quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Socialismo utópico: uma síntese

Por Aluizio Moreira  


O Socialismo Utópico faz parte do universo teórico dos pensadores SAINT-SIMON (1760-1825), FOURIER (1772-1837) e OWEN (1771-1859) que vivenciaram o surgimento do capitalismo com todas as suas  contradições e conflitos, com todas as “injustiças” e “irracionalidades”,  próprias das novas relações sociais de produção implantadas na Europa ocidental, a partir dos meados do século XVIII, inícios do século XIX.

Escreveram projetos de reestruturação da sociedade que deveria ser racionalmente planejada, controlada pelos produtores. Mas para a realização desse  "sonho", desse modelo de sociedade perfeita, tinham a esperança de que os próprios governantes ou os "homens de bem", empreendessem aquelas mudanças, que reuniria industriais, reis e trabalhadores.

Segundo G.D.H. Cole ("Historia del Pensamiento Socialista"), foi o economista Jérone Blanqui que em 1839, na sua obra "History of Political Economy", utilizou pela primeira vez o termo "socialistas utópicos" para denominar os discípulos daqueles três pensadores. Termo esse adotado posteriormente por Marx e Engels. 

Claude Henri, Conde de Saint-Simon nasceu em Paris. É considerado um dos fundadores do socialismo. Dividindo a sociedade em "ociosos" e "produtores", achava que a direção do Estado caberia aos industriais, entre os quais Saint-Simon incluía empresários, artesãos, operários. Publicou L’ORGANISATEUR, juntamente com Auguste Comte, pai do positivismo, além de LE SYSTEME INDUSTRIEL e LE NOVEAUX CHRISTIANISME. 

Charles Fourier nasceu em Besançon, França. Elaborou um modelo de sociedade (O Estado Societário), baseada na associação e no cooperativismo, que seria organizada em falanges, integradas cada uma por 1800 pessoas que viveriam comunitariamente. Cada falange dedicar-se-ia a uma atividade "industrial": falange do trabalho comercial, falange do trabalho fabril, falange do trabalho agrícola, falange do trabalho doméstico, etc. Para construir tal sociedade, as pessoas de fortuna (empresários, homens da corte), deveriam investir capital monetário na edificação de um novo mundo. 

Robert Owen nasceu na Inglaterra. De origem humilde, tornou-se gerente de um moinho e posteriormente proprietário de uma empresa têxtil em New Lanarck. Apresentou sua proposta de construção de uma nova sociedade ao Parlamento britânico, aos Governos europeus e a Nicolau I, czar da Rússia, sem qualquer sucesso, como era de se esperar. Defendia a organização de colônias ou comunas de trabalho onde reinaria a igualdade entre seus membros. Chegou a adquirir terras no Estado de Indiana (EUA), nas quais organizou uma Comuna de trabalho (New Harmony) que fracassou. No final de sua vida dedicou-se intensamente na organização de Sindicatos (Trade-Unions), na Inglaterra.

Os primeiros grupos a serem chamados originalmente socialistas, saint-simonianos, fourieristas e owenianos,  seguidores de Saint-Simon, Fourier e Owen,  têm ponto de convergências e divergências em mais de um aspecto de seus pensamentos.

Entre as idéias que existem coincidências, os três grupos consideravam: 1 - que a "questão social" era a mais importante questão a se resolvida na sociedade; 2) que caberia aos "homens de bem" promover a felicidade e o bem-estar geral da sociedade; 3) que era incompatível a existência da felicidade e do bem-estar, numa ordem social baseada na concorrência; 4) que não se poderia confiar aos políticos e ministros, a tarefa de dirigir os assuntos sociais, mas aos "produtores"; 5) que se deveria lutar contra a desigualdade, limitando o direito de propriedade, não suprimindo-a.

Entre as idéias que os diferençava, enumeramos: 1) os fourieristas e owenianos defendiam a  criação de comunidades igualitárias; 2) os saint-simonianos defendiam a organização e a planificação científica da sociedade em grande escala e na transformação dos Estados nacionais em grandes corporações produtoras lideradas pelos homens de ciência e de alta capacidade técnica; 3) os fourieristas e owenianos evitavam as atividades políticas; 4) os saint-simonianos pretendiam apoderar-se dos Estados e transformá-los para atender aos seus propósitos; 5) os fourieristas supervalorizavam o cultivo da terra, relegando a indústria e o comércio a um segundo plano; 6) os owenianos consideravam a Revolução Industrial um grande feito, admitindo a formação de uma nova sociedade baseada no equilíbrio da agricultura e indústria.

Apesar das similitudes e diferenças, todos eles viam a instituição de uma nova organização da sociedade no plano das idéias, como produto da vontade dos homens,  não como uma forma de organização necessária, decorrente da própria realidade objetiva, como etapa progressiva no processo de desenvolvimento histórico da sociedade humana.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Por um socialismo latino-americano no século 21


(Entrevista)

Para Michael Löwy, as características dos movimentos sociais devem ser incorporadas ao marxismo para a construção um novo projeto.

As organizações de esquerda precisam processar a fusão do pensamento marxista com as características particulares do povo da América Latina para promover a construção do socialismo do século 21. Para isso, é preciso incorporar as experiências dos diversos movimentos sociais, em especial o indígena e o camponês, protagonistas nas lutas sociais na região. 

A análise é do professor Michael Löwy, cientista social brasileiro radicado na França, onde leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Universidade de Paris. “O motor da mudança passa por baixo, por movimentos sociais e correntes políticas capazes de exprimir essa radicalidade”, explica o professor.

Segundo Löwy, a esquerda precisa encontrar o ponto de convergência entre as mobilizações camponesas, indígenas e o movimento urbano explosivo para atacar o capitalismo. “Socialistas e marxistas precisam pegar a bandeira do socialismo do século 21 e levar para o debate da esquerda e dos movimentos sociais”. Leia a seguir a entrevista com o professor Michael Löwy.

Jornal Sem Terra - Qual a trajetória do pensamento de esquerda na América Latina no século 20?
Michael Löwy - O primeiro período revolucionário foi nos anos 20 e 30, quando aparecem pensadores como José Carlos Mariátegui e Julio Antonio Mella. Também aconteceram levantes na Nicarágua, em El Salvador e no Brasil. A partir dos anos 30, passa a predominar o stalinismo burocrático e o reformismo, que já não sendo mais revolucionários, conduziram a esquerda latino-americana a um impasse. Até que acontece a Revolução Cubana em 1959, inaugurando uma nova época revolucionária. Daí surgem uma série de movimentos de luta, guerrilhas e mobilizações sob a influência do exemplo de Cuba e do pensamento de Che Guevara. Esse período termina com a derrota dos sandinistas, na Nicarágua, em 1990. O impacto da revolução cubana, por outro lado, ainda persiste de maneira menos evidente na cultura política que surge das lutas sociais.

