domingo, 28 de junho de 2015

Estudo científico afirma que havia igualdade entre os primeiros homens e mulheres



Arqueologia e Pré-História - Um estudo mostra que os modernos grupos caçadores-coletores operam em uma base igualitária, sugerindo que a desigualdade foi uma aberração que apareceu com o advento da agricultura

Nossos ancestrais pré-históricos são frequentemente imaginados como selvagens portadores de lanças, porém é mais provável que as primeiras sociedades humanas tenham sido fundadas em princípios de igualdade, de acordo com cientistas.

Um estudo mostrou que em grupos de caçadores-coletores contemporâneos homens e mulheres tendem a ter uma influência igual sobre onde seus grupos vivem e com quem eles vivem. As descobertas desafiam a ideia de que a igualdade sexual é uma invenção recente, sugerindo que ela tem sido a norma para os humanos durante a maior parte de nossa história evolutiva.

Mark Dyble, o antropólogo que liderou o estudo na University College London disse: “Ainda há essa percepção ampla de que os caçadores-coletores são mais machões ou que apresentam um domínio masculino. Nosso argumento é que somente com a emergência da agricultura, quando as pessoas puderam iniciar a acumular recursos, que a desigualdade emergiu”.

Dyble diz que as descobertas mais recentes sugerem que a equidade entre os sexos pode ter sido uma vantagem para a sobrevivência e desempenhado um importante papel na formação e evolução da sociedade humana. “Igualdade sexual é parte de um conjunto importante de alterações para a organização social, incluindo coisas como as relações monogâmicas, nossos grandes cérebros sociais e a linguagem, que distinguem os humanos”, disse o pesquisador. “A igualdade sexual é um passo importante que realmente não foi destacado antes.”.

O estudo, publicado na revista Science, visou investigar o aparente paradoxo de que enquanto as pessoas em sociedades de caçadores-coletores mostram fortes preferências por viver com os membros da família, na prática eles tendem a viver com poucos parentes próximos.

Os cientistas coletaram informações genealógicas de duas populações de caçadores-coletores, uma no Congo e outra nas Filipinas, incluindo relações de parentesco, movimentos entre acampamentos e padrões de residência, por meio de centenas de entrevistas. Em ambos os casos, as pessoas tendem a viver em grupos que possuem por volta de 20 indivíduos, movendo-se aproximadamente a cada 10 dias e subsistindo da caça, pesca e coleta de frutas, vegetais e mel.

Os cientistas construíram um modelo de computador para simular o processo formação do acampamento, baseado na suposição de que as pessoas irão escolher povoar um acampamento vazio com seus parentes mais próximos: irmãos, pais e filhos.

Quando apenas um sexo teve influência sobre o processo, como é típico em sociedades pastoris ou horticulturas com dominação masculina, estreitos grupos de indivíduos aparentados emergiram. Contudo, o número médio de indivíduos aparentados é previsto ser bem mais baixo quando homens e mulheres possuem uma influência igual – quase batendo com o que foi visto nas populações que foram estudadas.

“Quando apenas os homens têm influência sobre com quem eles vivem, o núcleo de qualquer comunidade é uma densa rede de homens intimamente relacionados com as esposas na periferia”, disse Dyble. “Se homens e mulheres decidem, você não tem grupos de quatro ou cinco irmãos vivendo juntos”.

Os autores sustentam que a equidade sexual pode ter provido uma vantagem evolutiva para as primeiras sociedades humanas, na medida em que ela poderia ter fomentado redes sociais de longo alcance e cooperação mais próxima entre indivíduos não aparentados. “Ela dá a você uma rede social muito mais expandida com uma mais ampla escolha de pares, desse modo as relações endogâmicas não seriam um problema”, disse Dyble. “E você entra em contato com mais pessoas e pode dividir inovações, o que é algo que os humanos fazem por excelência”.

Drº Tamas David-Barrett, um cientista comportamentalista na University of Oxford, concorda: “Este é uma resultado muito claro”, ele disse. “Se você é capaz de alcançar o seu parente mais distante, você será capaz de ter uma rede muito mais ampla. Tudo o que vocês precisam fazer é ficarem juntos de vez em quando por algum tipo de festa.”

