domingo, 30 de março de 2014

O Manifesto e a história universal

Uma reflexão sobre o "Manifesto do Partido Comunista".


Por Domenico Losurdo



1.

Relendo o Manifesto Comunista a cento cinquenta anos de sua publicação, procuramos nos interrogar sobre as novidades teóricas e políticas fundamentais apresentadas pelo texto de Marx e Engels. Estas novidades não residem na tomada de consciência da não naturalidade do conflito social entre proletariado e burguesia, nem na afirmação de que este conflito foi precedido historicamente pela luta de classes entre escravos e senhores e entre servos da gleba e proprietários feudais. Alguns anos antes, Tocqueville havia sintetizado a situação de Inglaterra nesses termos: “aqui, o escravo, lá o patrão; aqui, a riqueza de alguns; lá, a miséria da maioria”. Em seguida, o liberal francês chegou a advertir para o perigo das “guerras servis”.

Assim, a condição operária se encontra comparada à escravidão. Antes de Marx e Engels, esta comparação era feita, de maneira consciente, pelos pensadores liberais. Locke não teve nenhum problema para constatar que a maior parte da humanidade havia sido “transformada em escrava” pelas condições objetivas de vida e de trabalho. Mandeville não tinha nenhuma dúvida de que a “parte mais pobre e mais desprovida da nação” estava destinada para sempre a executar um “trabalho sujo e semelhante ao de um escravo”. E foram os próprios discípulos de Cobden e de Bright que compararam os operários fabris a “escravos brancos”. Neste caso, era absurdo — concluiu Benjamin Constant — conceder direitos políticos ao trabalhador assalariado: ele está privado da “renda necessária para não viver na total dependência da vontade de outro”; “os proprietários são os senhores da existência do trabalhador assalariado, porque podem recusar o trabalho deste”.

Porém, nada disso perturba a boa consciência da burguesia liberal. Afinal — argumentavam eles — as relações de produção e as condições materiais de vida remetem a uma esfera extra(e pré)-política (tese que, em nossos dias, foi radicalizada por Hannah Arendt). Totalmente distinto é o pensamento de Marx, que, já em seus escritos de juventude, se permite uma observação irônica: aos olhos da sociedade e da teoria política burguesas, as relações sociais “só possuem uma significação privada e nenhuma significação política”; em sua forma mais desenvolvida, o Estado burguês se contenta em “fechar os olhos e declarar que certas oposições reais não possuem caráter político, que elas não o incomodam”.

E, no entanto, a liberdade está em questão. O Manifesto Comunista chama a atenção para a realidade da fábrica capitalista. Aqui, nós podemos pôr o dedo no “despotismo”: os operários são “organizados militarmente” e, “são colocados como soldados rasos sob a supervisão de uma hierarquia inteira de suboficiais e oficiais” (Marx e Engels, 1997: 15).1 Como se vê, não se trata, absolutamente, de liquidar a liberdade formal ou negativa porque ela seria negligenciável e puramente burguesa — digo isto sem querer ofender a vulgata “marxista”, nem os teóricos liberais (Berlin, Bobbio, etc.), que crêem poder definir o contraste existente entre as duas tradições de pensamento aqui confrontadas sobre a base da preferência ou proeminência atribuída à liberdade negativa ou positiva, à freedom from ou à freedom to. Dir-se-ia que a vulgata marxista e a alta cultura liberal terminam por convergir em uma interpretação essencialmente economicista de Marx e Engels — os quais, na realidade, exigem a intervenção política no quadro das relações de produção não porque consideram que a liberdade negativa é puramente formal e burguesa, mas porque, totalmente ao contrário, eles a vêem esmagada por uma organização fundamentalmente militar e despótica, como a fábrica capitalista, à qual toda uma classe social não pode escapar, a menos que prefira morrer de inanição.

2.

Portanto, uma profunda mudança se impõe. Mas qual é o sujeito social chamado a realizá-la? Aqui aparece uma outra grande novidade teórica e política, que se trata, outra vez, de precisar. Não é difícil encontrar, na tradição liberal, descrições lúcidas dos efeitos do embrutecimento produzidos pela fábrica capitalista. Obrigado à repetição obsessiva de “um pequeno número de operações extremamente simples, freqüentemente uma ou duas”, o operário — observa Smith — termina por se tornar “tão estúpido e ignorante como o pode ser uma criatura humana”; ele não chega a elaborar “um julgamento correto mesmo sobre um bom número de deveres comuns da vida privada” e é melhor não falar com ele sobre questões políticas. Se existe um remédio para esta situação, ele só pode ser trazido do alto e do exterior, por uma burguesia esclarecida e filantrópica.

Para Marx, ao contrário, o embrutecimento só representa um aspecto das coisas. Se nos colocamos em um outro ângulo, é precisamente a dura experiência, cotidiana e coletiva, da exploração e do despotismo na fábrica que capacita a classe operária a se apresentar como o sujeito central da transformação. Em Smith, o operário parece perder até suas características mais propriamente humanas: ele se torna incapaz de não apenas de sentir prazer ou de participar de qualquer conversação racional, mas mesmo de experimentar qualquer sentimento generoso, nobre e terno”. Para Marx, o proletariado é o próprio “coração” da emancipação humana. Trata-se de uma novidade radical que ainda hoje se tem dificuldade para compreender. Que se pense em Hannah Arendt, que opõe ao trabalho produtivo e à luta operária e popular por melhores condições de vida, a “felicidade pública” que decorre da ação (Handlung) e da comunicação política como fim em sim mesmo. A autora vê aí uma dimensão que, segundo ela, teria ficado totalmente estranha a Marx e ao materialismo histórico. Na realidade, Hannah Arendt não percebe que é justamente no movimento contra a opressão material da qual é vítima que toda uma classe social descobre e sente o gosto e a paixão pela ação política. “De tempos em tempos — observa o Manifesto — os trabalhadores saem vitoriosos. Mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a união crescente”(p. 17). Pelo único fato de quebrar , por meio da ação sindical e política, o isolamento no qual a burguesia gostaria de lhe impor, toda uma classe social encontra sua dignidade antes mesmo de ter obtido resultados concretos. É o que impressiona Engels durante sua viagem à Inglaterra. Dirigindo-se aos operários, o jovem revolucionário manifesta sua alegria de “discutir com vocês sobre sua condição e seus tormentos, de ser testemunha de suas lutas contra o poder político e social de seus opressores”. Quanto a Hannah Arendt, ela permanece fiel ao ponto de vista de Smith.

Não somente o proletariado pode projetar e construir um sistema social diferente do sistema dominante, mas, no interior do próprio capitalismo, ele pode ser a força dirigente na derrubada do antigo regime e na realização da democracia política. Em circunstâncias determinadas — assinala o Manifesto — essas tarefas podem se misturar em uma unidade indissolúvel:

“Os comunistas dirigem sua atenção principalmente para a Alemanha, porque o país está às vésperas de uma revolução burguesa e porque essa reviravolta ocorre sob as condições avançadas da civilização européia, com um proletariado muito mais desenvolvido que o da Inglaterra do século XVII e o da França do século XVIII. Por isso, a revolução burguesa alemã pode ser o prelúdio de uma revolução proletária” (p. 41).

Por meio deste olhar voltado para um país ainda relativamente atrasado no plano econômico e político, é evocada a possibilidade de uma revolução socialista que se desenvolve na onda de uma revolução antifeudal, ou democrático-burguesa sob a hegemonia do proletariado. É esta teoria da revolução que se revelou historicamente eficaz, e não a que se encontra na bem célebre página de O Capital onde a revolução socialista é vista como uma conseqüência imediata e automática do consumação do processo de acumulação capitalista.

3.

