Que é a DSA — ala do Partido Democrata que obteve vitórias eleitorais notáveis ontem, ao defender Saúde e Educação como Bens Comuns, tributação dos ricos e combate decisivo à desigualdade
Alexandria Ocasio-Cortez. Aos 29, ela foi eleita, em Nova York, a deputada mais jovem da história dos EUA. Integrante do DSA, não aceitou contribuições de grandes empresas — mas compensou com muito ativismo
Por Ángel Bermúdez, na BBC
Publicado 07/11/2018
Eles são um dos fenômenos políticos do momento nos Estados Unidos. Os socialistas democráticos (DSA, na sigla em inglês para Socialistas Democráticos da América) passaram de 5.000 membros para 52.000 entre 2015 e 2018. E continuam crescendo.
Eles alcançaram esse feito sendo associados a um rótulo com a pior imagem na história política dos EUA: o socialismo.
Paradoxalmente, muito do seu crescimento se deve ao atual presidente republicano, Donald Trump.
“Temos visto picos no aumento das filiações: aumentaram quando Trump ganhou a eleição, quando assumiu o cargo e, praticamente, toda vez que o governo tomou uma decisão muito opressiva ou incomodou muita gente nos últimos dois anos”, explica à BBC News Mundo Kristian Hernandez, copresidenta da DSA do norte do Texas.
Mas o socialismo democrático pregado pelo grupo não é a defesa de um Estado socialista. O que essa ala mais à esquerda do Partido Democrata propõe são medidas que regulem a economia americana de maneira democrática, fazendo, por exemplo, as grandes empresas agirem a favor dos interesses da população; eles também querem aumento real do salário mínimo e melhorar a igualdade social com o Estado oferecendo saúde e educação gratuitas.
Nas eleições legislativas de meio de mandato nesta terça, 6, os socialistas democráticos terão 64 candidatos, dos quais 5 tentarão uma cadeira no Congresso Federal, 1 disputará a vaga de governador e 25 concorrerão a cadeiras nos parlamentos estaduais.
Eles não foram nomeados, no entanto, sob a sigla DSA, mas como candidatos do Partido Democrata, em cujas eleições primárias participaram e triunfaram.
Algumas dessas vitórias causaram enorme surpresa.
É o caso, por exemplo, da latina Alexandria Ocasio-Cortez, uma “millenial” (como são chamados os que nasceram entre os anos 1980 e 1995) que conseguiu a candidatura por Nova York à Câmara de Representantes.
A jovem de 28 anos se impôs a Joe Crowley, que ocupa uma cadeira no parlamento desde 1999 e foi visto como um possível substituto de Nancy Pelosi como porta-voz dos democratas no Congresso.
Ocasio fez campanha sem aceitar contribuições de grandes empresas, com muito ativismo social e gastando menos de um quarto do orçamento de seu concorrente.
Se ela vencer as eleições, se tornará a mulher mais jovem a ocupar um assento na Câmara dos Representantes.
O fenômeno Sanders
A estratégia aplicada por Ocasio foi semelhante à do senador Bernie Sanders durante as primárias para a candidatura presidencial democrata em 2016.
Isso não aconteceu por acaso. Ocasio trabalhou como voluntária na campanha de Sanders, que sempre se apresentou como socialista democrático, embora nunca tenha pertencido formalmente à organização DSA.
“É impossível pensar que a DSA teria chegado aonde está hoje, se não fosse pela candidatura de Sanders para a nomeação presidencial”, diz à BBC News Mundo Daniel Schlozman, professor associado de ciência política da Universidade John Hopkins.
Muitas das propostas do senador democrata, como a ideia de oferecer um sistema universal de saúde (o Medicare for all, ou Medicare para todos) ou de estabelecer uma educação universitária gratuita, foram fundamentais para atrair a atenção de jovens à sua campanha – e em alguns casos para a DSA.
“O crescimento do apoio à DSA entre os ‘millennials’ é o outro lado da queda da popularidade do capitalismo”, diz Schlozman.
“Esta geração teve que passar por uma recessão muito severa causada por especulação, empréstimos bancários imprudentes e falta de regulamentação, o que causou um enorme crescimento das dívidas com educação universitária; e que a fez ver que seu padrão de vida não será automaticamente melhor do que o de seus pais; Portanto, havia uma abertura para algo que não é o capitalismo, já que este, em muitos casos, não os ajudou.”
Visão positiva do socialismo
Uma pesquisa do instituto Gallup divulgada em agosto indica que, em média, 37% dos americanos têm uma imagem favorável do socialismo, em comparação com 56% que têm uma visão mais positiva do capitalismo.
No entanto, o estudo mostra que essa percepção muda de acordo com a faixa etária.
Entre os entrevistados que têm entre 18 e 29 anos, 51% têm uma visão favorável do socialismo e 45% do capitalismo, que sofreu neste grupo uma queda de 12 pontos desde 2010.
Já a avaliação do socialismo é pior entre os mais velhos, que cresceram e viveram durante a Guerra Fria.
