A Assembleia Nacional de Cuba anunciou nesta quinta-feira (19) a mudança mais importante da política dos últimos 60 anos
Por Fania Rodrigues
“Companheiro deputado Miguel Díaz-Canel, a partir deste instante o senhor é o novo presidente do Conselho de Estado e de Ministros da Assembleia Nacional de Cuba. Aproxime-se e assuma a presidência”, assim anunciou o presidente da Assembleia Nacional, Esteban Lazo, na manhã desta quinta-feira (19). O sucessor de Raúl Castro foi eleito por unanimidade pelos parlamentares, na casa legislativa que é considerada uma das mais democráticas do mundo.
Em seu primeiro discurso, o novo presidente de Cuba disse que assume com “determinação o legado da geração histórica, que conquistou a Revolução Cubana” e compromete-se em seguir aprofundando o modelo socialista cubano. Díaz-Canel ressaltou ainda que o resultado de sua eleição é o reflexo de uma “determinação do povo”, que participou massivamente das duas primeiras etapas da eleição, que escolheram os representantes do Congresso cubano.
“Nesse mandato não há espaço para mudança brusca, apenas para a continuidade do modelo socialista cubano”, resumiu. O novo presidente disse também que a tarefa da nova geração política que assume o poder neste mandato é “dar continuidade à Revolução Cubana” e que segue o exemplo do “líder da revolução, Fidel Castro, e do general do exército e primeiro-secretário do partido comunista, Raúl Castro”.
Saiba quem é novo chefe de Estado cubano
Um homem discreto, simples e muito inteligente. Assim é descrito pelos cubanos o sucessor de Raúl Castro, Miguel Díaz-Canel, que assume como novo presidente da ilha neste 19 de abril.
Casado com uma professora universitária e pai de dois filhos, fruto do primeiro matrimônio, Miguel Díaz-Canel nasceu no dia 20 de abril de 1960, um ano depois do triunfo da revolução. Nesta sexta-feira (20), completa 58 anos e representa uma nova geração no comando do país.
Começou sua carreira política na província de Villa Clara, região central de Cuba, onde foi militante e depois dirigente da Federação Estudantil Universitária (FEU) e da União de Jovens Comunistas (UJC).
Formado em engenharia eletrônica pela Universidade Central das Villas Marta Abreu, o novo presidente começou sua carreira profissional como oficial das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), na qual esteve de 1982 a 1985. Mais tarde, chegou a dar aula na universidade em que se graduou. Entre 1987 e 1989, cumpriu missão internacionalista na Nicarágua, como comissário político da UJC, na brigada militar de Cuba, durante a Revolução Popular Sandinista (1979-1990).
Além de ter sido vice-presidente de Cuba, é membro, desde 2003, do birô político do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, a máxima autoridade tanto no sentido ideológico quanto político do partido e do Estado cubano. Portanto, Díaz-Canel é homem de total confiança de Raúl Castro, assim como era do líder da Revolução Cubana, Fidel Castro.
Destaque na política
Apesar de ter passado por alguns cargos de direção quando jovem, foi como primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba, do Comitê Provincial de Villa Clara, que ganhou destaque na política nacional. Era 1994 e o país estava em pleno “período especial”. Com a queda da União Soviética, em 1991, Cuba perdeu os investimentos que recebia e viveu uma década de crise econômica profunda. O produto interno bruto encolheu 36%, entre 1991 e 1993. Havia escassez de diversos produtos, mas a falta de comida e combustível era o que mais afetava o cotidiano.
O escritor e jornalista Cubano Iroel Sanchez, autor do blog La pupila insomne, também de Villa Clara, conviveu com o político na juventude. “Díaz-Canel teve um papel importante na solução dos problemas gerados pela crise, sobretudo em um momento em que havia cortes de energia elétrica. Nessa época, criou uma relação muito próxima com o povo”, conta Sanchez.
Já nesse período era conhecido também por seu amor à arte. Mesmo na etapa difícil dos anos de 1990, ele ajudou a impulsionar a produção cultural em Santa Clara, capital da província de Villa Clara. “Me lembro de uma apresentação de teatro que fizemos na minha casa, não havia energia elétrica, a iluminação era a vela. E lá estava Miguel Díaz-Canel prestigiando a obra com a família”, relembra o produtor cultural Ramón Silberio Gómez, morador de Villa Clara. Hoje ele dirige o centro cultural El Mejunje, em Santa Clara.
