Considerada a primeira experiência histórica de socialismo, pois pela primeira vez na história socialistas e trabalhadores assumem o poder político, possibilitando uma reorganização da sociedade sob o controle e orientação dos setores populares, a Comuna de Paris foi um desdobramento da guerra franco-prussiana, que ocorreu em 1870.
Após a formação da Confederação Alemã do Norte em 1867, que se seguiu à vitória da Prússia sobre a Áustria, Bismarck parte para estender seu domínio sobre o sul do país, ameaçando ocupar territórios reivindicados por Napoleão III, imperador da França, originando um clima de conflito entre França e Prússia.
Napoleão III subestimando o poderio militar alemão,declarou guerra à Prússia em julho de 1870, mas a vitória militar de Bismarck sobre as tropas francesas foi rápida.
Em setembro do mesmo ano, o exército francês em Sedan foi derrotado pelos prussianos, ocasionando a prisão do próprio Napoleão III. Cai o Império francês e instaura-se um Governo Provisório, denominado “Governo de Defesa Nacional”, o que não impediu que as tropas de Bismarck, depois de cercar Metz, chegassem até Paris.
Em Paris o povo armado continuava resistindo aos ataques prussianos. Em 28 de janeiro de 1871, o governo francês assinou o armistício com a Prússia e convocou eleições para a Assembléia Nacional, que logo na sessão inaugural negou-se a reconhecer a França como República. O monarquista Thiers foi eleito chefe do governo, passando a exigir que o povo de Paris depusesse as armas, iniciando, após recusa da população, uma ofensiva contra os parisienses.
Aguçam-se os conflitos entre o povo e os grupos políticos monarquistas. Sob influência socialista,os trabalhadores parisienses tomam de assalto o poder em 18 de março de 1871, instituindo um Comitê Central Revolucionário. Através desse Comitê foi estabelecida a autogestão democrática e popular, na qual todos os cargos tornaram-se eletivos (deputados, professores, juizes, etc); proclamada a igualdade civil de homens e mulheres; promovida a separação da Igreja do Estado; instituído um exército formado por destacamentos armados do povo; decretado o congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade.
A exemplo de Paris, as cidades de Lyon, Marselha, Toulon e Narbonne, entre outras, passam para o controle dos communards.
No dia 26 de março de 1871, o Comitê Central se desfaz, entregando do Poder a um Governo Provisório, eleito por sufrágio universal, composto por membros da Primeira Internacional, alem de blanquistas, proudhonianos, republicanos burgueses e patriotas exaltados. Foi a formação desse Governo que praticamente decretou, por antecipação, o fim da Comuna de Paris.
Em carta ao seu amigo Kugelmann, datada de 12 de abril de 1871, como que prevendo o desfecho da Comuna, Karl Marx assim se expressa: “O momento preciso foi perdido por causa de escrúpulos de consciência. Eles [os communards] não queriam começar a guerra civil, como se esse nocivo aborto, Thiers já não a houvesse iniciado com sua tentativa de desarmar Paris. Segundo erro: o Comitê Central entregou seu poder muito cedo, para dar caminho à Comuna. Outra vez por escrúpulos “muito honrados!”
Contando com a ajuda das mesmas tropas prussianas que submeteram a França em 1870, soldados de Versalhes cercaram Paris, bombardeando-a intensamente. Invadem a cidade defendida por populares que desesperadamente resistiram às investidas militares. São massacrados violentamente. Resultado: 20.000 populares foram fuzilados, 38.000 detidos e 13.000 deportados. A experiência da Comuna, chega o fim em maio de 1871.
Os que conseguiram escapar à prisão e fuzilamento, fugiram para vários países, inclusive para as Américas. (*)
Em sua "Historia del Pensamiento Socialista", G.D.H. Cole apresenta uma relação por ele mesmo considerada incompleta, na qual figuram entre os "communards" mortos, presos e os que conseguiram fugir depois da queda da Comuna de Paris, os seguintes socialistas (independentes, blanquistas, proudhonistas):
Mortos
Louis Charles Delescluze (1809-1871) - morto nas barricadas; Eugène Varlin (1839-1871) - fuzilado após aprisionamento; Émile Victor Duval (1841-1871) - fuzilado após aprisionamento; Gustave Tridon (1841-1871) - morto nas barricadas; Théophile Ferré (1845-1871) - fuzilado após aprisionamento; Raoul Rigault (1846-1871) - fuzilado após aprisionamento; Auguste Vermorel (1841-1871) - morto nas barricadas.
Presos
Louise Michel (1830-1905) - deportada para Nova Caledônia; Adolphe-Alphonse Assi (1841-1886) - deportado para Nova Caledônia; Jean Allemane (1843-1935) - deportado para Nova Caledônia.