Sim, no século XX, revoluções de orientação socialista se desenvolveram em países ainda aquém do desenvolvimento, ou antes, da maturidade capitalista. Mas foi fora do quadro geográfico levado em consideração pelo Manifesto. Para seus autores, a Europa é sinônimo de civilização e o Oriente, de barbárie. Não que Marx e Engels se alinhassem inteiramente com a tradição liberal, ocupada, nesta época, com Tocqueville e Mill, em celebrar com lirismo até as guerras do ópio. O Manifesto é mais problemático: o que o Ocidente impõe é o que ele chama “civilização”, isto é, as relações “burguesas”. Um artigo escrito alguns anos depois se exprime de modo bem mais incisivo: denunciando o horror da expansão colonial, observa que este horror esclarece, no mesmo momento, a verdadeira natureza da metrópole capitalista: “A profunda hipocrisia, a barbárie intrínseca da civilização burguesa se oferecem aos nossos olhos sem disfarces, quando, das grandes metrópoles, onde elas adquirem formas respeitáveis, nós voltamos os olhos para colônias, onde elas circulam em toda a sua nudez”.

E, todavia, apesar dos horríveis crimes que a maculam, a conquista inglesa da Índia aparece a Marx como “a única revolução social que a Ásia conheceu”. Se a idéia da subjetividade revolucionária da classe operária é totalmente estranha a Smith, Marx e Engels não souberam, a não ser excepcionalmente, apreender a subjetividade revolucionária dos povos coloniais. Para que isto acontecesse, seria preciso esperar, em uma situação distinta e objetivamente mais avançada, Lenin. Com ele um processo ulterior chega a seu termo. Locke celebra a liberdade, mas considera a escravidão dos negros nas colônias como evidente; Mill condena o despotismo, mas celebra sua eficiência pedagógica desde que se trate de “raças” que ele considera como “não maiores”. Duras cláusulas de exclusão acompanham a celebração da liberdade no campo da tradição liberal. Tocqueville descreve de maneira lúcida o horrível tratamento reservado, na América, aos índios e aos negros e, entretanto, os Estados Unidos continuam, aos olhos do autor, os país da “democracia, viva, ativa, triunfante”. Nos três casos, a democracia é definida como tal, independentemente da sorte dos excluídos.

Pode-se descobrir traços desta atitude nos próprios Marx e Engels. É verdade que, em diversas ocasiões, eles escreveram que um povo que oprime outro não pode ser livre. Entretanto, se nos atemos à Ideologia alemã e A miséria da Filosofia, os Estados Unidos representam o “país da emancipação política consumada” ou, ainda, “o exemplo mais perfeito do Estado moderno”, que assegura a dominação burguesa sem excluir a priori nenhuma classe social do usufruto dos direitos políticos. Na realidade, contrariamente ao que pensavam Tocqueville, Marx e Engels, a discriminação pelo dinheiro, bem longe de ter desaparecido, se traduzia, no outro lado do Atlântico, pela discriminação étnica e racial e, sob esta forma, ela será muito mais forte do que na Europa.

É Lenin que fará a liquidação definitiva das cláusulas de exclusão da tradição liberal, assim como de toda visão da democracia que pretendia definir este regime independentemente da sorte dos excluídos. Eis porque o Outubro bolchevique imprime uma virada radical ao desenvolvimento da subjetividade entre os povos coloniais e ex-coloniais.

4.

Foi assim que surgiu o “campo socialista”, que se desenvolveu em condições de dupla “barbárie” (para empregar a linguagem do Manifesto), a saber: o pesado atraso do Oriente e, sobretudo, o horror dos dois conflitos mundiais e da guerra total. É claro que Marx e Engels não previram de modo algum semelhante tentativa de construção de uma sociedade pós-capitalista.

Convém acrescentar que sua visão do socialismo e do comunismo certamente não favoreceu o sucesso e a evolução democrática desta tentativa. No Manifesto já começa a se desenhar a utopia exaltada de uma sociedade não somente sem classes, mas também sem Estado e sem fronteiras nacionais, sem mercado, sem religiões, sem qualquer conflito de qualquer tipo. É a dialética objetiva de todo processo revolucionário, brilhantemente exposta, em outras circunstâncias, especialmente por Engels. No arrebatamento da luta contra uma situação sentida como intolerável e no esforço para suscitar o entusiasmo necessário para derrotar os terríveis obstáculos que se interpõem à derrubada do regime existente, todo processo revolucionário tende ver o futuro que ele se propõe a construir em termos, de um certo modo, tão exaltados e a representá-lo como uma espécie de fim da história. Esta exaltação se revela fecunda na fase de destruição, porém funesta na fase seguinte. A tentativa de construção de uma sociedade pós-capitalista oscilou entre dois pólos: o do estado de exceção permanente e o de uma utopia exaltada, a qual, por sua vez, terminou por prolongar e, em conseqüência, exacerbar o estado de exceção.

Para tomar um só exemplo: qual o sentido de se incomodar em construir um Estado democrático se o Estado estava destinado a se extinguir?

5.

Mas, após a derrocada do “campo socialista”, eis que se produz uma situação que, outra vez, no leva de volta ao Manifesto: em um texto que apareceu há 150, é possível ler uma análise cuja atualidade é surpreendente:

“As indústrias nacionais tradicionais foram, e ainda são, a cada dia, destruídas. São substituídas por novas indústrias, cuja introdução se tornou essencial para todas as nações civilizadas. Essas indústrias não utilizam mais matérias-primas locais, mas matérias-primas provenientes das regiões mais distantes, e seus produtos nãos se destinam apenas ao mercado nacional, mas também a todos os cantos da Terra. Ao invés das necessidades antigas, satisfeitas por produtos do próprio país, temos novas demandas supridas por produtos dos países mais distantes, de climas os mais diversos. No lugar da tradicional auto-suficiência e do isolamento das nações, surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países. No lugar da tradicional auto-suficiência e do isolamento das nações surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países. E isso tanto na produção material quanto na intelectual”. (pp. 11-12).

Não se poderia descrever melhor a mundialização da qual todo mundo fala atualmente. Esta homogeneização tende a investir mesmo sobre o que resta do “campo socialista”. Novamente, um texto de idade venerável assume aspectos proféticos. Parece que não se pode freiar a expansão da burguesia:

“Os preços baratos de suas mercadorias são a artilharia pesada com a qual ela derruba todas as muralhas da China e faz capitular até os povos bárbaros mais hostis aos estrangeiros. Sob a ameaça da ruína, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção; força-as a introduzir a assim chamada civilização, quer dizer, a se tornar burguesas. Em suma, ela cria um mundo à sua imagem e semelhança” (p. 12).

Espraiando sua ação homogeneizante em escala planetária, a burguesia, na realidade, impõe não somente sua potência econômica e ideológica, como afirma o Manifesto, mas também sua potência política e militar (é um aspecto do imperialismo do qual Lenin fala). Países como a China e Cuba encontram-se, assim, expostos às mais diversas formas de pressão: embargo, guerra econômica e ameaça de guerra econômica, intimidações militares, campanhas ideológicas internacionais que podem recorrer a um impressionante poder de fogo multimídia. Toda forma de resistência se revela difícil, tanto mais que este países são obrigados a reinventar a transição para uma sociedade pós-capitalista através de experiências e erros e, evidentemente, sem recorrer a fórmulas miraculosas ou às indicações precisas de um clássico qualquer.

6.

