Por Aluizio Moreira
Conferência de Zimmewald - 1915 |
A falência da II Internacional em 1914 foi, sobretudo, motivada pela desagregação do movimento internacional socialista diante da Guerra que eclodira em 1914, e que levou à formação das tendências conflitantes naquele movimento.
Aliás, desde o Congresso de Stuttgard em 1907 que se abria espaço nos Congressos para discussão sobre as crises e os conflitos internacionais entre os países imperialistas, e se procurava estabelecer forma de se mobilizar o operariado internacional contra guerra que se avizinhava.
O Congresso extraordinário realizado em Basiléia em 1912, procurou responder à gravidade da situação internacional criada pelo imperialismo, conclamando todos os trabalhadores e parlamentares compromissados com os princípios socialistas, para boicotarem os atos dos seus respectivos governos que se posicionassem por uma solução armada para os conflitos e disputas inter-imperialistas.
O Congresso convocado para 1914 que se realizaria em Viena para rediscutir a questão da guerra, terminou não acontecendo e vários partidos socialistas, ao eclodir o conflito mundial em julho de 1914, passaram a apoiar a política belicista de seus países, incentivando os trabalhadores na luta pela “defesa da pátria” e campanhas a favor dos créditos de guerra.
O Movimento Internacional Socialista parecia com seus dias contados com o fim da II Internacional.
Como Phoenix ressurgiria das cinzas: os partidos socialistas italiano e suíço convocaram uma Conferencia que afinal aconteceu nos dias 5 e 8 setembro de 1915, na cidade de Zimmerwald (na Suiça neutra). Compareceram 37 delegados representantes socialistas da Alemanha, França, Itália, Rússia, Holanda, Suécia, Noruega, Suíça, Polônia, Romênia e Bulgária.
A Conferencia, após complicados debates, aprovou como conclusão dos trabalhos, o seguinte Manifesto redigido por L. Trotsky:
Manifesto de Zimmerwald
“Proletários da Europa!
Há mais de um ano que dura a guerra! Milhares de cadáveres cobrem os campos de batalha. Milhares de homens ficaram mutilados para o resto de seus dias. A Europa se converteu num gigantesco matadouro de homens. Toda a civilização, criada pelo trabalho de muitas gerações, está condenada à destruição. A barbárie mais selvagem triunfou sobre tudo aquilo que até esta data, constituía orgulho da humanidade.
Quaisquer que sejam os responsáveis diretos pelo desencadeamento desta guerra, uma coisaé certa: a guerra que tem provocado este caos é produto do imperialismo. Esta guerra surgiu da vontade das classes capitalistas de cada nação, de viver da exploração do trabalho humano e das riquezas naturais do planeta. De tal maneira, que as nações economicamente atrasadas ou politicamente fracas, sob o jugo das grandes potências que, com esta guerra, tentam refazer o mapa do mundo, a sangue e fogo, de acordo com seus interesses de exploradores. Assim, nações e países inteiros como Bélgica, Polônia, os países dos Balcãs e Armenia correm o risco de serem anexados, no todo ou em parte, em virtude das compensações.
Os objetivos da guerra aparecem com toda sua nudez, à medida que os acontecimentos se desenvolvem. Um a um caem por terra os véus que procuram ocultar das consciência dos povos, o significado desta catástrofe mundial.
Os capitalistas de todos os países, que cunham com o sangue dos povos a moeda dos que lucram com a guerra, afirmam que a guerra servirá para a defesa da pátria, da democracia e da liberdade dos povos oprimidos. Mentem! A verdade é que, de fato eles enterram sob as casas destruídas, a liberdade e seus próprios povos, ao mesmo tempo a independência das demais nações. O que resultará da guerra, são novas amarras e novas cargas que o proletariado de todos os países, vencedores e vencidos, terão que suportá-las.
“Aumento do bem-estar”, disseram ao declarar a guerra.
Miséria e privações, desemprego e aumento do custo de vida, enfermidades e epidemias, são os verdadeiros resultados da guerra. Por décadas os gastos de guerra absorvem o melhor das forças dos povos, comprometendo a conquista de melhorias sociais e dificultando todo progresso.
Colapso da civilização, depressão econômica, reação política: estes são os benefícios deste terrível conflito dos povos.
A guerra revela assim a verdadeira natureza do capitalismo moderno que se tem revelado incompatível não só com os interesses das classes trabalhadoras como também com as condições elementares de existência da comunidade humana.
As instituições do regime capitalista que dispunham da sorte dos povos, dos governos monárquicos ou republicanos, a “diplomacia secreta”, as poderosas organizações patronais,os partidos burgueses, a imprensa capitalista e a Igreja: sobre todas elas pesa a responsabilidade desta guerra nascida de uma ordem social que os alimentam, que eles defendem e que não serve a não ser aos seus interesses.
Trabalhadores!