JST - Em vários países foram eleitos presidentes com origem na esquerda. Como o professor vê esse novo quadro?
ML - Muitas vezes quando discutimos a América Latina, vamos para o lado dos governos de esquerda. É um aspecto importante, mas não podemos nos limitar a isso. Nos últimos 10 anos, aconteceram uma série de vitórias políticas da esquerda (no sentido bem geral da palavra) na região. Examinando mais de perto o fenômeno, vemos duas vertentes. Uma de ruptura ao neoliberalismo, como a revolução bolivariana, na Venezuela; o processo na Bolívia e em Cuba. Forma-se um eixo antiimperialista, que busca romper com o neoliberalismo. A outra vertente é formada por governos que não romperam com o modelo econômico, mas que procuram dar uma variante mais social, o que chamo de social-liberalismo. Neste quadro estão o presidente Lula, no Brasil, Tabaré Vázquez, no Uruguai, Michele Bachelet, no Chile, e Néstor Kirchner, na Argentina. Não são governos da direita neoliberal, mas não enfrentam esse modelo. Dentro do campo do social-liberalismo, tem uma vertente mais aberta ao livre comércio, aceitando as idéias dos tratados comerciais dos Estados Unidos, como o governo chileno e, em parte, o uruguaio. O outro setor aposta na integração latino-americana, como Brasil e Argentina. Os governos à esquerda ganharam porque há um descontentamento social enorme na região. Os 20 anos de políticas neoliberais do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional) tiveram conseqüências sociais catastróficas para a maioria da população. Foram agravadas as desigualdades sociais e as conseqüências ecológicas foram dramáticas.

JST - Nesse contexto, como você avalia a atuação desses governos?
ML - Os governos geralmente correspondem pouco à ânsia de mudanças radicais, com exceção da Venezuela e Bolívia. A esperança de mudanças não pode esperar o cumprimento de suas promessas. Não podemos apostar na existência de disputas internas que mudem a correlação de forças dos governos. A mudança passa mesmo pela capacidade dos setores populares se organizarem e lutarem para mudar o quadro. Isso vale para todos os países, inclusive para os mais avançados. A Venezuela, por exemplo, passa por um processo muito interessante, mas é excessivamente dependente de uma pessoa, no caso, Hugo Chávez, e de iniciativas que acontecem de cima para baixo.

JST - O que a esquerda latino-americana precisa fazer para efetuar as transformações sociais na região?
ML - A mudança depende da auto-organização popular, social e política. É importante ter expressões políticas, partidos e correntes partidárias radicais de esquerda. Os partidos devem ser a expressão dos movimentos populares, e não manipuladores eleitorais. O motor da mudança passa por baixo, por organizações sociais e correntes políticas capazes de exprimir essa radicalidade. Nos últimos 20 anos, o movimento camponês e indígena tem sido o mais ativo, combativo e radical. É o mais importante na América Latina. Isso vale para Brasil, México, Equador, Bolívia (em parte, porque há uma convergência de urbano e rural). Com exceção da Argentina, onde o motor das lutas é a população urbana pobre; da Venezuela, que tem a população pobre da periferia urbana saindo às ruas para apoiar Chávez; e agora tem Oaxaca, no México.

JST – É comum algumas organizações de esquerda usarem as lutas sociais para justificar suas linhas de pensamento e doutrina. Como podemos analisar o quadro político e social sem resumir experiências particulares a modelos europeus pré-concebidos?
ML - Boa parte da esquerda latino-americana ainda pensa com base em modelos como o leninista, maoísta ou trotskista. Temos muito a aprender com o pensamento marxista europeu e asiático. O marxismo e o socialismo são universais. O arroz, por exemplo, é o mesmo em todos os países, mas cada povo tem a sua maneira de prepará-lo. O arroz socialista deve ser preparado aqui na América Latina, da nossa maneira e com nossos temperos afro-indígenas. O desafio é não cair na idéia de socialismo nacional nem pensar que está tudo nas obras de Marx, Lênin ou Trotski. Precisamos ter a humildade de aprender com as experiências de lutas sociais. Não podemos impor o nosso esquema e enquadrar os movimentos.

JST - Se os camponeses e indígenas, que não estão no centro da produção do capital, são os protagonistas políticos, como fica o marxismo latino-americano?
ML - O marxismo é formidável, mas precisa ser atualizado e ‘latino-americanizado’. É preciso dar conta da importância dos camponeses. Não só de agora, mas desde o começo do século passado. Os pensadores que trataram de aplicar o método marxista de forma criativa na região se deram conta que o campesinato tem um papel muito mais importante do que na Europa ou até do que imaginava Marx. É preciso ler de maneira diferente da forma clássica da esquerda, baseada no operariado da fábrica urbana. Como o capitalismo funciona a partir da produção e da indústria, os operários podem parar as máquinas. Isso é importante, mas não é suficiente para derrubar um sistema. O capitalismo é um sistema político, social e econômico que só se derruba com uma ação revolucionária. Para isso, é preciso ter a maioria da população, que não é formada por operários fabris, mas por camponeses e massa pobre urbana. Apesar da sua importância, a idéia da revolução como tarefa da classe operária e industrial nunca correspondeu à realidade, muito menos na América Latina. Precisamos ter uma visão ampla do sujeito do processo revolucionário. O capitalismo sempre pode dar a volta por cima enquanto controlar o aparelho de Estado e a hegemonia. É preciso quebrar a hegemonia ideológica e o controle político do capital.

JST - Em meio aos movimentos camponeses e indígenas e as revoltas urbanas explosivas, qual o desafio para a esquerda para resistir ao neoliberalismo?
ML - O desafio é encontrar o ponto de convergência das mobilizações camponesas e indígenas com o movimento urbano explosivo que está aparecendo, em torno de um combate comum: o rompimento da hegemonia neoliberal e imperialista. E também para buscar alternativas. Se nós queremos ser radicais, precisamos atacar pela raiz o mal do neoliberalismo, da dominação, da dependência e da pobreza. Em última análise, a raiz é o capitalismo. Essa compreensão pouco a pouco vai se desenvolvendo em terras latinas. Se o problema é buscar uma alternativa ao capitalismo, se coloca novamente a questão do socialismo. Socialistas e marxistas precisam pegar a bandeira do socialismo do século 21 e levar para o debate da esquerda e dos movimentos sociais. Temos que colocar a perspectiva do socialismo, sabendo que não virá amanhã, mas como uma forma de alimentar as nossas lutas atuais, que são bastante concretas e imediatas.

