Por DANIEL
AARÃO REIS*
Ditadura
revolucionária e construção do consenso
Revolução nacional, democracia e ditadura: a construção do consenso
(1959-1970)
“Jamais
poderemos nos tornar ditadores…Quanto a mim, sou um homem que sabe quando é
preciso ir embora” – “Dentro da revolução, tudo; contra a revolução, nada”
(Fidel Castro).
Quando a revolução
cubana triunfou, nos primeiros dias de 1959, a euforia, como nos dias das
grandes vitórias que todos imaginam compartilhar, tomou conta da sociedade.
Uma ampla e
heterogêna frente constituíra-se contra a ditadura sanguinária e corrupta de
Fulgêncio Batista.[i] . Dela
participavam, sob a liderança do Movimento Revolucionário 26 de Julho/MR-26, e
da pessoa de Fidel Castro, afirmadas sobretudo a partir de 1957, os estudantes
da Universidade de La Habana, agrupados majoritariamente em torno do Directorio
Revolucionário dos Estudantes/DRE e da Federação dos Estudantes
Universitários/FEU,os liberais de Prio Socarrás[ii], os remanescentes
filiados ao Partido Ortodoxo[iii], democratas de todos
os bordos, os comunistas do Partido Socialista Popular/PSP e mesmo quadros
civis e oficiais das forças armadas vinculados ao regime, mas insatisfeitos com
os desmandos da ditadura[iv]. No final, desde
1958, até nos EUA, entre as correntes liberais[v] se fortalecera
um movimento de apoio à revolução, o que, de certo, terá contribuído para a
suspensão da ajuda militar a Batista, decretada pelo governo dos EUA em meados
daquele ano[vi].
A unanimidade dos
processos históricos que eliminam inimigos poderosos, comuns, parecendo diluir
as diferenças sociais, políticas e culturais. Não fora obra do acaso, mas
tecitura difícil e hábil, capaz de articular interesses disparatados em torno
de determinados objetivos programáticos comuns[vii].
Quais era eles?
A reafirmação da
independência nacional, revogada na prática pelas opções e práticas da ditadura
de Batista que havia escancarado as portas do país aos interesses comerciais e
financeiros estadonidenses. E mais, o que ofendia os brios cubanos,
transformado o país num imenso puteiro, aberto a turistas
estrangeiros e a todos os tráficos de drogas que possam ser imaginados. Certo,
e desde maio de 1934, havia sido revogada a infame Emenda Platt, incluída na
Constituição de 1902, garantindo o direito de intervenção estadonidense, sempre
e quando os interesses e a vida de seus cidadãos fossem considerados
ameaçados…pelos governos dos EUA.
Entretanto, mesmo no
quadro da política de boa vizinhança, de F. Roosevelt, e ainda depois,
aprofundara-se a dependência econômica de Cuba, evidenciada, entre outros
fatores, pela venda, quase exclusiva, de seu grande produto de exportação, o
açúcar, a preços preferenciais, ao mercado americano, e pela compra de terras e
bens industriais e imobiliários pelos capitais da mesma origem. Daí porque se
tornara notória a importância da figura do embaixador dos EUA em La Habana,
chave crucial para toda a sorte de articulações e projetos políticos.
Não se tratava apenas
de conseguir a emancipação econômica, mas de recuperar a dignidade, a cubanidad, o orgulho de
pertencer a uma sociedade livre para escolher seus destinos. Neste sentido, a
gesta épica das lutas pela independência (1868-1878 e 1895-1898), as figuras
históricas envolvidas nelas, em particular, a de José Martí, o Apóstolo da
Independência, eram acionadas com reverência e unção quase religiosas. Era necessário
retomar a luta, frustrada pelas circunstâncias históricas, dos grandes
antepassados. A revolução contra Batista o faria. Era seu compromisso essencial[viii].
O outro aspecto
básico era o restabelecimento da democracia. Desde a instauração da ditadura,
todos, Fidel Castro principalmente, brandiam a necessidade de recolocar em
vigor a constituição de 1940, considerada uma referência chave na retomada do
caminho da democracia e do revigoramento de instituições democráticas[ix]. Não gratuitamente,
assumiram postos de relevância no primeiro governo revolucionário, constituído
nos primeiros dias de janeiro de 1959, as figuras de José Miro Cordona e de
Manuel Urrutia[x], liberais
democratas, comprometidos com as liberdades democráticas.