Vocês, ontem explorados, despossuídos, depreciados, foram chamados irmãos e camaradas enquanto se necessitou enviá-los ao massacre e à morte. E agora que o militarismo os mutilou, os destruiu, os humilhou, os esmagou, as classes dominantes e os poderosos exigem de vocês abdicarem dos seus interesses, renunciarem aos seus ideais, em uma palavra, submetê-los à paz social. Tiram a possibilidade de expressar suas opiniões, seus sentimentos, seus sofrimentos. Os proíbem formular suas reivindicações e defendê-las. A imprensa controlada, as liberdades civis e os direitos políticos pisoteados: é o reinado da ditadura militarista com punhos de ferro.
Nós não podemos nem devemos permanecer de braços cruzados diante desta situação que ameaça o futuro da Europa e da Humanidade.
Durante muitos anos, o proletariado socialista tem liderado a luta contra o militarismo; com uma crescente apreensão de seus representantes nos Congressos nacionais e internacionais como perigo de uma guerra quem o imperialismo, passo a passo, arquitetava. Em Stuttgart, em Copenhague, em Basiléia, os Congressos socialistas internacionais traçaram o caminho que deveria ser seguido pelo proletariado.
No entanto, os partidos socialistas e as organizações sindicais de vários países, apesar de ter contribuído na elaboração destas decisões, esqueceram e rejeitaram desde o inicio da guerra, as obrigações que se impunham. Seus representantes e lideres induziram os trabalhadores a abandonar a luta de classes, a única possível e eficaz para a emancipação proletária. Votaram com suas classes dirigentes as propostas de guerra; se colocaram à disposição de seus governos para prestar-lhes os mais diversos serviços; tentaram através da sua imprensa inviabilizar a política de neutralidade de seus respectivos governos; nomeou “ministros socialistas” como reféns para a preservação da união sagrada, e assumir diante da classe operária a tarefa para compartilhar com as classes dirigentes, as responsabilidades atuais e futuras desta guerra, de seus objetivos e métodos. E da mesma maneira que ocorre com os partidos separadamente, o mais alto organismo das organizações socialistas de todos os países, o Bureau Internacional Socialista também falhou e não cumpriu com suas obrigações.
Estas organizações e setores do operariado que não se submeteram ao pânico nacional do primeiro período da guerra ou que pouco depois conseguiram libertar-se dele, não encontraram ainda, no segundo ano de assassinatos de povos inteiros, meios para empreender em todos os países uma luta ativa, simultânea e decisiva pela paz.
Nesta situação intolerável, nós, representantes de partidos socialistas, de sindicatos e de grupos minoritários destas organizações: alemães, franceses, italianos, russos, polacos, letões, romenos, búlgaros, suecos, noruegueses, suíços, holandeses, nós que não nos solidarizamos com nossos exploradores, permanecemos fieis com a solidariedade internacional do operariado e da luta de classes, nos reunimos aqui para retomar a união das relações internacionais, para chamar a classe trabalhadora recuperar a consciência de si mesma e colocá-la no caminho da luta pela paz.
Esta luta é a luta pela liberdade, pela fraternidade entre os povos, pelo socialismo. Devemos empreender esta luta pela paz, pela paz sem anexações nem indenizações de guerra. Mas uma paz assim só será possível com a condição de condenar qualquer proposta de violação dos direitos e das liberdades dos povos. Essa paz não deve conduzir à ocupação de países inteiros nem as anexações parciais. O direito dos povos de dispor de si mesmos deve ser o fundamento inabalável na ordem das relações de nação para nação.
Trabalhadores!
Desde que a guerra se desencadeou tens colocado todas suas forças, todo seu valor e sua capacidade de resistência à prática das classes possuidoras para matar uns aos outros. Hoje é necessário que, mantendo-se no campo da luta de classes de forma irredutível, ajas em beneficio de sua própria causa para os fins do socialismo, ela emancipação dos povos oprimidos e das classes escravizadas.
É dever e tarefa dos socialistas dos Estados beligerantes, desenvolver esta luta com toda sua energia. É dever e tarefa dos socialistas dos Estados neutros, ajudar seus irmãos por todos os meios nesta luta contra a barbárie sanguinária.
Nunca na história do mundo tem havido tarefa mais urgente, mais elevada, mais nobre; seu cumprimento deve ser nossa obra comum. Nenhum sacrifício é grande demais, nenhum fardo é demasiadamente pesado para se conseguir este objetivo: o estabelecimento da paz entre os povos.
Operários e operárias, pais e mães, viúvas e órfãos, feridos e mutilados, todos que estão sofrendo da guerra e pela guerra, nós lhes afirmamos: para além das fronteiras, para além dos palcos de batalha, para além dos campos e das cidades devastadas pela guerra. Proletários de todos os países, uni-vos!
Zimmerwald, setembro de 1915.