JST - Como o professor vê a idéia do socialismo do século 21 no contexto latino-americano?
ML - O desafio colocado por Chávez de pensar o socialismo do século 21 é muito rico. Precisamos lembrar das idéias de Mariátegui do socialismo indo-americano, que eu chamaria de afro-indo-americano. O socialismo não será cópia de outras experiências, mas uma criação heróica dos povos. Precisamos fazer um balanço crítico tanto da social-democracia como dos países do leste europeu. O socialismo do século 21 só tem futuro se incorporar as experiências dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, negros, mulheres e ambientalistas. Por aí passa a utopia revolucionária latino-americana.

JST - A América Latina seria o terreno mais fértil para a construção de um novo socialismo?
ML - Não conheço suficientemente a experiência dos movimentos sociais na África e na Ásia, mas a América Latina parece a ponta avançada desse processo. Só que não se pode esquecer o resto do mundo: é preciso ser uma locomotiva para puxar outros vagões. É importante construir pontes entre lutas sociais e movimentos de esquerda aqui, na Europa, na África e na Ásia. O imperialismo e o capitalismo são um sistema mundial. O Fórum Social Mundial e a Via Campesina são um passo importante, mas a esquerda mais radical e antiliberal precisa construir outros espaços. Há poucas experiências de discussão, relacionamento e entrosamento da esquerda a nível internacional.

JST - Como o professor vê a conjugação dos movimentos sociais com luta ambiental para a construção da hegemonia política?
ML - A questão ecológica e ambiental é o grande desafio para o marxismo no século 21. É um dos problemas centrais no qual se revela o caráter ameaçador do capitalismo para a existência da humanidade. É um dos grandes argumentos do anti-capitalismo. A questão do meio ambiente está passando cada vez mais das margens para o centro do debate político. Podemos mostrar que isso não depende de boa ou má vontade dos capitalistas, mas a destruição do equilíbrio ecológico do planeta é da própria lógica expansionista de acumulação do capital. Os marxistas, socialistas e movimentos sociais têm que tomar a questão como uma bandeira fundamental. É muito positivo o MST assumir cada vez mais a questão ecológica. A luta contra os transgênicos e contra os eucaliptos permite uma convergência do movimento camponês, ambientalista e a opinião pública. Isso reforça as mobilizações. Ou o socialismo vai ser verde e ambientalista ou não vai conseguir avançar. A destruição do ambiente pelo capitalismo não é apenas um problema das gerações futuras, mas de quem vive hoje. É preciso colocar isso no centro da reflexão do pensamento socialista.

Para entender:
José Carlos Mariátegui (1894–1930), ativista peruano, é um dos maiores expoentes do socialismo latino-americano, baseado no mundo indígena. É autor de Os sete ensaios de interpretação da realidade peruana.

Julio Antonio Mella (1903-1929) foi um destacado revolucionário cubano. Líder estudantil na Universidade de Havana, foi presidente do Primeiro Congresso Nacional de Estudantes e fundou a Universidade Popular José Martí. Fundou o primeiro partido marxista de Cuba.

Quem é

Michael Löwy é cientista social brasileiro radicado há quatro décadas na França. Leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Nascido em 1938, é especialista em Karl Marx, Rosa Luxemburgo e Georg Lukács. É autor de "Marxismo na América Latina".

FONTE: MST

BABEUF, Gracchus


François Nöel Babeuf, conhecido como Gracchus Babeuf nasceu em Saint-Quentin, Picardia, em 23 de novembro de 1760. Seu pai, soldado francês que viveu na pobreza, fazia pequenos serviços para garantir o sustento da sua família. 

François começou a trabalhar com 12 anos de idade como pedreiro nas obras do canal da Picardia. Aos 17 conseguiu se empregar como aprendiz de tabelião. Com a morte do seu pai em 1780, Babeuf teve que  trabalhar para sustentar sua mulher, seus dois filhos, sua mãe e seus irmãos. Em 1781, aos 21 anos, começou a exercer a atividade de tabelião por conta própria na cidade de Roye.

As leituras de Rousseau, Mably, Diderot e a constatação das péssimas condições de vida da maioria da população, e que ele mesmo vivenciara,  desenvolveram em Babeuf teorias a favor da igualdade e da coletivização das terras. 

Em 1789, publicou seu primeiro artigo no Caderno dos Eleitores de Roye, exigindo a abolição dos direitos feudais. Em março de 1789 participou da redação do “Cahier de Doleances” dos habitantes de Roye, reivindicações populares a serem levadas para a Assembléia dos Estados Gerais em maio daquele ano. 

Com o inicio da Revolução francesa em maio de 1789, torna-se jornalista correspondente do Correio da Europa, editado em Londres. Preso em maio de 1790 por insurgir-se contra os impostos indiretos (gabelle) do governo revolucionário, é libertado em julho por interferência de Jean Paul Marat.

Em outubro do mesmo ano fundou seu próprio jornal Le Correspondant Picard, fechado alguns meses mais tarde por atacar em suas páginas, a instituição  do voto censitário para ser adotado nas eleições previstas para 1791. Babeuf é novamente preso sendo posto em liberdade depois de alguns meses.

Em 1792 é eleito membro do Comitê Geral do Departamento de Somme, mas pressionado abandona o cargo e vai para Paris em 1793, onde  passa a aliar-se aos jacobinos, entrando para a Commission des subsistances de Paris, onde passa a apoiar as reivindicações dos sans-culottes. 

Em julho de 1794 ocorreu o golpe de Estado contra Robespierre. Em setembro publica o primeiro número do Journal de la Liberte de la presse, alterando em outubro o seu titulo para Le Tribun du Peuple. É por esta ocasião que assume o nome de Gracchus em homenagem a Caio e Tibério Graco, reformadores romanos.

Preso e  libertado por duas vezes no ano de 1795, relança Le Tribun du Peuple no mês de outubro, exatamente no mesmo mês em que o governo autoritário do Diretório é instituído. 
As medidas antipopulares tomadas pelo governo contra-revolucionário que encarecem o custo de vida, aumentando o descontentamento e a miséria da população, permitem Babeuf  redobrar seus ataques à “ordem estabelecida”.

Não se limitando apenas aos ataques pela imprensa, Babeuf reúne em torno de si um grupo de seguidores que se autodenominam Societé des Égaux  (Sociedade dos Iguais), à qual  se juntam remanescentes dos Jacobinos, cujas reuniões aconteciam no Panthéon. 

