Por Alberto Anaya Gutiérrez, Alfonso Ríos Vázquez, Arturo López Cándido, José Roa Rosas [*]
Congresso Primeira Internacional 1864 |
Há mais de três lustros do dramático derrube do chamado "socialismo real" na Europa Oriental e na URSS e, em contraste, perante o surpreendente avanço do "socialismo ao estilo chinês" e da recuperação económica e social dos projectos socialistas no Vietname, em Cuba e na Coreia do Norte, a discussão sobre as perspectivas do socialismo voltam a colocar-se no primeiro plano da política mundial.
O capitalismo deu já provas contundentes da sua incapacidade para enfrentar e resolver os principais problemas da humanidade, e além disso é este mesmo sistema a fonte primordial de muitos desses problemas. No último quarto de século, a sua variante neoliberal cavou um abismo entre as potências capitalistas e os países pobres e em vias de desenvolvimento. Também reconcentrou a riqueza em algumas poucas centenas de gigantescas corporações transnacionais, enquanto dois terços da população do planeta sobrevive apenas com rendimentos de dois dólares norte-americanos, ou menos, por dia.
Por outro lado, o domínio do capital financeiro acumulou uma força capaz de sacudir e mesmo fazer entrar em colapso economias nacionais inteiras, como evidenciaram as crises financeiras do México em 1994-1995, do leste asiático em 1997, do Brasil em 1998 e da Argentina em 2000, e gerou condições que poderiam propiciar uma crise económica mundial, com efeitos semelhantes ou ainda mais graves que a grande crise de 1929-1933. Como se fosse ainda pouco, o capitalismo neoliberal acrescentou a tudo isto o consumo irracional dos recursos naturais do planeta, colocando a humanidade à beira de uma catástrofe ecológica.
Tudo isto torna insustentável a continuidade do sistema capitalista, e mais ainda da sua modalidade neoliberal, como horizonte de vida para a maioria dos povos do mundo. Existe hoje uma maior e mais clara consciência desta situação - que se vê agudizada pelos novos desenvolvimentos de hostilidade, ameaças e agressões directas por parte do imperialismo estadunidense, com o pretexto da "guerra contra o terrorismo" —, pelo que nos anos recentes vimos ressurgir movimentos sociais de massas e forças políticas de esquerda e centro-esquerda, que em simultâneo com as reivindicações sociais contemporâneas — emprego, salários, saúde, educação, habitação, direitos humanos, igualdade de género, direitos das minorias, protecção do ambiente, entre outros - delinearam directamente processos de convergência social e política para lutar pelo poder de Estado, e num número crescente de casos alcançaram a vitória.
Prosseguindo nessa via, a América Latina e o Caribe têm vindo a virar à esquerda ao longo dos últimos dez anos. O capitalismo neoliberal fracassou e está esgotado como modelo económico, social e político, e neste quadro vigorosas frentes sociais e políticas de esquerda e centro-esquerda chegaram em vários casos aos governos nacionais, com o compromisso de colocar no centro das suas políticas a agenda social, recuperar o crescimento e redistribuir mais equitativamente a riqueza, assim como de criar e alargar os serviços sociais básicos para a população mais necessitada e para o conjunto da sociedade. Neste sentido, propuseram-se de igual modo construir um grande bloco latino-americano e caribenho para congregar esforços e defender os seus interesses face ao poder e à voracidade do imperialismo estadunidense.
O dilema destes processos e de muitos outros em diversas regiões do planeta, que em um momento ou outro vai ser preciso resolver, é o de saber se prosseguem na pesadíssima via do capitalismo ou se enveredam pela alternativa do socialismo adaptado às condições de cada país.
Por tudo o que fica dito, a presente comunicação tem o propósito de partilhar as nossas reflexões em torno dos problemas da construção do socialismo.
1 - SOBRE O CONCEITO DE SOCIALISMO
Desde as suas origens nas primeiras décadas do século XIX, o pensamento e os movimentos sócio-políticos socialistas não se colocaram apenas objectivos puramente económicos, mas se propuseram a criação de um novo tipo de sociedade. Em palavras de Gramsci, um século depois, "uma nova civilização"; e para Che Guevara, depois do triunfo da Revolução Cubana, a criação do "homem novo".
