quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A importância do estudo de Marx para a militância



Por Gabriel Lopo



Nunca é demais reforçar a importância de aprender sobre as ideias de Karl Marx. Em 2018, os povos em luta celebraram os 200 anos de nascimento deste revolucionário e grande estudioso. Além de comemorar, precisamos refletir se, de fato, estamos nos esforçando para conhecer mais sobre sua vida e suas teorias.

Marx nasceu em 05 de maio de 1818, numa pequena cidade do sul da Prússia (atualmente Alemanha). Viveu momentos de muitas dificuldades pessoais e familiares, sendo bastante perseguido desde que começou a se levantar contra as injustiças do capitalismo. Deixou para os trabalhadores uma teoria capaz de impulsionar revoltas e revoluções contra a fome, a pobreza e a exploração capitalista. Morreu em 1883 por problemas de saúde.

Desenvolveu a única teoria na história que serviu de arma do povo para conseguir destruir definitivamente o capitalismo. Ideias que partidos, movimentos e sindicatos colocaram na prática e conquistaram vitórias para a classe trabalhadora. Por isso é que Marx e o marxismo são tão odiados e difamados pelas elites e pela burguesia de todos os países capitalistas. Por isso também muitos tentam desqualificar a teoria marxista e apagar o seu conteúdo revolucionário.

Ninguém constrói uma casa começando pelo teto. Para construir uma casa, começamos pela base. Conhecer a vida e a obra de Marx tem que fazer parte da nossa base de formação como militantes. Uma grande obra social como a revolução exige uma militância cada vez mais firme, conhecedora da teoria e ousada na prática.

Infelizmente, muitas vezes, menosprezamos seus ensinamentos. Subestimamos a importância de aprender, ensinar e pôr em prática a teoria revolucionária do marxismo. Nos deixamos levar pela ideia de que já sabemos muito. Achamos que somos ótimos militantes e não precisamos de uma formação teórica cada vez mais profunda.

Muitos militantes, de fato, têm e terão dificuldades para entender aspectos teóricos. Vivemos em um país em que o direito à educação é muito restrito. Contudo, errado é não tentar encontrar formas de estudar, aprender e ensinar essas teorias. Não podemos ficar na zona de conforto e nos esconder atrás de dificuldades como essas. Marx viveu tempos de muita miséria e provações. Mesmo isso, não o fez abaixar a cabeça, desistir. Seguiu as lutas e os estudos com ainda mais força e determinação.

A atual crise econômica do capitalismo massacra o nosso povo. Milhões de pessoas são obrigadas a viver na extrema pobreza. Os capitalistas jogam toneladas de comida fora, enquanto milhões de crianças passam fome. Infinitos remédios estão estocados nas grandes farmácias e idosos morrem à espera do direito à saúde e sem dinheiro para medicamentos. A política e os paramilitares assassinam os negros por causa do preconceito e do racismo e também os lutadores populares. A nossa arma contra esse cruel e agonizante estado de coisas é fazer lutas rebeldes, guiadas pela teoria revolucionária marxista.

Precisamos urgentemente estimular a publicação de cadernos populares de formação, em linguagem e formatos acessíveis. Precisamos realizar mais cursos e encontros de formação marxista. Para nós, o marxismo precisa ser uma ideologia de massas, uma metralhadora do povo contra a opressão capitalista.

Em 2019, devemos reforçar o estudo, ser mais criativos e ter a ousadia para criar um grande movimento de massas revolucionário. Isso só é possível quando cada militante, cada coletivo e cada movimento entender a importância de estudar e ensinar mais Marx e o marxismo. As contradições não existem para serem contempladas, e sim superadas. Aprender, estudar, ensinar e fazer do marxismo uma ciência viva e revolucionária é superar parte dessas contradições.


Gabriel Lopo, coordenador-geral do DCE-UFMG e militante da UP


FONTE: A Verdade

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Leila Khaled: guerreira palestina, revolucionária marxista






[Malena Hinze, via Liberation School, traduzido por Elisa Brasil] “Eu tenho uma causa maior e mais nobre que a minha, uma causa a qual todos os interesses e preocupações privados devem ser subordinados.” – Leila Khaled


As mulheres palestinas têm participado de todas as formas de resistência, incluindo a resistência armada, desde que o povo palestino luta pela libertação nacional.

Provavelmente, Leila Khaled é internacionalmente a mais conhecida dessas heroínas. Ela dedicou sua vida para libertar a Palestina da ocupação colonial e à luta internacional pelo socialismo.

