque os textos não foram reescritos. No artigo sobre o Tibete, por exemplo, não há referência às melhorias que a região recebeu em período posterior, como a construção de uma audaciosa ferrovia que hoje liga o restante do país ao Teto do Mundo, nem às mudanças ocorridas recentemente na divisão político-administrativa da China. Os próprios termos "proletariado" e "operariado" são usados ora como sinônimos, ora como realidades distintas, sendo que hoje Duarte formula o operariado industrial e agrícola como o núcleo de uma classe proletária mais ampla.

Repensando o marxismo adverte sobre os riscos da simplificação que depaupera a realidade, da esquematização que empobrece a dialética, do dogmatismo que deforma as análises e soluções. Questiona se velhos temas e conceitos foram bem tratados no passado, quando certa visão determinista predominou. Pensava-se, por exemplo, que o socialismo era inevitável...

Enfim, o livro que ora apresentamos perfila-se ao lado do inquieto Lênin que, em 1914, sentindo a necessidade de aprofundar Hegel, lançou-se ao seu estudo, após o que, como mostra Duarte, declara: “É completamente impossível entender O Capital de Marx, e em especial seu primeiro capítulo, sem ter estudado e entendido a fundo toda a lógica de Hegel. Portanto, faz meio século que nenhum marxista tem entendido Marx!”.

Na coletânea, merece atenção especial o trabalho Lênin e a dialética hegeliana, onde Duarte examina, em 2003, o livro de Kevin Anderson Lênin, Hegel e o marxismo ocidental, escrito em 1995 nos Estados Unidos.

Duarte observa que Anderson pesquisou durante 15 anos o conteúdo e as implicações de uma obra pouco conhecida de Lênin, Cadernos Filosóficos, só publicada na URSS depois da Segunda Guerra Mundial, cerca de 25 anos depois de escrita, e só recentemente disponibilizada ao leitor brasileiro. Esses Cadernos resultaram dos estudos desenvolvidos por Lênin, de setembro de 1914 a dezembro de 1915, basicamente sobre A Ciência da Lógica de Hegel, durante seu exílio em Berna, na Suíça.

Lênin já havia escrito, em 1908, seu Materialismo e Empiriocriticismo, onde fizera uma apresentação de sua concepção do materialismo e da dialética. Pois bem. Duarte Pereira mostra, apoiando-se nas pesquisas de Kevin Anderson, que Lênin, após seus estudos de Hegel, passou a formular de forma diferente sua concepção da dialética. E ele, que pouco antes havia escrito o verbete sobre Karl Marx para a Enciclopédia Granat, no curso dos estudos sobre Hegel consultou, em janeiro de 2015, o editor da Enciclopédia sobre se ainda havia tempo para refazer o verbete que escrevera. Não era mais possível.

Outro tema no qual Duarte é particularmente afeito é o da China.

A propósito, nos primeiros anos após o golpe de 1964, enquanto não entrara na clandestinidade, Duarte Pereira trabalhou na revista Realidade, lançada naquela época pela Editora Abril e que é um dos marcos proeminentes do jornalismo brasileiro. Em sua edição de outubro de 1966, ela traz longa matéria, pesquisada e escrita por Duarte Pacheco (como assinava na época), intitulada Eis a China. Em uma revista da Editora Abril, em pleno regime ditatorial, quando o noticiário sobre a China era escasso e em geral vazado em anticomunismo militante e primário, a matéria de Duarte foi a primeira publicada no Brasil em órgão de grande imprensa que era diferente: objetiva, fundada em fatos, trazendo dados concretos e simpáticos à China. Com esses atributos, foi pioneira no Brasil.

Em Repensando o marxismo, o tema da China marca presença em três oportunidades.

Há um texto de 2001, onde Duarte arrola seis observações sobre ela, realçando períodos fundamentais da história desse país, acontecimentos marcantes, vitórias memoráveis e riscos que sobrevivem.

Há um trabalho de 2006, Mao e o socialismo, onde ele reexamina aspectos da Revolução Cultural da China a partir das pesquisas feitas pelo historiador britânico Roderick Macfarquhar e pelo cientista político sueco Michael Schoenhals, publicadas no livro A última revolução de Mao, de 2006.

As pesquisas de Macfarquhar e Schoenhals duraram 30 anos, informa Duarte. Versados na língua chinesa, esses autores tiveram acesso a textos, discursos, documentos e publicações só grafados em mandarim, às vezes no original, o que muita gente que escreve sobre a China não consegue. Assim, recompuseram o quadro conjuntural onde se deu a chamada Revolução Cultural e apresentaram pormenores de fatos e incidentes importantes acontecidos na época. Um deles é a morte, em 1971, de Lin Biao, então ministro da Defesa da China e sucessor escolhido de Mao Zedong pelo IX Congresso do PCCh – Partido Comunista Chinês.

