O combate teórico de Rosa Luxemburgo com o reformismo mantém plena vigência cem anos depois.
Por Josefina L. Martínez
Foto: Rosa Luxemburgo. Ficha antropométrica da prisão de Varsóvia.
Tradução: Lara Zaramella
“Quando Bernstein propõe transformar o mar da amargura capitalista em um mar de doçura, derramando progressivamente em si garrafas de limonada social-reformista, nos apresenta uma ideia insípida, além de fantástica”.
Rosa Luxemburgo desenvolveu um trabalho teórico criativo e inovador marcado pela centralidade da luta pela revolução. Foi parte de uma geração de marxistas, junto com Lenin e Trotski, que viveu a ascensão do imperialismo e o começo de uma época histórica em que a revolução operária e socialista se transformou em uma realidade. Nesse período se produziu também a traição histórica da Social-democracia, que em 1914 apoiou a sua própria burguesia na guerra imperialista. Como revolucionária, Rosa Luxemburgo afrontou desafios complexos e apaixonantes.
Neste artigo, abordamos um de seus primeiros e grandes combates teóricos, a luta contra o revisionismo de Eduard Bernstein, que substituía a estratégia da revolução social pela democratização do capitalismo. Em outros textos, analisaremos como esta primeira batalha teórica continuou com a chegada da guerra imperialista e da Revolução na Rússia.
A época imperialista e a social-democracia
Depois de ter ganhado um lugar destacado como dirigente do socialismo polonês, Rosa chega na Alemanha em 1898 para se integrar à vida política do SPD, o maior partido e coração da Segunda Internacional. Não passou muito tempo até que se apresentasse a ocasião de desenvolver suas armas teóricas em uma polêmica com a teoria revisionista de Eduard Bernstein. Este foi o começo de uma batalha permanente com as tendências oportunistas que se desenvolvessem no seio da social-democracia.
Durante o último terço do século XIX, o capitalismo mundial atravessou uma transformação que permitiu uma forte recuperação da economia depois da crise de 1873. Diante do crescimento dos monopólios, a exportação de capitais e uma ofensiva dos países mais ricos para controlar as colônias e os mercados mundiais, o capitalismo ingressa em sua fase imperialista, uma época de “guerras, crises e revoluções”. No marco da prosperidade econômica e da exploração colonial, a burguesia dos países imperialistas pôde fazer concessões parciais à classe trabalhadora, especialmente a um setor da “aristocracia operária”.
Neste contexto, o Partido Social-democrata Alemão (SPD) teve um impressionante crescimento, que se multiplicou depois da anulação das leis antissocialistas de Bismarck em 1890, ganhando muito peso nos sindicatos e no Parlamento. Nesse mesmo ano, o partido obteve 1.400.000 votos e 35 deputados no Reichstag, enquanto publicava dezenas de diários e semanários. Em 1905, chegou a alcançar 400.000 filiados e em 1912 se converteu na primeira força parlamentar com 110 deputados. Contava com associações operárias, agrupações culturais e de mulheres.
Este importante desenvolvimento, no marco de uma situação sem grandes comoções econômicas nem grandes acontecimentos da luta de classes desde a derrota da Comuna de Paris, levou grande parte da direção social-democrata a se adaptar à “rotina da tática”, parlamentar e sindical, emergindo em seu seio uma tendência oportunista encabeçada pelos líderes sindicais, integrantes do bloco parlamentar e intelectuais.
Pierre Broué aponta que, nos primeiros anos do século XX, o aparato da social-democracia alemã se construiu sob o espírito “da eficácia eleitoral e do aumento do número de votos e representantes, durante um período de relativa calma social e de refluxo operário, com a preocupação de evitar que os conflitos internos influíssem no impacto eleitoral do partido e que a fraseologia revolucionária de sua ala radical ou as reivindicações dos operários menos favorecidos assustassem o eleitorado, supostamente moderado, da pequena burguesia democrática e das camadas operárias mais conservadoras. O revisionismo de Bernstein e o reformismo dos dirigentes sindicalistas tinham afundado suas raízes em uma conjuntura econômica que nutria uma ideologia otimista de progresso contínuo e pacífico”.