O movimento de resistência palestino tem durado décadas. Khaled é uma figura importante nessa luta, não apenas como mulher, mas como organizadora consciente da classe que nunca deixou de falar e lutar contra a ocupação israelense da Palestina e seus defensores imperialistas, a saber, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.

Do Nacionalismo ao Socialismo

Khaled nasceu em 1944 em Haifa, então parte do Mandato Britânico da Palestina. Ela era uma menina quando os sionistas lançaram uma guerra de terror contra os árabes palestinos. Ela e sua família tornaram-se refugiados junto com 750.000 palestinos quando o Estado de Israel foi fundado em 1948.

Khaled, como muitos palestinos desapropriados, cresceu em um campo de refugiados extremamente pobre em Tiro, no Líbano.

Devido às difíceis condições materiais e sociais de sua vida, Khaled começou a desenvolver consciência política desde cedo. Aos 15 anos, ela se comprometeu em tempo integral com a luta palestina.

Khaled se juntou ao Movimento Nacionalista Árabe e mergulhou no ativismo político. Ela freqüentou a Universidade Americana de Beirute, onde ajudou a organizar manifestações da militância em apoio à libertação da Palestina.

Após sua formação, Khaled se juntou à Frente Popular marxista para a Libertação da Palestina. Ela tornou-se uma ardente revolucionária comunista, professando admiração por Lênin, Fidel Castro e Che, Ho Chi Minh e Kim II Sung, entre outros.

Ela organizou uma célula da Frente Popular para a Libertação da Palestina (a sigla em inglês PFLP referente a Popular Front for the Liberation of Palestine) no Kuwait, ajudou a espalhar propaganda revolucionária durante a diáspora palestina e entre os árabes da região e se dedicou incansavelmente a vários projetos para ajudar financeiramente a PFLP.

Khaled logo se juntou a uma unidade de operações especiais da PFLP e recebeu treinamento especializado para participar de operações militares. Isso aconteceu depois que a PFLP e outros grupos palestinos da Organização de Libertação da Palestina decidiram iniciar uma luta armada contra o Estado colonial de Israel, a fim de recuperar sua terra natal.

Em 1969 e 1970, ela e seus camaradas da PFLP realizaram uma série de sequestros de aviões comerciais para exigir a libertação de presos políticos palestinos, muitos dos quais estavam sofrendo tortura severa dentro das prisões israelenses. O objetivo tático era ganhar a liberdade para os prisioneiros, ao mesmo tempo, trazendo a situação do povo palestino para a atenção da comunidade internacional.

Operações militares

Durante o sequestro em 1969 de um voo da TWA, na rota de Roma para Damasco, Khaled forçou o piloto a sobrevoar Haifa para que ela pudesse olhar para a sua cidade natal, a qual ela não tinha permissão para visitar. Nenhum dos palestinos expulsos de sua terra natal por Israel foi autorizado a retornar.

Nenhum passageiro ficou ferido na ação da TWA. A PFLP explodiu o avião vazio no solo, em Damasco, para ressaltar a seriedade da ação. Khaled e seu camarada Salim Issawi foram detidos por um breve período e finalmente libertados pelo governo da Síria.

Khaled então fez uma cirurgia plástica para esconder sua identidade. Isso permitiria que ela participasse de futuras operações militares de alta qualificação.

Ela intentou um segundo sequestro sem ser descoberta; desta vez de um jato israelense El Al que viajava de Amsterdã. Durante esse sequestro, devido à presença de guardas armados no avião, seu camarada Patrick Arguello – um internacionalista da Nicarágua – foi morto. Khaled foi capturada e entregue às autoridades britânicas.

Ela foi libertada logo em seguida em troca de reféns ocidentais mantidos pela PFLP. A PFLP explodiu quatro aviões comerciais sequestrados vazios em Dawson Field, na Jordânia, enquanto a imprensa internacional observava.

Ambas as operações militares mais famosas de Khaled obtiveram o êxito pretendido e a tornaram uma heroína no Oriente Médio e em outros lugares. Como Khaled descreveu em sua autobiografia, “Nosso objetivo mínimo era a inscrição do nome da Palestina na memória da humanidade e na mente de todo libertário que se preze e que acredita no direito do subjugado à autodeterminação. … Nós estávamos empenhados em atacar o coração do opressor. ”

O perfil internacional de Khaled levantou não apenas questões de libertação nacional, mas o papel fundamental desempenhado pelas mulheres no movimento palestino.