O estudo sugere que foi apenas com a aurora da agricultura, quando as pessoas foram capazes de acumular recursos pela primeira vez, que um desequilíbrio emergiu. “Os homens puderam começar a ter várias esposas e eles puderam ter mais filhos do que mulheres”, disse Dyble. “Os homens começam a acumular recursos e se tornam favoráveis a formarem alianças com parentes masculinos”.

Dyble disse que igualdade entre os sexos pode também ter sido um dos importantes fatores que distinguiram nossos antepassados de nossos primos primatas. “Chimpanzés vivem em sociedades bem agressivas e dominadas por machos com hierarquias claras”, afirmou Dyble. “Como resultado, eles simplesmente não veem suficientes adultos no seu período de vida para que as tecnologias sejam mantidas”.

As descobertas parecem ser suportadas por observações qualitativas dos grupos de caçadores-coletores no estudo. Na população das Filipinas as mulheres estão envolvidas na caça e na coleta de mel e, enquanto ainda há uma divisão do trabalho, da mesma forma os homens e as mulheres contribuem com um número similar de calorias para o acampamento. Em ambos os grupos a monogamia é a norma e os homens são ativos na criação das crianças.

Andrea Migliano, da University College London, e o primeiro autor do artigo disseram: “Igualdade entre os sexos sugere um cenário onde traços humanos únicos, tais como cooperação com indivíduos não aparentados, podem ter emergido em nosso passado evolutivo”.


Publicado originalmente em  The guardian


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Wallerstein: a hora dos partidos-movimentos


Alexis Tsipras, eleito na Grécia pelo Syriza. Para Wallerstein, "quando chegam ao poder,
estes movimentos de protesto descobrem ser muito difícil cumprir as promessas que
fizeram para se eleger"

Convergências anti-sistema já sacodem eleições. Algumas querem superar capitalismo, mas têm pouco poder. Como não frustrar as sociedades, e influir na ordem mundial?


Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Gabriela Leite

Em países com eleições disputadas, há normalmente dois partidos principais, que se situam em algum lugar mais ou menos no centro das visões dos eleitores deste país. Nos últimos anos, houve um número relativamente grande de eleições nas quais um movimento de protesto ou ganhou as eleições ou, pelo menos, elegeu representantes em número suficiente para que seu apoio seja necessário, afim de que o partido principal governe.

O último exemplo deu-se na província de Alberta, no Canadá, onde o Partido Nacional Democrático (NDP, em inglês), concorrendo com uma plataforma próxima à esquerda radical, tirou do poder, de forma inesperada, os Conservadores Progressistas, um partido de direita que governava sem dificuldade havia bastante tempo. O que fez desse acontecimento ainda mais surpreendente foi que Alberta tem a reputação de ser a província mais conservadora no Canadá, e é a base do primeiro-ministro do país, Stephen Harper, no posto desde 2006. O NPD ganhou, inclusive, 14 das 25 cadeiras em Calgary, residência e reduto de Harper.

Alberta não é o único caso. O Partido Nacional Escocês (SNP, em inglês) varreu as eleições na Escócia, mesmo com o histórico de ser um partido marginal. O partido de ultra direita polonês, Partido da Lei e Justiça derrotou o candidato que era  considerado conservador pró-negócios, a Plataforma Cívica. O Syriza, na Grécia, que fez campanha em uma plataforma anti-“austeridade”, está agora no poder, e seu primeiro-ministro, Alexei Tsipras, luta para alcançar seus objetivos. Na Espanha, o Podemos, outro partido anti-“austeridade”, está crescendo firmemente nas pesquisas e parece pronto para dificultar ou impossibilitar a permanência no poder do partido conservador, o Partido Popular. A Índia está, agora mesmo, celebrando um ano no poder de Narendra Modi, que concorreu em uma plataforma que expulsou partidos estabelecidos e dinastias do poder.