Do lado da burguesia, geralmente se acusa Marx de ter tido uma visão catastrófica do desenvolvimento histórico. Na realidade, ao menos no que se refere à política internacional, ele não se engajou a fundo na desmistificação da ideologia harmonizadora da burguesia de seu tempo, a qual celebrava sua expansão planetária como a marcha triunfal da civilização e da paz. São os anos em que Constant profetisa a desaparição ou o declínio do fenômeno da guerra na seqüência da expansão do comércio. Mais tarde, Spencer verá a figura do industrial-comerciante suplantar a do guerreiro, no exato momento em que a expansão industrial e comercial da metrópole européia se realiza não apenas sob o signo de guerras sangrentas nas colônias, mas também sob o de uma rivalidade crescente entre as próprias potências industriais-comerciais, rivalidade que iria ter uma influência nada desprezível no desencadeamento da primeira guerra mundial.

Trata-se de uma concepção que, às vezes, aparece mesmo no Manifesto Comunista. Na metrópole, um processo de pacificação geral parece iniciar-se: “As diferenças e contradições entre os povos desaparecem cada vez mais com o desenvolvimento da burguesia, com a liberdade de comércio, com o mercado mundial, com a uniformização da produção industrial e das condições de vida que lhe são correspondentes” (p. 26).

Parece que se assiste a um declínio do fenômeno da guerra já na sociedade burguesa desenvolvida, sem que seja preciso esperar o comunismo e “com o fim do antagonismo de classes no interior das nações, desaparece também a hostilidade entre as nações” (p. 26). Apenas alguns meses mais tarde, a Nova Gazeta Renana ironiza Ruge por não compreender que o fenômeno da guerra não desaparecia com a extinção do regime feudal e que os países nos quais domina a burguesia não são absolutamente “aliados naturais”, pois estão separados por uma concorrência impiedosa, cuja saída só pode ser justamente a guerra.

De qualquer modo, logo a história demonstraria de maneira trágica que a “interdependência universal” produzida pelo capitalismo não está, absolutamente, em contradição com o fenômeno da “guerra industrial de extermínio”. É uma lição que não convém esquecer.

Novos perigos dramáticos nascem em nossos dias, após o “final da guerra fria”, enquanto o conflito entre capital e trabalho se estende ao nível planetário, levado por uma mundialização que, para dizer mais uma vez com o Manifesto, implica transformar a população de todo o planeta em “instrumentos de trabalho cujo preço varia conforme a idade e o sexo” (p. 15), que são “obrigados a se vender diariamente” (p. 14) e que, submetidos, como as outras mercadorias, “a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as turbulências do mercado” (p. 14), vêem sua vida oscilar entre “despotismo” de fábrica e desemprego.


* Publicado originalmente na revista Lutas Sociais no NEILS, PUC-SP, com o título “150 anos do Manifesto do Partido Comunista, 150 anos da História mundial”.


Domenico Losurdo nasceu em 1941, na Itália. Professor de História da Filosofia na Universidade de Urbino, doutorou-se com uma tese sobre Karl Rosenkranz. Escreveu, entre outros livros, A linguagem do império: léxico da ideologia estadunidense (Boitempo, 2010), Democracia ou bonapartismo(Unesp, 2004), Nietzsche, o rebelde aristocrata (Revan, 2009) e Luta de classes: uma história política e filosófica (Boitempo, 2015). 


FONTE: Controvérsia

quarta-feira, 26 de março de 2014

O magnífico levante da Bósnia anuncia uma nova era de política de classes?



No país marcado por uma guerra sempre lembrada pelo termo “limpeza étnica”, a recente revolta popular unifica a classe trabalhadora das três etnias da sociedade – expurgando o veneno do nacionalismo em nome dos direitos dos trabalhadores



Por Michael Karadjis, em Links | Tradução: Vinicius Gomes



Começando o dia 5 de fevereiro, manifestantes em massa, liderados por trabalhadores e ex-trabalhadores dispensados para “diminuir os gastos” em fábricas privatizadas, ao lado de estudantes e outros cidadãos, abalaram as estruturas das principais cidades industriais na Bósnia, notavelmente Sarajevo, Tuzla, Zencia, Bihac e Mostar. O Estado respondeu às primeiras manifestações com prisões, gás lacrimogêneo e outras formas de repressão. Em muitos casos, protestos pacíficos se tornaram violentos; prédios do governo foram atacados, ocupados e alguns deles, incendiados. Dezenas de milhares de manifestantes não pediam nada além da renúncia e demissão – de todos os níveis governamentais, de todos os partidos – daqueles que eles enxergam como responsáveis pelas décadas de roubo massivo pelas três alas nacionalistas e oligárquicas – sérvia, croata e bosniak (bósnios muçulmanos) –, que têm gerenciado a Bósnia como se fosse seu feudo desde o Acordo de Dayton, desenhado pelos EUA, o qual pôs um fim à Guerra da Bósnia em 1995.

A principal, se não única, forma de roubo que iniciou o levante se chama “privatização”.

Protesto em Tuzla, cidade que serviu como ignição para outras
manifestações pela Bósnia (Juniki San/WikiCommons)
Demissões em massa, novos proprietários despojando bens e declarando falência em bens funcionais de firmas estatais; trabalhadores não sendo pagos e pacotes de diminuição de custos. Soa familiar? Alguns preferem chamar isso de privatização “ilegal” ou “corrupta”, mas, para milhões de trabalhadores ao redor do planeta, isso é melhor definido como “capitalismo”.

De acordo com o especialista em Bósnia Eric Gordy, a atual revolta na Bósnia “provavelmente não é a revolução dos trabalhadores a qual temos esperado desde que aqueles belos manuscritos passaram a ser criticados por roedores em 1844. Perdão”.

Talvez não. Mas qual revolução trabalhista que começa pode ser instantaneamente reconhecida?

O que quer que esse atual levante seja, ou não seja, ele é a maior demonstração em massa de uma revolta – intocada pelo veneno nacionalista – que testemunhamos na Bósnia desde que foi dilacerada em pedaços pelos nacionalistas sérvios e croatas no início da década de 1990.

E isso é ainda mais significativo devido à diversidade étnica da classe trabalhadora bósnia. Foi nos grandes pólos industriais de maioria bosniak, no centro do país – os quais eram a representação viva das melhores tradições de uma sociedade multiétnica na antiga Iugoslávia socialista -, que a atual onda de revoltas explodiu.

“Devolvam as fábricas aos trabalhadores!”

Locais onde os protestos aconteceram. As maiores cidades onde
eles ocorreram estão marcadas com o nome (Wikipedia)
Suas demandas indicam que alguns dos mais poderosos aspectos da ideologia da antiga Iugoslávia – autogerenciamento das fábricas pelos trabalhadores e uma radical igualdade social – renasceram, ou talvez nunca tenham morrido no fundo da consciência das pessoas.

Apenas preste atenção em algumas das principais demandas incluídas na “Declaração dos Trabalhadores e Cidadãos de Tuzla”, em 7 de fevereiro.

Enquanto o pedido por “um governo técnico, composto por membros especialistas apolíticos e que não tenham tido tomado parte em nenhum cargo governamental”, possa soar ingênuo, os manifestantes enxergam isso como um mero governo temporário para levá-los até as eleições e, além disso, seria “exigido deles que prestassem contas e relatórios semanais sobre seus trabalhos” a “todos os cidadãos que se interessem”.

Essa exigência, de constante supervisão pública sob o governo – forjada na experiência de décadas de controle isolado e arrogante das três alas “étnicas” da oligarquia bósnia e sugerindo uma forma de “poder do povo” –, já parece bem à frente dos outros governos “técnicos” e, certamente, rumando a uma direção diferente.