Em 1795 Babeuf é denunciado à policia por defender abertamente a “insurreição, a revolta e a Constituição de 1793”. Ameaçado, passa a viver na clandestinidade, criando o movimento "Conjuração dos Iguais" dirigida por ele próprio, Darthé, Buonarroti, Sylvain Marechal, Lepeletier, Antoine Antonelle, entre outros. O movimento se espalha por toda Paris, atingindo outras cidades. Cria-se um Diretório Secreto dirigido por Babeuf para coordenar a luta, objetivando continuar a revolução e garantir a coletivização das terras, como fundamental para se chegar à “igualdade perfeita” e  alcançar o “bem comum”. Em 1797, o próprio Napoleão Bonaparte fecha o Clube Panthéon. 

Babeuf assume uma posição cada vez  mais radical: ataques virulentos contra o governo, chamamentos e denúncias em impressos que passam de mão em mão nas ruas de Paris. folhetos que afirmavam que “A natureza deu a todos os homens o direito de gozar de uma parcela igual em todas as propriedades”. 

Um dos agentes do Diretório, Georges Grisel que se infiltrara no grupo de Babeuf o denuncia como responsável por uma conspiração na qual socialistas e jacobinos agiam contra o governo.

Em 10 de maio de 1796, Babeuf foi preso com muitos dos seus companheiros, entre eles Darthé, Bonarroti, Lindet, Marc-Guillaume, Drouet. Tentativas populares de liberta-los fez o governo transferi-los para Vendôme, No dia 20 de fevereiro de 1797 o processo foi aberto contra Babeuf e mais 64 acusados. 

Declarado líder do movimento, Babeuf e mais trinta dos seus companheiros foram condenados à morte. Alguns dos prisioneiros, entre eles Buonarroti foram exilados. Drouet fugiu da prisão e os demais foram absolvidos.

No dia 27 de maio de 1797, Babeuf e trinta dos seus seguidores foram guilhotinados.

Babeuf escreveu “O Cadastro Perpetuo” (1790), além de cartas e artigos em vários jornais da época.


(Dados compilados por Aluizio Moreira)

Fontes:
Arquivo Marxista na Internet
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais.São Paulo:Expressão Popular,2006.
BRAVO, Gian Mario. Historia do socialismo. Lisboa:Europa-America, 1977, 3 vols.
COLE, G.D.H. Historia del pensamiento socialista.Mexico:Fondo de Cultura, 1957-1960, 7 vols.
DROZ, Jacques (Dir). Historia geral do socialismo. Lisboa: Horizonte, 1972-1977, 9 vols.
HOFMANN, Werner. A historia do pensamento do movimento social dos séculos 19 e 20. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1984.
PETITFILS, Jean-Christian. Os socialistas utópicos. São Paulo: Circulo do Livro, s/d.

domingo, 27 de novembro de 2011

Por um partido socialista de orientação estratégica ofensiva: notas a partir de István Mészáros

Por Demetrio Cheorobini
  
Em uma infeliz resenha de "Para além do capital", escrita em 2003, Hector Benoit passou longe de compreender o essencial da teorização política de István Mészáros. Nela, o professor da Unicamp afirma que para o filósofo húngaro “a noção de ‘transição’ designa uma espécie de programa de governo para o futuro” (2003, 7). Não se trata disso. A teoria da transição de Mészáros é uma estratégia que tem como cerne o processo de reestruturação completa e radical das antagonicamente estruturadas mediações que regulam a atividade produtiva humana, hoje sob domínio do capital.


Não satisfeito com sua caracterização desleixada e errônea – feita com uma má vontade evidente -, Benoit ainda faz troça de Mészáros pelo fato de o filósofo não seguir as propostas de Trotsky (seu programa de “reivindicações transitórias”) e por descartar o partido de tipo leninista, bem como as organizações aos moldes das antigas Associações Internacionais dos Trabalhadores, criticados em "Para além do capital" por terem se erigido a partir de uma forma que o autor conceitua como defensiva.

De maneira fetichista, a argumentação de Benoit eleva tais instituições à qualidade de critérios de julgamento, como se fossem ainda hoje adequadas em sua orientação estratégica, mas sem fazer uma única avaliação da viabilidade dessas entidades com base em uma análise da conjuntura histórica atualmente estabelecida. Suas propostas soam, por isso, abstratas, fato que, aliado à má leitura que faz de Mészáros, torna sua resenha absolutamente inconsistente e não merecedora de crédito.

Esse tipo de crítica, aliás, é uma das piores leviandades que se pode cometer em nome do marxismo: tentar enquadrar, arbitrariamente, numa espécie de “marxímetro” – ou “trotskímetro”... –, um autor que tenta atualizar a teoria e se apegar a citações dos clássicos como se neles estivessem resolvidos todos os problemas concernentes à superação do capital. O nosso trabalho enquanto intelectuais militantes deveria ser bem outro: proceder exaustivamente na crítica da realidade concreta, fazendo emergir daí os lampejos teóricos capazes de nos orientar no rumo da emancipação humana.

No transcurso dessa jornada, podemos chamar, evidentemente, em nosso auxílio, os clássicos do pensamento crítico, a fim de verificar em que medida suas colocações têm ainda validade. Mas, nesse movimento, é a própria realidade, teoricamente compreendida, que precisa ser o parâmetro principal de avaliação de um autor, e não passagens de Trotsky (ou de quem quer que seja) pinçadas de forma abstrata e aleatória.

O próprio Mészáros procura direcionar seu trabalho nesse sentido: busca uma crítica radical das mediações reais – bem como de suas expressões teóricas - envolvidas no processo de reprodução sócio-metabólica da humanidade, com vistas a evidenciar sua formação histórica, sua lógica e contradições internas e, assim, auxiliar os trabalhadores do mundo em suas lutas por emancipação. Uma teoria, portanto, da transição, guiada pelo “espírito da obra de Marx”, capaz de incorporar os clássicos e ser, ao mesmo tempo, autocrítica a ponto de reavaliar o arcabouço ricamente constituído à luz das transformações históricas e de enfrentar as novas questões que nossa época impõe.

A estratégia política delineada em "Para além do capital" se fundamenta em um procedimento desse tipo, no qual, à maneira de Marx, a crítica se centra, sem vacilações, sobre o capital e suas múltiplas formas de expressão. Tal complexo sócio-metabólico, segundo Mészáros, é formado por um “sistema de mediações” que subjuga e domina a atividade produtiva, visando explorar a maior quantidade possível de trabalho excedente. A superação do capital exige, pois, a eliminação completa e definitiva de todos os elementos contraditórios que configuram esse sistema (1).

O capital é, no dizer do filósofo húngaro, uma “força extra-parlamentar par excelence”, isto é, uma estrutura de controle (mediação) do metabolismo social que transcende o campo do Estado e se espraia pela sociedade inteira. Enquanto tal, só pode ser vencido por outra força extra-parlamentar, conscientemente articulada, advinda do mundo do trabalho, que se lhe contraponha de forma decidida e radical. A estratégia socialista, para ser consistente e efetiva em seu propósito revolucionário, precisa ter como princípio fundamental esse objetivo, a criação da “livre associação dos produtores” capazes de regular, de maneira auto-determinada, a atividade produtiva humana. Só então a estratégia se torna ofensiva nos termos que Mészáros define.

