sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O que é o trotskismo


Por Rui Costa Pimenta 


Trótski foi, ao mesmo tempo, um dos líderes fundamentais da Revolução Russa de 1917 e o principal oponente da burocracia a qual promoveu a reação contra a revolução proletária, usurpou o poder da classe operária e enlameou o nome do comunismo. O assassinato de Trótski, a mando de Stálin, transformou aquele em um verdadeiro mártir da luta pela revolução proletária.

Hoje, o nome de Trótski é uma bandeira de luta, representativa do socialismo não corrompido e fiel à ideia fundamental da libertação da humanidade explorada e da opressão de todo tipo.

Nessas condições, nada há de estranhar em que inúmeras correntes políticas – a maioria das quais absolutamente nada tem que ver com a luta da classe operária – cobicem para si a bandeira da IV Internacional e do trotskismo.

A crise da IV Internacional, de 1952 a 1961, ou seja, a sua destruição por uma tendência centrista e pequeno-burguesa que, depois, ramificou-se (pablismo, mandelismo, morenismo, lambertismo, healismo etc.) é a expressão mais acabada dessa situação.

Com essa ramificação centrista, o trotskismo assumiu diversas feições, desde o oportunismo mais acabado e partidário declarado da colaboração de classes, até o ultra-esquerdismo típico da pequena-burguesia democratista.

Se a esse panorama acrescentarmos – o que é parte integrante do quadro geral – o esforço da burguesia para combater o marxismo por meio da mentira, da falsificação e da confusão, temos o retrato completo.

O que não é o trotskismo: os mitos e a realidade

O primeiro grande mito que se criou sobre o trotskismo é que este seria nada mais do que a contrapartida, o oposto do stalinismo. Alguns chegaram ao extremo de afirmar que, uma vez liquidado o stalinismo com a dissolução da URSS, não haveria mais motivo para se falar em
trotskismo. O trotskismo seria, nessa versão, um complemento, uma sombra invertida do stalinismo e não uma corrente política e ideológica de direito próprio. 

O segundo é que o trotskismo seria uma corrente do chamado “socialismo democrático” ou “socialismo com democracia”, ou seja, uma variante da socialdemocracia. Hoje, a maioria das correntes que se denominam trotskistas adota esse ponto de vista como programa central. 

No Brasil, o Psol, como várias corrente “trotskistas” e o partido do socialismo “com liberdade”, o que é uma verdadeira homenagem ao stalinismo: o qual seria socialismo “sem liberdade”, mas de qualquer modo socialismo. O PSTU e todas as correntes da Conlutas são partidários da “democracia socialista”. Essa ideia supõe que o stalinismo teria como aspecto central um caráter ditatorial e o trotskismo seria uma corrente democrática. Tal confusão tem levado muito setores a considerar que o stalinismo seria partidário da ditadura do proletariado e que o trotskismo seria favorável à democracia em abstrato, ou seja, à democracia burguesa.

Trótski combateu o stalinismo devido à política burguesa deste, em nome da luta de classes, da ditadura do proletariado e do marxismo e não em nome da democracia burguesa, o que não impede os seus pretensos discípulos de seguir essa orientação.

Um terceiro mito fundamental sobre o trotskismo diz respeito ao partido. Para muitos, na teoria e na prática, a concepção leninista (marxista) do partido seria a base da ditadura da burocracia na antiga URSS. Nesse caso, também, revela-se o caráter socialdemocrata de todo centrismo, que encobre com a bandeira da IV Internacional. O partido não leninista, “democrático”, nada mais é do que a versão pequeno-burguesa do típico partido de esquerda parlamentar ao melhor estilo da socialdemocracia, do qual o Partido dos Trabalhadores foi e continua sendo o melhor exemplo, e do qual PCdoB, Psol, PSTU e PCB são caricaturas.

Um quarto mito é o de que o trotskismo não seria a continuidade da III Internacional, a qual estaria contaminada de stalinismo já na política revolucionária de Lênin, ou do reformismo “mecanista” da II Internacional, mas toda uma outra doutrina que, no extremo, seria mesmo uma ruptura com o marxismo, ruptura essa expressa na teoria da Revolução Permanente. Nesse sentido, o trotskismo não seria marxismo nem marxismo-leninismo e sim uma espécie de neo-marxismo.