O socialismo utópico
No decurso dos últimos dois séculos, foram formulados diversos conceitos de socialismo. Nas condições históricas de um ainda incipiente desenvolvimento do capitalismo e da luta de classes entre a burguesia e o proletariado, os "socialistas utópicos" (Saint-Simon, Fourier, Owen, entre os mais destacados) atacaram todas as bases da sociedade existente e, apelando ao conjunto da sociedade e sobretudo às classes privilegiadas, postularam para a substituir, sociedades ideais futuras, cujas principais características seriam: a supressão das diferenças entre a cidade e o campo, a abolição da família, do lucro privado e do trabalho assalariado, a proclamação da harmonia social e a transformação do Estado em simples administrador da produção. Na opinião de Marx, estas "fantásticas” descrições da "sociedade futura" tiveram o grande mérito de servir como primeiros materiais para instruir os operários, além de antecipar a eliminação do antagonismo de classes numa época em que esse antagonismo começava apenas a esboçar-se.
Ideias centrais de Marx sobre o socialismo
Karl Marx e Friedrich Engels reconheceram o enorme mérito destes socialistas ao terem animado as primeiras lutas dos trabalhadores e ao empenharem-se na busca da utopia, de uma sociedade onde prevaleceriam a igualdade, a liberdade e a fraternidade. Mas também mostraram que o carácter utópico dos seus projectos derivava do facto de não serem fundamentados na compreensão objectiva do modo de produção capitalista. A esta tarefa dedicou Marx mais de metade da sua vida. Engels acompanhou-o intelectual e politicamente. Em O Capital, Marx expôs as leis de funcionamento do capitalismo que, por sua vez, sustentaram a sua concepção das tendências futuras da humanidade. Os dois pensadores não formularam um "modelo" acabado da futura sociedade comunista, mas legaram-nos um esquema básico da nova sociedade cujo advento previam, principalmente em A Ideologia Alemã, no Manifesto do Partido Comunista, na Crítica do Programa de Gotha e no Anti-Dühring.
Para Marx e Engels, o desenvolvimento do capitalismo conduziria à luta irreconciliável entre a burguesia e o proletariado. O mais provável era que a revolução proletária viesse a ter lugar nos países capitalistas mais avançados. A revolução dependia, portanto, do amadurecimento de condições objectivas e da vontade consciente e da acção política do proletariado. A revolução não Ievaria directamente à sociedade propriamente comunista. A sua construção seria um processo de duas fases sucessivas.
Na fase socialista teriam lugar a extinção das classes e do Estado, a conversão da exploração burguesa na associação livre e igualitária dos trabalhadores, o desaparecimento da oposição trabalho manual - trabalho intelectual e campo - cidade. O culminar deste processo representaria a passagem à segunda e superior etapa do comunismo. Na fase superior comunista, o trabalho não seria já um meio de vida, mas sim a primeira necessidade vital; o desenvolvimento sem entraves das forças produtivas criaria abundante riqueza social, garantindo o livre e pleno desenvolvimento de todos e de cada um dos seres humanos. O triunfo da revolução proletária, assim como a passagem pela fase socialista e o advento final do comunismo era concebido por Marx e Engels como resultado da mais firme e consequente cooperação e solidariedade do proletariado internacional.
Marx considerava a possibilidade de que a revolução tivesse êxito na atrasada Rússia, mas na condição de que a comuna rural fosse a base de uma organização superior da sociedade e de que essa revolução fosse o sinal para a revolução na Europa. Lénine e os bolcheviques tomaram o poder, esperando que tal previsão se cumprisse. Não foi assim. A revolução russa abriu então uma via que se afastava das previsões de Marx e Engels sobre a revolução proletária.
A obra teórica e a actividade política de Marx e de Engels e dos primeiros marxistas, inspiraram a formação e o desenvolvimento dos partidos políticos da classe trabalhadora durante a segunda metade do século XIX, os quais concentraram a sua atenção no desenvolvimento económico do capitalismo e na organização da classe operária como uma força política própria. Havia diferenças entre eles mas não grandes desentendimentos, até que no quadro do desenvolvimento capitalista de finais daquele século e nos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial, se deu a divisão sem retorno da social-democracia europeia. Dela derivaram duas concepções do socialismo e da estratégia para o alcançar, que projectaram a sua influência até aos nossos dias: por um lado, a que Lenine e os bolcheviques representavam; e por outro, a defendida pela maioria dos partidos da Segunda Internacional influenciados pelos social-democratas austro-alemães como Bernstein, Kautsky, Hilferding, Bauer e outros.
