Os protestos começaram na cidade de Tuzla, com uma manifestação contra o desemprego e o encerramento de empresas outrora estatais e depois privatizadas.
Esquerda.net
Nos últimos dias explodiu uma revolta por toda a Bósnia-Herzegovina, com múltiplas ações de protesto, choques violentos entre manifestantes e polícia e vários edifícios governamentais em chamas depois de terem sido assaltados. Os protestos começaram na cidade de Tuzla, com uma manifestação contra o desemprego e o encerramento de empresas outrora estatais e entretanto privatizadas. Na origem dos protestos estão a miséria e o desemprego, que ultrapassa os 40%.
Segundo o site “Le Courrier des Balkans”, a uma convocatória no facebook, “50.000 pessoas nas ruas por um futuro melhor”, milhares de pessoas manifestaram-se na passada quarta-feira 5 de fevereiro em Tuzla. Na quinta-feira as manifestações estenderam-se a outras cidades da Bósnia, nomeadamente Sarajevo, Zenica, Bihac e Prijedor e na sexta-feira os protestos ampliaram-se para outra cidades, incluindo da República Sérvia da Bósnia, aumentando os confrontos com a polícia.
Outro grupo do facebook (UDAR) também convocou as manifestações, nomeadamente em Tuzla, onde a organização sindical de quatro empresas antes públicas, depois privatizadas e agora encerradas (Konjuh, Polihem, Dita e Resod-Guming) teve um papel chave na mobilização e no protesto.
Em Tuzla, os manifestantes concentraram-se junto ao edifício de governo do cantão, exigindo medidas contra o desemprego e o encerramento das quatro empresas. Face à recusa do primeiro-ministro do cantão de se encontrar com os manifestantes, estes começaram a atirar pedras e ovos contra o edifício e tentaram forçar a barreira policial. Em comunicado oficial, o governo local disse que não podia fazer nada, porque as empresas que encerraram são privadas. Os confrontos entre manifestantes e polícia prolongaram-se na quarta-feira por mais de quatro horas nas ruas da cidade.
Tuzla desenvolveu-se como um centro industrial e cultural importante durante a época de Tito. Entre 2000 e 2010, as antigas empresas públicas que empregavam a maioria da população foram privatizadas pelas autoridades locais, sob controle da agência cantonal para as privatizações.
Segundo o “Courrier des Balkans”, a empresa Dita de detergentes empregava 750 pessoas e foi privatizada em 2007, comprometendo-se o novo proprietário da empresa a manter os postos de trabalho durante três anos e a produção durante cinco. Porém, a empresa deixou de fazer descontos para a segurança social. As pessoas que trabalhavam na Dita ficaram sem emprego, sem direitos sociais e impossibilitados de pedir a reforma por não terem os descontos suficientes. Em 2010, um inquérito da polícia provou os atos criminosos do novo proprietário, mas o processo ficou bloqueado na procuradoria de Tuzla. Os trabalhadores lutam há anos pelos seus direitos, no entanto o primeiro ministro do cantão diz que o assunto não lhe diz respeito, porque se trata de uma empresa privada. A situação é semelhante nas outras três empresas.
O fundador do grupo do Facebook UDAR e um dos convocadores da manifestação em Tuzla, Aldin Širanovi%u007, foi preso na quinta-feira pela polícia e mais tarde libertado, tendo denunciado que foi espancado pela polícia. O presidente do sindicato da empresa Konjuh de Tuzla, Mevludin Traki%u007, foi preso no protesto de quarta-feira e declarou após a sua libertação: “Não viemos aqui para vandalizar. Há quatro anos que pedimos o reconhecimento dos nossos direitos mas, acreditem-me, ontem fomos surpreendidos quando fomos algemados e presos pelas forças especiais. Fomos libertados às 21.30h e multados em 300 marcos (150 euros), que certamente não poderemos pagar com os miseráveis 40 marcos (20 euros) por mês que temos para viver. Nos últimos dias, eu vi jovens de 15 anos serem espancados pela polícia especial. A polícia ataca pessoas indefesas, mas se for preciso, nós podemos armar-nos. Repito, não viemos aqui para isso, mas se nos obrigarem fá-lo-emos”.
Depois da guerra dos Balcãs nos anos 90, a Bósnia-Herzegovina tornou-se um Estado composto por duas entidades: a Federação da Bósnia e Herzegovina, onde predominam bósnios e croatas, e a República Srpska, sérvia. A presidência do Estado é rotativa, por períodos de 8 meses, entre um bósnio, um croata e um sérvio, escolhidos por mandatos de 4 anos.
Nesta sexta-feira, 7 de fevereiro, as manifestações ultrapassaram as divisões étnicas e realizaram-se não só na área da federação, mas também na República Sérvia, verificando-se ações de protesto em Sarajevo (a capital), Tuzla, Zenica, Kakanj, Mostar, Prijedor e Bihac, mas também Banja Luka, Travnik, Donji Vakuf, Jajce, Kljuc, Cazin, Visoko, Zepce e Zavidovici.
No decurso destes protestos demitiram-se os governos cantonais de Tuzla e Zenica. Na cidade de Mostar os manifestantes largaram fogo às sedes dos partidos nacionalistas HDZ e SDA.
Nos confrontos nas várias cidades da Bósnia ficaram feridas muitas dezenas de pessoas. Em Sarajevo terão ficado feridas mais de 100 pessoas, em Zenica 50 e em Tuzla pelo menos 11.
O presidente da Bósnia-Herzegovina em exercício, o croata Zeljko Komsic, declarou: "É tudo por culpa nossa. Não sei se o poder estatal poderá funcionar, mas deveria fazê-lo. O poder deve funcionar sempre, este ou outro. Porque não vem nada de bom da anarquia".
"O povo não começou a protestar por odiar alguém ou pela orientação política, ou pelo nome de alguém, mas sim pela desgraça, miséria e injustiça que os oprime com persistência", acrescentou Komsic em declarações a uma televisão local. O presidente considerou também que "caso se tivesse dialogado com as pessoas no primeiro dia não existiriam as imagens que há agora por toda a Bósnia-Herzegovina".
Por sua vez, o ministro do Interior da Bósnia, Fahrudin Radoncic, considerou os protestos como "um tsunami dos cidadãos roubados" contra a corrupção e criticou os governos cantonais de "falta de sensibilidade" face aos anseios das populações.
Radoncic disse ainda: "A privatização saqueadora foi horrível. Ainda pior, temos um sistema policial em que, de facto, os primeiros-ministros locais ordenam que se maltrate o seu povo, algo inaceitável".
A Bósnia-Herzegovina tem 3,8 milhões de habitantes. A taxa de desemprego ultrapassa os 44% e 20% da população vive abaixo do limiar de pobreza. O salário médio mensal ronda os 420 euros.
O “Courrier des Balkans” salienta: “Enquanto os planos de austeridade, as privatizações e os ataques ao direito do trabalho se sucedem em todos os países dos Balcãs, a agitação social amplifica-se. De fato, as medidas de “flexibilização do mercado de trabalho”, impostas pelo FMI vêm juntar-se a uma situação social muito deprimida: baixos salários, reformas indecentes e desemprego sempre massivo”.
FONTE: Carta Maior
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