sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

PROBLEMAS DA CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO [ Parte 3 ]


Por Alberto Anaya Gutiérrez, Alfonso Ríos Vázquez, Arturo López Cándido, José Roa Rosas [ * ]


III - BALANÇO DO CHAMADO SOCIALISMO REAL


A URSS e a Europa oriental

A conformação do socialismo de Estado e do chamado "campo socialista" foi a cristalização final de processo iniciado peIa Revolução Russa de 1917. O traço burocrático-militar, presente na política externa da URSS, conferiu um acentuado carácter imperialista ao seu próprio Estado e às relações que estabeleceu com os países que formaram o bloco soviético. O modelo teve as suas origens numa concepção do poder, da sociedade, da democracia, da cultura e da ideologia, a saber: consolidar as bases dos privilégios da "nova classe", da burocracia. Produziu-se um íntimo conúbio entre economia, política e cultura, entre matéria, ideologia e poder.

As características centrais do socialismo soviético foram a estatização total da economia e a vida social, a completa eliminação da democracia política e as liberdades civis, e a ideologização extrema da cultura e da ciência. A sociedade estruturou-se em torno de uma pirâmide administrativa de poder ("nomenclatura"), cujo vértice burocrático e militar detinha enormes privilégios pelas funções que desempenhava, converteram-na num grupo explorador. Neste quadro, o povo foi excluído das decisões do poder, da gestão económica e do direito à organização independente. Mas apesar disso, obteve importantes conquistas em matéria de segurança e serviços sociais. Também a mulher se viu favorecida, mas a persistência da cultura patriarcal e o grande atraso na produção de bens para o lar generalizaram a dupla jornada feminina a ponto de eliminar praticamente o seu tempo livre e exclui-la da atividade cívica e cultural a um nível maior que no capitalismo. Este tipo de desenvolvimento estatal-burocrático afastou-se em questões filosóficas, sociais e políticas fundamentais do ideal socialista original e da teoria marxista clássica. Apesar disso, para sectores muito amplos da intelectualidade e do movimento popular dos países coloniais e atrasados foi muito atrativa, pois representava a materialização "real" dos ideais e princípios socialistas, e era vista como o único meio para alcançar um desenvolvimento socialmente mais justo que qualquer outro face ao capitalismo. Chegou-se a pensar, então, que este sucumbiria perante a superioridade do sistema soviético.

Tendo como antecedentes a constituição e o desenvolvimento da URSS, o bloco euro-soviético constituiu-se sem ter resultado de revoluções socialistas. Ao terminar a segunda guerra mundial, Estaline instalou governos pró-soviéticos e empenhou-se em converte-los em cópias fiéis da URSS. A "Doutrina Truman" (1947), que desencadeou a "guerra-fria", reforçou a política externa do Kremlin. Apesar da "desestalinização" do XX Congresso do PCUS (1956), a situação prevaleceu até ao derrube do sistema socialista em 1989-1991. O sistema era dominado peIa "nomenclatura" ou "nova classe" (Djilas), a qual excluía o povo da tomada de decisões, da gestão económica e do direito a organizar-se de forma independente. Nos anos setenta, o sistema entra em estagnação e sobrevém uma grave decomposição social. No económico, o derrube obedeceu principalmente à baixa produtividade do trabalho (excesso de pessoal, tecnologia obsoleta e falta de incentivos) e ao parasitismo burocrático. No político, social e cultural, a fusão do Estado e do partido anularia toda a possibilidade de uma vida democrática. Nestas circunstâncias, a reforma do sistema ficou limitada às iniciativas da cúpula dirigente.

A crise do estalinismo nos anos cinquenta, a ruptura sino-soviética e as invasões da Hungria e da Checoslováquia foram apenas avisos de uma crise maior, mas num contexto aparentemente mais favorável expresso - entre outros factos - na revolução cubana, na guerra do Vietname e na revolução cultural chinesa. Na década de setenta, vários países do sudeste asiático, de África e da América Latina foram sacudidos por movimentos revolucionários conotados ou aliados ao campo socialista. Simultaneamente, os acontecimentos internacionais dessa década foram bastante desfavoráveis ao capitalismo e ao imperialismo: a derrota no Vietname, o problema do petróleo e a crise mundial de 1974 -1975. No entanto, em vez de isto ter constituído o prólogo do triunfo mundial do socialismo de Estado, foi o início da sua queda. 