Todavia, é o programa social que o povo exige de tal governo que o torna tão diferente de outros tipos de governo, tal qual o dia é contrário à noite. A terceira parte de exigências, relacionadas às questões da privatização das principais empresas estatais que dominava a economia da cidade (Dita, Polihem, Poliolhem, Gumara e Konjuh), é para que o governo:

- Reconheça o tempo de serviço e o garanta seguro-saúde aos trabalhadores

- Garanta julgamentos de crimes econômicos a todos aqueles envolvidos

- Confisque propriedades obtidas ilegalmente

- Anule os contratos de privatização

- Prepare a revisão das privatizações

- Devolva as fábricas aos trabalhadores e coloque tudo sob o controle do governo público com o objetivo de proteger o interesse público e iniciar a produção nessas fábricas assim que possível

"Nós estamos famintos em três idiomas" - sérvio, croata, bósnio
(balkanist.net)
Após décadas de agressões neoliberais, tanto em prática quanto em nível ideológico, um povo em revolta exigir que fábricas privatizadas sejam “devolvidas aos trabalhadores” indica um momento extraordinariamente renovador.

Então pode ser que tal levante não seja ainda a “revolução dos trabalhadores prometida em 1844”, mas é difícil discordar do ativista bósnio Emin Eminagić quando diz que “essa pode ser a tão esperada oportunidade para reintroduzir a noção de luta de classes na sociedade da Bósnia Herzegovina, afastando-se do imaginário nacionalista das elites políticas”. Assim como também exemplifica um cartaz na manifestação em Zenica: “Nós estamos famintos em três idiomas!”.

Contexto histórico: a ascensão da burguesia nacionalista e a destruição da Bósnia


Josip Broz Tito, ou apenas "Marechal Tito", foi
o grande responsável pela manutenção, durante
décadas, da unidade de uma Iugoslávia
multiétnica (WikiCommons)
É extremamente significativo que não haja um só traço do veneno nacionalista em qualquer uma das demandas no levante popular. O nacionalismo foi um produto do capitalismo em crescimento dentro da República Federal Socialista da Iugoslávia, na década de 1980 – a ideologia da ascensão da burguesia nas nações dominantes, especialmente Sérvia, Croácia e Eslovênia –, assim que eles se libertaram das correntes da ideologia comunista, sob a liderança de Broz Tito, da “Irmandade e Unidade” e, também, da solidariedade da classe trabalhadora entre as várias nações que compunham a federação.

A Bósnia foi o mais problemático caso para se resolver, porque, enquanto as outras cinco repúblicas dentro da Federação Iugoslava representavam, por mais imperfeitas que fossem, cinco nações iugoslavas diferentes, ela era a única república multiétnica, composta por sérvios, croatas, muçulmanos (bosniaks), “iugoslavos” (aqueles que nasceram de “mistura” étnica ou que não se encaixavam em nenhuma identificação), entre outros – era como se a Bósnia fosse uma outra Iugoslávia em menor escala. Além disso, se as classes trabalhadoras nas cidades da região central da Bósnia eram o coração do país – onde trabalhadores de todos esses grupos étnicos trabalhavam nas mesmas fábricas e viviam nos mesmos prédios habitacionais –, como a nova burguesia nacionalista iria dividi-las?

E, mesmo assim, divididos eles tinham de ser – tanto no interesse das burguesias vizinhas na Sérvia e Croácia quanto pelas potências imperialistas do Ocidente -, pois, afinal de contas, uma classe trabalhadora unida, que, além de tudo, ultrapassa fronteiras étnicas, não ajudaria muito em uma “reforma” econômica (leia-se privatização/roubo do que antes era legalmente controlado por eles).

Especialmente quando esses trabalhadores bósnios possuem tanta história na militância do conflito de classes. De fato, foram os mineiros nessa mesma cidade de Tuzla, ao norte da Bósnia, que organizaram um apoio aos heroicos mineiros britânicos que entraram em greve na década de 1980. E isso não era uma tradição que a classe britânica dominante gostaria de manter, talvez pelo fato de o partido conservador que governava a Grã-Bretanha ser um dos maiores apoiadores das demandas do líder burguês nacionalista, o sérvio Slobodan Milosevic, de dividir a Bósnia e criar pequenos Estados etnicamente “limpos”.

O problema em dividir a Bósnia, levando em conta os grupos étnicos, é que as pessoas não viviam em áreas separadas, mas todas juntas nas cidades e completamente misturadas nas regiões rurais. Então, para criar uma “República Sérvia” dentro da Bósnia, como desejava Milosevic, assim como uma “República Croata”, como era a vontade de seu parceiro no crime, Franjo Tudjman, seria “necessário” uma “limpeza étnica” massiva – o que não passa de um eufemismo para genocídio. E as principais vítimas disso eram aquelas que, de uma só vez, eram as mais espalhadas geograficamente pela Bósnia, a mais urbana e proletarizada e que não possuíam uma “pátria” fora da Bósnia para armá-la até os dentes – notoriamente bósnios muçulmanos e “miscigenados”.

E, enquanto os novos Estados burgueses e independentes da Servia e Croácia começaram em abril de 1992 a esculpir seus novos países através da limpeza étnica, o Reino Unido e a França aplicaram um embargo de armas à república bósnia, em violação ao Artigo 51 da ONU, que diz que todo Estado-membro tem o direito de se armar em autodefesa. Além de exigirem a rendição da Bósnia, eles também eram a favor da divisão interna do país em grupos étnicos.

O governo multiétnico da Bósnia – liderado pelos bosniaks e antinacionalistas sérvios e croatas – rejeitou essas exigências de apartheid étnico e reconhecimento de limpeza étnica.

Ao mesmo tempo em que tentava se defender, praticamente sem armas.

Novamente, Tuzla, a cidade que iniciou o levante de 2014, teve participação chave junto da capital  Sarajevo, ao manter uma poderosa resistência multiétnica – uma tarefa nada fácil enquanto quase um milhão de bosniaks eram enviados a pequenas partes ainda controladas pelo governo bósnio – no qual quase 85% do território do país já tinha sido “conquistado e limpado” pelas repúblicas sérvia e croata. 

A república do apartheid de “Dayton”

Escavação de uma vala coletiva no leste da Bósnia. Os homens
da cidade de Foca foram executados, enquanto suas mulheres
eram repetidamente violentadas pela facção sérvia do conflito
(Polargeo/WikiCommons) 
No fim, foi a intervenção norte-americana, no final de 1995 – após três anos e meio de massacre – que garantiu ao partido de extrema direita sérvio (SDS, sigla em inglês), usando metade do território bósnio, uma “República Sérvia” limpa etnicamente, apesar de os sérvios serem apenas um terço dos bósnios. O “timing” do Acordo de Dayton quase sugere uma “recompensa” ao SDS por ter cometido genocídio na cidade bosniak de Srebenica – apenas quatro meses antes.

Todavia, a preocupação em garantir também que uma “República Croata” pudesse criar um “Estado muçulmano” com sede de vingança no coração da Europa fez com que os EUA obrigassem os nacionalistas croatas a aceitarem uma “Federação” com os muçulmanos na outra metade.

É importante ressaltar que essa “Federação” não era uma concessão à “multietnicidade”; não apenas o estrago já havia sido feito e rios de sangue já tivessem dividido duas populações (e ambas por conta dos sérvios), mas também a nova constituição da Bósnia foi inteiramente reescrita para criar cotas étnicas em todos os níveis do governo, em ambos os lados do país – indo do nível municipal ao federal.

Então, junto com a paz veio uma divisão nacional que se tornou dominante; assim como todo e qualquer espectro político que surgisse era direcionado para um problema nacionalista; toda eleição, em todos os níveis, se tornava um fórum para a burguesia étnica tentar agarrar mais espólios, enquanto promovia o nacionalismo em nome dos assustados e empobrecidos constituintes. E, no final, formavam governos com grotescas coalizões baseadas em partidos etnicamente direcionados – muitas vezes, mutuamente hostis -, ou seja, uma receita para permanente disfunção governamental.