O socialismo para a social-democracia europeia
Durante as últimas duas décadas do século XIX, a social-democracia austríaca e sobretudo a alemã, converteram-se em poderosos partidos de massas. Com a sua acção política organizativa e parlamentar, promoveram uma forma característica de vida para milhões de trabalhadores, que foi descrita como "um Estado dentro do Estado", e cujo traço distintivo consistiu em conseguir uma melhoria relativa do nível de vida, mediante reformas legislativas paulatinas e lentas. Era o resultado do que os seus líderes denominavam a "velha táctica provada", ou seja, a participação eleitoral para ganhar mais lugares (no parlamento burguês - N.T.) e assim introduzir reformas na legislação burguesa. O efeito deste processo traduziu-se na prática da revisão da teoria marxista, na qual se concebeu o socialismo mais como o resultado de um processo gradual de reconstrução económica e social, que como uma transformação revolucionária. Posto em outros termos, mediante tais reformas graduais, o capitalismo se transformaria em socialismo em algum ponto indeterminado do futuro.
Em termos gerais, esta concepção foi mantida peIa social-democracia europeia até que se deu a viragem definitiva entre o seu Congresso de refundação de 1951, realizado em Frankfurt, o Congresso do Partido Social-democrata Alemão de 1959 em Bad Godesber, e o seu Congresso Internacional de Oslo, em 1962. Do primeiro derivará a consideração central de que "já não se tratava de acabar com o capitalismo" porque este já tinha sido "domesticado", já era "outra coisa", segundo Willy Brandt. Do que se tratava era de inserir na economia, a partir do Estado, do governo, doses de planificação, de investimento estatal, de estímulos ao consumo e da distribuição menos injusta da riqueza, principalmente. No segundo abandonava-se "oficialmente" o marxismo, o que se reflectiu em três mudanças essenciais: proclamou-se a ética cristã, o humanismo e a filosofia clássica como fundamentos ideológicos do "socialismo democrático"; em lugar de ser um partido da classe operária, a social-democracia passava a ser um partido do povo; aceitava-se o sistema de livre empresa, mas deviam fazer-se reformas para o racionalizar e melhorar os seus efeitos sociais. Finalmente, no terceiro Congresso mencionado, postulava-se que o futuro não pertencia "nem ao comunismo nem ao capitalismo", mas sim ao que desde fins dos anos oitenta se enuncia abertamente como "terceira via" e que é actualmente a linha seguida peIa social-democracia internacional.
O socialismo em Lenine
Lenine formulou o problema assim: "A guerra imperialista trouxe os povos dependentes para a história universal. E uma das nossas principais tarefas consiste agora em reflectir como podemos colocar a primeira pedra para a organização do movimento dos sovietes nos países não capitalistas. Os sovietes são ali possíveis. Não serão sovietes de trabalhadores, mas sovietes de camponeses ou de artesãos". "A questão é: l. podemos considerar acertada a afirmação de que os povos atrasados, que agora se libertam (...), terão de percorrer necessariamente a etapa de desenvolvimento capitalista da economia? A esta pergunta respondemos com um não." ("Segundo Congresso da lII Internacional, 1920"). Qual poderia ser então o tipo de sociedade que neste caso ocuparia o lugar da "etapa de desenvolvimento capitalista da economia? A resposta de Lenine era: a sociedade socialista. Seguindo os escritos de Marx, Lenine concebia o socialismo como a sociedade que acaba de sair das entranhas do capitalismo e que Marx chamou "fase inferior da sociedade comunista".
Para Lenine, o primeiro elo da cadeia era a revolução proletária vitoriosa. O primeiro requisito para ser uma verdadeira revolução socialista, consistia em romper a "máquina estatal existente" e não limitar-se simplesmente a apoderar-se dela. Devia igualmente abarcar tanto o proletariado como os camponeses, já que ambas as classes estão unidas pelo facto de que a máquina burocrático-militar do Estado burguês as oprime. Considerava que a transição de uma sociedade capitalista que se desenvolve no sentido do comunismo é impossível sem um período político de transição, e neste período o Estado não podia ser outro senão a Ditadura do Proletariado. Entre as transformações económicos que deviam ter lugar no início do período de transição, destacava: a transformação da propriedade privada capitalista sobre os meios de produção em propriedade social, a nacionalização dos bancos e monopólios capitalistas (açúcar, petróleo, carvão, aço, etc.), assim como a abolição do segredo comercial e o cancelamento de todas as dívidas do Estado; de seguida, reorganizar a grande produção partindo do que havia já sido criado pelo capitalismo, mas aproveitando a própria experiência operária e estabelecendo uma disciplina rigorosa, apoiada no poder estatal dos operários armados. Este começo, baseado na grande produção, conduziria por si mesmo à extinção gradual da burocracia e à criação de uma ordem que não se pareceria em nada com a escravatura assalariada; uma ordem em que as funções de inspecção e contabilidade, cada vez mais simplificadas, seriam executadas por todos e no futuro desapareceriam como funções especiais.