Nos anos setenta, o socialismo de Estado não se comporta melhor que as economias industrializadas do Ocidente. A economia da URSS e do campo socialista entra numa etapa de declínio e estagnação. Baixou acentuadamente o nível de vida da população e apareceram sintomas muito graves de decomposição social, como a generalização do alcoolismo, do absentismo laboral, da corrupção administrativa e do mercado negro, fenómenos que se tornaram visíveis na década seguinte. No plano externo, a crise se expressou principalmente nas guerras entre países socialistas e nos subsídios a governos envolvidos nelas, o que gerou o repúdio do povo soviético e agravou ainda mais a frágil economia soviética. No plano interno, estava-se perante o esgotamento do padrão de desenvolvimento económico herdado da etapa estalinista (sustentado na extrema centralização das decisões e controlo, no desbaratar dos recursos materiais e da força de trabalho, que privilegia a indústria pesada e militar em detrimento da agricultura e da indústria de bens de consumo), sustentado a qualquer preço, apesar de as condições terem mudado. Este padrão pode funcionar nas difíceis condições de atraso, mas deixou de funcionar ao aparecerem condições económicas, sociais e culturais que requeriam um desenvolvimento sustentado na mudança tecnológica, no incremento da produtividade do trabalho, a descentralização das decisões e o uso cuidadoso dos recursos naturais e do ambiente. Dito de outro modo, o campo socialista não levou a cabo a necessária transição para o socialismo desenvolvido. 

No campo estritamente económico, este processo foi bloqueado principalmente peIa baixa produtividade média do trabalho e sua tendência descendente. Isto foi resultado tanto do excesso relativo de pessoal e da utilização de tecnologia obsoleta em quase todos os ramos industriais (à excepção do militar), como da falta de verdadeiros incentivos ao trabalho e à eficiência (cumpriam-se formalmente os planos, e premiava-se a lealdade política e o conformismo social em sobreposição ao compromisso com o trabalho). A acrescentar a isto, o parasitismo burocrático absorvia a maior parte do excedente económico, a enorme despesa militar consumia grande parte do produto nacional (entre 15 e 20%) e concentrava os melhores recursos produtivos, em vez de financiar a reestruturação económica e libertar recursos para melhorar as condições de vida da população.

A rigidez da organização económica teve a sua correspondente na vida política, social e cultural. Em todas as partes a fusão do Estado e do partido coincidiu com a total supressão da democracia. Este facto afectou particularmente os sectores mais dinâmicos da população, generalizou o conformismo e impediu a necessária transformação do sistema. Nestas condições, as possibilidades de o reformar estavam confinadas às iniciativas da própria cúpula dirigente. A esta evolução interior juntaram-se as consequências das transformações mundiais. Desde finais dos anos setenta a revolução informática teve grande impacto sobre o desenvolvimento das forças produtivas, as comunicações e os modos de vida e de consumo. Surgia a nível mundial um novo tipo de economia baseado na automatização, na flexibilidade, na qualidade e na descentralização. Estes factos tinham lugar num mundo cada vez mais internacionalizado e competitivo, que impunha a todos os países a necessidade de se adaptarem ou de correr o risco de isolamento e de decomposição económica e social. 

As reformas tiveram lugar em meados dos anos oitenta, mas no quadro da crise económica, do crescente protesto social e político e da pressão das novas condições mundiais. Fracassou a tentativa de reativar a economia e ampliar o consenso social. Pelo contrário, agudizaram-se as contradições entre as forças apostadas na restauração capitalista, a resistência da burocracia em perder os seus privilégios e a débil oposição dos sectores que aspiravam a uma mudança em direção de um socialismo democrático. Nestas circunstâncias, o derrube do socialismo foi inevitável.

China 

A experiência da China seguiu um caminho distinto do soviético. Convertido de facto em "colónia internacional", de natureza semi-feudal e sem as condições para um desenvolvimento capitalista próprio, o país teve que defrontar uma longa e penosa guerra popular revolucionária (1927-1949) e encontrar o seu próprio caminho: o PCCh compreendeu que não podia Ievar a cabo uma revolução socialista "clássica". No texto "Acerca da nova democracia", Mao Tse-tung caracteriza a revolução chinesa como um processo em duas etapas sem ruptura: "a ditadura da aliança de todas as classes revolucionárias chinesas dirigidas pelo proletariado", e "a reorganização da sociedade socialista na China". Depois da guerra revolucionária, o país estava devastado. Procedeu-se à coletivização do campo peIa via oposta a empregada na URSS. A industrialização também seguiu um caminho diferente: a indústria foi levada ao campo. No período do " Grande Salto em Frente" (1958-1965) conseguiu-se impulsionar o desenvolvimento económico e a democracia socialista mediante a formação das comunas agrícolas (Ta chai) e industriais (Ta ching). Não obstante, com o objectivo de corrigir o desenvolvimento de tendências burguesas no partido e no Estado, Mao teve que impulsionar a Revolução Cultural (1966-1967), a qual postulava duas questões centrais: 1) corrigir as tendências para a burocratização, e 2) retificar o caminho da construção socialista. A concepção integral do socialismo chinês prevaleceu até à morte de Mao (1976). Nos anos seguintes redefiniu-se o rumo. No final dos anos setenta, a China empreendeu a mudança com fortes traços de restauração capitalista. 