Estas eleições-protestos têm sempre algo em comum. Em todas as campanhas, os partidos que surpreenderam utilizaram uma retórica que chamamos de populista. Quer dizer, afirmaram que estavam lutando contra as elites do país, que têm muito poder e ignoram as necessidades da vasta maioria da população. Enfatizaram os abismos de riqueza e bem estar entre as elites e o povo. Deploraram o declínio do ganho real dos estratos médios da população. Reafirmaram a necessidade de criar empregos, principalmente em lugares nos quais há um grande crescimento no desemprego.

Além disso, estes movimentos de protesto sempre apontam para a corrupção dos partidos no poder, e prometem acabar com ela, ou pelo menos reduzi-la drasticamente. Com todos esses argumentos, eles reivindicam mudança, mudança real.

Porém, devemos olhar mais de perto para esses protestos. Não são, de maneira alguma, todos iguais. Existe um racha fundamental entre eles, que conseguimos perceber tão logo nos debruçamos sobre sua retórica. Alguns desses movimentos de protestos estão à esquerda — o Syriza, na Grécia; o Podemos, na Espanha; o SNP, na Escócia; o NDP, em Alberta. E alguns estão claramente à direita — o Modi, na Índia, o Partido Lei e Justiça, na Polônia.

Esses à esquerda focam suas críticas centralmente sobre questões econômicas. Sua retórica e mobilização baseiam-se no sistema de classes. Os que estão à direita fazem principalmente afirmações nacionalistas, normalmente com ênfase xenófoba. Na esquerda, querem combater o desemprego gerado por políticas do governo — incluindo, claro, maior taxação das grandes riquezas. Os à direita querem combater o desemprego prevenindo a imigração, inclusive deportando imigrantes.

Quando chegam ao poder, estes movimentos de protesto, tanto à esquerda quanto à direita, descobrem ser muito difícil cumprir as promessas populistas que fizeram para se eleger. Grandes corporações têm os instrumentos principais para limitar as medidas tomadas contra si. Agem através dessa entidade mítica chamada “mercado”, com auxílio e cumplicidade de outros governos e instituições internacionais. Os movimentos de protesto descobriram que, se pressionarem muito, a receita do governo será reduzida, pelo menos a curto prazo. Mas para aqueles que votaram por eles, o curto prazo é a medida para continuar aprovando-os. O dia de glória e poder dos movimentos de protesto corre o risco de ser bem limitado. Então, eles “fazem compromissos”, o que irrita o mais militante de seus apoiadores.

Deve-se sempre lembrar que os apoiadores de uma mudança no governo são muito heterogêneos. Alguns são militantes que lutam por ampla mudança no sistema mundial e no papel que seus países nele desempenham. Outros estão meramente cansados dos partidos tradicionais, que se tornaram repetitivos e pouco sensíveis. Alguns apoiam por achar que é impossível ser tão ruim quanto quem está no governo. Em resumo, estes partidos-movimentos não são um exército organizado, mas uma aliança instável e flutuante de muitos e diferentes grupos.

Há três conclusões que podemos rascunhar, a partir dessa situação. A primeira é que governos nacionais não têm poder ilimitado para fazer o que querem. Eles são extremamente constrangidos pelo funcionamento do sistema mundial como um todo.

A segunda conclusão é que, no entanto, pode-se fazer alguma coisa para aliviar o sofrimento das pessoas comuns. É possível fazê-lo precisamente ao perseguir realocações de renda via tributação e outros mecanismos. Algumas medidas irão “minimizar a dor” de seus beneficiários. Os resultados podem ser apenas temporários. Mas, mais uma vez, quero lembrá-los que todos vivemos no curto prazo e qualquer melhora que possamos conseguir neste tempo é uma vantagem, não uma desvantagem.

A terceira conclusão é que, se um desses partidos-movimentos chegar a ser um participante sério na mudança do sistema mundial, ele não deve se limitar ao populismo de curto prazo, e sim engajar-se numa ação de médio prazo para influir na luta global, nesse período de crise sistêmica e transição para um sistema mundial alternativo — algo que já começou e está em curso.