Assim sendo, enquanto as burguesias da Bósnia despedaçavam a economia e roubavam os bens das pessoas – como requerido pela “reforma econômica” neoliberal –, sempre haveria alguma outra pessoa em quem jogar a culpa; algum outro grupo nacional pronto para roubar os (desiguais) “direitos” que haviam conquistado em Dayton e, com isso, evitavam que a classe trabalhadora enxergasse os reais culpados – que era sua própria burguesia étnica.

Por isso a importância de as demandas atuais não terem caráter nacionalista. Na realidade, essa não é a primeira ação que cruzou os limites étnicos – em junho passado, a “Babylution” foi a precursora de um breve protesto em massa multiétnico, contra o inacreditável sistema disfuncional nos quais os partidos e as agências do Estado eram incapazes de alcançar um entendimento para conseguir emitir documentos de identidade para bebês, no que resultou na morte de uma criança que não pôde cruzar a fronteira para um tratamento médico urgente. Mas aquele breve momento foi sobreposto pela atual revolta em massa.

O colapso da economia da Bósnia

A situação econômica catastrófica da Bósnia, com uma taxa de 40% de desemprego – sendo 57% entre jovens –, não veio do nada, e o saque das três elites étnicas carrega a maior parte da culpa.

Mesmo assim, enquanto as oligarquias étnicas devem ser consideradas culpadas, suas ações eram previstas por conta da ordem política imposta por Dayton e o programa econômico imposto pelo FMI, o Banco Mundial e a União Europeia.

O último programa de austeridade imposto pelo FMI, há cinco anos, congelou o orçamento, cortou salários e benefícios, além de acelerar a privatização – massivamente aumentando o consumo e dobrando a dívida pública. A Bósnia já estava em profunda crise econômica e, como de praxe, a “cura” do FMI só tornou as coisas piores, ao forçar a já combalida classe trabalhadora a pagar pelo roubo da elite capitalista. 

Para onde vai?

O filósofo esloveno Slavoj Zizek escreveu: “O que o levante bósnio confirma é que ninguém pode genuinamente se sobrepor às paixões étnicas impondo uma agenda liberal: o que uniu os manifestantes é uma exigência radical por justiça”.

É certamente possível afirmar que o estrangulamento “étnico” em cima da militância dos trabalhadores bósnios foi quebrado e isso é suficientemente significativo. Além disso, os seus slogans apontam para uma importante ruptura com a lógica do capitalismo.

Pichação em Tuzla: "Parem o nacionalismo. Parem a divisão nacionalista
da Bósnia. Bósnia unida" (ivavukic.com)
Que esse desafio tenha surgido na Bósnia é inteiramente lógico. A Iugoslávia socialista sob Broz Tito tinha muitos dos defeitos de outros regimes da Europa Oriental, incluindo ser comandada por uma massiva casta de burocratas privilegiados que reprimiam uma oposição genuína; e onde ela se diferenciava era em sua versão de “socialismo de mercado”, cuja orientação não conseguia escapar da lógica de competição selvagem, anarquia econômica e desemprego, que são características do “capitalismo de mercado”.

Por outro lado, entretanto, a Iugoslávia sempre teve uma atmosfera mais liberal politicamente que qualquer outro país do Leste e, acima de tudo, sua doutrina única de “autogerenciamento dos trabalhadores” das fábricas e propriedade “social” – a liberação dos meios de produção do controle burocrático – é uma poderoso legado que ainda vive no consciente da classe trabalhadora. Uma possibilidade de um mundo diferente, independente do fato de que essas empresas autogerenciadas por trabalhadores na época foram minadas precisamente por terem sido jogadas no mundo do “mercado”.

Ou seja, não é apenas a demanda para as fábricas aos trabalhadores, mas em particular a palavra “retorno” – elas eram nossas, afinal de contas.

Mesmo assim, até que os trabalhadores de Tuzla fossem retomar o controle das fábricas fisicamente, esse exemplo precisaria ser espalhado por outros lugares da Bósnia e, de fato, em outros lugares dos Bálcãs, pois existe uma chance de formar uma nova ordem socialista.

Na Grécia, por exemplo, a trégua dentro do movimento contra UE-FMI e a catástrofe socioeconômica, imposta por eles, que foi vivida por todo o ano de 2013, foi quebrada quando os trabalhadores da Greek Radio-Television (ERT, sigla em inglês) tomaram sua própria empresa quando o regime tentou fechá-la. Se tornou um grito de guerra, uma fonte de esperança, um exemplo de um caminho diferente. Mas, após vários meses, ele não podia mais sobreviver por conta própria.

De qualquer maneira, o movimento pelo socialismo necessita de tais fagulhas para demonstrar que “outro mundo é possível”. Para citar Zizek novamente: “Mesmo se os protestos percam gradualmente seu poder, eles irão permanecer como uma breve fagulha de esperança, algo como os soldados inimigos confraternizando na terra de ninguém, entre as trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Eventos emancipatórios autênticos sempre envolvem ignorar identidades particulares”.

Isso é muito bem dito, com a adição necessária de que a “fagulha de esperança da qual se fala aqui não é apenas ignorar identidades “étnicas”, mas também um caminho em direção a uma nova ordem socioeconômica emancipatória.


domingo, 23 de março de 2014

Formação do Partido Comunista Brasileiro (PCB)



No próximo dia 25 de março de 2014, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) completará 92 anos de existência, há poucos dias da realização do XV Congresso que ocorrerá de 18 a 21 de abril do corrente ano, na cidade de São Paulo.

Nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, na sede da União Operária do Rio de Janeiro, realizou-se o Congresso de fundação desse Partido, resultante da iniciativa do Grupo Comunista de Porto Alegre, que em contato com os Grupos Comunistas do Rio de Janeiro, de Recife, de São Paulo, de Cruzeiro (SP), de Niterói, convocou-se um Congresso que fundaria o Partido Comunista do Brasil (PCB).

Entre os delegados que participaram da fundação do PCB, estavam Astrojildo Pereira, Cristiano Cordeiro, João da Costa Pimenta, José Elias da Silva, Joaquim Barbosa, Luis Peres, Hermogenio Silva, Abílio de Nequette, Manuel Cendon.

Da pauta constava a discussão dos seguintes temas: *Exame das 21 condições para admissão na Internacional Comunista (III Internacional), *Estatutos do Partido, *Eleição da Comissão Executiva Central, *Medidas em benefício dos flagelados russos do Volga.

A Comissão Executiva Central ficou constituída por Abílio de Nequette, Astrojildo Pereira, Antonio Bernardo Canellas, Luis Peres, Antonio Gomes Cruz Junior; como suplentes foram escolhidos Cristiano Cordeiro, Rodolfo Coutinho, Antonio de Carvalho, Joaquim Barbosa e Manuel Cendon.

O jornal Movimento Comunista, fundado pelo Grupo Comunista do Rio de Janeiro, após a fundação do PCB passou a ser órgão oficial do novo partido.

O Diário Oficial da União de 07.04.1922 publicou o registro e os Estatutos do Partido. Embora registrado oficialmente, o PCB passou a maior parte de sua existência proibido pelos sucessivos governos brasileiros, de ter vida legal.  

A seguir reproduzimos um breve histórico do PCB, escrito por volta de 2010/2011 e postado nas páginas do PCB.