Lin Biao prefaciou o livro vermelho das Citações de Mao Zedong e foi um dos principais líderes da Revolução Cultural. Outro evento cujos pormenores eram pouco conhecidos é a prisão em 1976, logo após o falecimento do Mao, de quatro líderes da Revolução Cultural, à frente dos quais Jiang Quing, a última esposa de Mao Zedong. Sobre alguns desses episódios, anota Duarte, as informações recolhidas, na visão dos pesquisadores, ainda que novas e importantes, não parecem esclarecer conclusivamente os fatos.

Mas Duarte mostra como a avaliação final de Macfarquhar e Schoenhals sobre a Revolução Cultural corresponde, basicamente, à do Partido Comunista da China, que faz hoje um balanço eminentemente negativo dessa Revolução. O que Duarte ressalva é que, durante os dez anos em que esses acontecimentos se deram, de 1966 a 1976, nem tudo foi negativo, pois que, apesar do distúrbio que predominou no período, houve crescimento econômico, "a industrialização rural lançou raízes", "houve avanços na defesa do país", "as pressões e investidas norte-americanas e soviéticas foram derrotadas", "a abertura diplomática teve início", "o Partido Comunista se reconstruiu e o regime popular sobreviveu e se firmou".

Finalmente, há o texto A polêmica sobre o Tibete, escrito em 1999,  quando se comemorava o 50º aniversário da proclamação da República Popular da China. Com o rigor que lhe é peculiar, Duarte examina a questão da soberania da China sobre a região e mostra como o Tibete, há 700 anos, foi e tem sido parte integrante do território chinês.

Nesse estudo, especial atenção merece o relato dos acontecimentos ocorridos após a revolução chinesa de 1949 e os esforços do poder central de Pequim para manter uma atitude harmoniosa em relação àquela parte de seu território, enfrentando com ponderação os problemas prevalecentes. Tudo levou a um resultado altamente simbólico, assim relatado por Duarte: "Em 1954, o 14o Dalai-Lama participou da primeira Assembleia Nacional Popular da China, que elaborou a Constituição da República Popular, tendo sido eleito um dos vice-presidentes do Comitê Permanente dessa Assembleia. Na ocasião, pronunciou um discurso afirmando: ‘Os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinariam a religião no Tibete foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas’”. Assim foi, e assim é.

Engels foi o primeiro dos grandes clássicos marxistas que salientou não ser o marxismo um dogma, mas um guia para a ação. E Lênin, ao acentuar ser "a análise concreta da situação concreta a alma viva do marxismo", chamou a atenção para as bases teóricas cardeais do marxismo: "a dialética, a doutrina do desenvolvimento histórico multilateral e cheio de contradições; sua ligação com as tarefas práticas da época, que mudam a cada nova viragem da história".

Para os marxistas, redefinir as tarefas práticas, de uma época que passa por tantas viragens como esta nossa, só será possível se nos armarmos do método dialético de análise, se nos afastarmos das simplificações deformadoras, se abordarmos as questões novas com a "mente emancipada", como dizem os chineses.

Os textos de Duarte Pereira, em Repensando o marxismo, são um chamado à reflexão criadora sobre o mundo de hoje, sobre soluções e caminhos inovadores que se impõem, sobre desafios, cuidados e riscos. Em um de seus textos (Marxismo e Proletariado), o próprio Duarte mostra-se prevenido com ciladas que podem aparecer. Observa a necessidade de se "combater o dogmatismo sem resvalar no ecletismo, opor-se ao revolucionarismo voluntarista sem cair na acomodação reformista, renovar o projeto socialista preservando seus traços constitutivo".

Repensando o marxismo é, assim, um convite para se repensar corajosamente o marxismo e assim desenvolvê-lo.




quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Ainda tem sentido, atualmente, defender a concepção do comunismo de Marx?



Por Leandro Konder 


A meu filho, Caíto


Sabemos todos da importância do comunismo na concepção de Marx: o processo das transformações sociais se encaminharia na direção da superação do capital, na direção de uma sociedade humana sem classes, que seria exatamente o comunismo.

Como se caracterizaria, no entanto, a sociedade comunista? Marx se limitou a algumas indicações que ele mesmo não ignorava serem bastante vagas. Quando lhe pediram que descrevesse a sociedade comunista de modo mais preciso, respondeu que não pretendia preparar receitas para os caldeirões do futuro.