No plano político, a máquina estatal destruída deve ser substituída pela mais completa democracia, que representa uma transformação gigantesca de umas instituições por outras de tipo completamente diverso. Isto implica a supressão e substituição do exército permanente e da polícia, assim como das instituições especiais manipuladas por minorias privilegiadas, no pressuposto de que as suas funções podem ser directamente desempenhadas pela maioria da sociedade e pela milícia popular armada. Quanto mais todo o povo intervier na execução das funções próprias do Poder de Estado, tanto menor será a necessidade desse poder, pelo que tenderá a desaparecer. Dever-se-ia instaurar a completa elegibilidade e amovibilidade de todos os funcionários, assim como a redução dos seus salários ao nível do "salário do operário". Para Lenine, a cultura capitalista tinha já conseguido que a grande maioria das funções do Estado estivessem sumamente simplificadas, pelo que podiam reduzir-se a simples operações de registo, contabilidade e controlo, funções totalmente acessíveis a todos os que soubessem ler e escrever. Quanto às instituições representativas e de elegibilidade, tinham que se transformar de lugares de charlatanice em verdadeiras instâncias de trabalho, simultaneamente legislativo e executivo. Estas simples medidas democráticas, ao mesmo tempo que unificam os interesses de operários e camponeses, são a ponte que conduz do capitalismo ao socialismo, mas só adquirem pleno sentido e importância com a transformação da propriedade capitalista dos meios de produção em propriedade social. Segundo Lenine, esse era o Estado que se requeria e a base económica sobre que devia assentar, na transição do capitalismo ao socialismo.
Lenine retomava literalmente Marx para descrever a fase que se seguiria à consolidação da ditadura do proletariado, a fase propriamente socialista. Nela, os meios de produção deixam de ser propriedade privada de uns quantos e passam a pertencer a toda a sociedade; do trabalho realizado por todos os membros da sociedade aptos a trabalhar, desconta-se um fundo de reserva, outro fundo para repor os meios de produção gastos e para ampliar a escala da produção, e um fundo social para os gastos de administração, escolas, hospitalar, asilos, etc.; uma vez deduzidos estes fundos, cada operário recebe em serviços o que entrega à sociedade, além de um certificado que confirma ter o operário realizado tal ou qual quantidade de trabalho pelo qual recebe dos armazéns sociais os artigos de consumo correspondentes.
A crise do regime czarista, o débil desenvolvimento do capitalismo russo e a guerra imperialista criaram as condições para que os bolcheviques tomassem o poder. Rosa Luxemburgo, que sempre manteve uma particular confiança na criatividade e disposição de luta das massas, celebrou o acontecimento e reconheceu as difíceis condições em que teria de desenvolver-se a primeira revolução proletária vitoriosa. Mas, desde os primeiros anos do século XX, em que travou um combate sem tréguas contra a ala direita da social-democracia alemã e austríaca, e a crítica à organização leninista, foi amadurecendo as ideias que a levaram a assinalar que na Rússia não se estava construindo a ditadura do proletariado, mas sim a ditadura do partido. Em 1918, Rosa Luxemburgo teve o mérito de ser a primeira revolucionária marxista a fazer ver que as coisas não caminhavam bem nos começos da experiência socialista. Uma década depois, Leon Trotsky — que em 1917 havia aderido às proposições programáticas e estratégicas de Lenine — elaborou no seu livro A revolução traída, a crítica à degenerescência burocrática do Estado soviético, o "Estado operário degenerado". Para Trostsky, o estalinismo era a encarnação dos interesses da nova casta burocrática nas condições de isolamento da revolução e do cansaço e debilidade do proletariado russo.