Quando perguntada em uma entrevista se ela era uma terrorista, Khaled respondeu: “Sempre que ouço essa palavra, faço outra pergunta. Quem plantou o terrorismo em nossa área? Alguns vieram e tomaram nossa terra, nos forçaram a sair, nos forçaram a viver em acampamentos. Eu acho que isso é terrorismo. Usar meios para resistir a esse terrorismo e impedir seus efeitos – isso se chama luta ”.

A Resistência continua

Por mais de 50 anos, Khaled permaneceu uma revolucionária dedicada. Ela é admirada por mulheres e homens em todo o mundo.

Ela atualmente vive com o marido e dois filhos em Amã, na Jordânia. Ela não perdeu seu espírito revolucionário e continuou seu ativismo político com dedicação.

Hoje em dia, Khaled frequentemente discursa em conferências internacionais e continua a ser uma porta-voz articulada para a luta de libertação da Palestina, sempre levantando a centralidade do direito de retorno dos refugiados palestinos.

Segundo Khaled, “a luta dos palestinos tomou muitas faces. Luta armada, intifada e agora ambos. O que significa que enquanto houver ocupação em nosso país, o conflito continuará. ”

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Sindicatos e democracia radical, união possível?



Surgem, nos EUA e na Espanha, experimentos em que um sindicalismo renovado articula-se as redes municipais anticapitalistas. Como coexistem? Seriam possíveis também no Brasil?



Estudantes chilenos na luta pela educação pública


Por Alexander Kolokotronis, na Roarmag | Tradução: Marianna Braghini



Uma revolução municipalista é impossível sem o apoio e cooperação dos sindicatos laborais. Em alguns casos, eles próprios podem tomar a dianteira em lançar essa mudança. Para seguir esse caminho de forma efetiva, a esquerda deve compreender a composição e a estrutura diversas da classe trabalhadora — lançando, com os nascentes movimentos municipalistas, um apelo para a democracia sindical. Experimentos em democracia participativa podem ser tentados e testados nos sindicatos, abrindo possibilidades para uma subsequente implementação a nível municipal.

Novos fatos nos EUA e na Espanha estão mostrando que movimentos e  candidatos pró-participação popular podem ganhar eleições municipais. Os exemplos incluem a eleição para prefeito de Chokwe Lumumba Jr. em Jackson, estado do Mississipi,com apoio de assembléias populares, redes de economia solidária e políticos progressistas. Um grupo de candidatos dos Socialistas Democráticos dos EUA (Democratic Socialists of America) [veja nosso vídeo a respeito deste movimento] está propondo a  expansão da democracia participativa e das cooperativas de trabalhadores. Movimentos municipais estão proliferando como um meio de resistir a Donald Trump e à crescente extrema-direita.

Isso ocorre num momento em que os sindicatos tradicionais estão em declínio, necessitando de um processo interno de democratização para se revitalizarem. Para aumentar sua capacidade de atrair, gerar apoio entre a opinião pública e estender sua influência, os sindicatos devem também agir com visão política. É uma forma de alcançar o poder em nível municipal e trabalhar para transformá-lo.

Qual classe trabalhadora?

Embora haja novidades positivas no estímulo a um movimento municipal, outros segmentos da esquerda estão às voltas com a vitória de Trump e o fracasso da democracia liberal. Nos EUA, um grupo de analistas localizam a fonte desses fatos nos quarenta anos de declínio das condições da classe trabalhadora. Ao defender um programa à la Bernie Sanders na revista Jacobin, Connor Kilpatrick escreve que “A classe trabalhadora é central para políticas progressistas que façam diferença porque ela tem os números, o incentivo econômico e a potência para paralisar os trilhos do capital.” Isso não é inconsistente com municipalismo. As diferenças em análise e programa político só emergem quando se enxerga apenas setores particulares da classe trabalhadora.

Há boas razões para reconhecer a contínua relevância de trabalhadores brancos, como faz Kilpatrick. A maior parte da atual classe trabalhadora é branca. Não pode ser vista raivosamente como “uma minoria em desvantagem numérica”. O New York Times estampou no pós eleição a seguinte manchete: “Por que Trump ganhou: Brancos da classe trabalhadora.” Esquerdistas lembram as primárias para presidente do Partido Democrata, demonstrando que a classe trabalhadora branca deu um apoio esmagador à agenda socialista democrata de Sanders, ante o neoliberalismo de Hillary Clinton. Os liberais têm ignorado as circunstâncias materiais da classe trabalhadora branca. E aconteceu que “Donald Trump não angariou votos da classe trabalhadora. Hillary Clinton os perdeu.” Alguns socialistas acreditam que isso requer um ousado retorno às políticas de classe. Que políticas identitárias paralisaram a esquerda e agora estamos pagando por isso com o ascenso da extrema-direta.