Reconquistar a
independência e a democracia: a força destes dois eixos conferiam à vitória
revolucionária de 1959 um claro caráter nacional-democrático. O que não quer
dizer que fossem os únicos. Também muito se falava, desde o famoso discurso de
Fidel Castro quando de seu julgamento, em 1954, das reformas necessárias ao
combate às gritantes injustiças sociais existentes em Cuba[xi]. Durante a luta
guerrilheira, em 1957-1958, compromissos neste sentido seriam explicitamente
assumidos pelo MR-26 e por Fidel Castro e tiveram, inclusive, em certas áreas,
um início de aplicação, como, por exemplo, medidas de reforma agrária,
beneficiando camponeses que viviam nas sierras. Entretanto, tais
referências e aspirações poderiam ser compreendidas no contexto da constituição
de 1940 e seria um evidente anacronismo sustentar que a revolução, sobretudo em
seus inícios, conferisse ao programa de reformas sociais a mesma ênfase que
atribuía à questão nacional e ao restabelecimento da democracia na Ilha.
Assim, nos primeiros
dias de 1959, em torno da reconquista da democracia e da independência nacional
constituíra-se uma sólida frente política, aglutinando uma ampla maioria, ou
francamente favorável, ou apenas simpática, ou ainda que passara aceitar a
situação dominante como algo inevitável, uma espécie de onda contra a qual não
valia a pena resistir, por inexistirem os meios ou a vontade, ou ambos.
No entanto, sob esta
aparente unidade, estavam em curso movimentos e tendências que iriam cedo
surpreender as gentes. Apontariam, como logo se tornou evidente, para uma
afirmação enfática da questão nacional, à custa, ou em detrimento, da
organização de instituições democráticas. Um conjunto de circunstâncias e
opções contribuiriam neste sentido.
Em primeiro lugar, a
dinâmica autoritária, inerente aos movimentos nacionalistas. Pelo fato mesmo de
apelar à constituição de uma identidade suprema, por sobre especificidades de
toda ordem – étnicas, sociais, corporativas, de gênero, entre outras -, a
referência nacional tende a exigir a diluição dos particularismos, considerados
egoísticos, em proveito do fortalecimento do todo nacional, figurado como
generoso e sublime. Questionar as propostas nacionais, quando elas se
avantajam, pode, muito rapidamente, transformar-se numa questão de
impatriotismo, desqualificada como ato de traição nacional.
Deve-se ressaltar
também o caráter decisivo que assumiu a guerra de guerrilhas. Não se trata de
retomar a equivocada leitura da revolução feita por R. Debray e avalizada, nos
anos 60, por Fidel Castro e Che Guevara[xii]. Sem dúvida, a
revolução cubana tornou-se vitoriosa em virtude de um concurso complexo de
movimentos e de formas de luta, mas seria descabido não reconhecer o papel
determinante que a ação das colunas guerrilheiras, e de suas vitórias
militares, assumiu na desagregação final, política e moral, das forças armadas
que defendiam a ditadura. Não gratuitamente, quando se definiu a vitória, nos
primeiros dias de 1959, a instituição revolucionária, par
excellence, era o Exército Rebelde, reconhecido como tal pela imensa maioria da
população e dos líderes políticos, muitas vezes, malgré
eux-mêmes.
Ora, por mais que as
guerrilhas de caráter popular estimulem o exercício de um certo
participacionismo político, sobretudo nas áreas libertadas, ou em certos
momentos específicos, quando os guerrilheiros e os simples soldados da
revolução são chamados a opinar, a discutir e, mesmo, a decidir a adoção de
certas medidas, ou a realização de certas operações, de modo geral, como
tendência universal, a guerra, e a instituição do exército, mesmo de exércitos
rebeldes ou revolucionários, costumam fortalecer estruturas e procedimentos
políticos centralistas, verticais, em suma, autoritários.