Nesse contexto, explica o filósofo, o Estado não pode controlar o capital, visto que não passa de uma de suas “vértebras” constituintes (isto é, uma das mediações que compõem a base material do sistema). Sua tarefa primordial consiste aí em harmonizar os “microcosmos” (unidades produtivas) do capital que, em virtude de seu movimento centrífugo, perdem ocasionalmente a coesão e entram em rota de colisão.

Apesar disso, diz Mészáros, a atuação no interior do Estado ainda é importante para uma práxis socialista conseqüente. Esta é a luta defensiva de que fala o filósofo: os combates que, realizados no âmbito interno da instituição estatal, buscam defender direitos dos trabalhadores historicamente conquistados. Tais embates são necessários, sem dúvida, mas precisam ser complementados pela formação das associações coletivas conscientes e organizadas em torno do projeto de auto-regulação do processo de trabalho humano – eis a ofensiva socialista!

A crítica de Mészáros ao partido de tipo leninista se deve, justamente, ao fato de essa organização ter reproduzido, em sua forma constitutiva, muito do modo de se estruturar do próprio Estado que procurava negar, permanecendo, assim, circunscrita aos limites de uma práxis defensiva – embora Lênin, é claro, em sua época, estivesse consciente da necessidade de uma atuação ofensiva em nível amplo.

Mas a recusa desse tipo específico de organização política não significa, para o filósofo húngaro, que partidos não possam se constituir como mediações eficientes para as lutas de classes a favor dos trabalhadores. Eles podem e devem. Precisam, no entanto, estar estabelecidos e orientados de forma ofensiva, tal como explicitado acima.

Mészáros deixa isso claro, por exemplo, em uma entrevista na qual, ao ser questionado sobre “qual o papel do partido revolucionário?”, responde: “Nesta dinâmica (de crise estrutural do sistema do capital), as forças parlamentares da política devem se articular, não de forma autônoma e auto-suficiente, mas com as forças extra-parlamentares. Essa extraparlamentariedade não significa opor-se ao partido (...). A reestruturação da política, no sentido social, deve se manifestar dessa forma (...), as forças extra-parlamentares devem agir em conjunto com as forças políticas, isto é, os partidos” (2009, 158) – (2).

Sintetizando, então, a diferença, temos que uma alternativa é a estratégia delineada a partir do princípio orientador da tomada do Estado com vistas a tentar controlar daí o sistema do capital; outra, completamente diferente, é a que visa, acima de tudo, a formação de associações conscientes de trabalhadores imbuídos do objetivo de planejamento e regulação horizontal do metabolismo social, e que faz uso, para esse fim, de ações no interior do Estado. A primeira estratégia pode tomar como meio a práxis extra-parlamentar para fins de ocupação do Estado; a segunda, ao contrário, subordina a ação estatal à necessidade de construção da livre associação dos produtores. É apenas a partir da última perspectiva que os partidos de trabalhadores poderão ter êxito em seus propósitos revolucionários, segundo István Mészáros (3).

Num contexto histórico como o nosso, em que a profundamente grave crise do capital desencadeia ondas de contestação e protesto por todo o planeta, tais reflexões adquirem suma importância. Elas mostram que os partidos socialistas precisam se efetivar como mediações capazes de dar coesão a esses movimentos e fazê-los ir além de suas posturas meramente defensivas e negativas em relação à ordem social imposta.

Para tanto, tais partidos necessitam atuar dentro e fora do Estado, de modo articulado e complementar. No plano extra-estatal, sua inserção deve se dar junto às lutas populares, servindo de ferramenta para a auto-organização dos trabalhadores, no sentido de que possam exercer o controle consciente da atividade produtiva. No âmbito do Estado, os mandatos socialistas precisam retroalimentar tal dinâmica auto-organizativa, sem esquecer, obviamente, a defesa de tudo aquilo que já foi conquistado. Em ambas as frentes de batalha o objetivo a se cumprir é o de distribuir o poder de decisão sobre os processos de trabalho humano aos produtores livres e associados (4), poder de decisão este desgraçadamente usurpado pelo capital há séculos.

NOTAS:
1 Como assinala Mészáros, as “mediações de segunda ordem” do sistema do capital são: os meios alienados de produção, os objetivos fetichistas de produção, o trabalho “estruturalmente separado da possibilidade de controle”, o dinheiro, a família nuclear, o mercado mundial e as várias formas de Estado do capital.
2 Evidentemente, a mesma reflexão vale para as Associações Internacionais de Trabalhadores e seus novos tipos a serem construídos. O tema do internacionalismo é caro a Mészáros a ponto de o filósofo utilizar o termo internacionalismo positivo como sinônimo para a sua estratégia da ofensiva socialista. O livro Para além do capital é, entre outras coisas, uma crítica radical à famigerada teoria do “socialismo num só país”.
3 É importante frisar que, para Mészáros, o próprio modo de se estruturar do partido socialista deve ser diferente do modo de se articular do capital. Nas suas palavras, a reorganização interna do movimento revolucionário precisa apresentar, em seu processo constitutivo, “prenúncios de uma nova forma – genuinamente associativa – de cumprir as tarefas que possam se apresentar” (2004, 52).
4 A socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana é, bem entendido, algo diverso da mera estatização das coisas levadas a cabo por projetos políticos anteriores que se consideravam socialistas.

REFERÊNCIAS
BENOIT, Hector. Uma teoria da transição aquém de qualquer além? Revista Crítica Marxista, nº 16, 2003. Disponível em
http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/sumario16.html. Acesso em 29/10/2010.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.
MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.
MÉSZÁROS, István. Tempos de Lukács e nossos tempos: socialismo e liberdade. in Verinotio: revista online de educação e ciências humanas. n.10, Ano V, out./2009. Disponível em http://www.verinotio.org .

Dedicado aos valorosos camaradas militantes do Coletivo Opção Socialista (de Santa Maria, Rio Grande do Sul), que compõem o Campo Debate Socialista do PSOL

Demetrio Cherobini é cientista social e mestre em Educação.

FONTE: Correio da Cidadania

sábado, 26 de novembro de 2011

Origens do socialismo

Por Aluizio Moreira



Escrever sobre História do Socialismo, não é tarefa fácil, por mais que pensem o contrário. Verdadeiramente há muitas discordâncias sobre as origens históricas do socialismo.Por onde começar? Ou seja, a partir de quando podemos estabelecer o surgimento do socialismo?