Que formas de propriedade poderiam subsistir no comunismo? O comunismo suprimiria toda e qualquer forma de propriedade? Não é o que sugere o famoso Manifesto de 1848, no qual se lê: “O comunismo não retira a ninguém o poder de se apropriar da sua parte dos produtos sociais, apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outros por meio dessa apropriação”.  E em outra passagem: “O que caracteriza o comunismo não é a supressão da propriedade em geral e sim a supressão da propriedade burguesa”.

N’O capital, o comunismo é caracterizado como “uma associação de homens livres, que trabalham com meios coletivos de produção e aplicam suas numerosas forças individuais de trabalho, com plena consciência do que fazem, como uma grande força de trabalho social”.

A divisão social do trabalho, que prevalece nas sociedades classistas, estilhaçou a comunidade dos homens, isolou os indivíduos, provocou um estreitamente nas habilidades de cada um deles (inclusive uma concentração exagerada do talento artístico). O comunismo – segundo a Ideologia alemã – promoveria uma superação de todos esses efeitos da divisão social do trabalho: “Numa sociedade comunista, não haverá pintores e sim homens que, entre outras coisas, também pintarão”.  De acordo com Marx, o comunismo superaria igualmente a dicotomia cidade/campo, acabando com o “idiotismo da vida rural” (na esteira da industrialização já promovida pelo capitalismo). Seriam atenuadas as diferenças nacionais, o direito tenderia a ser absorvido pela moral.

Pressupondo um elevadíssimo desenvolvimento das forças produtivas, o comunismo, com a automação, suprimiria a separação ainda existente entre o trabalho físico e o trabalho intelectual; e suprimiria também todas as diferenças sociais que ainda existem entre homens e mulheres.

Sob o comunismo, desapareceriam as necessidades religiosas que se manifestam nos sentimentos e na consciência dos homens.  Marx escreveu n’O capital: “O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer quando as condições práticas das atividades cotidianas do homem representem normalmente relações racionais claras entre os seres humanos, bem como entre estes e a natureza”.

Por fim, na caracterização do comunismo por Marx, não podemos deixar de falar na extinção do Estado, com o desaparecimento de todas as instituições de tipo estatal, como o exército permanente, a polícia etc. Marx era hostil ao Estado como tal, desde a juventude. Na Crítica do direito público de Hegel, de 1843, Marx escreveu que, no melhor dos casos, o Estado seria a “democracia da não liberdade”. E acrescentou: “O homem é o verdadeiro princípio do Estado; porém o homem não livre”. No comunismo, para que a dimensão política da existência dos indivíduos não se aliene deles, é preciso que o Estado deixe de existir.

Um exame honesto e sereno de todos esses aspectos aqui sumariamente mencionados da caracterização do comunismo por Marx é um exame que nos leva certamente à constatação de que a imagem da sociedade comunista, nos escritos de seu maior idealizador moderno, permanece muito fragmentária, lacunosa, cheia de aspectos problemáticos.

Marx nunca se dispôs a descrever quais as formas que poderia assumir a propriedade não burguesa que se seguiria à superação do capitalismo.   A estatização, do ângulo do pensador comunista, evidentemente não poderia resolver esse problema, já que a criação de formas não burguesas da propriedade precisaria se fazer paralelamente à extinção do Estado.

Claro, após graves derrotas sofridas pelo movimento operário europeu (em 1848 e em 1871), Marx escreveu que, para consolidar o poder que viesse a conquistar, para neutralizar a reação da burguesia, a classe operária deveria estabelecer a ditadura do proletariado.  Porém, na sua concepção, essa ditadura revolucionária deveria ser de breve duração e deveria promover um rápido processo de liquidação do Estado (sua autossuperação). Nunca passou pela cabeça do autor d’O capital a ideia de uma ditadura do proletariado que se prolongasse, que se transformasse numa forma nova e duradoura de Estado, e na qual a questão do comunismo fosse relegada para um futuro remotíssimo, de tal modo que nem sequer valesse a pena discuti-la…

Hoje, provavelmente, pensar uma sociedade sem Estado é ainda mais difícil do que na época de Marx.  As condições da vida política se complicaram enormemente e nada indica que elas se simplificarão num futuro previsível.  É quase impossível acreditarmos que as relações entre as pessoas se tornarão espontaneamente harmônicas. Os observadores mais atentos e mais rigorosos da transformação das instituições e da mudança das mentalidades encaram com ceticismo o mito de uma sociedade vindoura ‘transparente’.*