Nos momentos
seguintes à vitória revolucionária, dissolvidas as instituições da ditadura,
inclusive as forças armadas, surgiu, inconteste, a estrutura do Exército
Rebelde, comandada por Fidel Castro. Desde então, o país seria galvanizado por
uma incontornável tendência militarista, muito presente no vocabulário
político. Foi sintomático que a revolução tenha assumido uma cor, e ela já não
era vermelha, ou negra (as cores originais do MR-26), mas verde-olivo. E os
líderes da revolução tornaram-se jefes, os dirigentes, comandantes. No topo, o
comandante máximo, jefe supremo, Fidel Castro.
Nas dobras destes
símbolos e títulos, militares, militarizados, já se desenhava a face sombria da
ditadura.
Um outro aspecto, não
menos importante, reforçou a tendência. É que, embora tendo sido empreendida por
uma pluralidade de forças e de formas de luta, no curso mesmo do processo, as
formas de luta urbanas (guerrilha urbana, sabotagem, movimentos grevistas etc.)
sofreram derrotas catastróficas. O assalto frustrado ao Palácio de Batista
(março de 1957); a revolta esmagada da base naval em Cienfuegos (setembro de
1957); a drástica derrota da greve geral contra Batista (abril de 1958), todas
estas experiências, embora de grande importância foram, no entanto,
literalmente esmagadas.
Debilitaram-se aí as
organizações, as lideranças, e os espaços políticos mais envolvidos nestes
episódios. E, como conseqüência, perderam-se, afastados e enfraquecidos
politicamente, ou assassinados, personalidades políticas de primeiríssima
importância, que, eventualmente, poderiam fazer sombra, ou rivalizar, com
os jefes das guerrilhas: José
Antonio Echeverría e outras importantes lideranças das guerrilhas urbanas de La
Habana, vinculadas ao DRE, assassinados depois da ação de março de 1957; Frank
País, figura chave do MR-26, em Santiago de Cuba, também assassinado em 1957;
Faustino Perez, líder urbano do MR-26, bastante enfraquecido desde a derrota da
greve geral de 1958.
Depois, e já em 1959,
o afastamento de comandantes do próprio Exército Rebelde descontentes com os
rumos da revolução, mas impotentes para reorientá-los (Huber Mattos, Manuel
Ray, entre outros) e o desaparecimento trágico de Camilo Cienfuegos, em outubro
daquele ano, o mais popular líder guerrilheiro do MR-26, depois de Fidel Castro[xiii].
Entre as grandes
lideranças, sobrou apenas Ernesto Che Guevara que, na época, contudo, era um
decidido defensor do socialismo soviético, da militarização da revolução e das
tendências favoráveis à instauração de uma ditadura revolucionária[xiv].
O processo que se
seguiu, até 1970, só fez reforçar estas tendências. As tentativas
contra-revolucionárias para desestabilizar o novo governo, da invasão de 1961 à
Baía dos Porcos, passando pelas guerrilhas rurais (Escambray), às sabotagens
urbanas e aos bombardeios, até 1965, e mais as tentativas de assassinato das
lideranças, cometidas, em particular, contra Fidel Castro; a crise dos mísseis,
em outubro de 1962; as maciças migrações de descontentes, os chamados gusanos (vermes). Numa
atmosfera destas, cada vez mais se tornava difícil defender posições
intermediárias, ou debater alternativas às polarizações extremas[xv].
No contexto do
confronto aberto entre os EUA e a nação revolucionária que se erguia,
desencadeou-se uma dialética exasperante de pressões, avanços, bloqueios e
retaliações empreendidas pelos governos de Eisenhower e Kennedy para destroçar
o novo regime. Em contraposição, a unidade dos cubanos, humilhados e ofendidos
durante décadas, surgia como algo quase imposto pelas circunstâncias.
Surpreendendo o mundo,
David enfrentava Golias e, revivendo o combate bíblico, e apesar das perdas,
ganhava, ou melhor, sobrevivia. As duas Declarações de Havana[xvi], gritos de guerra
contra o capitalismo internacional e o imperialismo e as ondas guerrilheiras
nas Américas ao sul do Rio Grande, em determinado momento, pareceram ser
capazes de quebrar o isolamento internacional da Cuba revolucionária, um
processo épico, de enfrentamento e de guerras, onde as propostas eram
ofensivas, não se temendo, se fosse o caso, a hipótese de eventuais catástrofes
e apocalipses[xvii].
