Por Antonio Julio de Menezes Neto
As análises de Marx apontavam que a única solução para as contradições do capitalismo seria superar o próprio capitalismo, pois o sistema mutilava o ser-humano ao apropriar-se do trabalho de outro e o explorava. Analisava que já tínhamos uma produção coletiva que deveria ser apropriada de forma coletiva pelos trabalhadores.
Pouco depois da morte de Marx e Engels, os partidos socialdemocratas, na época marxistas, começaram a crescer. Eduard Bernstein, deputado, ainda em fins do século 19, vendo este crescimento na Alemanha, admitiu que Marx poderia ter se equivocado em algumas análises e que, pelas reformas, se poderia superar o capitalismo. Chamou este reformismo de "socialismo evolucionário". Karl Kautsky, na época, rompeu com Bernstein, mas, um tempo depois assumiu esta proposta, inclusive defendendo ser esta a perspectiva de Marx. Mas Marx nunca foi um reformista e analisava as contradições do capitalismo enquanto sistema global. As especificidades (como a superexploração do negro e o consequente racismo no Brasil para viabilizar nosso capitalismo) ficariam por conta das análises específicas.
O século passado conheceu revoluções importantíssimas, heróicas, como a russa, a chinesa, a cubana, a vietnamita ou as africanas, que foram tentativas de construir o socialismo em estados periféricos, com muitos dramas e enormes dificuldades. Ao fim, não lograram êxitos, apesar de grandes vitórias parciais. Ao lado destas Revoluções, tivemos o reformismo que, parece-me, é o que muitos pensam que restou para o socialismo.
Sempre na defensiva, sempre vendo fantasmas, sempre recuando. Em 1989, cai o muro e voam pedras até para a esquerda que festejou. Em 1991, cai a URSS. A crise da esquerda socialista/comunista torna-se enorme. Com isso, as esquerdas passam a se organizar em torno de dois eixos, que não questionam frontalmente o capital: as opressões e o reformismo. Reformismo bem fraco, diga-se.
O capital, por seu lado, nunca foi tão forte como nos tempos atuais Um crescimento hoje de 1% deve equivaler a um crescimento de 5% de algumas décadas atrás. Megaempresas, fusões, aquisições e o capital financeiro tendo megalucros. O capital está à vontade neste contexto em que é pouco questionado e onde sobram apenas as “migalhas” para os trabalhadores e as classes populares que muitas vezes se conformam com pequenas bolsas para garantir sua sobrevivência.
E as esquerdas socialistas, que queriam grandes transformações, o que fazem neste momento? Estão listando os ganhos decorrentes das “migalhas”, desde que sejam políticas feitas por governos que um dia tiveram origem nas esquerdas, como no caso brasileiro. Passaram a colocar o "estado de direito" acima de tudo. Estão como sempre na defensiva. Estão se apequenando. E estão trilhando o fracassado caminho identitário da esquerda dos EUA.
Diante deste quadro, poderíamos perguntar: Acabou o sonho? Bernstein tinha razão? O marxismo, que analisava o comunismo como o fim das classes, da propriedade, do dinheiro e do Estado, não passa de uma utopia?
Apesar de todas as dificuldades com que nos defrontamos, acredito que não. Marx fez uma profunda análise da sociedade capitalista. É lógico que seus livros não podem ser somente uma exegese, pois sua finalidade é para serem compreendidos, reformulados e colocados em ação em cada realidade concreta, cada realidade específica.
Vejo a análise de Marx como método de compreender a sociedade capitalista e o marxismo como sua aplicação adequada aos diversos temas e realidades. Mas as análises de Marx carregam também seus desejos. É impossível construirmos alguma obra sem desejo, sem vontade, sem um pouco de sonhos e utopias. Não somos só objetividade. Mas Marx não abria muitos espaços para o reformismo e conciliações. Ao contrário dos posteriores "marxismos".
Um grande equívoco das esquerdas marxistas foi levarem todas as lutas políticas para a conquista do Estado. Passaram a acreditar que, conquistando o Estado, fariam as reformas ou até superariam o capitalismo. Mas este próprio Estado também não era um componente do capitalismo, como Engels e Marx haviam mostrado na “Ideologia Alemã” ou na “Origem da Família, da propriedade e do Estado”? Mas, pior, as esquerdas socialistas/comunistas foram rebaixando as lutas. Agora, qualquer pequena reforma já estava bem, já que a correlação de forças “não permitia ir além”. No fim, já se contenta com migalhas. E, muitas vezes usando o nome do "marxismo".
Chegamos em um momento em que, no Brasil, lutar contra a prisão de um político que fez um governo conciliador, liberal e economicamente de direita já é suficiente porque o ex-presidente tem origem operária e boa entrada nas classes populares e nos sindicatos. Não podemos deixar que as grandes análises de Marx, que os sonhos de milhões de trabalhadores por um mundo emancipado seja tão rebaixado.
A luta contra o capital, o capitalismo, a exploração, a propriedade deve prosseguir. O marxismo é vivo e muito além de apenas uma simples utopia.
Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo e professor titular na Faculdade de Educação da UFMG.
FONTE: Correio da Cidadania
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