O socialismo para Mao Tsetung e Deng Xiaoping
Retomando criativamente as teses de Lenine do início da "crise geral do capitalismo" com a guerra mundial imperialista e a Revolução Russa, vinte anos mais tarde, Mao Tsetung formula a teoria da Revolução da Nova Democracia que seria a primeira fase da revolução proletária — revolução democrático-burguesa conduzida pelo proletariado —, a que se seguiria outra fase propriamente socialista nos países coloniais e semi-coloniais, e que seria acompanhada por revoluções socialistas nos países capitalistas desenvolvidos, num processo de "desmembramento" progressivo do sistema capitalista mundial.
Para Mao, as características da primeira etapa da transição socialista, a etapa onde se estabelece a "sociedade de nova democracia", seriam:
1- Uma sociedade com traços diferentes das repúblicas capitalistas europeias e estadunidense que se apoiam na ditadura da burguesia, mas também diferente da república socialista de estilo soviético de ditadura do proletariado.
2- Uma sociedade sob a ditadura conjunta de todas as classes revolucionárias do país dirigidas pelo proletariado, em que o proletariado, o campesinato, os intelectuais e a pequena burguesia constituem uma força política independente sob a direcção do Partido Comunista.
3- Uma forma de Estado de transição que deve ser adoptada em países coloniais e semi-coloniais.
4- Apresenta traços característicos do centralismo democrático, com um sistema de assembleias populares a nível nacional, provincial, distrital e cantonal, baseado no sufrágio universal para eleger os respectivos governos, expressar a vontade do povo e facilitar a direcção da luta revolucionária.
5- Como sistema económico, os grandes bancos, as grandes empresas industriais e comerciais, e as grandes extensões dos latifundiários devem ser propriedade do Estado, tendo como objectivo que o capital privado não possa dominar a vida material do povo.
6- O sector estatal da economia será de carácter socialista e constituirá a força dirigente em toda a economia nacional.
7- O Estado não confiscará o resto da propriedade privada capitalista nem proibirá o desenvolvimento daquela produção capitalista que não possa dominar a vida material do povo, já que o atraso da China necessita desta produção.
No início da década de 1960, Mao planeou dar por concluída a etapa de Nova Democracia e dar início à etapa propriamente socialista. A China entrou num período de estagnação e só depois da morte de Mao adoptou as reformas que a estão Ievando a converter-se numa potência económica mundial. Consideramos que este último processo se identifica mais na teoria com o que Mao expôs como sendo a etapa de Nova Democracia.
A República Popular da China foi muito mais além das ideias e previsões de Mao. Neste sentido, o contributo fundamental foi dado por Deng Xiaoping. Desde finais dos anos setenta e até à sua morte, Deng foi o grande estratega da modernização do "socialismo ao estilo chinês". Os seus principais pressupostos são os seguintes:
1- Utilizar o genuíno pensamento de Mao Tsetung, tomado na sua integridade, para dirigir o Partido, o Exército e o Povo, e fazer avançar a causa do socialismo na China e a causa do movimento comunista internacional.
2- Adoptar e Ievar a cabo as Quatro Modernizações, sobre a base do enorme entusiasmo da nossa gente, nos sólidos fundamentos materiais e nos nossos enormes recursos, além da introdução da tecnologia avançada hoje existente no mundo.
3- Superar a situação de pobreza na China, para que uma vez realizadas as Quatro Modernizações, as suas obrigações proletárias internacionais e as suas contribuições para a Humanidade, e especialmente para o terceiro mundo, possam ser maiores.
4- Os princípios e objectivos das Quatro Modernizações foram formulados pelos camaradas Mao Tsetung e Zhou Enlai. A tarefa política mais significativa para a China é o sucesso das Quatro Modernizações. A modernização representa uma nova grande revolução. O objectivo desta revolução é libertar e ampliar as forças produtivas. Sem ampliar as forças produtivas, tornando o nosso país mais próspero e desenvolvido, melhorando os níveis de vida do povo, a nossa revolução é apenas conversa fiada.
5- No entanto, não desejamos o capitalismo, mas também não desejamos ser pobres sob o socialismo. Cremos que o socialismo é superior ao capitalismo. Esta superioridade deve ser demonstrada pelo facto de que o socialismo proporciona condições mais favoráveis ao desenvolvimento das forças produtivas do que o capitalismo.
6- Gozamos de quatro condições favoráveis para atingir a meta da modernização: primeiro, o entusiasmo, a iniciativa, a inteligência e a sabedoria do povo chinês; segundo, recursos naturais abundantes; terceiro, nos passados 30 anos lançamos os fundamentos materiais preliminares para o desenvolvimento da indústria, da agricultura, da ciência e da tecnologia; e quarto, devemos prosseguir a política correcta de abertura ao mundo exterior.
