domingo, 21 de junho de 2020

Socialismo. O que deu errado?


Por Aluizio Moreira


Segundo o historiador José Honório Rodrigues em História e Historiadores do Brasil, “A História não é dos mortos, mas dos vivos”. Os estudos dos acontecimentos vivenciados pelas sociedades em algum momento e lugar do passado, permitem nos situarmos no presente e nos orientarmos na construção do futuro.



Aqueles que na década de 60 do século passado, militávamos em organizações comunistas e tínhamos como modelo de sociedade comunista, a Rússia soviética e os países do Leste Europeu, e jamais poderíamos imaginar que iríamos presenciar com incredulidade, a queda do muro de Berlim em 1989. a reunificação da Alemanha incorporando a Alemanha Oriental em 1990, e a desagregação da URSS em 1991. Era como se a sociedade pela qual lutávamos, de repente desabasse sobre nossas cabeças.

Alguns companheiros desiludiram-se com uma hipotética instauração de sociedades comunistas e passaram a admitir que a busca da construção de uma alternativa à sociedade capitalista, era coisa do passado e uma pergunta ficou, ainda fica no ar “O que deu errado?”

A busca de interpretações que possam contribuir para a compreensão do colapso da “socialismo real”, é fundamental, que a partir dessas experiências, possamos, na feliz argumentação de Ricardo Antunes,  ”recuperar as possibilidades históricas para o socialismo do século XXI".          
                                                    
Para Robério, logo no inicio de sua obra acima referida, admite que 

"O movimento comunista se apresentou à humanidade prometendo não apenas solucionar os problemas básicos de sobrevivência material cotidiana dos povos, mas também um mundo no qual toda a exploração e opressão existentes nas sociedades divididas em classe, seriam banidas." (p. 35)
Dentre as contribuições que têm procurado esclarecer a experiência da URSS e demais países do chamado “bloco soviético”, sem sombra de dúvidas, não podemos desconhecer a obra de Robério Paulino “Socialismo no século XX: o que deu errado?” produto de sua tese de doutorado defendida no Departamento de História da Universidade de São Paulo.

Sua análise é decorrente de abordagens estruturais que remontam aos momentos iniciais da instauração do socialismo na Rússia em 1917, sua consolidação como sistema, sua recuperação dos “efeitos destrutivos” provocados pela Segunda Guerra Mundial, as contradições e alternativas econômicas e políticas diante de um modelo que caminhava para a estagnação, as reformas econômicas e políticas da era Gorbatchev (Perestroika e Glasnost) e sua paulatina desintegração nos fins do século XX.


O importante é que estão presentes em toda sua obra, discussões acerca de questões fundamentais que fizeram e ainda fazem parte de abordagens de clássicos do socialismo e do comunismo como Marx, Engels, Lenin, Trotsky:  a base material anteriormente acumulada no capitalismo como requisito para revolução; o caráter internacional da Revolução Socialista; o exercício do poder pelas Comunas e Conselhos (sovietes); o desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção no pós-capitalismo;  a abolição da propriedade privada  e do Estado.

Para o Autor, abandonou-se um dos princípios básicos do marxismo. Ao invés do desaparecimento progressivo do Estado, e do exercício do poder pelos sovietes e classe operaria,  o poder centralizou-se sob o controle bolchevique do Partido, que se estenderia por toda a história da sociedade soviética.  

No que se refere à Rússia após outubro de 1917, destaca o isolamento do país, o enfrentamento de uma guerra civil e uma politica intervencionista de países capitalistas que chegaram a desembarcar em território russo. Priorizou--se uma politica de defesa diante das ameaças constantes de novas investidas estrangeiras, alimentada por uma economia que destinaria grande parte dos investimentos á industria pesada em detrimento de uma politica econômica voltada para o consumo do cidadão. As tentativas de reverter esse quadro econômico, estão presentes na implantação da NEP (1921-1928) e posteriormente na instituição dos Planos Quinquenais em 1929, na época de Stalin, mas que vigoram até 1985.

Com o falecimento de Stalin em 1953, novas tentativas de reformas econômicas e politicas  foram adotadas por Nikita Kruchev. Com sua destituição em 1964, abre-se espaço para a ascensão e Gorbatchev em 1985, que procurou dar continuidade a uma politica de reformas econômicas (Perestroika)  e politicas (Glasnost).

O próprio Gorbatchev estava ciente da estagnação da economia pela qual passava a Rússia soviética, pois em 1985 já denunciava o "atraso tecnológico, desperdício crescente de matérias-primas e energia,  baixa qualidade de muitos produtos industriais" [...] (MANDEL, 1989 apud PAULINO, 2008,  p. 169). Em 1991 a URSS deixava de existir.

Segundo Paulino (2008, p. 295), 


[...] "ao tentar reformar o enferrujado sistema de planejamento e gestão estatal, introduzindo mecanismos de mercado, terminou por desarticulá-lo completamente, gerando queda na produção, , inflação, caos e escassez, reduzindo, consequentemente, o apoio inicial às reformas." 
Diante desse quadro, de verdadeiro impasse nos caminhos para a solução dos problemas econômicos que vinha se prolongando, a centralização politica exercida pelo Estado e pelo Partido, cria as condições objetivas para inconformismo e mobilizações das populações. 

"A raiz do colapso da economia soviética não foi o Estado por ele mesmo [grifo do Autor], mas sim a forma como ele funcionava ali", [...]. Em relação à presença do Estado, em contraponto à ideologia neoliberal, este [...] "pode ser uma alavanca fenomenal para a aceleração do desenvolvimento econômico e humano de um pais." (p. 300).  

Aqui, o Autor  abre espaço para uma rediscussão da presença do Estado e consequentemente, pela sua supressão, passando o exercício do poder a ser desempenhado pelos conselhos, pela classe operária, pelo povo autogestionário. Mas não é só isso. As discussões que permitam a viabilidade do surgimento de uma sociedade pós-capitalista, passam pelo debate acerca das relações de produção, da manutenção ou não dos "mecanismos do  mercado", da planificação da economia,  da instauração da democracia socialista.

No final, o autor apresenta as  “Considerações para o Socialismo do Século XXI”, baseadas na experiência da União Soviética, sem "que esse refluxo do socialismo seja definitivo e que o capitalismo" na visão dos neoliberais "seja o último degrau da evolução da sociedade humana."


Robério Paulino é formado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, FEA - USP (2000), e Ph.D. (2006) doutor em História Econômica da mesma universidade. Atualmente, é Professor Associado II, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, no Departamento de Políticas Públicas - DPP, no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA


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