Pela delegação alemã: Georg Ledebour, Adolf Hoffmann.
Pela delegação francesa: A. Bourderon, A. Merrheim.
Pela delegação italiana: G. E. Modigliani, Constantino Lazzari.
Pela delegação russa: V. Lenin, Paul Axelrod, M. Bobrov.
Pela delegação polaca: St. Lapinski, A. Varski, Cz. Honecki.
Em nome da delegação romena: C. Racovski.
Em nome da delegação búlgara: Vassil Kolarov.
Pela delegação sueca e norueguesa: Z. Höglund, Ture Nerman.
Pela delegação holandesa: H. Roland Holst.
Pela delegação suíça: Robert Grimm, Charles Naine.
A Conferência de Zimmerwald, como ficou conhecida, reuniu as tendências centrista e internacionalista revolucionária, liderada esta pelos bolchevistas. E embora os centristas dominassem numericamente a Conferência (apenas 8 delegados de 7 países mantinham posições internacionalistas revolucionárias), conseguiu-se aprovar uma moção contra a guerra, uma declaração de solidariedade com as vítimas da Guerra, a criação da Comissão Socialista Internacional (CSI) na qualidade de organismo dirigente com o objetivo de dar continuidade aos seus trabalhos , mesmo após o encerramento da Conferência, na perspectiva de reativar a velha Internacional, idéia combatida pelos bolcheviques russos, sob a liderança de Lênin, que exigiam o rompimento definitivo com a II Internacional.
Em abril de 1916, o chamado “Grupo de Zimmerwald”, única entidade socialista internacional ativa, realizou sua II Conferência, desta vez na cidade de Kienthal, também na Suíça. Mais representativa do que a de Zimmerwald ( compareceram 41 delegados representando 8 países), mas ainda de maioria centrista, a Conferência de Kienthal aprovou Resoluções que condenavam a guerra e os socialistas que a apoiavam. No entanto as discussões sobre o ressurgimento da II Internacional não foram muito longe.
Em 1917, após a Revolução democrático-burguesa de fevereiro na Rússia, o comitê holandês-escandinavo e o Soviete de Petrogrado, na época sob o controle dos centristas russos, convocaram uma III Conferência do “Grupo de Zimmerwald”, que realizou-se em Estocolmo de 5 a 12 de setembro daquele ano.
Por ocasião da convocação da Conferência de Estocolmo, Lênin posicionou-se contra a permanência dos internacionalistas revolucionários no “Grupo de Zimmerwald”, mas a Conferência do POSDR(b) da Rússia, decidiu pela participação dos bolcheviques na Conferência de Estocolmo, cuja reunião, segundo V. Lênin, “resultou completamente estéril para o movimento revolucionário mundial” (Instituto de Marxismo-Leninismo do PCUS. “A Internacional Comunista”).
A vitória da Revolução Bolchevique na Rússia, embora fizesse deslocar o movimento socialista para a esquerda, não eliminou a tentativa dos centristas e sociais-patrióticos de fazer renascer a Internacional Social-Democrata de 1889.
Assim, realizou-se em fevereiro de 1919 a Conferência de Berna visando sobretudo ressuscitar a velha Internacional. Sob o controle dos social-patrióticos, aprovou-se uma Resolução que veladamente condenava a Revolução Bolchevique, mas as divergências com os centristas franceses e austríacos tornaram impossíveis melhores resultados da Conferência.
Apesar de todas as tentativas desde 1914 de ressuscitar a velha II Internacional, a organização de uma Internacional Socialista que retomasse seus princípios e suas práticas, iria tomar forma em julho de 1920 em Genebra, quando partidos e grupos reformistas conseguiram criar uma organização nos moldes da II Internacional, estabelecendo-se sua sede em Londres e tendo como secretário Ramsay MacDonald, líder do Partido Trabalhista Britânico.
Um mês após a Conferência de Berna, em março de 1919, fundou-se em Moscou, sob a liderança de Lênin e dos bolcheviques, a Terceira Internacional ou Internacional Comunista, que marcaria o rompimento definitivo do Movimento Comunista Internacional com a Internacional Socialista.
Era o início de uma nova etapa na história do movimento operário e comunista Internacional.
Mas isto será objeto de futura postagem.
Obras consultadas:
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais: da antiguidade aos tempos modernos. Tradução: H. Mello, Lisboa: Cento do Livro Brasileiro, s/d.
DROZ, Jacques (Dir.). História geral do socialismo. Tradução: Maria Teresa Lacerda Nobre, Lisboa: livros Horizonte, 1974, vol. 6
LENIN, V.I. A falência da II Internacional. Tradução: Armando Boito Junior, Maria Luiza Gonçalves, São Paulo: Kairós, 1979.
SWEEZY, Paul M. Socialismo. Tradução: Giasone Rebuá, Mauricio Caminha de Lacerda, Rio de Janeiro: Zahar, 1963.
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