7- Seria impossível alcançar os nossos objectivos sem a cooperação internacional. Devemos fazer um amplo uso da ciência avançada e dos progressos tecnológicos universais, assim como do potencial financeiro exterior, de modo que possamos acelerar as Quatro Modernizações. Esta oportunidade não existiu para nós no passado. Temos vivido um período culminante recente, em que aprendemos a utilizar esta oportunidade.
8- Não existe contradição fundamental entre o socialismo e uma economia de mercado. O problema consiste no modo de desenvolver as forças produtivas com mais eficácia. Tínhamos uma economia planificada, mas com o passar dos anos, a nossa experiência provou que ter uma economia totalmente planificada é, até certo ponto, um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas. Se combinamos uma economia planificada com uma economia de mercado, estaremos numa posição melhor para libertar as forças produtivas e para acelerar o desenvolvimento económico.
9- Para finalizar a análise, a superioridade do socialismo deve demonstrar-se por um maior desenvolvimento das forças produtivas. Está agora claro que o caminho correcto é a abertura ao mundo exterior, combinar uma economia planificada com uma economia de mercado e introduzir reformas estruturais. lsto opõe-se aos princípios do socialismo? Não, porque no decurso da reforma asseguraremos duas condições: primeira, que o sector público da economia seja sempre predominante; e segunda, que ao desenvolver a economia procuramos a prosperidade comum, tentando evitar sempre a polarização.
10- As políticas de utilização de fundos estrangeiros, permitindo que o sector privado se amplie não debilitarão a posição predominante do sector público, que é uma característica básica da economia na sua totalidade.
11- Por que insistem sempre alguns que o mercado é capitalista e somente a planificação é socialista? Na realidade ambos são meios para desenvolver as forças produtivas, sempre e quando respondam a esse propósito. Se servem ao socialismo são socialistas; se servem ao capitalismo são capitalistas.
12- Para alcançar a independência política genuína, um país deve levantar-se da pobreza. E para o fazer deve assentar as suas políticas económica e externa nas suas próprias condições. Não deve levantar barreiras para se isolar do resto do mundo. A experiência da China demonstra que um país isolado em si mesmo é já em si uma desvantagem. Se deseja transformar-se deve abrir-se ao mundo exterior e proceder a reformas no país. Estas devem incluir a reforma da estrutura política, que se situa no reino da super-estrutura. A política aberta que a China vem prosseguindo actualmente é correcta e beneficiou grandemente o país. E vamos prosseguir nessa direcção. Porque temos uma grande capacidade para a assimilação e porque temos políticas correctas, incluso se aparecerem alguns fenómenos negativos, estes não poderão afectar os fundamentos do nosso sistema socialista.
13- Educar o povo nos quatro princípios cardinais proporcionará uma garantia fundamental para o progresso são da nossa causa. Estes quatro princípios cardinaissão: manter o rumo socialista, manter a ditadura democrática do povo, manter a direcção do Partido Comunista e manter o marxismo-Ieninismo e o pensamento de Mao Tsetung.
O socialismo e o homem novo no pensamento de Che Guevara
Che Guevara assinala que na Crítica do Programa de Gotha, Marx coloca o tema do socialismo em termos de um processo puro. Para o Che, obrigado a reflectir no quadro da Revolução Cubana, o socialismo deve entender-se como uma nova fase que denomina o primeiro período de transição da construção do comunismo. a qual transcorre no meio de violentas lutas de classe e contendo elementos de capitalismo no seu seio, e para cuja superação, devem Ievar-se a cabo dois processos fundamentais da construção socialista: a formação do homem novo e o desenvolvimento da técnica.
Para o Che, o homem novo é um ideal não acabado que vai nascendo com a construção do socialismo e que, portanto, nunca estará completo, já que representa um processo paralelo ao desenvolvimento das forças produtivas e à construção das novas formas económicas. Por isso, é essencial escolher correctamente o instrumento de mobilização das massas. Para o Che, esse instrumento deve ser de índole fundamentalmente moral, sem esquecer a correcta utilização do estímulo material, sobretudo de natureza social. O importante é que, neste processo, o homem vá adquirindo cada dia maior consciência da necessidade da sua participação no desenvolvimento da sociedade, e de seguir a sua vanguarda constituída pelo partido, que por sua vez deve caminhar em estreita comunhão com as massas. Quanto à técnica, o Che considerava que muito estava por fazer, mas que já não se tratava de avançar às cegas, mas sim de seguir em boa parte o caminho andado pelos países mais adiantados e depois gerar a técnica própria, o desenvolvimento das próprias forças produtivas.