Fugiram
Charles Beslay (1795-1878) - fugiu para Suíça; Gustave Lefrançais (1826-1901) - fugiu para Suíça; Jules Valles (1832-1885) - fugiu para Inglaterra; Jean Baptiste Clément (1837-1903) - fugiu para Inglaterra; Gabriel Ranvier (1828-1879) - fugiu para Inglaterra; Albert Theisz (1839-1881) - foi condenado à morte, mas conseguiu fugir; Louis-Jean Pindy (1840-1917) - fugiu para Suíça; Benoît Malon (1841-1893) - fugiu para Suíça; Leo Frankel (1844-1896) - fugiu para Inglaterra; Eugéne Protot (1839-1921) - dado como morto, mas conseguiu fugir; Édouard Vaillant (1840-1915) - fugiu para Suíça; Émile Eudes (1844-1888) - fugiu para Suíça.
Hyppolyte Prosper-Olivier Lissagaray, um dos participantes do movimento, em sua obra "História da Comuna de 1871" apresenta o seguinte quadro de condenações:
Pena de morte 270 (sendo 8 mulheres); trabalhos forçados 410 (sendo 29 mulheres); deportação para local fortificado 3.989 (sendo 20 mulheres); deportação simples 3.507 (sendo 16 mulheres e 1 criança); detenção 1.269 (sendo 8 mulheres); reclusão 64 (sendo 10 mulheres); obras públicas 29; prisão de até três meses 432; prisão de três meses a um ano 1.622 (sendo 50 mulheres e 1 criança); prisão de mais de um ano (1.344, sendo 15 mulheres e 4 crianças); banimento 322; sob guarda policial 117 (sendo 1 mulher); multa 9; crianças menores de 16 anos enviados a uma casa de correção 56.
Isso sem falar nos que foram fuzilados durante a repressão policial e sem incluir dados de outras jurisdições.
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(*) As notícias que circularam em nosso país, de que alguns participantes da Comuna viriam para o Brasil, provocaram na imprensa e no meio político calorosas discussões a favor ou contra aquela possibilidade.
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Homenagem aos Communards de Paris:
Adolphe-Alphonse Assi * Albert Theisz * Alfred-Edouard Billioray * Alexis Trinquet * Alphonse Mathieu Humbert * Antoine Magliore * Arthur Arnould * Arthur Ranc * Auguste Vermorel * Benoit Malon * Charles Amouroux * Charles Ferdinand Gambon * Charles Longuet * Charles Beslay * Edmond Lepelletier * Edouard Moreau * Edouard Vaillant * Elisabeth Dmitrieff * Émile Eudes * Émile Victor Duval * Eugéne Protot * Eugéne Varlin * Eulalie Papavoine * Felix Pyat * François Jourde * François Parisel * Gabriel Ranvier * Gustave Cluseret * Gustave Coubert * Gustave Flourens * Gustave Lefrançais * Gustave Tridon * Henri Brisacc * Henry Champy * Hippolyte Prosper-Olivier Lissagaray * Jaroslaw Dombrowski * Jean Allemane * Jean Baptiste Clément * Jules Allix * Jules Audoynad * Jules Bergeret * Jules Johannard * Jules Valles * Leo Frankel * Louis Charles Delescluze * Louis-Jean Pindy * Louise Michel * Lucien-Félix Henry * Nathalie Lemel * Nathaniel Rosset * Paschal Grousset * Raoul Rigault * Remy Zephirin Camelinat * Therèse Collin * Théophile Ferré * Victorine Rouchy * Walery Wroblewski.
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Os Decretos da Comuna de Paris
Ao assumirem o poder em Paris, os communards editaram Os Decretos a seguir:
Artigo I. As velhas autoridades de tutela, criadas para oprimir o povo de Paris, são abolidas, tais como: comando da polícia, governo civil, câmaras e conselho municipal. E as suas múltiplas ramificações: comissariados, esquadras, juízes de paz, tribunais etc. são igualmente dissolvidas.
Artigo II. A comuna proclama que dois princípios governarão os assuntos municipais: a gestão popular de todos os meios de vida coletiva; a gratuidade de tudo o que é necessário e de todos os serviços públicos.
Artigo III. O poder será exercido pelos conselhos de bairro eleitos. São eleitores e elegíveis para estes conselhos de bairro todas as pessoas que nele habitem e que tenham mais de 16 anos de idade.
Artigo IV. Sobre o problema da habitação, tomam-se as seguintes medidas: expropriação geral dos solos e sua colocação à disposição comum; requisição das residências secundárias e dos apartamentos ocupados parcialmente; são proibidas as profissões de promotores, agentes de imóveis e outros exploradores da miséria geral; os serviços populares de habitação trabalharão com a finalidade de restituir verdadeiramente à população parisiense o caráter trabalhador e popular.