Para G.D.H. Cole ("Historia del Pensamiento Socialista”), a palavra “socialismo” apareceu na imprensa pela primeira vez em 1832, no jornal “Le Globe”, dirigido por Pierre Leroux e foi empregada para caracterizar a doutrina de Saint-Simon. Mas o século XIX não registra somente o aparecimento da palavra “socialismo”. Segundo o mesmo autor, na mesma obra, a palavra “comunismo” também surgiu no século XIX  e foi empregada pela primeira vez também na França, relacionada com algumas sociedades revolucionárias secretas que existiram em Paris durante a década de 30 daquele século, enquanto que por volta de 1840, a palavra “comunismo” passou a designar as teorias de Etienne Cabet expostas na sua obra “Viagem à Icária”.

Bem, se as palavras “socialismo” e “comunismo” só apareceram no século XIX (1830/1840), poderíamos determinar aquele século como marco inicial para uma História do Socialismo, ou do Comunismo?

Max Beer, na sua “História do Socialismo e das Lutas Sociais”, identifica a existência do comunismo, como teoria e como prática, desde a Antigüidade: como teoria através do pensamento de Platão, dos estóicos e do cristianismo; como prática nas formas de organização das sociedades palestina (hebreus) e gregas (Esparta e Atenas). Neste caso, poderemos nos orientar por Max Beer fixando a Antigüidade como marco inicial para nossa História do Socialismo, ou antes, do Comunismo?

E se descartarmos Max Beer, o que dizer de Rosa Luxemburgo (“O Socialismo e as Igrejas”) que nos fala de um “comunismo dos primeiros cristãos”? Poderemos acompanhar Rosa Luxemburgo?

Friedrich Engels não volta tanto no tempo.  Em sua obra “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, defende que assim como o  “materialismo moderno” é filho da Inglaterra do século XVII, o “socialismo moderno” é filho da França do século XVIII. No entanto, se o “materialismo moderno” não exclui a existência de um “materialismo pré-moderno”, pois os primeiros materialistas existiram na Grécia Antiga, do mesmo modo, admitir um “socialismo moderno” não deverá excluir a existência de um “socialismo pré-moderno”.

No "Manifesto do Partido Comunista", Marx e Engels  chegam a reconhecer a existência de “sistemas socialistas e comunistas propriamente ditos” ligados aos nomes de Saint-Simon, Fourier e Owen. A expressão “propriamente ditos” quer significar que pode ter existido “sistemas socialistas e comunistas” que não eram  “propriamente ditos”? Se assim for, esses últimos – os “não-propriamente ditos” -   podem ter existido antes de Saint-Simon, Fourier e Owen.

A resposta a essas indagações, só será possível se verificarmos de qual socialismo (e de qual comunismo) estamos falando. Será que socialismo pode ser identificado com qualquer forma de pensamento que condene a propriedade privada? Para ser socialista basta lutar contra a desigualdade social e defender a repartição dos bens entre os que fazem uma determinada sociedade? Um sistema socialista se resumiria na organização de uma seita religiosa, na qual seus membros possam dispor dos bens em comum?

Ora, fala-se muito das tendências que estariam presentes nos movimentos camponeses na fase de transição do feudalismo para o capitalismo na Europa e na política agrária da esquerda jacobina durante a Revolução Francesa de 1789. O que sabemos é que os movimentos camponeses que se verificaram na Europa Ocidental, Central e Oriental nos séculos XV ao XVIII, reivindicaram o acesso às terras pelos trabalhadores do campo; a ala radical dos jacobinos, na fase que assumiu o poder em 1793, elaborou uma política agrária que propunha a repartição da propriedade. o que permitiria aos camponeses pobres o acesso às terras, antes monopólios da nobreza fundiária. É bom  observar, no entanto, que em ambos os casos, não se tratava de eliminar a propriedade privada da terra, mas de limitar essa propriedade, facilitando o acesso às terras aos camponeses, transformando-os também em proprietários. Evidências de comunismo? O máximo que podemos admitir, é que uns e outra defenderam a implantação de um "igualitarismo agrário", que não pode ser, de forma alguma, identificado com o comunismo, no sentido moderno do termo.

Talvez a partir de uma definição do que seja socialismo e/ou comunismo,  poderemos estabelecer se uma História do Socialismo pode ser iniciada na época dos “Atos dos Apóstolos” , ou da descrição de uma ilha imaginária (“Utopia”, “Icária”, “Nova Atlântida”), ou da publicação de “O Testamento de Jean Meslier”  ou mesmo de “Le Nouveau  Christianisme”?

Como definir socialismo e comunismo se os conceitos mudam de significados no processo de desenvolvimento histórico? Por acaso o conceito de democracia na Grécia Antiga conserva o mesmo sentido da democracia na França do século XVIII? O conceito de povo na Roma escravista é o mesmo conceito de povo nos fins do século XIX?

Evidentemente o sentido que damos aos termos socialismo e comunismo neste século XXI, não tem o mesmo sentido que davam ao socialismo e ao comunismo aqueles que os defendiam e os propagavam nos séculos XVII e XVIII, pois com toda certeza socialismo e comunismo naqueles séculos abrigavam concepções diferentes, como diferentes são as idéias de um Thomas More em relação às de um Jean Meslier, de um Jean Meslier em relação às de um Saint-Simon, de um Saint-Simon em relação às de um Robert Owen. Mas mesmo diferentes em seus significados, todos aqueles "socialismos" não devem conservar alguma coisa em comum?


No Prefácio que escreveu para a edição inglesa de 1890 do "Manifesto do Partido Comunista", Engels, referindo-se ao fato do Manifesto não ter sido chamado de Manifesto Socialista, assim se justifica:
Em 1847, esta palavra servia para designar dois gêneros de indivíduos. De um lado, os partidários dos diferentes sistemas utópicos, especialmente os owenistas na Inglaterra e os fourieristas na França, ambos já reduzidos a simples seitas agonizantes. Do outro lado, os numerosos curandeiros sociais que queriam, com suas panacéias variadas e com tôda espécie de cataplasmas, suprimir as misérias sociais, sem tocar no capital e no lucro. (MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 2,ed. São Paulo:Escriba, 1968, p. 18-19) 
Para Engels, naquela época, se chamava comunista todo aquele que defendia "a necessidade de uma completa mudança social", já socialista era aquele que com "panacéias variadas e com todas as espécies de cataplasmas", queria "eliminar os males sociais" sem mudar as condições responsáveis pela existência daqueles males. Ou seja, (...) "em 1847, o socialismo era um movimento burguês (a middle-class movement), o comunismo um movimento operário."