Mas a classe trabalhadora é composta por algo bem mais amplo que apenas o contingente de homens brancos rurais. Tal discurso arriscar reduzi “a classe trabalhadora” para “trabalhadores brancos caipiras” – esquecendo-se de que ela também pode ser negra, parta e de qualquer gênero e trabalham em setores fora da indústria manufatureira. 

Como escreve Gabriel Winant em Dissent, “embora a ideia de uma nova classe trabalhadora  ainda não seja amplamente aceita, suas características distintivas são familiares. Podemos descrevê-las, grosso modo por feminização, diversificação racial e precariedade crescente.

Ela inclui os trabalhos de cuidadores, imigrante, mal remunerado e a economia ‘de bicos’”. Um estudo recente identificou que “o percentual de filiação sindical é maior entre trabalhadores negros. Também notou que a classe trabalhadora norte-americana será majoritariamente não-branca, por volta de 2032. 

Há outros indicadores de que é aí que reside o futuro da política de esquerda. As ocupações na economia do cuidado1 compreendem um crescente segmento de cooperativas de trabalhadores. A Cooperative Homecare Associates, a maior cooperativa de trabalhadores nos EUA, opera nessa economia do cuidado. A empresa, democrática e autogerida por seus funcionários, reúne mais de 1.500 trabalhadores-empregadores.

A economia do cuidado está crescendo a uma taxa enorme. De acordo com a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas, “as ocupações e empresas na área da saúde devem registrar o maior aumento de empregos, entre 2014 e 2024.” Em diversos Estados dos EUA, as universidades e os hospitais ligados a elas são os maiores empregadores. Muitos dos empregos estão nas periferias das metrópoles, cuja classe trabalhadora é predominantemente não branca. As maiores cidades nos EUA estão entre as áreas mais diversificadas em raça e etnia.

Reconhecer tudo isso ajuda a identificar onde a esquerda pode construir o poder agora. Em termos imediatos, este poder não repousa na configuração da classe trabalhadora rural, branca e masculina. Se a esquerda trabalhar para isso, terá espaço para crescer nas cidades e dentre a classe trabalhadora multiracial. No entanto, um retorno para as políticas progressistas de então exigiria a defesa dos que são historicamente marginalizados.

Isso não significa abandonar a classe trabalhadora branca. Grupos como o Red Neck Revolt estão se provando efetivos em organizá-la na luta antifascista. A questão é qual papel os sindicatos podem desempenhar e onde serão mais efetivos. Abraçar uma agenda interseccional socialista hoje significa que sindicatos devem perseguir políticas que reconheçam a voz e o poder das mulheres e dos não brancos. 

A escolha, portanto, não é entre os socialistas brancos e o neoliberalismo dos Clinton. Há uma outra política a escolher, uma fusão do melhor da esquerda dos EUA: a crescente política participativa de Jackson, com o foco municipal da Unite-Here, em New Heaven, Connecticut. A terceira escolha — esta fusão — é municipal, participativa e sindical.

Um novo sindicalismo municipalista

Coalizões anti-fascistas ainda incipientes têm potencial para convocar uma nova política nos EUA. O municipalismo socialista pode ser um meio tanto para resistir à extrema-direita como para articular uma alternativa socialista democrática. Embora haja muito a criticar em Murray Bookchin, o teórico anarquista que idealizou a concepção de municipalismo nos EUA, os princípios básicos se mantêm.

Bookchin debate as possibilidades de avançar, dentro das cidades, em um programa mínimo e um programa máximo. O primeiro atende demandas de melhora no bem estar dos cidadãos e gera espaços de participação direta e empoderamento, que podem servir como os primeiros passos para uma transformação institucional mais ampla. O programa máximo é aquele em que o poder popular está no centro da transformação institucional: aqui, o poder de decisão é transferido do nível municipal da representação institucional para o de assembleias democráticas diretas.

O sindicalismo municipal oferece uma plataforma resistente e uma estratégia de longo prazo para garantir que a classe trabalhadora urbana e multiracial possua voz e poder. Embora seja mais fácil falar do que colocar o plano em ação, parece que os sindicatos estão melhor posicionados para fortalecer uma virada municipalista e para ser agentes da democracia participativa.

Uma razão principal: dinheiro. Os sindicatos mal têm recursos para competir com capitalistas em plano nacional. Ainda assim, têm recursos substanciais e os controlam de forma autônoma. Além do dinheiro, os sindicatos têm suas sedes, instalações, escolas, espaços de reunião e uma variedade de outros recursos. A questão é saber em que nível estes recursos seriam usados de forma mais efetiva e, em especial, coordenar esforços municipalistas em múltiplos municípios. 