As tendências oportunistas tiveram sua expressão teórica anteriormente na obra de Eduard Bernstein, que efetuou uma revisão completa do marxismo. Segundo ele, o capitalismo tinha conseguido superar as crises gerais que Marx tinha analisado como premissa da mudança revolucionária. A luta pelo socialismo já não passava pela revolução nem pela luta de classes, e sim avançaria de forma pacífica e gradual com a ampliação da democracia parlamentar, a influência da social-democracia nos sindicatos e as cooperativas operárias. O movimento pela conquista de reformas se convertia em um fim em si mesmo: “O objetivo final, qualquer que seja, não significa nada, o movimento é tudo”.
No seio do SPD se produziu um grande “debate Bernstein", em que interviram numerosos intelectuais socialistas, mas a refutação mais sistemática foi feita por Rosa Luxemburgo em sua obra Reforma ou Revolução (publicada primeiro como artigos e depois compilada sob esse título). A posição de Bernstein ainda era minoritária no SPD, mas como parte da ala à esquerda, Rosa advertia sobre a falta de firmeza do “centro" do partido para combater o revisionismo.
Reforma ou Revolução
Rosa impugnou as principais afirmações de Bernstein, demonstrando que o capitalismo não tinha superado sua tendência à crise. O desenvolvimento dos monopólios e o sistema de créditos não diminuíam as contradições do sistema, e sim as agravavam. Para Luxemburgo, portanto, as premissas objetivas do socialismo seguiam sendo válidas. O socialismo não era uma aspiração moral, um desejo baseado em fundamentos idealistas, como para o neokantismo bersteniano, e sim uma possibilidade concreta e real baseada na análise das contradições do capitalismo moderno.
“O fundamento científico do socialismo reside, como se sabe, nos três resultados principais do desenvolvimento capitalista. Primeiro, a anarquia crescente da economia capitalista, que conduz inevitavelmente à sua ruína. Segundo, a socialização progressiva do processo de produção, que cria os germens da futura ordem social. E terceiro, a crescente organização e consciência da classe proletária, que constitui o fator ativo na revolução que se aproxima” (Reforma ou Revolução).
A contradição entre a socialização crescente da produção sob o capitalismo (e a maior intervenção do Estado nessa esfera), por um lado, e a concentração da propriedade privada, por outro, seguia sendo uma premissa objetiva para o socialismo. A organização revolucionária da classe trabalhadora, sua pré-condição subjetiva.
As posições diferiam também em relação ao papel do Estado e da democracia parlamentar. Enquanto que para Bernstein o Estado podia cumprir um papel progressivo na conquista do socialismo (pela via da ampliação da democracia burguesa), para Rosa Luxemburgo o Estado se tornava “cada vez mais capitalista" e uma barreira insuperável para a teoria da mudança gradual.
“As relações de produção da sociedade capitalista se aproximam cada vez mais das relações de produção da sociedade socialista. Mas, por outro lado, suas relações jurídicas e políticas levantaram entre as sociedades capitalista e socialista um muro cada vez mais alto. O muro não é derrubado, e sim fortalecido e consolidado pelo desenvolvimento das reformas sociais e do processo democrático. Somente as marteladas da revolução, ou seja, a conquista do poder político pelo proletariado, pode derrubar esse muro".
Luxemburgo sustentava que o partido revolucionário dava importância à luta parlamentar e sindical, mas discrepava por completo com o revisionismo sobre os propósitos da mesma. Para os revolucionários estas lutas parciais tinham o objetivo de “preparar" a classe trabalhadora para a luta revolucionária e fortalecer a consciência dos trabalhadores sobre a impossibilidade de obter uma mudança social profunda sem lutar pelo poder político. Para os reformistas, essas lutas supostamente “reduzem gradualmente a própria exploração capitalista. Tiram o caráter capitalista da sociedade capitalista. Realizam objetivamente a mudança social desejada”.
No pensamento dialético de Rosa Luxemburgo, reforma e revolução não eram duas alternativas lógicas que se podiam escolher segundo as preferências de cada um, tampouco duas estratégias que diferiam pela “duração” ou “velocidade" da mudança histórica que promoviam. A luta revolucionária, como estratégia, incluía o momento da luta parcial por reformas, mas a estratégia da reforma social era um obstáculo na luta por uma nova sociedade.
