terça-feira, 16 de abril de 2019

A guerra simbólica contra o socialismo


Com a série Dallas, o capitalismo perseguia mostrar-se atraente.
Fotograma da série Dallas. Photo: Granma 


Por: Raúl Antonio Capote | informacion@granmai.cu


TERMINADA a Segunda Guerra Mundial com a criação da frente ideológica para dominar o mundo, Allen W. Dulles, diretor da CIA de 1953 a 1961, concebeu a cultura como cenário de uma guerra de longo prazo no destruído Velho Continente do pós-guerra.

Padronizar e disseminar por toda a Europa a cultura e o jeito de viver dos norte-americanos e desfazer a simpatia pelo ideal socialista foram as primeiras tarefas da CIA. Construir um consenso sobre as vantagens do «sonho americano» na Europa e derrotar o socialismo no campo das ideias seria a prioridade dos serviços especiais estadunidenses.

«Temos que conseguir», dizia James Jesus Angleton, chefe de contrainteligência da CIA entre 1954 e 1975, «que a maioria dos jovens na Europa do Leste sonhem com as cozinhas norte-americanas, os carros, os arranha-céus, os enlatados, a música pop, Mickey Mouse, as meias de nylon, os cigarros, as máquinas de lavar roupa, os supermercados, a Coca-Cola, o uísque, as jaquetas de couro e os cosméticos».

O «Americam way of life» rapidamente seduziu os europeus, com base no consumo individual de mercadorias (carros, telefones, eletrodomésticos), impulsionado pela publicidade e apoiado por um crédito fácil e as vendas parceladas.

Os shows de massas, o interesse pela moda, as novas tendências musicais (jazz, charleston, blues) tornaram-se objetos de consumo e alimentaram toda uma indústria que até então não tinha sido significativa.

A opulenta América foi vendida ao mundo como o paradigma das liberdades, das possibilidades de enriquecimento e bem-estar. Os valores que foram promovidos foram os do sucesso, iniciativa e esforço individual.

Os EUA se projetaram através da mídia (cinema, publicidade, etc.) como a meca sonhada para aqueles que estavam em busca da fortuna.

OPERAÇÃO IDEOLÓGICA DA CIA

O Congresso pela Liberdade da Cultura (CLC) foi o instrumento central da operação ideológica da CIA. O Congresso foi instituído como uma organização baseada em Paris com o apoio dos serviços de inteligência franceses e britânicos.

A CLC teve escritórios em 35 países, pessoal contratado permanentemente, liderou o seu próprio serviço de notícias, organizou eventos internacionais e conferências de alto nível, com a participação de intelectuais de grande prestígio.

A possibilidade de sucesso ofuscou qualquer outra consideração. A vaidade que todo criador carrega em si mesmo foi sabiamente explorada pelos especialistas da CIA.

Muitas das mentes mais brilhantes do Velho Mundo colocaram-se a serviço dos Estados Unidos. A cruzada cultural foi financiada principalmente com quantias secretas do Plano Marshall; o dinheiro correu em abundância.

Os melhores museus dos Estados Unidos e da Europa, as grandes editoras, as orquestras sinfônicas do Ocidente, revistas, estúdios de cinema e televisão, estações de rádio foram colocadas em função da cruzada. A CIA funcionava como um grande Ministério da Cultura, com toda a indústria cultural do Ocidente a seu serviço.

A Agência amargou e usou a intelectualidade europeia por mais de duas décadas. Alguns com pleno conhecimento da causa, outros atraídos pelas enormes possibilidades que o CLC proporcionava; alguns por alinhamento ideológico e muitos confusos com a retórica libertária de seus patrocinadores e porta-vozes.

Versões cinematográficas dos livros de George Orwell foram feitas e reproduzidos O Retorno da URSS: O zero e o infinito, de André Gide, e o Livro Branco da Revolução Húngara, de Melvin Lasky, entre muitos outros.

A CIA aplicou o princípio de influenciar diretamente, principalmente nos setores da cultura americana, para envolvê-los em seus projetos e eventos de propaganda anticomunista, estimulando a decepção pela política cultural no bloco socialista, explorando no máximo os seus erros e desvios.

Para o efeito, fundaram ou promoveram redes de instituições fachadas para suas operações, apoiaram congressos internacionais, criaram prêmios e concursos literários e custearam a carreira ou compraram jornalistas, mídia e intelectuais, embora alguns deles não soubessem que estavam sendo usados.

Ao contrário da espionagem, em que o ator está ciente de para quem trabalha, na guerra cultural um intelectual, um artista, pode chegar a refletir em suas obras opiniões de impacto social favorável a interesses políticos, sem saber que é objeto de formas de influência diferentes. Trabalha-se no artista em seus valores e fraquezas, estudam-se suas características psicológicas para poder manipulá-lo adequadamente, com um determinado fim.