E assim, uma revolução
nacional-democrática, plural em suas origens e desdobramentos, tornou-se única,
quase monolítica. A opção pelo socialismo jogou aí também um papel-chave,
considerando-se a dinâmica do modelo soviético, baseado na estatização da vida
social e econômica, no plano centralizado e na ditadura política[xviii]. Também pesaram,
evidentemente, as frágeis tradições das instituições democráticas cubanas,
marcadas por jogos oligárquicos, corrupção galopante, eleições fraudadas e
desmoralização dos políticos profissionais.
Condicionada por
estas circunstâncias, emergiu a ditadura revolucionária, baseada,
politicamente, no partido único e na liderança pessoal, incontestável do
comandante en jefe[xix]. Bafejado pelo seu
imenso talento e também pelo apagamento de rivais potenciais, projetou-se a
figura do ditador: Fidel Castro Ruz. Empalmado o poder, ele não mais o
deixaria. Mesmo porque, em torno dele, constituiu-se, sustentando-o, um
sólido consenso[xx].
Aos primeiros anos
verdadeiramente épicos, da vitória revolucionária à crise dos mísseis, entre
1959-1962, seguiu-se, até 1970, um período difícil: Cuba rompera com a
dependência histórica em relação aos EUA, mas deslizava, quase inexoravelmente
para uma outra dependência, da URSS. Muito rapidamente, as ilusões românticas,
algo ingênuas, no internacionalismo proletário decantaram-se. Che Guevara, que
embarcara de corpo e alma nestas ilusões, cedo compreendeu os limites e as
servidões da aliança com a URSS[xxi]. Fidel e seu irmão
Raul tiveram disto uma visão mais realista, pragmática, e tenderam a considerar
inevitável um certo grau de dependência. O importante seria preservar margens
de autonomia, lutando sempre para alargá-las.
Uma grande chave
neste sentido residia num processo de ampliação da revolução em escala mundial,
particularmente na América Latina.
Com este propósito, e
aí ainda havia acordo entre o Che e Fidel, tratava-se de fazer o possível para
criar dois, três e outros Vietnãs, como gostava de dizer o Che. A fundação da
Organização de Solidariedade aos Povos da Ásia, África e Améria Latina/OSPAAAL,
em Havana, em 1966, constituía, na prática, um esboço de uma verdadeira
internacional revolucionária dos povos terceiro-mundistas. Em cada grande
região, seria necessário estruturar uma organização específica. No ano
seguinte, em 1967, também em Havana, fundou-se a Organização Latino-Americana
de Solidariedade/OLAS, reunindo os movimentos revoluconários alternativos da
região que já estavam lançados, ou se preparando para lançar guerrilhas
populares na área de Nuestra América[xxii].
No entanto, por
inadequação das formas de luta, ou porque os governos da região, apoiados
agressivamente pelos EUA, já não se deixavam supreender, ou pela dinâmica
social não revolucionária, ou pela conjugação de todas estas circunstâncias, os
projetos revolucionários não vingaram, foram derrotados, alguns ainda em formas
embrionárias, abortados. A derrota da tentativa do próprio Che na Bolívia, em
1967, seguida por seu assassinato, em 9 de outubro daquele ano, foi um dobrar
de sinos[xxiii].
Cuba estava isolada.
E permaneceria isolada.
Mas a URSS estava consciente
da especificidade cubana. E tinha grande interesse em mantê-la no campo
socialista, sem transformar a Ilha numa democracia popular nos padrões da
Europa Central. Em toda uma primeira fase, ao longo dos anos 60, inclusive,
tendeu a suportar com estoicismo os discursos revolucionários e as críticas dos
cubanos, inclusive porque, em certa medida, eram percebidos como um tônico
revitalizante para a acomodada sociedade soviética. Entretanto, as compras
maciças de açúcar cubano, o fornecimento de petróleo e de todo o tipo de
insumos e mercadorias, e de armas e munições, a preços baixos ou gratuitamente,
haveria que ter contrapartidas.