A força do municipalismo repousa na ramificação e em sua atenção ao particular – algo que os melhores sindicatos têm e aproveitam. Para enfrentar as pressões que sofrem, também devem encontrar força em sua multiplicidade. Não apenas a que há num dado local, bairro ou cidade, mas a que está no núcleo das noções de confederalismo.

Diferentes agentes de mudança irão surgir, no processo articulação entre sindicatos e movimentos municipalistas, a depender dos contextos. Nas regiões metropolitanas, em que predominam serviços de educação e saúde, a “nova” classe trabalhadora sindicalizada pode ser este agente. Onde serão conduzidas as reuniões? Quem fará as votações (quando for preciso escolher candidatos ou como parte de um processo participativo)? Os sindicatos podem fazer uma parte substancial deste trabalho, se empregarem seu poder auto organizativo e seus recursos para um fim político. 

Antes que isso possa acontecer, entretanto, deve haver uma democratização dos próprios sindicatos.

Democracia sindical focada na comunidade

Como frisei em outro artigo para a revista ROAR, os conceitos e modelos de democracia sindical permaneceram ralos. Elaborar orçamentos de forma participativa pode ser parte de um modelo de sindicato democratizado. Estes orçamento participativos podem ajudar a estimular a consciência de classe, servir como meio para formação educacional dos trabalhadores (particularmente na área de auto administração) e ajudar a transformar a burocracia em uma forma de administração iterativa e colaborativa.

Elaborar orçamentos de forma participativa também tem uma característica interseccional. É espaço para inclusão e empoderamento de imigrantes. Foi também um recurso crescentemente utilizado pelo movimento Black Lives Matter. Uma pesquisa na agenda pública acerca de orçamento participativo identificou que os negros estavam proporcionalmente muito representados.

Rossana Mercedes, integrante das Black Youth [Juventude Negra], escreve que “testemunhou em primeira mão o poder organizativo de pessoas negras no orçamento participativo.” Mercedes recorda que “pessoas que estiveram encarceradas, majoritariamente homens negros, atuavam juntos por meio de uma organização comunitária local e decidiam como gastar os impostos em seus bairros. A juventude negra comunicava o processo aos vizinhos batendo de porta em porta, levando a eles o voto para construir apoio aos projetos que propõem em suas comunidades.” Mercedes vai além, imaginando “o que poderíamos fazer com o Community Development Block Grants, os bilhões em orçamento federal disponíveis para comunidades de baixa remuneração.”

O orçamento participativo tem o potencial de ajudar a assentar e expandir este trabalho, além de se conectar com ele. Pode ser uma forma organizacional que conecta materialmente sindicatos a grupos comunitários, com o apoio e criatividade das lideranças e associados. Pode criar as alianças necessárias para um real movimento e programa municipalistas. Pode até haver múltiplos sindicatos e múltiplos processos locais de orçamento participativo, remanescente das assembleias regionais uma vez já organizadas pela Ordem dos Cavaleiros do Trabalho no século XIX. 

Os sindicatos podem até mesmo ajudar grupos comunitários a atingir seus objetivos, investindo seu capital fiscal e capital social. Um processo de orçamento participativo em sindicatos, por exemplo, poderia incluir uma rubrica de orçamento para relações externas comunitárias. Membros do sindicato poderiam propor ideias e construir projetos que beneficiem diretamente ou trabalhem junto com uma comunidade mais ampla.

Esse orçamento participativo sindical poderia, então, fluir para iniciativas democratizadas de “Negociação pelo Bem Comum”. Seriam parcerias entre sindicatos e organizações comunitárias empenhadas em lutas pelo acesso à moradia, garantia de creches para todos, transformação do ensino, melhoria dos serviços públicos, por exemplos. 

Há outros caminhos em que processos sindicais democráticos podem ser criados para fins mais amplos. Um meio de fazer isso poderia um processo participativo de mapeamento. Aqui, os próprios membros trazem seus “conhecimentos situados localmente” e “pontos de vista” para mapear um local ou região de trabalho ou região de trabalho. Por exemplo, um grupo de escolas públicas depara-se com dificuldades em atender os direitos das pessoas com deficiência. Processos de mapeamento participativo poderiam ser formalmente conectados ao que se debate nas mesas de negociação entre sindicatos e empregadores. Isso reorientaria os sindicatos para as preocupações das comunidades, ao mesmo tempo em que obrigaria as lideranças sindicais a agir em sintonia com estas.

