Boitempo Editorial lança “China – o socialismo do século XXI”, de Elias Jabbour e Antonio Gabriele, e eleva o debate em torno da ascensão do gigante asiático
Por Ricardo Gozzi, especial para a Rede Brasil Atual
Alana Harris / CC / Unsplash
São Paulo – Foi
durante um intenso exercício de livre-pensar – tão raro e temido nos tempos
atuais – que o brasileiro Elias Jabbour e o italiano Alberto Gabriele
conceberam um desafio à altura de suas ambições intelectuais: analisar e
compreender a complexidade da China para além dos preconceitos ideológicos.
Tarefa inglória se
levarmos em consideração a exorbitância de lugares-comuns, simplificações,
leviandades e mistificações tão presentes na produção nacional sobre o que vem
do estrangeiro, e em especial do Oriente.
Em relação aos
chineses, especificamente, os ditos especialistas revezam há décadas o bastão
da previsão mais furada da geopolítica contemporânea: ‘é agora que a China
quebra!’. Com o descompromisso de quem sabe que não será cobrado.
De certo modo, isso
se explica em parte pela incompreensão dos estudiosos ocidentais quanto ao que
Jabbour enxerga como uma revolução copernicana em andamento na China. Outra
parte poderia ser explicada pela ausência de bases de comparação e referências
teóricas que auxiliem na compreensão do fenômeno. Até agora.
Varando a madrugada
Entre setembro e dezembro de 2019, o obstinado Jabbour e o expansivo Gabriele vararam as madrugadas romanas debruçados sobre a experiência chinesa para lançar luz sobre a nova realidade que se impõe ao mundo sem que a maioria esmagadora dos pensadores ocidentais contemporâneos – à esquerda e à direita – se disponha a observá-la a partir de qualquer perspectiva que escape aos dogmas.
O árduo trabalho
dessa improvável dupla transatlântica, de gerações e origens tão distintas,
resultou em China – o socialismo do século XXI, que acaba de ser
lançado pela Boitempo Editorial.
Na primeira quinzena
de novembro, Jabbour cedeu duas horas de uma tarde de sexta-feira para uma
conversa durante a qual soltou o verbo e abriu o coração sobre o tema que
domina sua produção acadêmica já há um quarto de século: a China, sua
complexidade, seus desafios e suas contradições.
Capitalismo de
Estado, um pleonasmo
Géografo de formação,
o autor cai na risada ao abordar um falso dilema: viveria a China sob um
socialismo de mercado ou um capitalismo de Estado? “Isso é um pleonasmo. Não
existe capitalismo fora do Estado”, descarta Jabbour antes de se debruçar sobre
o que considera ser a comprovação do surgimento de uma nova classe de formações
econômico-sociais, diferente de qualquer outra experiência, derivada de uma
reinvenção do socialismo chinês a partir das instituições de mercado.
Herdeiro direto da
obra do economista Ignacio Rangel e um dos mais prolíficos estudiosos da China,
Jabbour vê o país asiático e suas instituições rompendo as fronteiras do que se
conhecia até então sobre a planificação econômica e a racionalização de um
projeto de desenvolvimento para colocar em andamento o que denomina como “a
nova economia do projetamento”.
“O socialismo na
China ainda está em uma fase embrionária, é um grão de areia na história, mas
já traz consigo a transformação da razão em instrumento de governo, elevando o
domínio humano sobre a natureza e possibilitando a execução e a elaboração de
milhares de projetos ao mesmo tempo, o que seria impossível sob outra formação
social”, define Jabbour.
E a formação
econômico-social não é o único conceito fundamental do marxismo desafiado por
Jabbour e Gabriele. Eles também colocam em xeque as interpretações
convencionais sobre modo de produção e lei do valor a partir de uma análise
minuciosa dos acontecimentos ocorridos na China desde a Revolução Comunista
liderada por Mao Tsé-tung, em 1949, passando pelas reformas implementadas por
Deng Xiaoping até chegar ao salto social e tecnológico dos
anos Xi Jinping.
China já está sob
ataque
Seja como for, não é
que o projeto chinês vá ser contestado no futuro. “Já há uma guerra em
andamento contra a China”, afirma, referindo-se às sanções estadunidenses. Para
Jabbour, trata-se de uma guerra colonial imposta pelo Ocidente, com os EUA à
frente, com a intenção de colocar a China de joelhos.
Ainda segundo ele,
tanto a direita quanto a esquerda empreendem uma guerra semiótica contra
Pequim. A dúvida é se os chineses conseguirão contornar potenciais
desdobramentos militares dessas investidas para dar continuidade a seu projeto
de desenvolvimento.
Aos mais ortodoxos, o
que pode vir a soar como “declaração de guerra” é o exercício de
livre-pensamento de Jabbour e Gabriele. Seja como for, os autores de China
– o socialismo do século XXI baseiam-se na ciência para propor um novo
olhar para a ascensão do gigante asiático. A quem se dispuser a abandonar
abordagens dogmáticas ou até mesmo místicas para explorar a nova fronteira do
debate sobre a China, o convite está posto.
Sobre os autores
Elias Jabbour é professor dos
programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) e em Relações
Internacionais (PPGRI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Com
cerca de 25 anos de dedicação intelectual às temáticas do socialismo e da
experiência chinesa é autor dos livros China: socialismo e desenvolvimento – sete
décadas depois (Anita Garibaldi, 2019); China hoje: projeto
nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado (Anita
Garibaldi/EDUEPB, 2012); China: infra-estruturas e crescimento
econômico (Anita Garibaldi, 2006) e China: desenvolvimento e
socialismo de mercado (Departamento de Geociências, CFH-UFSC, 2006).
Alberto Gabriele é consultor e
pesquisador baseado em Roma. Trabalhou por mais de 30 anos como economista do
desenvolvimento em várias organizações da ONU na Europa, África, Ásia e América
Latina. Atua principalmente em políticas e estratégias de desenvolvimento
econômico e social, com atenção especial para políticas industriais e de
concorrência, reestruturação de empresas estatais, comércio internacional e
China. É autor de Enterprises, industry and innovation in the
People’s Republic of China – questioning socialism from deng to the trade and
tech war (Springer, 2020).
Ficha técnica
Título: China: o socialismo do século XXI
Autor: Elias Jabbour e Alberto Gabriele
Prefácio: Francesco Schettino
Quarta capa: Silvio Almeida e Luiz Gonzaga Belluzzo
Orelha: Carlos Eduardo Martins
Capa: Rodrigo Corrêa
Páginas: 314
Formato: 16 x 23 cm
Apoio: Fundação Maurício Grabois
Encadernação: Brochura
Preço: R$67
Editora: Boitempo
FONTE: Rede Brasil Atual