O próprio Marx estava convencido de que no comunismo os indivíduos se tornariam mais livres e mais originais. “Só na sociedade comunista” – lê-se na Ideologia alemã – “é que o desenvolvimento original e livre dos indivíduos deixa de ser uma frase vazia”.  Mas esses indivíduos, ao se libertarem dos efeitos da divisão social do trabalho, não se tornarão ‘inocentes’: eles terão vivido uma longa história que lhes deixa marcas e os condena à complexidade. As relações entre eles não poderão ser ‘cristalinas’. Por serem mais livres e mais originais, as pessoas poderão dispor de maiores pontos de convergência e encontro, porém ao mesmo tempo, inevitavelmente, poderão divergir mais umas das outras; e não há nenhuma razão para supormos que as formas de tais divergências venham a prescindir de uma regulamentação precisa e de instrumentos institucionais adequados para canalizá-las em proveito da humanidade.

Outro aspecto problemático da concepção do comunismo: se não considerarmos segura a possibilidade da sociedade ‘transparente’, também não poderemos afirmar com certeza que as necessidades religiosas desaparecerão da consciência dos homens. As relações entre os seres humanos chegarão algum dia a ser tão ‘claras’ e tão ‘racionais’ a ponto de eliminarem da consciência de todos eles qualquer sentimento religioso?

Assim como atualmente existem pessoas que não sentem necessidade da religião (apesar da irracionalidade e da falta de claridade que prevalecem nas relações delas com as outras, em alguns momentos), não deveríamos admitir, mesmo sendo marxistas, que na futura sociedade comunista algumas pessoas possam sentir necessidades religiosas?

Não haveria na afirmação de Marx sobre o desaparecimento necessário da religião no comunismo um eco da crença iluminista segundo a qual as luzes da razão devem dissipar todas as trevas da ignorância? E como podemos combinar essa crença iluminista com a convicção dialética de que o real é infinitamente rico, está sempre apresentando novas faces e é irredutível ao saber? A concepção iluminista da razão não força uma simplificação da realidade que a dialética nos ensina a respeitar?

Marx aderiu ao comunismo em Paris, no final de 1843 ou no começo de 1844. No próprio momento em que se deu a sua adesão, ele já fazia questão de explicar que a sua concepção do comunismo não tinha nada a ver com o que ele chamava de ‘comunismo grosseiro’, com a idealização de uma comunidade tipo formigueiro, com qualquer programa igualitarista fundado sobre a inveja.  A sociedade comunista, a seus olhos, pressupunha o desenvolvimento de indivíduos capazes de cultivar múltiplas habilidades, interesses diversificados: indivíduos que não se deixariam reduzir jamais a uma única função (ou à passividade do carneiro no rebanho).  No entanto, Marx deixou de indicar como, na sua concepção, se conciliariam a exigência humanista do desenvolvimento multilateral dos indivíduos com as pressões da especialização, que vem sendo reconhecida como inevitável na economia dos Estados modernos.

Os marxistas atuais não podem deixar de reconhecer o caráter problemático de todos esses aspectos da concepção do comunismo que aparece nos escritos de Marx. O próprio Marx se dava conta das deficiências da sua concepção e concentrou seu esforço intelectual na crítica do presente, evitando se apoiar na imagem, necessariamente nebulosa, da sociedade futura. Na Ideologia alemã, ele escreveu: “O comunismo não é para nós um estado de coisas a ser implantado, um ideal, em função do qual a realidade deva ser organizada; chamamos de comunismo o movimento real que supera o atual estado de coisas”.  Nós, porém, que vivemos uma história que Marx não viveu – e nos defrontamos com uma situação diferente daquela que ele enfrentou – não podemos nos satisfazer plenamente com essa afirmação.

Como identificar, no presente quadro de numerosas experiências socialistas distintas e até contraditórias, qual é o movimento real que supera o atual estado de coisas e aponta, de fato, na direção do comunismo? Como prescindir de um esforço no sentido de uma caracterização mais concreta da sociedade comunista, da meta histórica, do objetivo visado, do télos que deve orientar a ação política dos revolucionários marxistas?

Ao se ocuparem da questão do comunismo, os marxistas correm naturalmente vários riscos, que não devem ser substimados. A concepção do comunismo esboçada por Marx, em virtude de seus aspectos vagos e problemáticos, pode facilmente assumir a feição de um mito, de uma utopia. Como toda utopia, esse ideal comunista pode levar os revolucionários a negligenciar a força das resistências que lhe são opostas, a minimizar os obstáculos que encontrarão no caminho, a substimar os recursos de seus adverários; pode levá-los a avaliações políticas voluntaristas, românticas e ineficientes.