Artigo V. Sobre os transportes, tomam-se as seguintes medidas: os ônibus, os trens suburbanos e outros meios de transporte público são gratuitos e de livre utilização; o uso de veículos particulares é proibido em toda a zona parisiense, com exceção dos veículos de bombeiros, ambulâncias e de serviço à domicílio; a Comuna põe à disposição dos habitantes de Paris um milhão de bicicletas cuja utilização é livre, mas não poderão sair da zona parisiense e de seus arredores.
Artigo VI. Sobre os serviços sociais, tomam-se as seguintes medidas: todos os serviços ficam sob controle das juntas populares de bairro e serão geridos em condições paritárias pelos habitantes de bairro e os trabalhadores destes serviços; as visitas médicas, consultas e assistência médica e medicamentos serão gratuitos.
Artigo VII. A Comuna proclama a anistia geral e a abolição da pena de morte e declara que a sua ação se baseia nos seguintes princípios: dissolução da polícia municipal, dita polícia parisiense; dissolução dos tribunais e tribunais superiores; transformação do Palácio da Justiça, situado no centro da cidade, num vasto recinto de atração e de divertimento para crianças de todas as idades; em cada bairro de Paris é criada uma milícia popular composta por todos os cidadãos, homens e mulheres, de idade superior a 15 anos e inferior a 60 anos, que habitem o bairro; são abolidos todos os casos de delitos de opinião, de imprensa e as diversas formas de censura: política, moral, religiosa etc; Paris e proclamada terra de asilo e aberta a todos os revolucionários estrangeiros, expulsos [de suas terras] pelas suas idéias e ações.
Artigo VIII. Sobre o urbanismo de Paris e arredores, consideravelmente simplificado pelas medidas precedentes, tomam-se as seguintes decisões: proibição de todas as operações de destruição de Paris: vias rápidas, parques subterrâneos etc; criação de serviços populares encarregados de embelezar a cidade, fazendo e mantendo canteiros de flores em todos os locais onde a estupidez levou à solidão, à desolação e ao inabitável; o uso doméstico (não industrial nem comercial) da água, da eletricidade e do telefone é assegurado gratuitamente em cada domicílio; os contadores são suprimidos e os empregados são colocados em atividades mais úteis.
Artigo IX. Sobre a produção, a Comuna proclama que: todas as empresas privadas (fábricas, grandes armazéns) são expropriadas e os seus bens entregues à coletividade; os trabalhadores que exercem tarefas predominantemente intelectuais (direção, gestão, planificação, investigação etc.) periodicamente serão obrigados a desempenhar tarefas manuais; todas as unidades de produção são administradas pelos trabalhadores em geral e diretamente pelos trabalhadores da empresa, em relação à organização do trabalho e distribuição de tarefas; fica abolida a organização hierárquica da produção; as diferentes categorias de trabalhadores devem desaparecer e desenvolver-se a rotatividade dos cargos de trabalho; a nova organização da produção tenderá a assegurar a gratuidade máxima de tudo o que é necessário e diminuir o tempo de trabalho. Devem-se combater os gastadores e parasitas. Desde já são suprimidas as funções de contramestre, cronometrista e supervisor.
Artigo X. Os trabalhadores com mais de 55 anos que desejem reduzir ou suspender sua atividade profissional têm direito a receber integralmente os seus meios de existência. Este limite de idade será menor em relação a trabalhos particularmente custosos.
Artigo XI. É abolida a escola “velha”. As crianças devem sentir-se como em sua casa, aberta para a cidade e para a vida. A sua única função é a de torná-las felizes e criadoras. As crianças decidem a sua arquitetura, o seu horário de trabalho e o que desejam aprender. O professor antigo deixa de existir: ninguém fica com o monopólio da educação, pois ela já não é concebida como transmissão do saber livresco, mas como transmissão das capacidades profissionais de cada um.
Artigo XII. A submissão das crianças e da mulher à autoridade do pai, que prepara a submissão de cada um à autoridade do chefe, é declarada morta. O casal constitui-se livremente com o único fim de buscar o prazer comum. A Comuna proclama a liberdade de nascimento: o direito de informação sexual desde a infância, o direito do aborto, o direito à anticoncepção. As crianças deixam de ser propriedades de seus pais. Passam a viver em conjunto na sua casa (a Escola) e dirigem sua própria vida.
Artigo XIII. A Comuna decreta: todos os bens de consumo, cuja produção em massa possa ser realizada imediatamente, são distribuídos gratuitamente; são postos à disposição de todos nos mercados da Comuna.
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