A formação do Partido
Comunista Cubano/PCC, em 1965, já fora um sinal, assim como a crescente
importância nos altos postos do aparelho de Estado de ex-dirigentes do PSP, ou
de partidários de uma aliança sem reservas com a URSS[xxiv]. Mais tarde, o
discurso de apoio à invasão da Tchecoslováquia pela URSS e por seus aliados, em
agosto de 1968, feito por Fidel Castro, assinalou para muitos a adesão
definitiva à órbita soviética[xxv].
Contudo, ainda
haveria uma última tentativa no sentido de manter abertas as chances da
autonomia: a Gran Zafra, em 1970, com a qual
se comprometeu o próprio Fidel Castro, quase de forma obsessiva, no seu
voluntarismo habitual. Em sua visão, a meta das 10 milhões de toneladas, uma
vez alcançada, permitiria ao país ganhar divisas suficientes para, no mínimo,
estabelecer termos razoáveis de incorporação à aliança soviética.
A aposta foi perdida
novamente.
Nada mais restava,
senão a integração no campo
socialista nos termos e segundo as condições propostos pela URSS.
Notas
[i] A figura de Fulgêncio Batista merece um
registro específico. Liderança de raízes populares, sargento do exército,
mestiço, emergiu na revolução de 1933 que derrubou uma outra ditadura, de
Gerardo Machado (1927-1933). Ascendeu de modo fulminante, política e
militarmente. Figura carismática, dominaria a vida política cubana até 1959,
ora como homem forte, “fazedor de presidentes” (1934-1940), ora como presidente
eleito democraticamente (1940-1944), quando fez aprovar uma constituição
liberal que reconhecia os direitos sociais dos trabalhadores, governando, em
certo momento, com dois ministros comunistas; ora como eminência parda e
principal chefe militar (1944-1952). Voltou ao poder através de um golpe, uma
quartelada, tipicamente latino-americana, em 1952. Suas promessas de
restauração democrática (eleições de 1954 e 1958) nunca passaram de um
simulacro repudiado por todas as forças políticas, deslizando o governo, assim,
e progressivamente, para uma ditadura sem disfarces. Para a visão construída
pelos revoluconários sobre a ditadura de Batista, antes da vitória, a melhor
fonte é C. Franqui, 1976
[ii] Prio Socarrás foi presidente eleito entre
1948-1952. Seu governo, imerso em escândalos de corrupção, contribuiria
fortemente para desmoralizar as referências democráticas, ensejando pretextos
para o golpe de Batista, em 1952. Consta que veio do esquema de Socarrás o
financiamento para a compra do pequeno iate Granma (diminutivo
carinhoso de Grand Mother, vovó), que levou os revolucionários, sob liderança
de Fidel Castro, ao desembarque de dezembro de 1956, quando teve início a saga
das guerrilhas da Sierra Maestra.
[iii] Formado a partir de uma dissidência do
Partido Autêntico, o Partido Ortodoxo, liderado por Eduardo Chibás (que se
suicidou em 1951), constituiu importante força de oposição a Batista. Das
fileiras da Juventude dos ortodoxos, emergeria a figura de Fidel Castro, que
era candidato a deputado pela legenda às eleições de 1952, revogadas com o
golpe de Batista, e muitos dos filiados ao MR-26.
[iv] Umas das muitas expressões do
descontentamento com a ditadura, entre os oficiais das forças armadas cubanas,
evidenciou-se na revolta da base naval de Cienfuegos, esmagada pela força da
ditadura, em 5 de setembro de 1957.
[v] O termo liberal, no contexto
político estadonidense, refere-se às correntes democráticas, não
necessariamente filiadas ao Partido Democrata, que hostilizam as ditaduras e
simpatizam, inclusive, eventualmente, com apoio financeiro, com os movimentos anti-ditatoriais,
em particular na América ao sul do Rio Grande.
[vi] Reportagens simpáticas, de impacto, porque
publicadas em jornais e revistas de grande circulação nos EUA, desempenhariam
um papel importante na mobilização de uma opinião pública favorável aos
revolucionários cubanos nos EUA. Cf. A.Palma, 2006.