(Nota do Blog Mundo do Socialismo)


BREVE HISTÓRICO DO PCB (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO)


A trajetória do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 25 de março de 1922, é parte constitutiva da história do Brasil. Se, na sua gênese, convergiram os ideaislibertários do nascente proletariado, no seu desenvolvimento e consolidação foramsintetizados os processos de maturação de uma organização política que buscava (eainda busca até hoje) conjugar em suas fileiras os mais destacados dirigentes das lutas dos trabalhadores e representantes da intelectualidade e da cultura brasileira. Quando se tornou um verdadeiro partido de dimensões nacionais, no imediato pósguerra, o PCB revelou-se como a instância de universalização de uma vontade política que fundia o mundo do trabalho com o mundo cultural. Intelectuais do porte de Astrojildo Pereira (um de seus fundadores), Caio Prado Jr., Graciliano Ramos e Mário Schenberg, entre outros, vinculavam-se a projetos e perspectivas que tinham nas camadas proletárias o sujeito real da intervenção social.

Se a história do PCB foi marcada por uma sistemática repressão, que o compeliu à clandestinidade por mais da metade de sua existência e que entregou ao povo brasileiro boa parte de seus maiores heróis do século XX, nem por isto o PCB foi um partido marginal. Ao contrário: da década de 1920 aos dias atuais, os comunistas, com seus acertos e erros, mas especialmente com sua profunda ligação aos interesses  históricos das massas trabalhadoras brasileiras, participaram ativamente da dinâmica social, política e cultural do país. Por isso mesmo, resgatar a história do PCB é recuperar a memória de um Brasil insurgente, ao mesmo tempo premido pelas imposições do modo de produção capitalista e do imperialismo, para comprovar que só pode fazer futuro quem tem lastro no passado.

Os primeiros anos, que vão da fundação do Partido a 1930, assinalam o esforço de criar no país uma cultura socialista e um modo proletário de fazer política. Recorde-se que, ao contrário de outros países, o Brasil não teve, antes de 1922, qualquer experiência partidária anticapitalista de alguma significância (exceção feita à pioneira ação dos anarquistas, cujo protagonismo esgotou-se com a greve geral de 1917 e a algumas tentativas malogradas de se constituir no Brasil um partido de matiz operária).

Nestes anos, realizando três congressos (o de fundação, em 1922, e os de 1925 e 1928/29) e já operando na clandestinidade, o PCB dá conta da sua dupla tarefa: de um lado, traduz e divulga o Manifesto do Partido Comunista e lança o jornal A Classe Operária, buscando divulgar as teses marxistas junto ao operariado. De outro, dinamiza o movimento sindical com uma perspectiva classista e independente inserindo-se no cenário da política institucional, através do Bloco Operário Camponês.

Em 1930, reconhecido pela Internacional Comunista e tendo criado a sua Juventude Comunista, o PCB já multiplicava por quinze os 73 militantes que se integraram ao Partido em 1922. A década de trinta marca dois movimentos na trajetória do PCB: o primeiro, até 1935, de afirmação política; o segundo, até 1942, de refluxo - ambos compreensíveis na conjuntura das transformações que a sociedade brasileira vivia com a chamada Revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República e abriu caminho para a era Vargas.

ANL e revolta de 1935

Mesmo sem participação direta no evento político que derrubou a república oligárquica, o PCB logo se coloca como uma força política importante nesta nova quadra da história brasileira: é a organização que mais coerentemente enfrenta o avanço do integralismo (caricatura do movimento nazifascista no Brasil). Já contando em suas fileiras com a presença de Luiz Carlos Prestes - que haveria de se tornar o seu dirigente mais conhecido - o PCB articula uma grande frente nacional e antifascista, propondo à sociedade um projeto de desenvolvimento democrático, anti-imperialista e antilatifundiário. O Partido torna-se o núcleo dinâmico da Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente antifascista na qual se reuniram comunistas, socialistas e antigos "tenentes" insatisfeitos com a aproximação entre o governo de Vargas e os grupos oligárquicos afastados do poder em 1930. Posta na ilegalidade a ANL, o PCB promove -a insurreição de novembro de 1935.

A insurreição comunista parte da tomada de quartéis no Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro e, devido à sua desarticulação e ao não envolvimento das massas, é rapidamente dominada, tendo sofrido violenta repressão por parte das forças de segurança do Estado.

Derrotada a insurreição, abate-se sobre o país uma ação repressiva sobre todo o campo democrático, em especial sobre o PCB que, até inícios dos anos quarenta, viverá sob intensa repressão política, chegando a casos de extermínio físico de dirigentes e diversos militantes. Mas nem a duríssima clandestinidade impediu que os comunistas cumprissem com seus compromissos, até mesmo os internacionalistas: o PCB não só organizou a solidariedade à República Espanhola como, ainda, enviou combatentes para as Brigadas Internacionais.

"Partidão" e Ilegalidade

A conjuntura internacional ao final da Segunda Guerra Mundial, quando se destacaram a derrota fascista em Stalingrado, o avanço das tropas soviéticas sobre o Leste Europeu e a ocupação de Berlim pelas forças antinazistas (com a União Soviética na frente), favoreceu a ação dos democratas brasileiros na abertura dos anos quarenta e, como força inserida no campo da democracia, os comunistas têm então possibilidade de intervenção.

Recuperando-se das perdas orgânicas dos anos imediatamente anteriores, o PCB - que exigira a participação do Brasil na guerra contra o nazifascismo e orientara seus militantes a se incorporarem à Força Expedicionária Brasileira (muitos deles voltariam do campo de batalha reconhecidos oficialmente como heróis) - se reestrutura, com a célebre Conferência da Mantiqueira, realizada em agosto de 1943.

A partir dela, o Partido conquista espaços na vida política e, quando da redemocratização, cujo marco é o ano de 1945, torna-se um partido nacional de massas, atingindo a marca de cerca de 200 mil filiados em 1947. Conquistando plena legalidade, constitui significativa bancada parlamentar e elege, pelo Estado da Guanabara, ao cargo de senador, o então Secretário-Geral do partido, Luiz Carlos Prestes.

Protagonista essencial dos processos políticos, o PCB centraliza o movimento sindicalclassista, cria uma notável estrutura editorial e jornalística, empolga a intelectualidade democrática e passa ser a vanguarda democrática na Assembleia Nacional Constituinte.

Mas este movimento de afirmação política é brutalmente interrompido pela Guerra Fria: entre 1947 e 1948, o Partido é posto na ilegalidade e perseguido pelo Governo Dutra. Compelido à clandestinidade, o PCB responde à truculência do governo do Marechal Dutra com uma política estreita e sectária (expressa nos Manifestos de 1948 e 1950), o que conduz os comunistas a um profundo isolamento, além de dar início à luta interna entre as facções partidárias.

XX Congresso do PCUS: conflitos

As tensões explodem em 1956, com o impacto do XX Congresso do PCUS: a denúncia do chamado "culto à personalidade de Stalin" cataliza a atenção dos militantes e irrompe no interior do PCB, provocando a emersão de divergências e conflitos internos reprimidos por uma década.

A luta interna que se seguiu ao impacto causado pelo XX Congresso do PCUS (na qual, além de um número expressivo de militantes, o PCB perdeu importantes dirigentes e quadros intelectuais) começou a ser ultrapassada em março de 1958, quando se divulga a Declaração Política que propõe uma nova perspectiva de ação dos comunistas. A Declaração de Março vincula a conquista do socialismo à ampliação dos
espaços democráticos e formula uma estratégia revolucionária de longo prazo.

Partido Comunista Brasileiro, PCB

O V Congresso do PCB (realizado em setembro de 1960) consolida esta orientação e põe como tarefa imediata a conquista da legalidade, para o que era necessário o Partido se adequar juridicamente à legislação partidária, inclusive com a mudança do nome “Partido Comunista do Brasil (PCB)”, que existia desde a fundação, em março de 1922, para Partido Comunista Brasileiro- PCB. Posteriormente, o nome Partido Comunista do Brasil seria restaurado por dirigentes e militantes comunistas que saíram do PCB e criaram, em fevereiro de 1962, o PC do B, uma outra organização comunista, que, na época, discordara do processo de “desestalinização” ocorrido na União Soviética e, mais tarde, numa variação de sua linha político-ideológica (a exemplo do que voltaria a acontecer outras vezes na trajetória deste partido), haveria
de se vincular ao maoísmo.