O Presidente Deng Xiaoping (1979) delineou quatro princípios cardinais que definiam o futuro desenvolvimento sob as normativas de: 1) planificação socialista, 2) ditadura do proletariado, 3) liderança do Partido Comunista da China, e 4) continuidade ideológica baseada no marxismo-Ieninismo-pensamento Mao Tse-Tung. A República Popular da China abria-se ao mundo estabelecendo relações com 115 países e aderindo a 12 organizações internacionais. A nova estratégia da China ficou definida no Plano das Quatro Modernizações, cujos objetivos eram: revigorar os quadros políticos e profissionais; uma maior produtividade rural; uma administração industrial diferente e eficaz; a ampliação do comércio externo; o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a criação de uma grande corrente de investimento para o país. Os esforços do Estado centravam-se numa economia socialista de mercado, que se associava a uma política favorável ao investimento estrangeiro, à expansão do mercado internacional e ao desenvolvimento das áreas urbanas.

Introduziu-se na planificação uma maior participação do mercado na economia. A China começou a participar no mercado mundial, incrementou as suas exportações, atraiu vultuosos investimentos estrangeiros, estabeleceu zonas especiais de desenvolvimento económico, impulsionou os investimentos internos e pôs a sua infra-estrutura ao serviço do desenvolvimento. Os resultados foram impressionantes. Durante as décadas de oitenta e noventa, o PIB cresceu a uma taxa média de 10% e o PIB per capita cresceu a uma taxa de 80%: duzentos milhões de pessoas superaram o nível de pobreza e a China se converteu na segunda economia mundial, ultrapassando o Japão, pelo menos em paridade de poder de compra. O poderio económico da China permitiu-lhe superar da melhor maneira a crise asiática de 1997-1998, que fustigou os mercados financeiros e cujo epicentro se deu na Tailândia, com a desvalorização bath. No 15º Congresso do Partido Comunista, em 1997, se reconheceu a iniciativa privada como um sector importante na economia. Em Março de 1999 a Constituição Chinesa reconheceu a propriedade privada o princípio de legalidade. Em Outubro de 2003, a China se converteu no terceiro país a colocar em órbita um ser humano. Este lançamento, segundo palavras do presidente Hu Jintao, constitui um passo histórico do povo chinês no seu empenho em alcançar o cume da ciência e da tecnologia mundiais. A economia chinesa tem crescido nos últimos anos (2003-2005) a uma taxa média de 9 por cento. 

Vietname 

A experiência socialista do Vietname teve um paralelismo com a China. Um processo revolucionário vitorioso marca a etapa posterior, no difícil contexto da "guerra-fria". A revolução vietnamita estende-se dos primeiros anos do pós-guerra até 1975. De facto, o processo revolucionário no Sul entrelaçou-se em 1960 com os primeiros passos na construção do socialismo no Norte. Em 1954 foi imposto à França um acordo de paz que deu origem ao regime comunista no Vietname do Norte, que desde esse ano foi dominado por três problemas centrais: a) a consolidação do poder, b) a reconstrução e desenvolvimento económico, y c) a reunificação do Sul para formar um Estado socialista unitária. As acões fundamentais com vista à construção do socialismo foram: reforma agrária em grande escala, coletivização do campo e nacionalização progressiva da indústria. A guerra revolucionária no Sul seguiu a mesma senda do Norte. Em 1975 o povo vietnamita tinha logrado derrotar o país mais poderoso do mundo. Apesar da devastação, o triunfo e a unificação permitiriam avançar nos objetivos iniciais da construção socialista: a reforma agrária e a coletivização do campo, a reconstrução económica e o impulso do desenvolvimento industrial. Os sucessos foram importantes, embora limitados. 

