Participantes de uma das mesas do Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, realizado na USP, foram unânimes ao rechaçar a visão de que a classe operária não tem mais força hoje. Para Mauro Iasi, professor da UFRJ, tal avaliação, de caráter não-emancipatório, tenta apagar a história do operariado, “relegando tudo ao momento e à particularidade essencial”.
Por Caio Sarack
São Paulo - “Estamos vivendo em uma nova era da luta de classes, em que tudo está em suspensão”, disse o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes no último dia do Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, realizado na Universidade de São Paulo (USP) entre os dias 11 e 13. Na mesa que contou com sua presença, professores e intelectuais de esquerda trataram da imagem e história da classe operária no continente latino-americano.
O panorama da história do proletariado na América Latina tem suas divergências e particularidades, segundo Antunes. Os demais professores da mesa – Agnaldo dos Santos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Mauro Iasi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Sean Purdy, da USP – concordaram. O processo histórico pautou e pauta o desenvolvimento das lutas de classes e faz emergir novas contradições e particularidades que devem ser levadas em consideração por quem as estuda, completou o professor da Unicamp.
Antunes retomou a história latina de colonização e exploração para mostrar que desde então elas deixam marcas na luta de classes. Segundo ele, o mundo não sofre uma diminuição do trabalho, mas sim uma proletarização de todos os setores de trabalho. “Quando fui em uma fábrica automotiva na Espanha vi um engenheiro e um operário lado a lado, trabalhando juntos. Como estavam de roupas iguais não sabíamos diferenciá-los”, exemplificou. De acordo com seu diagnóstico, “o operário não é mais aquele que só dá o valor à matéria; é ele que agora atesta a qualidade do produto. Não existe mais aquele juiz exterior que diz ‘este sim, este não’”. O capitalismo e sua capacidade de sofisticação transforma também o trabalho, atribuindo-lhe novos desafios e questões.
Sean Purdy, do Departamento de História da USP, especializado em história norte-americana, apresentou a realidade dos trabalhadores latinos nos EUA. Segundo ele, no ano 2000 a minoria latina no país superou a negra, dado que acompanha uma importante discussão sobre a questão do trabalho dessa população. Ainda recebendo salários menores e com o racismo bastante presente, os latinos ilegais (80% dessa minoria está nos EUA sem documentos) convivem com ataques aos seus direitos civis e trabalhistas.
Segundo Purdy, a mobilização trabalhista radical na América do Norte teve sua principal organização na década de 1960, com os mobilizados porto-riquenhos (por exemplo, os Young Lords). Nos anos 70, os latinos do campo (cujo líder era César Chávez) acabam por causar a desmobilização dos trabalhadores. “Hoje, tanto aqui [no Brasil] como nos EUA, temos um problema com as organizações trabalhistas e de minorias; as cooptações, pelos partidos, de suas causas acaba por prejudicar sua mobilização, como se dissessem: ‘não precisam se organizar, apenas votem em mim’”, disse Purdy.
A mesa bateu de frente com a crítica pós-moderna que não vê mais força no proletariado. O professor Mauro Iasi, especialista no pensamento marxiano, relembrou a tensão entre o particular e o universal na luta de classe. “A classe operária tem papel decisivo no horizonte de emancipação e revolução da história”, disse. Segundo o professor, revoluções tão particulares como as da América Latina, por exemplo, convergem na universalidade emancipadora desejada pelo proletariado socialista: a importância da classe operária para a história assume, então, um caráter de união na luta pela emancipação.
O olhar cuidadoso para a herança histórica e as novas contradições que encontramos hoje devem pautar as novas atividades da esquerda, “mostrando que a esquerda não está acabada, pois ela está aqui”, disse Ricardo Antunes. A mesa foi unânime na forte crítica ao caráter não emancipatório da “defesa pós-moderna para apagar a história dessa classe operária, relegando tudo ao momento e à particularidade essencial”, concluiu Iasi.
FONTE: Carta Maior
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