Por Alessandra Scangarelli Brites.
Ao contrário do que se pensa, capitalismo e socialismo são modelos políticos e socioeconômicos com diversas facetas que surgem e desaparecem ao longo das décadas tanto em nível internacional, como nacional, particular dos países onde foram implantados. Sendo mais clara, o capitalismo que foi incorporado pela grande maioria dos países, em uma visão marxista, tem flutuações econômicas em gerais cíclicas, próprio da dialética deste sistema, onde os elementos que geram o ápice, a prosperidade, também mais tarde levam à crise e ao declínio.
Em diferentes épocas da história humana, os ciclos deste modelo sistêmico tiveram o comércio, primeiro, e a indústria, segundo, como condutores das forças produtivas. Atualmente, as “regras do jogo” são estabelecidas pelo setor financeiro, o nível maior de acumulação do capital, em que se produz, no jargão popular, dinheiro pelo dinheiro e que se encontra em crise. Em cada uma destas fases históricas do capitalismo, o modelo foi implementado e adaptado às particularidades de cada nação. Portanto, é isso que faz possível encontrar diferenças da economia capitalista do Zimbábue com a da Inglaterra, por exemplo.
Neste ponto, especificamente, o socialismo, um modelo muito mais jovem e que teve suas primeiras experiências no século XX – enquanto o capitalismo, para alguns historiadores, iniciou no século XIII – com o advento do desenvolvimento chinês pode futuramente viver a segunda fase de seu processo histórico.
Modelo traz arcabouço capaz de promover
profundas mudanças no sistema internacional
A primeira caracterizou-se em grande parte pela construção da economia planificada, forma cuja produção é controlada pelo Estado, e o centro governamental das decisões estabelece metas e planos econômicos de como será ordenada e conduzida a economia do país. Desta maneira, as metas estabelecidas e as matérias-primas são distribuídas para as unidades de produção. E a decisão política de quanto do produto interno bruto deve ser investido e quanto dele deve ser consumido também é algo estabelecido pelo Estado. Assim, ocorreu no passado e ainda se caracteriza as economias socialistas.
Esta forma de promover a economia de cunho socialista funcionou bem em países como a Rússia, na época parte da União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS), que observaram um repentino desenvolvimento econômico e social em pouquíssimo tempo. Foi este modelo também responsável pela recuperação dos países da URSS, em todas as áreas, durante o período pós Segunda Guerra Mundial, chegando, no caso dos russos, a vencer a corrida espacial com os Estados Unidos.
Contudo, ao longo dos anos e com as novas demandas de uma sociedade que já conquistara educação, moradia, saúde, cultura, alimentação e ciência, tal modelo encontrou problemas justamente para responder a dinâmica dos novos tempos e buscar novas soluções para problemas que surgiam.
O plano norte-americano para isolar a União Soviética também funcionou, e por esta e outras razões foi colocado um fim a este sistema. Para substituí-lo, foi escolhido na Rússia um sistema capitalista de livre mercado, que apenas levou a uma crise geral profunda e quase desmantelamento do Estado russo, resultando em um declínio de 50% de sua economia.
Ao ter a chance de observar as escolhas de Moscou e o sistema conduzido por Washington, Pequim resolveu encontrar uma nova via entre as oportunidades que o socialismo pode render-lhe. Mao-Tse-Tung foi importante figura na expulsão das forças estrangeiras do território chinês, na mudança de paradigmas dentro da sociedade chinesa, que anteriormente mantinha valores bastante conservadores, e na reunificação da parte continental do país sob uma bandeira.
Sob sua liderança, a China promoveu medidas econômicas que resultaram em algumas mudanças importantes, mas tal modelo também teve grandes problemas e não foi suficiente para impulsionar as forças produtivas chinesas e corresponder às demandas econômicossociais necessárias do país e completamente diversas das russas.
Foi Deng Xiaoping, o líder que assumiu no lugar de Mao-Tse-Tung, que iniciou a construção de um caminho para uma nova alternativa de modelo econômico: o socialismo de mercado, algo que defendeu até sua morte em 1997.
Este sistema é, na realidade, uma mistura de vários sistemas econômicos, em que os meios de produção básicos são de propriedade estatal e/ou cooperativa, sendo operados de forma socialmente como uma economia de mercado. Conforme o professor de Oxford Allen Buchanan, os lucros gerados por empresas estatais são alocados para a remuneração direta dos empregados, ou acumulados em uma forma de financiamento público.
Para Alberto Gabrielle (Universidade de Nápoles) e Elias Jabbour (Uerj), em artigo já publicado, e fazendo referência a Li Daokui, intelectual chinês e ex-consultor do banco mundial, “o que ocorre na China é a emergência de uma ‘nova formação econômico-social’ (FES) onde modos de produção (MP) que surgiram em diferentes épocas históricas convivem entre si em uma verdadeira ‘unidade de contrários’ sob a égide e predominância da grande propriedade estatal/socialista concentrada no núcleo da grande produção industrial (mais de uma centena de conglomerados empresariais estatais), na grande finança (bancos estatais, provinciais e municipais de desenvolvimento)”.
Contudo, é importante relembrar que já durante os anos 1920 a União Soviética, com a Nova Política Econômica, antes da total implementação de uma economia planificada, indicava algumas características do que viria depois a ser o socialismo de mercado.
No entanto, os chineses iriam reformular tal prática, em especial com o programa de Deng Xiaoping sobre as Quatro Modernizações: indústria, agricultura, ciência e tecnologia e Forças Armadas. Trata-se de um amplo projeto nacional de política educacional, industrial, agrícola, ciência e tecnologia, e defesa, cujo Estado é o “empreendedor mor, o condutor” de todo o processo e permite o crescimento de um setor privado submetido as suas decisões. Mesmo ainda em processo de formação e construção, este modelo já traz um arcabouço político e econômico capaz sim de promover profundas mudanças no sistema internacional.
Alessandra Scangarelli Brites
Jornalista, editora da Revista Intertelas e especialista em relações internacionais e audiovisual russo e asiático.
FONTE: Monitor Mercantil