Contra o “trotskismo” acadêmico

O centrismo antitrotskista trouxe uma degradação ainda maior da ideia de trotskismo ao transformá- lo em uma teoria acadêmica, ou seja, ao adaptá-lo à mentalidade burguesa da esquerda universitária burguesa. O iniciador dessa transposição foi o dirigente da ala centrista majoritária responsável pela destruição da IV Internacional, Ernest Mandel – na realidade um intelectual acadêmico e um professor que complementava essa atividade com a de dirigente de esquerda oportunista. O mandelismo iniciou o amálgama entre algumas ideias retiradas do trotskismo e o “socialismo acadêmico” da Escola de Frankfurt, do lukacsianismo, gramscianismo, luxemburguismo e outras formas de stalinismo ou anarquismo universitário – criando uma verdadeira escola de “neo-trotskismo”. Essa corrente difusa espalhou-se para as disciplinas acadêmicas de política, sociologia, economia, história e filosofia. Sua principal preocupação é a difusão de uma variante de ideologia democrática- parlamentar burguesa para consumo da pequena-burguesia. Na economia, procuraram demonstrar a vitalidade e a capacidade de recuperação do capitalismo (Ernest Mandel, O capitalismo tardio); na filosofia, utilizaram o trotskismo e um anti-estalinismo convencional e burguês para condenar um suposto “marxismo vulgar”, “mecanicista”, “positivista”, ou seja: os motivos tradicionais da filosofia idealista para condenar o materialismo dialético e histórico e o materialismo tout court. Na política, o trotskismo serve como embalagem para a criação de panaceias políticas como o “partido plural”, o “estado de direito socialista” etc., etc., completamente inúteis mas muito ao gosto do socialismo acadêmico pequeno-burguês.

O que é o trotskismo

A definição essencial do trotskismo é relativamente simples e somente é ignorada ou renegada por motivos de classe. O trotskismo é a continuação do marxismo e do leninismo, em uma etapa de luta gigantesca contra o maior ataque revisionista já sofrido pelo marxismo, a saber, a burocracia stalinista – que se somou ao revisionismo da burocracia socialdemocrata da II Internacional.

O stalinismo representou um desafio revisionista ao marxismo, muito superior ao revisionismo bernsteiniano da II Internacional. Armado com o prestígio da Revolução Russa de 1917, com o primeiro Estado Operário do mundo e com os imensos recursos materiais desse Estado, o revisionismo stalinista procurou soterrar a tradição revolucionária da III Internacional e do leninismo. A doutrina e a luta de Lênin foram transformadas em um fachada para contrabandear a política burguesa da II Internacional de “revolução por etapas”, de frente popular, de defesa dos interesses “nacionais” do imperialismo etc.

A luta de Trótski e da facção revolucionária dentro do Partido Bolchevique não foi porém apenas uma luta ideológica como havia sido o enfrentamento com o revisionismo dentro da II Internacional. Stálin e a burocracia utilizaram a revolução mundial como campo de testes para a sua política revisionista, provocando as maiores derrotas que o proletariado havia conhecido até então: derrota da greve geral de 1926 na Inglaterra, derrota da Revolução Alemã de 1923, derrota da Revolução Chinesa de 1927, da Revolução na França e na Espanha em 1936 pela política de frente popular e, acima de tudo, a derrota sem luta do proletariado alemão diante da ascensão do nazismo na Alemanha. 
O desenvolvimento do marxismo por Trótski e o trotskismo

Embora Trótski fosse um pensador incomum, coube a Lênin desenvolver o marxismo do período de transição, ou seja, da época imperialista de guerras e revoluções. O próprio Trótski não tinha nenhuma dúvida sobre o papel de Lênin como o homem que desenvolveu o marxismo para os tempos atuais. Trótski acreditava ser absolutamente justa a fórmula marxismo-leninismo, uma vez que Lênin teve o papel fundamental de desenvolver todos os aspectos essenciais da teoria marxista diante da emergência da era das revoluções. Para ele, as Obras Completas de Lênin são a maior enciclopédia
de política marxista já criada.

Toda a política de Trótski e do trotskismo se apoia na obra teórica de Marx e Engels, na obra de Lênin e nas conclusões dos quatro primeiros congressos da III Internacional.

As principais conclusões politicas de Trótski estão em seu opus magnus A história da Revolução

Russa que, para muitos leitores superficiais, seria um relato histórico e não, como efetivamente é, um balanço e um tratado sobre a arte da Revolução cujo personagem principal, além das massas operárias e camponeses, é justamente Lênin.

As teses de Marx, Engels e Lênin sobre o caráter histórico e social do Estado são a base para a crítica de Trótski à burocracia do Estado Operário e, também, a fonte da política revolucionária. Na China, Trótski opõe as lições da Revolução ao menchevismo de Stálin e, na Alemanha, usa o Esquerdismo, doença infantil do comunismo, para advertir sobre o desastre que estava sendo preparado para a classe operária diante do nazismo. As frentes populares são a versão requentada da política da esquerda pequeno-burguesa na Revolução Russa de 1917.

A grande contribuição individual de Trótski para o marxismo foi a teoria da Revolução Permanente, em 1905, quando ainda muito jovem, reconhecida por Lênin e comprovada pela Revolução de 1917, principalmente por meio da política de Lênin.

Os trotskista, quando ainda dentro do Partido Bolchevique, denominaram a si mesmos bolcheviques- leninistas. O nome de trotskismo foi um resultado da luta travada e foi estabelecido principalmente pelos inimigos do trotskismo como uma tentativa de opor o leninismo de Trótski à sua falsificação centrista e burocrática. No entanto, um nome estabelecido em combate, sejam quais forem as circunstância, é um fato concreto da luta de classes, assim o marxismo-leninismo adquiriu o nome de trotskismo e somente esse nome representa a sua defesa e a sua continuidade.


Sem comentários:

Enviar um comentário