Processos de orçamento participativo e de mapeamento, envolvendo sindicatos, também preparariam os trabalhadores sindicalizados a tomar parte nos processos de orçamento participativos a nível municipal. Além de cultivar confiança, isso treinaria os membros do sindicato para operar em processos de orçamento participativo de larga escala. Se estas iniciativas incluíssem grupos comunitários não-trabalhistas, as coalizões entre ambos os setores acumulariam experiências, capacidade política e confiança mútua. Se trabalharem com uma diversidade de de grupos e associações comunitárias, os sindicatos também poderão facilitar a criação de um setor empreendimentos controlados por trabalhadores. 

Diversos sindicatos de trabalhadores nos serviços de educação e saúde já enxergam a municipalidade como uma chave para engajamento político. Em New Heaven, EUA, um grupo de organizadores da UNITE-HERE  [Uma coalizão de sindicatos de trabalhadores em alimentação e hospedagem dos EUA e Canadá] foi eleito para o conselho municipal. Lá, uma coalizão de sindicatos e grupos comunitários conclamou a Universidade de Yale – com sucesso – a contratar 500 moradores das comunidades negras e latinas. O Sindicato dos Professores de Chicago já lançou diversos professores como candidatos para o conselho municipal e a prefeitura. E também forjou publicamente laços com grupos comunitários, conferindo ao sindicato a reputação de praticar “sindicalismo de movimento social”. Nessas cidades, aumentam tanto o poder dos trabalhadores organizados como o da população como um todo. A chave é imbuir o movimento de estrutura e propósito democráticos.

Os Socialistas Democráticos como plataforma

Por meio de que articulações todo este esforço poderia ser coordenado? Uma possível resposta são os Socialistas Democráticos dos EUA [Democratic Socialists of America – DSA], a organização socialista que mais cresce, com 25 mil membros. Inúmeros membros demonstraram compromisso com uma mudança social mais ampla, além de manterem foco no movimento trabalhista socialismo bem como um mais focado no movimento trabalhista. O sindicalismo municipalista dá conteúdo a este compromisso.

Além disso, como a DSA está empenhado em criar uma comissão sindical, seria sábio considerar como a democracia sindical pode ajudar na construção do socialismo municipalista. A subseção três da resolução das prioridades determina que “a DSA é comprometida com a construção de sindicatos laborais democráticos que empoderem e ativem todos os os membros.” Colocando para frente uma mistura de reformas que incluem deveres do sindicato, orçamento participativo e a negociação pelo bem comum adicionam um peso programático a esta declaração.

As sementes de um programa municipalista já estão sendo preparadas, no movimento trabalhista. Uma vez plantadas, podem tramar tanto a democratização do sindicato quanto a da própria cidade. Este não é o único caminho para o municipalismo radical, mas é a promessa da nova classe trabalhadora. É a promessa de uma democracia socialista e sindical no século XXI.


Notas da tradutora:

¹Referência aos trabalhadores em serviços como cuidado de idosos, crianças, doentes etc

²Programa de ajuda financeira ao desenvolvimento de comunidades urbanas, que provê moradia e melhorias regionais e expande oportunidades econômicas especialmente para pessoas de baixa remuneração. Ver mais em
 https://www.hudexchange.info/programs/cdbg/

³ A Knights of Labor foi uma federação trabalhista republicana nos EUA que atuava em favor de interesses dos trabalhadores (americanos), embora rejeitasse anarquismo e socialismo (retirado de https://en.wikipedia.org/wiki/Knights_of_Labor).


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

EUA: Socialistas Democráticos despertam



Que é a DSA — ala do Partido Democrata que obteve vitórias eleitorais notáveis ontem, ao defender Saúde e Educação como Bens Comuns, tributação dos ricos e combate decisivo à desigualdade


Alexandria Ocasio-Cortez. Aos 29, ela foi eleita, em Nova York, a deputada mais jovem da história dos EUA. Integrante do DSA,  não aceitou contribuições de grandes empresas — mas compensou com muito ativismo






Por Ángel Bermúdez, na BBC  


Publicado 07/11/2018


Eles são um dos fenômenos políticos do momento nos Estados Unidos. Os socialistas democráticos (DSA, na sigla em inglês para Socialistas Democráticos da América) passaram de 5.000 membros para 52.000 entre 2015 e 2018. E continuam crescendo.

Eles alcançaram esse feito sendo associados a um rótulo com a pior imagem na história política dos EUA: o socialismo.

Paradoxalmente, muito do seu crescimento se deve ao atual presidente republicano, Donald Trump.