“Vai contra o processo histórico apresentar a obra reformista como uma revolução prolongada, a longo prazo, e a revolução como uma série condensada de reformas. A transformação social e a reforma legislativa não diferem por sua duração, e sim por seu conteúdo”.
Por isso, aqueles que se pronunciavam “a favor do método da reforma legislativa no lugar da conquista do poder político e da revolução social em oposição a estas, na realidade não optam por uma via mais tranquila, calma e lenta em direção ao mesmo objetivo, e sim por um objetivo diferente. No lugar de tomar partido pela instauração de uma nova sociedade, o fazem pela modificação superficial da velha sociedade”. Por sua vez, Luxemburgo colocava que “já que as reformas sociais não podem oferecer mais que promessas carentes de conteúdo, a consequência lógica de semelhante programa será necessariamente a desilusão".
Luxemburgo mostrava o absurdo das posições de Bernstein, que considerava que o “galinheiro do parlamentarismo" era o órgão pelo qual se podia levar adiante a imensa tarefa histórica de terminar com o capitalismo e construir o socialismo. Como se a burguesia pudesse ser convencida pelas “boas intenções” dos social-democratas de anular seus próprios privilégios e abdicar do posto de classe dominante sem dar luta nenhuma. Rosa também questionava a liquidação do sujeito revolucionário na teoria de Bernstein, que substituía a classe trabalhadora por cidadãos. Uma dissolução dos antagonismos de classe em um sujeito abstrato (o cidadão) que era funcional à aceitação do status quo capitalista.
“Quando utiliza a palavra ‘cidadão’ sem distinções para se referir tanto ao burguês como ao proletário, querendo, com isso, se referir ao homem em geral, identifica o homem em geral com o burguês, e a sociedade humana como a sociedade burguesa”.
Finalmente, Luxemburgo apontava que Bernstein recaía em teorias pré-marxistas, que declaravam uma transformação gradual e pacífica da sociedade capitalista elaboradas em um momento em que a classe operária recém começava a dar seus primeiros passos. Seguir sustentando essas ideias no começo do século XX não significava retornar “às botas de sete léguas da infância do proletariado, e sim às débeis e gastadas pantufas da burguesia”.
Nos últimos trechos de Reforma ou Revolução, Luxemburgo defendia o materialismo histórico contra o vulgar evolucionismo do progresso de Bernstein, que se recluía no idealismo liberal, atacando a dialética. Como apontava Lelio Basso, na polêmica de Rosa Luxemburgo com Bernstein se encontra uma “lição de método” dialético em combate a uma posição mecânica e empirista.
“Por fim, ao direcionar suas flechas mais afiadas contra a dialética, o que ele faz, além de lutar contra a forma específica de pensamento do proletariado ascendente, dotado de consciência de classe? Lutar contra a espada que ajudou o proletariado a atravessar a escuridão de seu futuro histórico, lutar contra a arma intelectual com a qual, materialmente ainda submetido, derrotou a burguesia, por tê-lo persuadido da efemeridade desta, comprovou-lhe a inevitabilidade de sua vitória, levou a cabo a revolução no reino do espírito!”
A luta teórica de Rosa Luxemburgo contra o revisionismo preparou as batalhas que ela encarou nos anos seguintes frente ao crescente oportunismo da direção social-democrata. Sua ruptura política e pessoal com Kautsky em 1909-1910 no debate sobre a greve política de massas, constituiu um antecedente da grande batalha contra a traição social-democrata a partir de agosto de 1914.
Mais de cem anos depois que Rosa Luxemburgo escreveu Reforma ou Revolução, novas correntes reformistas voltam a defender as ideias utópicas e reacionárias da humanização do capitalismo e da “ampliação da democracia” liberal, como se não tivesse passado todo um século de história de lutas da classe operária contra o capitalismo. Estes neo-reformistas do presente parecem não ter aprendido nada de história: como cópias light do bernstenianismo, também diluem a classe trabalhadora na ideia abstrata dos cidadãos e pretendem limitar a luta social ao “galinheiro do parlamentarismo". Seus discursos estão cheios de “boas intenções”, mas a realidade demonstra que só podem gerir a miséria do capitalismo. O legado de Rosa Luxemburgo tem plena atualidade para colocar novamente o debate entre a estratégia da reforma e a da revolução.
FONTE: Esquerda Diário
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