O Che explicava que quando a revolução tomou o poder em Cuba, tanto no sector industrial como no sector agro-pecuário, a política seguida foi orientada para a solução dos dois problemas económicos principais: o desemprego e a falta de divisas. Como complemento se desenvolveram medidas revolucionárias redistribuidoras da riqueza produzida, assim como uma política proteccionista contra a importação de bens que pudessem ser elaborados em Cuba. O desemprego foi eliminado, incrementou-se notavelmente o mercado nacional e então os esforços principais se orientaram para a diversificação, para auto-abastecimento de produtos agrícolas e pecuários, o que colocou a economia agrícola em sérias dificuldades pela quebra na produção de açúcar, o principal produto de exportação e houve que redefinir a estratégia produtiva agrícola.
De acordo com a concepção e experiência concreta do Che, no socialismo aparece um sujeito multifacetado com caracteres nítidos – as massas – que participa activamente na vida social, económica e política do país, sempre que exista uma conexão estruturada entre o Estado e estas, apoiada pela sensibilidade e pela intuição dos dirigentes. As massas seguem a sua vanguarda, avançam em estreita conexão e têm a vista posta no futuro e na recompensa de uma nova sociedade, onde o importante não é o homem individual, mas sim o colectivo. A direcção do processo tem que caminhar mais depressa, abrindo caminhos, mas sem se afastar das massas, apoiando-se nelas e animando-as a seguir o seu exemplo.
Na mesma orientação teórica de Marx e Lenine, o Che concebe o poder político na construção do socialismo como a ditadura do proletariado. Para levar a cabo correctamente esta construção, considera que também se requerem instituições revolucionárias que funcionem como um conjunto harmónico de canais, degraus e aparelhos bem oleados, que permitam a tomada de consciência peIas massas, que atribua o prémio ou o castigo no cumprimento ou incumprimento das tarefas, e que facilite a selecção dos indivíduos destinados a constituir a vanguarda.
No ideal socialista do Che, o trabalho deve adquirir uma nova condição, a mercadoria-homem deixa de existir e instala-se um sistema que atribui uma quota pelo cumprimento do dever social, os meios de produção pertencem à sociedade e a máquina é apenas a trincheira onde se cumpre o dever. Isto já não contribuiria para o trabalhador dar uma parte do seu ser em forma de força de trabalho vendida, que já não lhe pertence, antes significa uma emanação de si mesmo, um contributo conscientemente voluntário para a vida em comum que se reflecte no cumprimento do seu dever. O Che considerava que na construção do socialismo devia fazer-se todo o possível por dar ao trabalho esta nova categoria de dever social e uni-lo ao desenvolvimento da técnica, o que teria como consequência o aparecimento de condições para uma maior liberdade. Neste sentido, o Che reiterava a tese marxista de que o homem alcança realmente a sua plena condição humana quando produz sem a compulsão da necessidade física de se vender como mercadoria.
***As teorias de Lenine e de Mao, com as contribuições de Estaline e de muitos outros teóricos e dirigentes revolucionários, estiveram na origem dos processos revolucionários e das experiências socialistas desde a década de 1930 até ao derrube do bloco euro-soviético.
Apesar da variedade dos conceitos de socialismo, tem sido comum a todos eles a fundamental importância dada à economia na configuração da vida social em geral, tal e como expôs Marx ao sustentar que o "modo de produção não deveria considerar-se simplesmente como a reprodução da existência física dos indivíduos. É mais uma forma concreta de actividade destes indivíduos, uma maneira concreta de expressar as suas vivências, um modo de vida concreto". Deste modo, a essência do projecto socialista nas suas diversas versões foi sempre a transformação da propriedade privada em propriedade social, que Marx enuncia como a "sociedade de produtores associados" ou "modo de produção associado".
[*] Responsáveis do Partido do Trabalho (México). Comunicação apresentada no X Seminário "Os partidos e uma nova sociedade", Cidade do México, 17-19 de Março de 2006.
Tradução de Carlos Coutinho.
Sem comentários:
Enviar um comentário