O local é conhecido no país por ser vanguarda na inclusão de elementos culturais marginalizados em Cuba naquela época, como o rock’n roll e as apresentações culturais produzidas por travestis, criado com o apoio de Díaz-Canel. Naquele momento, como máxima autoridade provincial, Díaz-Canel ajudou a impulsionar importantes reformas culturais nessa região do país. Até hoje Santa Clara figura como um dos mais importantes centros de produção cultural do país, atrás apenas de Havana. “Ele estabeleceu um estreito vínculo com o setor cultural e intelectual do país”, afirma o produtor cultural.
O novo chefe de Estado não faz parte da classe de políticos que frequentam festas, comemorações ou coquetéis com embaixadores. Porém, é comum encontrá-lo em concertos, apresentações de teatro e de livros, de acordo com Silberio Gómez. Sua personalidade, segundo quem o conhece, transita entra a timidez e a discrição.
Bem afeiçoado e sempre com um sorriso no rosto, o novo chefe do Estado cubano costumava andar de bicicleta pelas ruas de Santa Clara, mesmo já sendo uma importante autoridade política. “Era um dirigente do povo, simples, que costumava andar de bicicleta pela cidade e cumprimentava todo mundo”, conta Silberio.
Hoje, longe da bicicleta e perto do despacho presidencial, Díaz-Canel dispensa, até pouco tempo, certos protocolos. Precisa andar com segurança, devido ao cargo de vice-presidente que ocupava desde 2013. No entanto, usava uma estrutura mínima que se resumia-se a um guarda-costas e um motorista. Isso deve mudar em breve, pois o Estado cubano tem um regime de segurança rigoroso com o presidente do país. “Em Cuba existia um problema com os líderes da geração histórica, que é o fato de os Estados Unidos terem tentado matar Fidel Castro 538 vezes. Foi o líder de Estado que os EUA mais vezes tentaram matar, e não puderam. Isso gerou medidas elementares de segurança. Não é uma proteção contra os cubanos, mas contra as tentativas de assassinato dos EUA”, explica o escritor Iroel Sanchez.
Antes de ser vice-presidente, Díaz-Canel foi ministro de Educação Superior, entre 2009 e 2013. Esse ministério faz a gestão de todas as universidades do país. Desse período vem sua relação com o setor de educação, que se manteve, tanto que foi designado pelo partido para discutir o texto da nova Conceitualização do Novo Modelo Econômico e Social Cubano de Desenvolvimento Socialista, debatido e aprovado no último Congresso do Partido Comunista, realizado em novembro de 2017.
Em uma das plenárias com educadores realizada antes do congresso, o diretor do Centro Martin Luther King, Joel Suárez, conta como foi a relação estabelecida com Díaz-Canel: “É uma pessoa que sabe escutar. As vezes que interviu foi para colocar exemplos de situações práticas que vive o país. Ao mesmo tempo, notava-se que ele é uma pessoa que estuda e lê, pois entrava também no debate de ideias, intelectual e teórico. Contribuía ao debate”.
Para a jornalista Irma Shelton, repórter e apresentadora do canal Cubavisión, Díaz-Canel sempre foi o favorito a ocupar o mais alto cargo do país. “Ele é um dirigente político que vem das filas da Federação Estudantil Universitária e da Juventude Comunista de Cuba. Um dirigente que se destacou por sua inteligência e por sua relação com as massas, porque sabia dirigir”, relata.
E foi como dirigente do Partido Comunista que protagonizou uma das histórias conhecidas nos bastidores da política cubana. A jornalista Daisy Gómez, uma das mais conhecidas de Cuba, contou ao Brasil de Fato uma anedota que ilustra um pouco o grau de liderança que tinha junto à população de Villa Clara.
Em 1996, Díaz-Canel convidou o presidente Fidel Castro para celebrar uma data patriótica junto com a população da capital provincial de Villa Clara, em Santa Clara. Fidel disse: “É que a data está muito próxima, não será impossível reunir em tão pouco tempo a quantidade de pessoas necessária para encher a praça da cidade. Díaz-Canel então respondeu: “Eu me comprometo que esta noite a praça estará cheia”. “E encheu”, conta Daisy Gómez.
Modernização da comunicação
Agora, frente a novas responsabilidades, Miguel Díaz-Canel terá a tarefa de conduzir Cuba em direção às mudanças econômicas que provocarão forte impacto na sociedade. Ele faz parte de uma nova geração de políticos, escolhida para enfrentar os desafios da modernidade.