“Temos visto picos no aumento das filiações: aumentaram quando Trump ganhou a eleição, quando assumiu o cargo e, praticamente, toda vez que o governo tomou uma decisão muito opressiva ou incomodou muita gente nos últimos dois anos”, explica à BBC News Mundo Kristian Hernandez, copresidenta da DSA do norte do Texas.

Mas o socialismo democrático pregado pelo grupo não é a defesa de um Estado socialista. O que essa ala mais à esquerda do Partido Democrata propõe são medidas que regulem a economia americana de maneira democrática, fazendo, por exemplo, as grandes empresas agirem a favor dos interesses da população; eles também querem aumento real do salário mínimo e melhorar a igualdade social com o Estado oferecendo saúde e educação gratuitas.

Nas eleições legislativas de meio de mandato nesta terça, 6, os socialistas democráticos terão 64 candidatos, dos quais 5 tentarão uma cadeira no Congresso Federal, 1 disputará a vaga de governador e 25 concorrerão a cadeiras nos parlamentos estaduais.

Eles não foram nomeados, no entanto, sob a sigla DSA, mas como candidatos do Partido Democrata, em cujas eleições primárias participaram e triunfaram.

Algumas dessas vitórias causaram enorme surpresa.

É o caso, por exemplo, da latina Alexandria Ocasio-Cortez, uma “millenial” (como são chamados os que nasceram entre os anos 1980 e 1995) que conseguiu a candidatura por Nova York à Câmara de Representantes.

A jovem de 28 anos se impôs a Joe Crowley, que ocupa uma cadeira no parlamento desde 1999 e foi visto como um possível substituto de Nancy Pelosi como porta-voz dos democratas no Congresso.

Ocasio fez campanha sem aceitar contribuições de grandes empresas, com muito ativismo social e gastando menos de um quarto do orçamento de seu concorrente.

Se ela vencer as eleições, se tornará a mulher mais jovem a ocupar um assento na Câmara dos Representantes.

O fenômeno Sanders

A estratégia aplicada por Ocasio foi semelhante à do senador Bernie Sanders durante as primárias para a candidatura presidencial democrata em 2016.

Isso não aconteceu por acaso. Ocasio trabalhou como voluntária na campanha de Sanders, que sempre se apresentou como socialista democrático, embora nunca tenha pertencido formalmente à organização DSA.

“É impossível pensar que a DSA teria chegado aonde está hoje, se não fosse pela candidatura de Sanders para a nomeação presidencial”, diz à BBC News Mundo Daniel Schlozman, professor associado de ciência política da Universidade John Hopkins.

Muitas das propostas do senador democrata, como a ideia de oferecer um sistema universal de saúde (o Medicare for all, ou Medicare para todos) ou de estabelecer uma educação universitária gratuita, foram fundamentais para atrair a atenção de jovens à sua campanha – e em alguns casos para a DSA.

“O crescimento do apoio à DSA entre os ‘millennials’ é o outro lado da queda da popularidade do capitalismo”, diz Schlozman.

“Esta geração teve que passar por uma recessão muito severa causada por especulação, empréstimos bancários imprudentes e falta de regulamentação, o que causou um enorme crescimento das dívidas com educação universitária; e que a fez ver que seu padrão de vida não será automaticamente melhor do que o de seus pais; Portanto, havia uma abertura para algo que não é o capitalismo, já que este, em muitos casos, não os ajudou.”

Visão positiva do socialismo

Uma pesquisa do instituto Gallup divulgada em agosto indica que, em média, 37% dos americanos têm uma imagem favorável do socialismo, em comparação com 56% que têm uma visão mais positiva do capitalismo.

No entanto, o estudo mostra que essa percepção muda de acordo com a faixa etária.

Entre os entrevistados que têm entre 18 e 29 anos, 51% têm uma visão favorável do socialismo e 45% do capitalismo, que sofreu neste grupo uma queda de 12 pontos desde 2010.

Já a avaliação do socialismo é pior entre os mais velhos, que cresceram e viveram durante a Guerra Fria.

Entre os maiores de 65 anos, apenas 28% têm uma imagem positiva do socialismo.

Schlozman acredita que o que acontece no momento é mais a perda de atratividade da ordem estabelecida do que um claro apoio ao socialismo.

“Também deve ser notado que há muitas pessoas que votaram em Sanders, mas que não pertencem à DSA; são dois fenômenos separados, mas relacionados”, diz ele.

O que é a DSA

Embora tenha se tornado um fenômeno político, a organização DSA tem uma longa história.