Entre os maiores de 65 anos, apenas 28% têm uma imagem positiva do socialismo.
Schlozman acredita que o que acontece no momento é mais a perda de atratividade da ordem estabelecida do que um claro apoio ao socialismo.
“Também deve ser notado que há muitas pessoas que votaram em Sanders, mas que não pertencem à DSA; são dois fenômenos separados, mas relacionados”, diz ele.
O que é a DSA
Embora tenha se tornado um fenômeno político, a organização DSA tem uma longa história.
“É parte de uma longa tradição socialista na vida americana, eles são descendentes do Partido Socialista dos Estados Unidos, criado no início do século 20”, diz Schlozman.
A DSA foi criada na década de 1980 como resultado da fusão de dois grupos de esquerda: o Comitê Organizador do Socialismo Democrático (que era o herdeiro do extinto Partido Socialista dos Estados Unidos) e o Novo Movimento Americano (uma aliança de intelectuais progressistas com ligações com os partidos esquerdistas clássicos).
Como se trata de uma organização política, seus candidatos geralmente não são nomeados sob suas próprias siglas.
“Há algumas exceções que são postuladas pelo Partido Verde ou diretamente como democratas socialistas, mas, em geral, reconhecemos que o sistema bipartidário está tão arraigado que é muito mais fácil vencer concorrendo pelo Partido Democrata”, ressalta Hernández.
“Eu acho que é uma ideia muito sábia para a DSA concorrer sob a legenda do Partido Democrata, que – por sua vez – recebe energia, ideias e talentos”, diz ela.
Já Schlozman aponta as dificuldades em classificar a DSA. “Eles não são um grupo de pressão tradicional, nem um partido político, mas uma espécie de movimento social de base, eles são um pouco de tudo”, acrescenta.
Saúde para todos e fim do capitalismo
Schlozman enfatiza que, do ponto de vista ideológico, a DSA é muito diversificada.
“Por um lado, há pessoas que defendem um estado de bem-estar liberal que forneça programas públicos universais e, na outra extremidade, tem quem deseje grandes mudanças na ordem social que não representam qualquer reforma, mas sim o fim do capitalismo”, diz ela.
O primeiro estaria mais confortável nas fileiras do Partido Democrata, enquanto o segundo, não.
Um elemento-chave para o crescimento acelerado da DSA tem sido a proposta de um sistema universal de saúde (o Medicare for all, em inglês), que se tornou popular durante a campanha de Bernie Sanders.
Hernandez ressalta que, no momento, essa é a principal questão da agenda nacional da DSA.
“Tem sido muito eficaz em mudar a forma como as pessoas falam sobre o sistema de saúde, como percebem que ele deve ser um direito humano e que não devemos escolher entre pagar o aluguel e comprar os remédios de que precisamos. E percebem que o sistema de saúde é feito para gerar lucro”, fala. “Nós usamos isso como uma plataforma para falar sobre outros problemas que as pessoas normalmente não veriam.”
Segundo ela, a questão da saúde pública tem atraído muita gente para a DSA, porque serve de exemplo das ideias que eles defendem.
“Antes da postulação de Sanders eu nunca tinha me considerado uma socialista”, diz a jovem de 19 anos, nascida nos Estados Unidos e filha de imigrantes mexicanos.
Mas, além dos programas públicos universais propostos, que podem ter uma grande aceitação entre grande parte do eleitorado americano, a DSA questiona o funcionamento do próprio e fala sobre questões como a luta de classes e o “poder da classe trabalhadora”.
“Para mim não há uma grande separação entre esses dois temas. Se você pensar, por exemplo, nas mudanças climáticas, você percebe que sua principal causa são as corporações. Quando você faz essa conexão, não demora muito para que perceba que o problema é o capitalismo. É esse enorme sistema que torna quase impossível conseguir as coisas que você precisa, habitação, água, saúde”, diz Hernandez.
“Muitos de nós somos a favor dos trabalhadores serem donos dos meios de produção. E defendemos a democracia em todos os aspectos da vida. Nós não somos a favor de dar mais poder ao Estado ou para criar um Estado de bem-estar que depende do Estado, porque isso não seria uma verdadeira democracia. Os trabalhadores devem ter interferência direta em seu trabalho e na forma como as coisas são tratadas. Eu acho que é mais parecido com o que estaria vivendo sob o socialismo”, acrescenta.
Schlozman, no entanto, considera essa nomenclatura inútil.
“Há uma grande lacuna entre a Dinamarca e a China de Mao. Chamar de socialismo a ambas não é muito útil. Obviamente, há uma grande disparidade dentro da DSA do que são políticas essencialmente reformistas daquilo que são políticas revolucionárias”, diz o professor de ciências políticas.
“O que não está claro quando você olha para as pesquisas é quanto apoio há para o reformismo e quem apoia a revolução. Eu não acho que muitas pessoas têm pensado sobre o que isso significa, sobre as diferenças e aonde elas querem chegar. Eu não vi nenhuma evidência de que há amplo apoio popular à propriedade social dos meios de produção.”
FONTE: Outras Palavras
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