Desde 2013, quando foi eleito para o cargo de vice-presidente do Conselho de Estado da Assembleia Nacional, Díaz-Canel recebeu a missão de ser o executor das políticas estabelecidas pelo governo de Raúl Castro para área da comunicação, que envolvia telefonia, ampliação do acesso à internet, modernização dos canais de televisão, informatização e automatização dos processos produtivos.
“Como vice-presidente teve um papel de destaque. Ele coordenou a execução do Plano de Informatização do país. Nos últimos anos, houve um incremento substancial no acesso à internet em Cuba. O que tem gerado qualidade de vida à população”, destaca Iroel Sánchez, escritor e blogueiro no país.
Como vice-presidente ele também foi um dos principais defensores da massificação do uso da internet pela população cubana. Durante o lançamento do Plano de Informatização, em 2015, fez um discurso enfático sobre a necessidade de expansão da internet na ilha. “A criação de uma infraestrutura de internet, de acordo com nossas possibilidades, servirá de de base para o desenvolvimento das atividades econômicas em todos os níveis: estatal, das cooperativa e do setor autônomo”.
Também defendeu o uso da internet como ferramenta de geração de empregos. “A internet tem um potencial gerador de serviços e de atividade econômica que contribui como fonte de criação de empregos, recursos e crescimento econômico”.
O escritor e blogueiro cubano afirma que Díaz-Canel também é o responsável por impulsionar a modernização dos meios de comunicação, especialmente os canais de televisão. O principal canal de TV cubano, Cubavisión, entrou na era digital. Foi totalmente remodelado e está fazendo a transição para o sinal digital. Em três meses o sinal analógico começará a ser desligado e gradualmente será substituído pelo novo sinal.
Além disso, já existe um debate sobre a criação de uma nova política de comunicação, que será estabelecida pelo novo chefe de Estado, de acordo com informações de Iroel Sánchez. O escritor enfatiza que Cuba é submetida há anos a uma guerra midiática gigantesca. “O governo dos Estados Unidos gasta em média 50 milhões de dólares, ao ano, em propaganda contra Cuba. Falo do orçamento do Estado, fora o que se faz por outras vias em conjunto com os meios privados. Esse valor está muito acima do orçamento de todos os meios cubanos juntos”, informa Iroel.
Ainda que não tenha a ambição de competir com seu vizinho do norte, Cuba tem a necessidade de criar um novo modelo de produção e difusão de informação, de acordo com o escritor. “Cuba tem a necessidade elevar a qualidade de sua comunicação. Uma maneira de se defender é tendo bons meios de comunicação”, ressalta Iroel.
Agora eleito presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, tem a missão de implementar todas as mudanças aprovadas no último congresso do PCC, que conformarão o novo modelo de desenvolvimento do socialismo cubano. Será a continuidade da revolução, que em janeiro de 2019 completará 60 anos.
No entanto, em Cuba não haverá mudança brusca, nem guinada de governo, afirmaram todos os entrevistados para o Brasil de Fato. Até porque Raúl Castro sai da presidência do Conselho do Estado, mas não vai se retirar da política. Ele continua à frente do Partido Comunista, que participa da tomada de decisões e implementação do plano de governo. No ano passado, durante o congresso do partido, Raúl foi eleito primeiro secretário do Partido Comunista Cubano para o mandato que termina em 2021. Além disso, é o comandante e chefe das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba.
Linha do tempo da vida do presidente Miguel Díaz-Canel
* Entre 1975 e 1982: Militante e dirigente da Federação Estudantil Universitária (FEU).
* 1982: Formou-se em engenharia eletrônica pela Universidade Central das Villas Marta Abreu.
* Entre 1982 e 1993: Dirigente da União de Jovens Comunistas (UJC).
* Entre 1982 e 1985: Oficial das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) de Cuba.
* 1994: Foi nomeado primeiro-secretário do comitê provincial do Partido Comunista de Cuba (PCC), de Villa Clara. Nessa época, o cargo representava a máxima autoridade política da província.
* 2003: Nomeado primeiro-secretário do PCC da província de Holguín e eleito membro do birô político do comitê central do PCC.
* Entre 2009 e 2013: Ministro de Educação Superior.
* Desde 2013: Primeiro vice-presidente do Conselho de Estado da Assembleia Nacional e do país. Foi o primeiro político nascido depois do triunfo da Revolução Cubana (1959) a ocupar esse cargo.
* 2018: Eleito novo presidente de Cuba, sucessor de Raúl Castro.
FONTE: Portal PCB
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