Ao abandonarem a discussão sobre o comunismo, entretanto, evitando reativá-la por medo de suas possíveis consequências negativas, os marxistas correm o risco de deixar de ser marxistas, sem mesmo se darem conta da diluição de sua perspectiva.

Um dos sintomas mais graves da crise do marxismo na União Soviética está, a meu ver, na falta de uma ampla discussão sobre o comunismo. Como a URSS chegará concretamente ao comunismo? Quais seriam os elementos que, nas circunstâncias atuais, antecipam ou ao menos prenunciam a extinção do Estado? As injunções práticas, a necessidade de se defender dos Estados Unidos, a realização de tarefas urgentes que levaram ao fortalecimento do Estado, enfim, empurraram a URSS para mais perto do comunismo ou afastaram-na dele?  Caso tenha havido afastamento, suas consequências têm sido suficientemente debatidas pelos marxista soviéticos?

Não creio que exista qualquer vantagem para o enriquecimento e o aprofundamento teórico do marxismo num abandono implícito da reflexão sobre o comunismo. Se os marxistas precisam romper com a concepção do comunismo legada por Marx, será necessária uma explicitação e uma fundamentação de tal rompimento. E isso exigirá uma revisão da perspectiva de Marx em seu conjunto, porque nela o horizonte comunista – mesmo impreciso – desempenha uma função extremamente importante.

Se não é o caso de um rompimento, contudo, os marxistas precisam retomar a concepção do comunismo, tal como ela está esboçada por Marx, desenvolvê-la, conferir-lhe traços menos vagos.

O conceito de comunismo não pode se esquivar à controvérsia, não pode impedir que contra ele sejam levantadas suspeitadas de utopia. Seu dstino, porém, não está inapelavelmente decidido pelo tribunal da história e os marxistas ainda dispõem de argumentos dignos de consideração. Eles podem lembrar, por exemplo, que certas características da concepção do comunismo, na época de Marx, pareciam bem mais utópicas do que agora.  Com a automação, o desaparecimento das diferenças entre o trabalho físico e o trabalho intelectual, que poderia parecer um sonho irrealizável no século 19, pode ser cogitado hoje de maneira mais concreta. A industrialização atingiu níveis sem precedentes, a urbanização vertiginosa, a conurbação, tudo isso pode ter criado graves problemas ecológicos, mas também conferiu maior viabilidade  à superação das diferenças entre a cidade e o campo, tornando tal superação menos ‘utópica’ aos nossos olhos do que aos olhos dos contemporâneos de Marx. Também o desaparecimento de todas as diferenças sociais entre homens e mulheres deveria parecer delirante para o público dos tempos da rainha Vitória e hoje começa a ser considerado algo que pode ser alcançado e passou a ser programa de um crescente movimento feminista.

A própria atenuação das diferenças nacionais – que na prática é muito prejudicada pelas tensões internacionais – pode constituir um objetivo a ser resgatado no debate contra avaliações demasiado céticas ou pessimistas.

Além disso, o comunismo – concebido (e respeitado) como horizonte – ajuda socialistas de filiação marxista a se orientarem nas lutas políticas que precisam ser travadas em profundidade em longo prazo. Desde que funcione como referência mediatizada e não seja artificialmente trazido para batalhas que se travam no plano mais imediato, o comunismo pode contribuir para dar maior continuidade à intervenção crítica e ativa dos socialistas num processo que se dispõe a encaminhar uma democratização cada vez mais consequente da sociedade, promovendo uma ampliação cada vez maior dos espaços disponíveis para a liberdade dos homens. Talvez nunca cheguemos ao comunismo, quer dizer, a um estado de coisas que possamos considerar plenamente satisfatório: lutando por ele, entretanto, animados pela meta que ele representa, poderemos nos aproximar com maior eficácia de tal estado.

A esses argumentos, os marxistas dispostos a defender a concepção do comunismo de Marx ainda poderão acrescentar outro, à guisa de conclusão: ressalvado o imprescindível espírito realista, por que os seres humanos deveriam se conformar em lutar por objetivos menores, quando podem lutar por um objetivo maior e mais ambicioso?


* Leia-se, por exemplo, Trabalho e reflexão, de José Arthur Giannotti, Editora Brasiliense.

Leandro Konder (1936-2014) foi um filósofo marxista brasileiro

KONDER, Leandro. O marxismo na batalha das ideias, 1ª ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984, 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009, pgs. 187-194





[NOTA Mundo do Socialismo: Embora publicado em dezembro de 2014, o texto mantem sua atualidade, abrindo espaço ainda hoje para muitas reflexões]