Apenas quando partidos-movimento de esquerda aprenderem como combinar medidas de curto prazo para “minimizar a dor” com esforços de médio prazo para influir na luta bifurcada por um novo sistema, poderemos ter alguma esperança de chegar à saída que desejamos — um sistema mundial relativamente democrático e igualitário.


segunda-feira, 15 de junho de 2015

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx




Marcello Musto – Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do “longo século XIX”: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962); “A Era do Capital: 1848-1874” (1975); “A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later (Os Manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois).

Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso.

Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”.

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?

Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.

Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os “Grundrisse” provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.


Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano
Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer

Texto postado originalmente em:

http://cartamaior.com.br/?/Especial/Karl-Marx-tinha-razao/A-crise-do-capitalismo-e-a-importancia-atual-de-Marx/204/14529


 FONTE: Controversia

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Qual esquerda? Os dois tipos de esquerda na Europa

  
Há dois tipos de esquerda na França e na Europa, que não são apenas diferentes, mas irreconciliáveis. Uma esquerda oficial e uma esquerda radical


Por Michael Löwy, na Carta Maior


Há dois tipos de esquerda na França e na Europa, que não são apenas diferentes, mas irreconciliáveis.

A primeira é a esquerda oficial, institucional, representada por certos governos de centro-esquerda – na França, por exemplo – e pelos grandes partidos de centro esquerda. Quer esses governos e partidos sejam “honestos” ( ?) ou corrompidos, partidários do “crescimento” ou da “austeridade”, social-liberais ou neoliberais, eles não representam mais do que variantes da mesma política, a do sistema.

Como seus adversários de centro-direita – com os quais frequentemente governam em (Grécia, Alemanha, Itália) – sua política é a do capitalismo globalizado. Uma política que perpetua e agrava as desigualdades, que perpetua e acelera a destruição do meio ambiente, que conduziu à presente crise econômica e que conduzirá, em algumas décadas, a uma catástrofe ecológica.

Para Lowy, "o ponto de partido dessa outra politica de
esquerda é a "indignação" (Reprodução)
Mas existe também outra concepção de esquerda : aquela da esquerda radical. “Esquerda” significa aqui combate permanente contra a desigualdade, a injustiça, a dominação, em defesa da criação de uma comunidade política livre e igualitária.

O ponto de partido dessa outra política de esquerda é a “indignação”. Celebrando a dignidade da indignação e a incondicional recusa da injustiça, Daniel Bensaïd escreveu : “A corrente fervente da indignação não é solúvel nas águas mornas da resignação consensual. (…) A indignação é um começo. Uma maneira de se erguer e se por a caminho. Nós nos indignamos, nos insurgimos, e depois vemos o que fazer” (1)

Sem indignação nada de grande, de profundo, se fez na história humana. Para dar um exemplo recente, o movimento zapatista de Chiapas, México, começou em 1994 com um grito: Basta ! Mas o mesmo vale para a Primavera Árabe, para a revolta dos Indignados na Espanha e na Grécia, para o movimento Occupy Wall Street, para as jornadas de junho no Brasil. A força desses movimentos vem, em primeiro lugar, desta negatividade radical, inspirada por uma profunda e irredutível indignação. Se o pequeno panfleto de Stéphane Hessel, “Indignez-vous !”, teve tanto sucesso é porque ele correspondia ao sentimento profundo, imediato, de milhões de jovens, de excluídos e oprimidos pela mundo.

A radicalidade dessas revoltas resulta, em larga medida, dessa capacidade de insubmissão, dessa disposição inegociável a dizer : Não ! Os críticos oportunistas e os meios de comunicação insistem fortemente no caráter excessivamente “negativo” desses movimentos, em sua natureza “puramente” contestatória e na ausência de proposições alternativas “realistas”. É preciso recusar categoricamente essa chantagem : mesmo que esses movimentos não tenham uma proposição a fazer – e eles têm ! -, sua indignação e revolta não serão menos justificáveis.

O outro ingrediente da esquerda, no melhor sentido – ou seja, plebeu – do termo, é a utopia. O sociólogo Karl Mannheim cunhou uma definição “clássica” de utopia, que ainda hoje é a mais pertinente que temos : todas as representações, aspirações ou imagens de desejo, que se orientam na direção da ruptura da ordem estabelecida e exercem uma « função subversiva » (2).