Golpe e Dissidências

Com a nova orientação, o PCB experimenta grande crescimento e, renovando amplamente o seu contingente de militantes, passa a exercer papel hegemônico na intelectualidade de esquerda e, principalmente, aumenta sua influência no movimento sindical, articulando alianças amplas e flexíveis, que se mostraram eficazes em certas conjunturas políticas difíceis, como, por exemplo, a posse de João Goulart, em setembro de 1961. Contudo, muitas vezes, estas alianças, justamente por sua amplitude, colocaram o Partido a reboque do interesse de outras classes, fragilizando seu papel de vanguarda política do proletariado. Foi neste sentido que o golpe de abril de 1964, articulado pelas frações hegemônicas da burguesia monopolista brasileira, não encontrou nem as forças populares, nem o Partido em condições de resistência imediata, sendo imposto ao PCB e ao conjunto das forças democráticas e de esquerda mais um duro período de repressão e clandestinidade.

O Partido, porém, se recompôs e definiu uma linha de ação antiditatorial centrada na recusa de quaisquer propostas que não envolvessem ações políticas de massas. Esta recusa ao foquismo e às várias formas de luta armada que não levassem em conta a necessidade de organização e participação do movimento de massas, representando uma fase de predominância do esquerdismo político no combate à ditadura, custou ao PCB a perda de importantes dirigentes, tais como Carlos Marighela, Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho, dentre tantos outros. Esta orientação foi ratificada no VI Congresso que o PCB realizou em dezembro de 1967, uma vitória contra a repressão que se instalara no país.

Repressão e Exílio

Os anos seguintes, balizados pela fascistização do regime ditatorial (principalmente a partir do Ato Institucional nº 5 , de 13 de dezembro de 1968), marcaram, paradoxalmente, a comprovação do acerto da estratégia política do PCB e sua vulnerabilidade orgânica à repressão. Ao mesmo tempo em que a combinação da ação política clandestina com a utilização dos espaços legais (especialmente através da atuação no interior do MDB) revelava-se a forma correta de isolar o regime ditatorial, o PCB era violentamente golpeado. Entre 1973 e 1975, um terço de seu Comitê Central foi assassinado pela repressão, e milhares de militantes foram submetidos à tortura, alguns até a morte, dentre os quais o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.

Nem por isso os comunistas deixaram de intervir ativamente na vida brasileira. Mesmo tendo a maioria da sua direção exilada e boa parte presa nos presídios da ditadura, o PCB desenvolveu uma política que privilegiava a unidade das forças democráticas. Assim, com a conquista da anistia, que fazia parte do programa do PCB desde o VI Congresso (1967), em setembro de 1979, o retorno de dirigentes e militantes que estavam no exterior e a volta à vida social de quadros que estavam na clandestinidade foram elementos centrais na dinamização da luta contra a ditadura em sua crise mais aguda, após o fim do chamado ciclo do milagre econômico.

VII Congresso do PCB: a consolidação da “via democrática”

Reestruturando-se em todo o país desde 1979, o PCB realizou, em dezembro de 1982, o seu VII Congresso, que formulou uma linha política para as novas condições da sociedade, sob o título "Uma alternativa democrática para a crise brasileira". O PCB atualizava o seu projeto de tornar-se um partido nacional de massas vinculando organicamente o objetivo socialista a uma democracia de massas, a ser construída no respeito ao pluralismo e nos valores fundamentais da liberdade.

O Partido, no encaminhamento deste Congresso, viu-se mais uma vez engolfado por lutas internas de graves consequências. Por um lado, o chamado eurocomunismo (que propunha a ocupação de espaços no interior da sociedade burguesa sem uma clara afirmação da luta de classes e da derrubada revolucionária do capitalismo, numa leitura deturpada das ideias do dirigente comunista italiano Antonio Gramsci) havia construído sólidas bases no pensamento partidário. Embora não contassem com grande número de militantes e dirigentes que se assumissem como tal, as formulações centrais do eurocomunismo permeavam todas as teses congressuais. Por outro lado, o grupo liderado por Luiz Carlos Prestes, divergindo da orientação da maioria do Comitê Central, rompe com o Partido, após inúmeros embates que vinham se acirrando desde o exílio.

Devido às divergências internas e ao fato de o Congresso não ter terminado, tendo sido invadido pelas forças de repressão, o Comitê Central, somente no ano de 1984, consegue publicar o documento final de “Uma Alternativa Democrática para a crise brasileira”. O documento aprovado é permeado de contradições geradas pela tentativa de contemplar as principais facções e amortecer, por alguns anos, uma possível fragmentação partidária.

Mesmo assim, tendo como Secretário-Geral o ex-combatente de 1935, Giocondo Dias, o Partido alcançou ganhos na cena política, apesar de muito enfraquecido no interior dos movimentos sociais (especialmente no interior do movimento operário, no qual sua política de conciliação de classes viu-se amplamente questionada). Esta débil inserção nos movimentos sociais acabaria por fragilizar a intervenção política do PCB, em que pese sua relevância nas articulações institucionais da esquerda e do campo democrático. Assim, no decurso da derrota da ditadura e da transição democrática, o Partido não se afirmou como organização de massas e nem esteve na vanguarda das ações do movimento operário e sindical no decorrer dos anos 1980.

Legalidade e Crise

O VIII Congresso (Extraordinário), já realizado sob condições de legalidade, em julho de 1987, não fez avançar o PCB: importantes questões táticas (por exemplo, a ação sindical e a política de alianças) e estratégicas (o próprio formato da organização partidária, a concepção de um caminho brasileiro para o socialismo) não foram efetivamente equacionadas.

Uma crise velada atingia o conjunto partidário, expressa na estagnação do contingente de militantes, na perda de inserção no movimento sindical, na pobreza dos resultados eleitorais e na ineficiência dos instrumentos partidários, como o semanário Voz da Unidade e todas as publicações da Editora Novos Rumos, que não eram legitimados pela militância.

O IX Congresso (1991), levado a cabo na sequência da queda do Muro de Berlim, mostrou o Partido dividido, desde o Comitê Central até as bases, entre aqueles que desejavam capitular frente à ofensiva neoliberal e adaptar-se ao novo ciclo de hegemonia burguesa e aqueles que propugnavam a reconstrução revolucionária do Partido. Já neste processo, os liquidacionistas pretendiam mudar o nome e o caráter marxista-leninista do Partido, sendo impedidos de fazê-lo pela enorme resistência de alguns dirigentes e das bases partidárias.

X Congresso do PCB: o racha

A crise explode no X Congresso extraordinário (em janeiro de 1992, em São Paulo), montado com o único intuito de, finalmente, levar a cabo as propostas liquidacionistas. O embate se dá entre uma maioria numérica forjada, da qual participavam não filiados ao PCB e membros de outros partidos, e os militantes do Movimento Nacional em Defesa do PCB, isto é, entre os que sairão para criar o Partido Popular Socialista - PPS e aqueles que reclamavam a continuidade do PCB.

No mesmo instante em que a maioria forjada votava pela liquidação do Partido, os militantes do Movimento Nacional em Defesa do PCB, após exporem sua decisão e objetivo na abertura do espúrio X Congresso, se retiram em passeata até o Colégio Estadual Roosevelt. Ali, foi realizada a Conferência Extraordinária de Reorganização do PCB, que decidiu, por aclamação, pela continuidade do Partido, com manutenção do seu nome e sigla históricos, prosseguindo na luta pelo socialismo.