Isto significa, entre outras coisas, que socialismo não é sinônimo de movimento revolucionário, nem de uma sociedade qualitativamente nova. Razão pela qual os autores do "Manifesto" chegam a estabelecer uma verdadeira tipologia de socialismo: o socialismo feudal, o socialismo sacro, o socialismo pequeno-burguês, o socialismo conservador, etc.

Nesta altura é possível admitir que a palavra socialismo pode se referir a qualquer tipo de movimento que defenda que as relações entre os homens sejam pautadas pela melhoria das condições de vida e de trabalho da população, pela maior distribuição dos bens entre os cidadãos. . . mas nada disso implicaria  na real transformação da estrutura econômico-social da sociedade, na eliminação da propriedade privada dos meios de produção, no fim da exploração do homem pelo homem.


Referências:
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, s/d.
COLE, G.D.H. Historia del pensamiento socialista. Mexico: Fundo de Cultura Economica, 1974, vol. 1.
ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo cientifico. São Paulo: Global, 1984.
LUXEMBURGO, Rosa. O socialismo e as Igrejas. 2.ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 2.ed. São Paulo: Escriba, 1968. 

Socialismo. Tentativa de periodização

Por Aluizio Moreira


Qualquer tentativa de periodizar a História, privilegiando os aspectos econômicos, ou os políticos ou os ideológicos, tem seu risco e sua insuficiência. O primeiro grande risco é o de facilmente identificarmos essa periodização com a visão unilinear da História, como por longo tempo se atribuiu a Marx ao admitir no Prefácio de "Contribuição à Crítica da Economia Política", que "os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade". O segundo, o de exigirmos uma univocidade de alguns elementos pertencentes a cada período, como se não fosse possível a sobrevivência desses alguns elementos ( econômicos, políticos e ideológicos), em momentos históricos subseqüentes.

Em termos de uma História das Idéias ( a das socialistas, por exemplo), junto a tudo isto, ainda há um perigo maior: o de se considerar as idéias como primordiais, autônomas, independentemente das condições materiais de existência. Outra é a consideração feita por Marx e Engels em "A Ideologia Alemã", quando afirmaram: "São os homens que produzem as suas representações, as suas idéias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. "

Em geral, desde o momento em que surge a propriedade privada dos meios de produção, e com ela os antagonismos de classe, levantaram-se vozes e surgiram movimentos, isolados sempre, contra as injustiças, os abusos da opulência, as esperanças de um futuro melhor, estivesse esse futuro na Terra ou nos Céus. As formas de se tantar "resolver" essas adversidades variaram: o chamado "pastoralismo" do Velho Testamento ( "baseado na propriedade irrestrita dos rebanhos", segundo Paul Sweezy); o isolamento praticado por seitas religiosas como os essênios; a busca de um Reino de Deus dos cristãos; a proposta de retorno ao "sistema primitivo de lavoura individual" dos Gracos; os desejos de vingança e liberdade, presentes nos levantes de escravos como o liderado por Espártaco; os movimentos monásticos e heréticos na Idade Média. O elemento comum, em todas essas propostas e movimentos, é que nenhuma tinha por ideal a implantação da propriedade comunal, coletiva, para toda sociedade, mas apenas para um setor de classe ou para os adeptos, "os eleitos", de uma seita religiosa qualquer. Nada disso a nosso ver, pode ser confundido com socialismo.

A primeira vez em que é colocada a questão da propriedade coletiva, igualitária, em termos de uma sociedade inteira ( e não apenas facções dela), surgiu no século XVI, se bem que de maneira romântica, como descrição de sociedades imaginárias, presentes nas obras de More e Campanella. E é a partir daí que tem início a História do Socialismo, para a maioria que se dedica ao seu estudo, embora esses autores, More e Campanella, sejam considerados como precursores, pertencentes a uma "pré-história" do Socialismo.

Ordenando melhor o que vimos até aqui, a História do Socialismo comportaria três fases: a) a dos precursores: More e Campanella; b) a do Socialismo Utópico: de Babeuf a Owen, passando por Winstanley, Mably, Morelly e Meslier; c) a do Socialismo Científico: a partir de Marx e Engels.

Mas como os próprios elaboradores do marxismo viram a questão? As obras de Marx e Engels que abordam o assunto nos fornecem alguns indicadores que nos permitem apresentar o seguinte: já no MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA de 1848, escrito a duas mãos, na sua Parte III - Literatura Socialista e Comunista - consideram três momentos no desenvolvimento do Socialismo, antes de se tornar teoria e prática operárias: 1) o socialismo reacionário (feudal, pequeno-burguês); 2) o socialismo conservador ou burguês; 3) o socialismo e o comunismo crítico-utópicos.

O primeiro - o socialismo reacionário - seria o socialismo "meio lamentação, meio escárnio: metade ecos do passado, metade ameaças ao futuro", que incluiria o "socialismo clerical", ascético, e o pensamento de Jean-Charles Sismondi, que teria demonstrado " irrefutavelmente os efeitos destruidores da maquinaria e da divisão do trabalho, a concentração dos capitais e da propriedade territorial, a superprodução, as crises, a ruína inevitável dos pequenos burgueses e dos pequenos camponeses, a miséria do proletariado, a anarquia na produção, a acintosa desproporção na distribuição das riquezas"(...).

O segundo - o socialismo conservador ou burguês - expressão da ideologia burguesa, cujos representantes ("economistas, filantropos, humanitários"), desejavam apenas "remediar os males sociais" como garantia para própria existência burguesa, obviamente sem "a supressão das relações burguesas de produção".

O terceiro - o socialismo e o comunismo crítico-utópicos - diz respeito aos sistemas elaborados por Saint-Simon, Fourier, Owen, que embora tenham reconhecido "o antagonismo das classes" e criticado "todas as bases da sociedade existente", na verdade pretendem "melhorar a situação de todos os membros da sociedade, inclusive dos mais privilegiados".

Dos fins de 1877 a 1878, Friedrich Engels publicou diversos artigos no jornal Vorwarts, reunidos no livro conhecido sob o título ANTI-DUHRING, nos quais alguns retomam a temática do socialismo do ponto de vista de seu desenvolvimento, mas limitando as análises aos sistemas elaborados pelos utópicos (Saint-Simon, Fourier e Owen).

Posteriormente Engels volta ao assunto no que êle chama de "folheto", intitulado SOCIALISMO UTÓPICO E SOCIALISMO CIENTÍFICO, elaborado a pedido de Paul Lafargue, publicado pela primeira vez na França em 1880. Segundo o próprio Engels no prefácio que escreveu para edição inglesa de 1892, esse "folheto" é uma reunião de três capítulos do Anti-Duhring (na edição portuguesa que nós temos, só a Seção Terceira do Anti-Duhring trata especificamente do Socialismo).