Sem indignação e sem utopia, sem revolta e sem isso que Ernest Bloch chamava de “paisagens do desejo”, sem imagens de um outro mundo, de uma nova sociedade, mais justa e mais solidária, a política de esquerda torna-se mesquinha, vazia de sentido e oca.

Notas

(1) D. Bensaïd,  Les irréductibles.  Théorèmes de la résistance à l’air du temps,   Paris, Textuel,  2001,   p. 106.

(2) K.Mannheim,  Ideologie und Utopie,  1929,  Francfort,  Verlag G.Schulte-Bulmke,  1969,  pp. 36,  170


quinta-feira, 4 de junho de 2015

Reencontrar nas ruas o caminho da unidade



“Nas escolas, nas ruas, campos, construções” vamos encontrar ambiente e espaço político para a repactuação das relações entre movimentos sociais, partidos e governo, as quais preservem valores imprescindíveis de nossa história comum, o respeito democrático às diferenças e divergências e a unidade de ação nos consensos


por Renato Simões



O desafio de construir uma frente de esquerda que reúna movimentos sociais e partidos políticos em torno da luta por reformas estruturais, de caráter democrático e popular, é com certeza uma imposição da conjuntura de radicalização da luta política no Brasil pós-eleições de 2014.

Não que seja fácil de ser enfrentado, mas é urgente e necessário para aprofundar as transformações sociais, econômicas e políticas alcançadas pelas classes trabalhadoras e populares do Brasil nestes doze anos de Lula e Dilma e sintonizar o Brasil na luta por alternativas antineoliberais e anti-imperialistas em curso nas experiências de governo de esquerda e centro-esquerda que mancham de vermelho – com certeza, em várias tonalidades – o mapa político de nosso continente latino-americano.

Em certo sentido, esse desafio foi enfrentado e vencido na agenda das lutas sociais da segunda metade dos anos 1990, quando o Fórum Nacional de Lutas articulou movimentos sociais e partidos políticos de esquerda e de oposição numa plataforma antineoliberal de resistência às privatizações, à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e ao desmonte das políticas de Estado iniciadas no período Collor/Itamar e amplificadas nos dois governos tucanos.

O Fórum Nacional de Lutas comandou batalhas políticas, sindicais, estudantis e populares que foram emblemáticas de uma postura generalizada nas esquerdas latino-americanas, em oposição à conciliação da social-democracia e outros setores da esquerda europeia com os governos neoliberais desde a virada dos anos 1980. Se lá prosperou a ideia de busca de uma terceira via, de uma mitigação do neoliberalismo por meio da preservação de espaços de bem-estar social e democráticos dentro da avalanche neoliberal, cá se enfrentou o neoliberalismo com alternativas políticas e movimentos de massa. O resultado é que, se as esquerdas europeias se enfraqueceram, se fragilizaram e se fragmentaram nesse processo, permitindo a consolidação de governos de direita e centro-direita neste início de novo milênio, as esquerdas latino-americanas se cacifaram para dirigir processos sociais e eleitorais vitoriosos que se articularam entre si para consolidar consensos e integrações regionais altamente significativas para um mundo multipolar em perspectiva.

Essa aliança entre movimentos sociais e partidos de esquerda na resistência aos governos neoliberais dos anos 1990 produziu experiências heterogêneas de governo, com diferentes alianças de classe e correlações de força próprias do processo histórico e opções políticas em cada país, mas com certeza está na origem de um fenômeno que – ainda em curso – vem experimentando conquistas sociais para os setores sociais que sustentaram a resistência e as vitórias eleitorais dessas coalizões. Como era de esperar, produziram uma reação organizada das elites desalojadas dos governos nacionais que se acostumaram a dirigir e sintonizadas com o ideário neoliberal ainda hegemônico no grande capital transnacional – mesmo agora quando, desde 2008, vive-se uma profunda e prolongada crise econômica, social e ambiental das mais agudas da história do capitalismo.