A retomada: a luta pela reconstrução revolucionária do PCB

A luta pela existência do PCB se deu em várias frentes: na luta de massas e no nível legal e institucional. Os militantes mantiveram vivo o Partido nos movimentos de massa, afirmando nos espaços de luta popular a reconstrução revolucionária do PCB. Na Justiça Eleitoral, foi travado um embate de mais de um ano pelo direito ao uso da sigla histórica. Ao final da disputa legal, a sentença do então ministro do TSE, Sepúlveda Pertence, deixou claro que a sigla PCB e seu símbolo só poderiam pertencer a quem de fato se afirmava herdeiro do legado político e histórico do Partido.

A próxima tarefa que se impôs aos militantes comunistas foi a batalha pela legalização e pelo registro definitivo do PCB. A campanha de filiação, para atender às rigorosas exigências do TSE - a filiação em 20% dos municípios de 9 estados - começou em 1994. Foram exigidos tremendos sacrifícios da direção e da militância, tanto em nível pessoal quanto financeiro, mas a tarefa foi completada com êxito no final de 1995.

Embora fosse árduo o esforço pela legalização, não foi a campanha de filiação a única atividade do PCB neste período. Iniciou-se a reorganização do Partido nos movimentos de massa, especialmente nos movimentos estudantil e sindical. Neste período, para definir nova linha política e o caráter do Partido, foram realizados uma Conferência Política Nacional em Brasília (1995) e dois Congressos: o X Congresso no Rio de Janeiro (1993), que ratifica o propósito de construir no Brasil uma alternativa revolucionária, tendo no marxismo sua base teórica e na construção do Partido junto ao movimento de massas a tarefa primordial visando a organização consciente do proletariado para as transformações rumo ao socialismo no Brasil; o XI Congresso, também no Rio (1996), que supera as avaliações nacional-libertadoras e etapistas que ainda vicejavam desde o racha com o PPS. Estes ricos processos de debates da militância partidária afastaram de vez qualquer formulação reformista e enfatizaram o caráter revolucionário do PCB. Retomaram o conceito de centralismo democrático, de acordo com suas origens, e reafirmaram o caráter marxista-leninista do Partido.

Nos últimos anos tem se intensificado o trabalho de estruturação interna do Partido e sua inserção nos movimentos de massa. Através, principalmente, do movimento sindical e estudantil e da participação nas entidades representativas, o Partido afirma a centralidade do trabalho e a necessidade da revolução social de matiz socialista. É através deste trabalho, também, que o partido vem recrutando e formando novos militantes e formulando sua intervenção junto às massas.

No mês de abril de 2000, em Xerém (Rio), realizou-se o XII Congresso. Além de aprofundar sua leitura sobre a conjuntura política nacional e internacional e formular a sua atuação política, os comunistas do PCB avançaram em outras questões que se colocam para a sociedade no enfrentamento à exploração capitalista. A construção de uma frente das esquerdas em um projeto de confronto ao neoliberalismo e a unidade dos comunistas no Brasil foram importantes resoluções aprovadas pelo Congresso. A consolidação da política de organização leninista foi concretizada na aprovação do novo estatuto partidário.

Em março de 2005, em Belo Horizonte, o PCB realizou seu XIII Congresso e reforçou a compreensão de que a "revolução socialista é um processo histórico complexo", isto é, que o "triunfo do Socialismo não é um fato que acontecerá de forma natural ou inexorável, como afirmam algumas leituras mecanicistas da obra de Marx, mas sim uma possibilidade histórica que deve ser construída".

Baliza a necessidade de ruptura com a política governamental que o então Presidente Lula desenvolvia no país, sob uma orientação social-liberal e conciliadora com os interesses e perspectivas das elites e do imperialismo. Em janeiro de 2006, o PCB rompe sua participação nos foruns da CUT (Central Única dos Trabalhadores), por entender que esta entidade torna-se um braço governamental e promotor da conciliação de classe junto aos trabalhadores. O Partido propõe a construção de um ENCLAT (Encontro Nacional das Classes Trabalhadoras) para que se debatessem os desafios colocados para o movimento sindical de corte classista, na perspectiva da construção de uma nova e ampla entidade sindical, classista, democrática e independente para a condução das lutas do proletariado, em especial da classe operária brasileira.

Nos últimos anos, o PCB recuperou espaços e ampliou a sua presença na área internacional, tendo construído laços mais fortes e empreendido ações conjuntas com partidos e organizações comunistas e de esquerda de outros países. Exemplos foram as presenças de delegações nos Congressos dos PCs Português, Grego, Colombiano, Argentino, Turco e da Federação Russa; nos encontros dos Partidos Comunistas realizados em Lisboa e São Paulo; nas visitas e ações conjuntas, no Brasil e no exterior, com os PCs Peruano, Chileno, Venezuelano, Boliviano, Paraguaio, Mexicano e outros; nas ações conjuntas e na presença em Congressos das Juventudes Comunistas (pela ação da UJC); na presença em atos políticos em outros países, com destaque para aqueles realizados na Venezuela, no Peru, na Bolívia, no Paraguai e em Honduras; na presença nos Encontros do Movimento Humanista; nas reuniões bilaterais com os PCs; nas participações em manifestos conjuntos e consultas internacionais com outros PCs.

O XIV Congresso: construir o Bloco Revolucionário do Proletariado

No XIV Congresso, realizado em outubro de 2009 no Rio, comprova-se o acerto no trabalho de reinserção do PCB no movimento comunista internacional e de solidariedade militante aos partidos, movimentos e governos que avançam na luta anticapitalista e anti-imperialista em todo o mundo. Verificou-se a forte presença de convidados estrangeiros ao Congresso, através das delegações dos Partidos Comunistas Cubano, Grego, da Alemanha, dos Povos da Espanha, dos Mexicanos, Libanês, Colombiano, da Venezuela, da Bolívia, do Chile, Peruano, Paraguaio, Argentino, do Polo do Renascimento Comunista Francês, da Frente Popular de Libertação da Palestina, da Coordenadora Continental Bolivariana, do Partido Comunista do Vietnã e do Partido do Trabalho da Coréia.

Também compareceram, como convidados, companheiros do PSOL, do PSTU, do PDT, do PH, da Consulta Popular, do MST, do PCR, da Intersindical, da CUT, da Refundação Comunista, do CECAC, de entidades de solidariedade internacionalista e da nossa querida União da Juventude Comunista, demonstrando o crescimento do trabalho do PCB no interior dos movimentos sociais e políticos no Brasil.

No XIV Congresso, o PCB afirma que o Brasil já cumpriu o ciclo burguês, tornando-se uma formação social capitalista desenvolvida, terreno propício para a luta de classes aberta entre a burguesia e o proletariado. E assevera que o cenário da luta de classes mundial e suas manifestações no continente latino-americano, o caráter do capitalismo monopolista brasileiro e sua profunda articulação com o sistema imperialista mundial, a hegemonia conservadora, os resultados deste domínio sobre os trabalhadores e as massas populares no sentido de precarização da qualidade de vida, desemprego, crescente concentração da riqueza e flexibilização de direitos levam a reafirmar que o caráter da luta de classes no Brasil inscreve a necessidade de uma ESTRATÉGIA SOCIALISTA.

Para tanto, propõe a formação de uma frente política permanente de caráter anticapitalista e anti-imperialista, que não se confunda com mera coligação eleitoral, na perspectiva da constituição do Bloco Revolucionário do Proletariado como um movimento rumo ao socialismo.

Às vésperas de completar 90 anos de existência, o Partido Comunista Brasileiro, fortalecido nas tradições e na luta dos comunistas em todo o mundo, reafirma a necessidade histórica de superação do capitalismo, que se dará apenas pela libertação das classes trabalhadoras, na perspectiva do socialismo rumo à sociedade comunista.