"O capitalismo (...) espraia para todo o planeta seus valores e padrões de exercício da liberdade, ou seja, os de explorar o semelhante com a criação de uma espécie de consentimento político"
Por Ari Zenha (*)
O capital encontra barreiras em sua própria natureza
Karl Marx
O capitalismo, num processo contínuo e ininterrupto, engendra o aumento da opressão e da exploração da classe trabalhadora, por fundar sua reprodução no antagonismo entre produção social e apropriação privada da riqueza gerada socialmente.A estrutura capitalista vive em constante instabilidade – em crise permanente –, que se manifesta em sua dinâmica econômica, política e social.
Mercado
O neoliberalismo configura e enfatiza o poder exclusivo do mercado, o qual subordina, a si, todos os mecanismos de funcionamento da sociedade. O poder neoliberal enquadra tanto as relações econômicas como as sociais sob a égide de fundamentos de ideias e ideais políticos de pressupostos individualistas extremamente exacerbados, onde o que prevalece é a legitimação da ordem do capital.
O capitalismo, submetido às regras e princípios neoliberais, espraia para todo o planeta seus valores e padrões de exercício da liberdade, ou seja, o de explorar o semelhante com a criação de uma espécie de consentimento político. Este, por sua vez, é estruturado com base num senso comum profundamente enganoso, que obscurece e ao mesmo tempo legitima a dominação do capital.
David Harvey nos diz o seguinte: “Não admira que o patrimônio líquido das 358 pessoas mais ricas do mundo em 1996 tenha sido igual à renda combinada dos 45% mais pobres da população mundial – 2,3 bilhões de pessoas. E o que é ainda pior: as 200 pessoas mais ricas do mundo mais que dobraram seu patrimônio líquido, nos quatro anos anteriores a 1998, para mais de 1 trilhão de dólares. Os ativos dos três maiores bilionários alcançavam na época um valor superior ao PIB de todos os países menos desenvolvidos e sua população de 600 milhões de pessoas.”
Com o advento do neoliberalismo, houve uma reconfiguração da renda no mundo, de tal modo que a riqueza passou a se concentrar nas mãos de um percentual mínimo de pessoas, enquanto uma imensa parcela da população mundial se vê ainda privada dos mais elementares direitos de vida.
"O capitalismo (...) espraia para todo o planeta seus valores e padrões de exercício da liberdade, ou seja, os de explorar o semelhante com a criação de uma espécie de consentimento político"
Com o neoliberalismo ocorre uma espécie de acumulação por espoliação. Segundo Harvey, esta espoliação se manifesta nos seguintes aspectos: a) na privatização e “mercadificação”. Isto significa que o objetivo primordial do capital tem sido abrir à acumulação novos campos de lucratividade e apropriação, tais como os serviços de utilidade pública (água, telecomunicações, transporte), benefícios sociais (habitação, educação, assistência à saúde, pensões), instituições públicas (universidades, laboratórios de pesquisa, presídios), e, mesmo, operações de guerra; b) na “financialização” de estilo especulativo e predatório, a partir da desregulação, que fez com que o sistema financeiro se tornasse um dos principais centros de atividade redistributivista por meio da especulação, da predação, da fraude e da roubalheira; c) na administração e manipulação de crises, via criação de bolhas especulativas, muitas sendo boa parte fruto de manipulação financeira como o aumento da taxa de juros promovida pelo FED (banco central norte-americano), quando Volcker era seu presidente, levando a uma verdadeira pilhagem das economias do Terceiro Mundo, conduzindo-as às crises de suas dívidas. Calcula-se que a partir de 1980 mais de Cinquenta Planos Marshall (mais de 4,6 trilhões de dólares) foram remetidos pelos países da periferia aos credores do centro financeiro internacional, notadamente norte-americanos; d) na redistribuição via Estado, através das privatizações e cortes de gastos públicos.
O Estado neoliberal redistribuiu renda e riqueza por meio de revisões dos códigos tributários a fim de beneficiar o retorno dos investimentos e em detrimento dos salários. O trabalhador, no sistema capitalista neoliberal é visto e colocado como fator de produção. O que importa para o capital são as diferenças e características dos trabalhadores tratados como indivíduos portadores de capacidades desiguais – capital humano – e seus gostos como capital cultural. O neoliberalismo acaba com qualquer proteção ao mundo dos trabalhadores, estabelecendo um mercado de trabalho flexibilizado, desprovido de qualquer garantia e proteção social.
Para a doutrina neoliberal, num contexto mundial, a pessoa do trabalhador é totalmente descartável, sua força de trabalho, que é a mercadoria que ele vende para o capital, é vendida e explorada sob condições impostas pelo capitalista, uma espécie de semi-escravidão. Os trabalhadores se convertem em uma massa disforme em termos de classe social e passam a ser considerados e manipulados pelo capitalista que faz uso dessa sua capacidade física e mental da forma que mais lhe aprover, não importando os malefícios que cause a esses. São ocasionados danos desastrosos para os trabalhadores em todos os aspectos de sua vida, uma vez submetidos às formas mais diretas e brutais de exploração.
Propriedade privada
"Vivemos, portanto, numa sociedade em que o “direito inalienável” à propriedade privada e a taxa de lucro se sobrepõem a toda outra concepção concebível de direitos inalienáveis"
Os economistas neoliberais atribuem ao indivíduo, à pessoa, as mazelas de seu endividamento, responsabilizando-o pelo descontrole de seus recursos e gastos. Mas eles se “esquecem” que o causador e incentivador de tudo isso são as próprias estruturas político-econômicas capitalistas que defendem.
Outra grande questão que permeia toda a doutrina neoliberal (que os mesmos doutores da economia neoliberal apregoam), e que se encontra respaldo no contexto brasileiro, são o PAC e as PPPs, que são formas de implementar a sanha do capital em setores antes objeto de planejamento e execução pelo Estado, em benefício da sociedade como um todo, e que os ideólogos do neoliberalismo ( despudoradamente) entendem que devam ser privatizados. Enfim, é o mercado que tem todas as prerrogativas e a eficiência para melhor alocar e administrar os recursos da economia. Isto nada mais faz que alimentar a fúria por lucro do capital ao permitir que ele se aproprie do que é público, utilizando o Estado como mecanismo para executar a ganância que é própria de sua natureza.
(*) Ari de Oliveira Zenha é economista
FONTE: Controvérsia
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