O que há de comum nas abordagens sobre o socialismo nas três publicações, é que este só é considerado como tal: 1 ) a partir da convergência das idéias de socialismo com o movimento operário, 2 ) como programa que pretende transformar a sociedade como um todo, pela supressão das relações burguesas de produção. Seria o fim do reinado da burguesia que desapareceria como classe. Dessa forma, nenhuma das propostas, por mais igualitárias que se apresentem mas que não sejam resultantes daquela convergência ( ítem 1), nem resultem naquela transformação radical da sociedade (ítem 2), podem ser encaradas como Socialismo Científico. A considerá-las como Socialismo, ganhariam outros adjetivos: literário, pequeno-burguês, reacionário, utópico. Não passam aquelas propostas, de expressões de "caráter puramente literário", preconizadoras de "um ascetismo universal e um grosseiro igualitarismo", decorrentes "apenas de uma concepção fantástica" de uma sociedade futura. No entanto, apesar daquelas limitações, correspondem "aos primeiros impulsos intuitivos" no sentido de "uma completa transformação da sociedade".

Assim, poderemos tentar elaborar uma periodização para a História do Socialismo desde suas origens aos dias de hoje, admitindo as seguintes etapas, mesmo que sejamos os primeiros a considerá-las discutíveis como todas periodizações: 

- 1516 a 1796. Período marcado pelos aparecimentos da "Utopia" (1516) de Thomas More" e "A Cidade do Sol" ( 1623) de Tommasio Campanella; pelos trabalhos e atuações de Winstanley, Mably, Morelly, Meslier e Babeuf com a "Conspiração dos Iguais" (1796).

- 1796 a 1848-50. Corresponde ao surgimento dos socialistas utópicos Saint-Simon, Fourier, Owen; à elaboração dos pensamentos anarquista e marxista; à criação da Liga dos Justos (1836), posteriormente transformada na Liga dos Comunistas (1846); pela redação por Marx e Engels do "Manifesto do Partido Comunista" (1847-1848), apresentado como programa político dessa mesma Liga.

- 1848-50 a 1871. Período de intensa atividade socialista, não só pela difusão dos ideais do socialismo e do comunismo, como pela penetração dessas idéias no movimento operário; acontece a fundação (1864) e as atividades da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT); surgem as polêmicas entre marxistas e anarquistas; acontece a primeira experiência histórica da tomada do poder pelos trabalhadores, a Comuna de Paris (1871), cujas repressões em grande escala, ocasionando prisões e exílios de trabalhadores e socialistas, provocarão um refluxo nos movimentos operário e socialista.

- 1871 a 1914. Corresponde à afirmação do pensamento marxista, até então de grande influência apenas na Alemanha; funda-se a II Internacional (1889); aparecem a chamada ortodoxia marxista (Karl Kautsky, Eduard Bernstein) e a corrente inovadora ligada aos nomes de Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, V. I. Lênin, Leon Trotsky, Nikolai Bukharin.

- 1914 a 1956. Este período é marcado pelo grande ciclo de Revoluções Socialistas, iniciado com a Revolução Bolchevique na Rússia (1917). Tornam-se socialistas a Mongólia (1924), o Leste Europeu (1944-1948), o Vietnã do Norte ( 1945), a Coréia do Norte ( 1948), a China ( 1949). Formada desde 1919 sob a liderança de Lênin, a III Internacional (Internacional Comunista) exercerá um grande papel no sentido da formação, expansão, aglutinação e orientação das atividades dos Partidos Comunistas em todo mundo. Surgem o maoísmo, o stalinismo, o austro-marxismo. São formadas a IV Internacional e a Internacional Socialista. Difunde-se o chamado marxismo ocidental (Antonio Gramsci, Gyorgy Lukács, Lucien Goldmann, Louis Althusser, entre outros) e cria-se a Escola de Frankfurt ( Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Jürgen Habermas). O marxismo, como idéia e como prática revolucionária é difundido pelos países do terceiro mundo, inclusive América Latina, com fundações de Partidos Comunistas durante toda a década de 20.

- 1956 à atualidade. Realiza-se em 1956 o XX Congresso do PCUS, que inicia o processo de "desestalinização". Em 1959 acontece a Revolução Cubana e vários movimentos armados estouram na América Latina sob sua influência. Surgem os primeiros movimentos "liberalizantes"e reformistas no mundo socialista com a insurreição húngara (1956), a Escola de Budapeste, a Primavera de Praga (1968), o eurocomunismo na Europa Ocidental (1975/76), o movimento Solidariedade (1980). Grandes mudanças ocorrem nas sociedades de socialismo real (URSS e Leste Europeu) a partir da Perestroika (1985) e da queda do muro de Berlim (1989): desintegração dos regimes comunistas da Europa Oriental (1989), reunificação da Alemanha (1990), início da desintegração da Iugoslávia e fim das URSS (1991), criação da República Eslovaca e da República Tcheca (1993) independentes. O marxismo passa por momentos críticos de reavaliação, revisão e reinterpretação.

É no bojo dessa reavaliação, revisão e reinterpretação, que muitos abandonam os princípios da dialética materialista e do materialismo histórico, ou seja, deixaram de ser marxistas, se alguma vez o foram. Vaticina-se o fim do comunismo. Muitos partidos mudam de nome... e de princípios. Mas ao mesmo tempo, para além das crises, são retomadas discussões acerca das teorias e das práticas do marxismo, que abrem novas perspectivas revolucionárias para o futuro. 

Palavras iniciais

Por Aluizio Moreira


A História enquanto Ciência não é o estudo do passado em si mesmo. Geralmente são as questões, os problemas que nós enfrentamos no presente, que nos remetem aos estudos do passado, não só para entendermos melhor o presente, mas também como forma necessária de atuarmos neste presente na perspectiva de transformá-lo num futuro. Neste sentido cabe bem a observação do historiador José Honório Rodrigues de que "A História não é dos mortos, mas dos vivos".

Por outro lado, os conceitos enquanto abstrações e as abstrações enquanto reflexo de uma realidade objetiva, mudam com o desenvolvimento histórico da sociedade, enquanto teoria e enquanto prática, pois a capacidade cognoscitiva de cada pessoa e de cada geração é limitada pelas condições de cada etapa histórica. 

No entanto, em cada etapa histórica, cada novo elemento da verdade relativa que corresponde à conquista de  um determinado nível de conhecimento teórico-prático, criará as premissas que aproximarão o homem da verdade absoluta.

Portanto, conhecer a História do Socialismo é conhecer parte da verdade relativa, e conseqüentemente, parte da verdade absoluta, na busca da realização de uma sociedade verdadeiramente humana.