Essa estratégia foi aperfeiçoada ao longo do tempo por meio de equipes multidisciplinares que abrangem todas as manifestações artísticas: cinema, música, artes plásticas, dança, literatura, teatro, etc. A experiência se estendeu ao longo do tempo.

Quando à CIA convinha o trabalho de um certo autor ou artista consciente ou inconscientemente a seu serviço, todo o grande aparelho criado por eles para a cruzada cultural era posto em ação. Se fosse um livro, este era publicado em uma grande editora e imediatamente promovido em grande escala.

Para outros artistas, ou para as pessoas que estivessem por trás do sucesso, o sinal era claro: imitar o vencedor era a chave, e a estratégia, na verdade, dirigiu-se fortemente para a URSS e o bloco socialista em geral. Um exemplo óbvio foi o Prémio Nobel da Literatura atribuído a Alexander Isayevich Solzhenitsyn, além do mérito literário, foi a crítica ao sistema e outros fatores extraliterários o que chamou a atenção do Ocidente e da CIA e levou à promoção deliberada do autor. Escrever como Solzhenitsyn se tornou um caminho seguro para o sucesso. O mecanismo funcionava também na direção oposta: aos «não corretos», aos críticos «intransigentes» do capitalismo, o silêncio os aguardava.

LUTA CULTURAL CONTRA O SOCIALISMO

Uma das primeiras séries de televisão criadas com um alvo direto de guerra cultural foi Music in the Twenties (Música nos anos 20), de acordo com a CIA esta série devia ser epítome do sonho americano para reduzir os sentimentos anti-estadunidenses nas décadas de 1960 e 1970 na Europa.

A série Dallas, na década de 1980, é outro bom exemplo. No artigo How Dallas won the Cold War (Como Dallas ganhou a Guerra Fria) publicado por Nick Gillespie e Matt Welch, da Razón Magazine, os autores afirmam: «Esta caricatura da livre iniciativa e do estilo de vida dos executivos norte-americanos demonstrou ser irresistível…; não foi mais uma série de televisão, mas uma força cultural que mudava uma atmosfera, que ajudava a definir a década de 1980, de ambições, na qual o capitalismo, apesar de seus fracassos morais, parecia ser um sistema atraente».

O programa teve sua estreia em 2 de abril de 1978 como uma minissérie na rede CBS. Os produtores inicialmente não tinham planos de expansão, no entanto, devido à sua popularidade, o show mais tarde se tornou uma série regular que durou 14 temporadas, de 23 de setembro de 1978 a 3 de maio de 1991.

A popularidade da minissérie inicial em países como Polônia, RDA e Tchecoslováquia teve muito a ver com o aumento do orçamento para os cineastas. A CIA canalizou milhões de dólares para financiar a série Dallas.

A guerra cultural não deixa espaços vagos: durante a abertura em Moscou da American National Exhibition, em 24 de julho de 1959, liderada por Nikita Khrushchev e Richard Nixon, houve um debate sobre os supostos benefícios do capitalismo e sua suposta superioridade.

O chamado debate de cozinha ocorreu no meio de uma cozinha de uma casa pré-fabricada construída expressamente para a ocasião pela All State Properties, para mostrar aos soviéticos «a casa que todo americano pode ter».

Dentro da cozinha ideal uma modelo loira, esbelta, sorridente, trabalhava diligente diante da visão dos observadores, manipulando habilmente toda a última geração de equipamentos eletrônicos. O efeito dessa encenação foi devastador.

A rádio desempenhou um papel importante na luta cultural contra o socialismo leste-europeu. A Radio Liberdade transmitia da praia de Pals, em Girona, na Catalunha, para a União Soviética e outros países do bloco socialista.

A primeira transmissão ocorreu em 23 de março de 1959, sob o nome de Radio Libertation do American Committeee for the Liberation of the Peoples of Russia (Comitê Norte-Americano para a Libertação dos Povos da Rússia). Por muitos anos e até seu fechamento, foi a estação mais poderosa do mundo.

Estações semelhantes foram espalhadas por todo o mundo. Em Portugal havia duas, na Alemanha três, assim como outras na Grécia, Marrocos e muitas mais.

Todas eram de ondas curtas e direcionaram as emissões para a URSS. Nenhuma mostrava o poder da primeira, mas tinham objetivos semelhantes.

Na batalha simbólica entre os dois sistemas que caracterizaram as décadas de 1960, 1970 e 1980, uma visão idealizada da vida cultural no capitalismo foi marcando a imaginação de muitos, especialmente dos jovens.


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