“É parte de uma longa tradição socialista na vida americana, eles são descendentes do Partido Socialista dos Estados Unidos, criado no início do século 20”, diz Schlozman.

A DSA foi criada na década de 1980 como resultado da fusão de dois grupos de esquerda: o Comitê Organizador do Socialismo Democrático (que era o herdeiro do extinto Partido Socialista dos Estados Unidos) e o Novo Movimento Americano (uma aliança de intelectuais progressistas com ligações com os partidos esquerdistas clássicos).

Como se trata de uma organização política, seus candidatos geralmente não são nomeados sob suas próprias siglas.

“Há algumas exceções que são postuladas pelo Partido Verde ou diretamente como democratas socialistas, mas, em geral, reconhecemos que o sistema bipartidário está tão arraigado que é muito mais fácil vencer concorrendo pelo Partido Democrata”, ressalta Hernández.

“Eu acho que é uma ideia muito sábia para a DSA concorrer sob a legenda do Partido Democrata, que – por sua vez – recebe energia, ideias e talentos”, diz ela.

Já Schlozman aponta as dificuldades em classificar a DSA. “Eles não são um grupo de pressão tradicional, nem um partido político, mas uma espécie de movimento social de base, eles são um pouco de tudo”, acrescenta.

Saúde para todos e fim do capitalismo

Schlozman enfatiza que, do ponto de vista ideológico, a DSA é muito diversificada.

“Por um lado, há pessoas que defendem um estado de bem-estar liberal que forneça programas públicos universais e, na outra extremidade, tem quem deseje grandes mudanças na ordem social que não representam qualquer reforma, mas sim o fim do capitalismo”, diz ela.

O primeiro estaria mais confortável nas fileiras do Partido Democrata, enquanto o segundo, não.

Um elemento-chave para o crescimento acelerado da DSA tem sido a proposta de um sistema universal de saúde (o Medicare for all, em inglês), que se tornou popular durante a campanha de Bernie Sanders.

Hernandez ressalta que, no momento, essa é a principal questão da agenda nacional da DSA.

“Tem sido muito eficaz em mudar a forma como as pessoas falam sobre o sistema de saúde, como percebem que ele deve ser um direito humano e que não devemos escolher entre pagar o aluguel e comprar os remédios de que precisamos. E percebem que o sistema de saúde é feito para gerar lucro”, fala. “Nós usamos isso como uma plataforma para falar sobre outros problemas que as pessoas normalmente não veriam.”

Segundo ela, a questão da saúde pública tem atraído muita gente para a DSA, porque serve de exemplo das ideias que eles defendem.

“Antes da postulação de Sanders eu nunca tinha me considerado uma socialista”, diz a jovem de 19 anos, nascida nos Estados Unidos e filha de imigrantes mexicanos.

Mas, além dos programas públicos universais propostos, que podem ter uma grande aceitação entre grande parte do eleitorado americano, a DSA questiona o funcionamento do próprio e fala sobre questões como a luta de classes e o “poder da classe trabalhadora”.

“Para mim não há uma grande separação entre esses dois temas. Se você pensar, por exemplo, nas mudanças climáticas, você percebe que sua principal causa são as corporações. Quando você faz essa conexão, não demora muito para que perceba que o problema é o capitalismo. É esse enorme sistema que torna quase impossível conseguir as coisas que você precisa, habitação, água, saúde”, diz Hernandez.

“Muitos de nós somos a favor dos trabalhadores serem donos dos meios de produção. E defendemos a democracia em todos os aspectos da vida. Nós não somos a favor de dar mais poder ao Estado ou para criar um Estado de bem-estar que depende do Estado, porque isso não seria uma verdadeira democracia. Os trabalhadores devem ter interferência direta em seu trabalho e na forma como as coisas são tratadas. Eu acho que é mais parecido com o que estaria vivendo sob o socialismo”, acrescenta.

Schlozman, no entanto, considera essa nomenclatura inútil.

“Há uma grande lacuna entre a Dinamarca e a China de Mao. Chamar de socialismo a ambas não é muito útil. Obviamente, há uma grande disparidade dentro da DSA do que são políticas essencialmente reformistas daquilo que são políticas revolucionárias”, diz o professor de ciências políticas.

“O que não está claro quando você olha para as pesquisas é quanto apoio há para o reformismo e quem apoia a revolução. Eu não acho que muitas pessoas têm pensado sobre o que isso significa, sobre as diferenças e aonde elas querem chegar. Eu não vi nenhuma evidência de que há amplo apoio popular à propriedade social dos meios de produção.”