Em todos os países que, como o Brasil, passam por esse processo, os desafios são imensos de conciliar os avanços sociais e econômicos dos de baixo com a manutenção de privilégios, renda, riqueza e poder dos de cima – visto que, à honrosa exceção de Cuba, não realizamos revoluções socialistas em nenhum outro país da América Latina e do Caribe. A reação internacional contra os governos democráticos e populares de esquerda, centro-esquerda ou progressistas da América Latina, como queiramos categorizar, vem crescendo em intensidade e estridência política, promovendo desde golpes como os do Paraguai e Honduras até a polarização social e eleitoral que marcou vitórias apertadas das esquerdas nos pleitos mais recentes, a exemplo da Venezuela (com Hugo Chávez e Nicolás Maduro), de El Salvador (com Salvador Sánchez Cerén) e do Brasil (com Dilma).

Em comum, o protagonismo midiático dos novos partidos políticos de oposição, os meios de comunicação de massa privados, o terrorismo econômico que se aproveita da crise internacional para organizar agentes internos de desestabilização das economias nacionais e o denuncismo da corrupção atribuída genética e exclusivamente às esquerdas no governo. A reação para pôr fim a essas experiências de governo de parte dos de baixo para devolvê-los integralmente aos de cima articula as vias democráticas com as nítidas tendências golpistas identificadas nos processos políticos da Venezuela, do Brasil e da Argentina, entre outros.

A ausência de um espaço plural e representativo da independência de classe dos movimentos sociais e partidos de esquerda neste período de doze anos de governo no Brasil, em que pesem experiências importantes como a da Coordenação de Movimentos Sociais e outras iniciativas de articulação de lutas sociais e políticas do campo democrático e popular, é um elemento central de três processos que se aprofundaram e precisam ser revertidos.

Em primeiro lugar, a despolitização e desideologização de movimentos sociais e partidos que passaram a viver à sombra dos governos e de sua capacidade de inclusão social e disputa política na sociedade.

Em segundo lugar, a perda de capacidade de disputa política com a direita tradicional, que, pela primeira vez desde os preparativos do golpe militar de 1964, disputa conosco as ruas do país para defender suas posições, confrontar o governo e os movimentos sociais tradicionais.

E, em terceiro lugar, a incapacidade de propor pautas políticas que superem as políticas públicas geradas pelo governo federal, alterem a correlação de forças e avancem para reformas estruturais, como a agrária, a urbana, a política, a tributária e a da mídia.

A conclamação de atos contra a direita golpista e por reformas estruturais logo após a eleição vencida por Dilma, feita pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), suscitou um debate altamente relevante sobre o preenchimento dessa lacuna à esquerda na sociedade brasileira. Já em meio às manifestações de junho de 2013, diante do caráter progressista das reivindicações e ao mesmo tempo das agressões promovidas por grupos direitistas contra militantes de movimentos sociais e partidos de esquerda, produziu-se um campo de debate e articulação com as características hoje esboçadas no debate sobre a frente por reformas estruturais. Participaram movimentos sociais, centrais sindicais e partidos de esquerda, sendo estes de oposição ou de situação em relação ao governo Dilma, para enfrentar os desafios do momento.

Ainda não há, evidentemente, acordos definitivos sobre plataforma e método de construção de uma frente que mantenha a independência de classe dos movimentos, sua autonomia em relação aos governos e sua unidade de ação a cada conjuntura. Mas há um esboço de entendimento que, se prosperar, pode efetivar um novo sujeito político relevante para o avanço das conquistas do povo brasileiro e enfrentar o conservadorismo político e ideológico da direita, cada vez mais assanhada na defesa de seus privilégios e preconceitos.

“Nas escolas, nas ruas, campos, construções” vamos encontrar ambiente e espaço político para a repactuação das relações entre movimentos sociais, partidos e governo, as quais preservem valores imprescindíveis de nossa história comum, o respeito democrático às diferenças e divergências e a unidade de ação nos consensos produzidos na luta social.

Renato Simões


*Renato Simões é filósofo, militante dos movimentos de direitos humanos e do PT



Ilustração: Mídia Ninja