[vii] As articulações no sentido da constituição de
frentes políticas amplas podem ser registradas desde setembro de 1956, quando o
MR-26 e o DRE firmaram um pacto de Unidade e Ação. Posteriormente, em novembro
de 1957, houve o chamado Pacto de Miami que seria repudiado pelo MR-26 por ter
sido feito sem autorização expressa da direção da organização. Finalmente, em
20 de julho de 1958, houve o Pacto de Caracas, incluindo desde os liberais até
os comunistas do PSP. Um novo pacto de unidade e ação seria firmado pelo Che
Guevara com representantes do PSP e do DRE em dezembro de 1958. Cf. K.S. Karol,
1970 e C. Franqui, 1976
[viii] L.A.M. Bandeira, 1998, entre muitos outros,
enfatizou bem o peso fundamental da questão nacional no processo da
revolução cubana. Como veremos, a questão voltará a ser acionada com grande
força, e eficácia, depois da desagregação da URSS. Cf. também C.A.Barão, 2005 e
J. Habel, 1989
[ix] Tornou-se conhecido o recurso jurídico,
interposto por Fidel Castro, à Corte Suprema cubana no sentido de que o golpe
de Batista fosse considerado ilegal, à luz dos preceitos da Constituição de
1940. O recurso foi denegado, mas a ação, uma cause
célèbre, obteve ampla repercussão e consolidou, entre os que lutavam contra a
ditadura, a proposta do respeito à legalidade constitucional democrática.
[x] Urrutia era juiz, e ganhou notoriedade ao
decidir pela liberdade de militantes do MR-26, considerando que sua luta contra
a ditadura era “legal”. Desde março de 1958, o MR-26 anunciara que, após a
vitória, ele seria o presidente de um futuro governo provisório. Renunciou em
julho de 1959, contrariado com a radicalização da revolução. Cf. K. S. Karol,
1970
[xi] Cf. Fidel Castro, 2005
[xii] Cf. R. Debray, 1974 e s/d. e E. Guevara,
1973. Nesta leitura, houve uma glorificação desmedida das guerrilhas instaladas
na Sierra Maestra, como se delas tivesse dependido, quase que exclusivamente, a
vitória da revolução. A famosa metáfora empregada por R. Debray, da mancha
de óleo, espalhando-se pela Ilha a partir do foco guerrilheiro da Sierra
Maestra, tornou-se emblemática e desempenhou um papel importante na derrota
catastrófica das tentativas guerrilheiras empreendidas em Nuestra
América nos anos 60 e 70. Cf. D. Rollemberg, 2001
[xiii] Cf. C. Franqui, 2006, que insiste, quase
obsessivamente, no desaparecimento das lideranças potencialmente rivais como
circunstância favorável à ditadura pessoal de Fidel Castro.
[xiv] Mencione-se também a figura de Raul Castro.
Entretanto, sublinhe-se que, embora tenha havido, desde a guerrilha na Sierra,
um grande investimento em fazer dele um grande jefe, tornando-se mesmo,
já há alguns anos, o sucessor designado de Fidel Castro, Raul nunca passou
do irmão do seu irmão.
[xv] Toda uma literatura de apoio e de defesa da
revolução cubana, e de suas características centralistas e ditatoriais,
consideradas inevitáveis, insistirá no argumento de que o bloqueio e as ações
desferidas pelos sucessivos governos estadonidenses foram condições decisivas
para que a revolução assumisse estas configurações. Cf. C.A.Barão, 2005; Emir
Sader, 1992; Eder Sader, 1986; L.F. Ayerbe, 2004. Debate interessante, e
controvertido, a respeito destas questões está em C.E. Carvalho, 1988.
[xvi] A I Declaração de Havana foi aprovada em 2 de
setembro de 1960, e condenava a exploração do homem pelo homem e a exploração
dos povos pelo capital financeiro. A II Declaração de Havana foi aprovada em 4
de fevereiro de 1962 e prescrevia que o dever de todo o revolucionário é fazer
a revolução. Pela sua importância e contundência foi por alguns chamada de O
Manifesto Comunista do século XX. Cf. M. Lowy, 2006.
[xvii] F. Castro, ao comentar a crise dos mísseis, e
criticar a atitude dos soviéticos de recuar ante as pressões e o ultimatum do
Presidente Kenneky, admitiu que estava disposto a ir às últimas conseqüências
em 1962, mesmo que para isto Cuba precisasse desaparecer do mapa. Cf. I.
Ramonet, 2006 e A.Palma, 2006. A denúncia oficial, e abalizada, de variadas e
múltiplas ações contra-revolucionárias, está em Comissión de Historia de los
Organos de la Seguridad del Estado, 1989
[xviii] A influência de Ernesto Guevara, secundado
por Raul Castro, e pelos comunistas do PSP, muito ativos na formação do Partido
Comunista Cubano, foi notável neste momento.
[xix] Em processo lento, pelo alto, por etapas,
fundiram-se as principais organizações revolucionárias nas Organizações
Revolucionárias Integradas/ORI, depois, no Partido Unificado da Revolução
Socialista Cubana/PURSC, e, finalmente, no Partido Comunista de Cuba/PCC, em
1965.
[xx] O conceito de consenso, na acepção com que
o emprego para compreender as relações complexas entre sociedades e regimes
autoritários ou ditatoriais, designa a formação de um acordo de aceitação do
regime existente pela sociedade, explícito ou implícito, compreendendo o apoio
ativo, a simpatia acolhedora, a neutralidade benévola, a indiferença ou, no
limite, a sensação de absoluta impotência. São matizes bem diferenciados e,
segundo as circunstâncias, podem evoluir em direções distintas, mas concorrem
todos, em dado momento, para a sustentação de um regime político, ou para o
enfraquecimento de uma eventual luta contra o mesmo. A repressão, e a ação da
polícia política em particular, podem induzir ao, ou fortalecer o, consenso,
mas nunca devem ser compreendidas como decisivas para a sua formação. Para o
uso e a discussão do conceito, com distintos ângulos e acepções, cf., nesta
obra coletiva os textos de D. Musiedlak: Le fascisme italien : entre
consentement et consensus; M. Ferro: “Y a-t-il “trop de démocratie” en URSS?”;
e P. Dogiliani: Consenso e organizzazione Del consenso nell’Italia fascista.
[xxi] O discurso pronunciado em Argel, em 1965,
muito crítico à URSS e às relações estabelecidas entre os países socialistas
foi simbólico, quase uma ruptura, e desagradou profundamente Fidel Castro. Cf.
para a apreciação diversa deste pronunciamento chave as melhores biografias do
Che: J.L. Anderson, 1997, J. Castañeda, 1997 e P.I. Taibo II, 2001
[xxii] Na Ásia, os governos socialistas da República
Democrática do Vietnã/RDV, a Frente de Libertação Nacional/FLN no Vietnã do Sul
e a República Democrática da Coréia, que seriam os bastiões de uma organização
regional não levaram o projeto à frente, provavelmente receando reações
negativas da URSS e da China, poderosos vizinhos e aliados. Na África, e apesar
da presença do Che no Congo, também não chegaram a se estruturar formas
organizativas regionais revolucionárias.
[xxiii] Cf. E.Che Guevara, 1997 e as biografias
citadas na nota 21, supra. Para a saga guerrilheira, cf. também
A.Guillermoprieto, 2001
[xxiv] Em paralelo, foram declinando, tolhidos, ou
silenciados, os partidários de uma alternativa cubana. Deste ponto de
vista, foi simbólica a interdição da revista Pensamiento
Crítico, reduto do pensamento revolucionário cubano alternativo, em 1970.
[xxv] Entre muitos outros, é a opinião defendida
por R. Gott, 2006, capítulo 7, pp 266-268. Em 1968, o governo cubano decretaria
uma estatização generalizada de pequenos serviços e comércios, um passo
importante no sentido do modelo soviético de organização econômica. Cf. idem,
p. 267. Já em 1970, de um total de 2.408.800 pessoas ocupadas, um pouco menos
de 350 mil trabalhavam em atividades privadas. Cf Comissión Econômica para
América Latina y Caribe/CEPAL, 2000, quadro A.48.
_________
*Daniel Aarão Reis é professor titular de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor, entre outros livros, de A Revolução que mudou o mundo – Rússia, 1917 (Companhia das Letras).
FONTE: A Terra é Redonda
(Continua)