O colapso soviético induziu uma severa crise económica e financeira na primeira metade dos anos noventa, que provocou uma crise política. O governo e o Partido vietnamitas avançaram com um conjunto de reformas. No plano económico: reordenar as empresas estatais não rentáveis; dissolver entidades ineficientes; impulsionar e fortalecer a economia mista; consolidar as cooperativas no campo; permitir ao sector privado desenvolver-se, embora sob controlo do governo; e explorar ao máximo as próprias forças para evitar assistência estrangeira. Até agora estas reformas não ultrapassaram os limites impostos pelo governo e favoreceram o desenvolvimento agrícola (para abastecimento interno e exportação). O Vietname ainda regista acentuados sinais de pobreza e atraso: pobreza rural elevada, diferenças relevantes entre a cidade e o campo, a empresa estatal é deficiente, a ciência e a tecnologia registam atrasos, etc. Finalmente, no quadro da situação descrita, está-se levando a cabo no Vietname um processo de renovação de gerações muito acelerado. Um numeroso sector de jovens preparados está tomando um papel preponderante nos comandos do poder político e do Partido. O antídoto que se está aplicando para que esse grupo não se converta numa tecnocracia, consiste no requisito de que estejam solidamente forjados no campo ideológico e político na linha da construção do socialismo. 

Coreia do Norte 

A experiência socialista da Coreia tem os seus antecedentes em dois aspectos significativos: a prolongada ocupação japonesa da Península e a sua situação geopolítica no contexto da "guerra fria". De 1900 a 1930 organizam-se os primeiros grupos políticos para a libertação do território nacional. A partir de 1930, inicia-se a luta político-militar encabeçada por Kim Il Sung contra a invasão japonesa. Em 1945, por acordo dos Aliados (URSS, EUA e Grã-Bretanha), a Península foi dividida em duas partes. Nesse mesmo ano foi fundada a República Popular Democrática da Coreia e o Partido do Trabalho da Coreia, e instaurado um regime democrático e popular. Entre 1945 e 1950 foi impulsionada a formação generalizada de organizações de massas de carácter nacional e sectorial, a transformação socialista da economia e do Estado, e o fortalecimento das forças armadas.

A guerra de libertação (1950-1953) procurava expulsar os EUA e consumar a unificação do país. O imperialismo norte-americano reagiu com todo o seu poderio militar e económico. Pretendia conquistar a Coreia do Norte para destruir o regime socialista e implantar aí o capitalismo. A República Popular Democrática da Coreia conseguiu estabelecer um acordo de paz. A Coreia ficou devastada. De 1953 até à data se empreendeu a reconstrução da sua infra-estrutura económica e das suas cidades, e conseguiu-se criar emprego e habitação suficiente para toda a população, assim como educação e cuidados de saúde gratuitos. Os benefícios conseguidos incluem também o fornecimento de água e eletricidade. Desde 1945 a industrialização privilegiou a indústria pesada, considerando que essa orientação garantiria a longo prazo a consolidação do regime socialista. No mesmo sentido incorporaram-se ao cultivo a totalidade das terras aráveis disponíveis. O nível de cultura geral elevou-se, conseguindo que toda a população tenha acesso a praticar as artes, a literatura, etc. A função central do partido consistiu em construir e manter a unidade ideológica socialista. Essa foi a razão fundamental para manter a via coreana do socialismo, apesar da constante agressão do imperialismo, do derrube do campo soviético ou inclusive da sua própria crise económica que entre 1996 e 2002 fez cair de forma acentuada os níveis de bem-estar social já então alcançados.

Depois de superar os problemas económicos desses difíceis anos, a economia voltou a crescer e permitiu retomar programas estratégicos para o desenvolvimento das forças produtivas, reforçar a defesa do país e solucionar as carências nos níveis de consumo e de vida do povo coreano. Isto significou a abertura de uma nova e vigorosa etapa na construção do socialismo na República Popular Democrática da Coreia. 

Cuba 

A revolução também marca profundamente a experiência socialista cubana. A dependência económica da ilha relativamente aos EUA durante a primeira metade do século XX, tornou-se praticamente absoluta. A riqueza estava concentrada em poucas mãos, o desemprego era muito grande, assim como era muito acentuada a falta de instituições educativas e instalações de saúde, assim como da rede de comunicações. A corrupção envolvia toda a maquinaria governante. As tensões e conflitos sociais eram intensos e frequentes. A ditadura de Fulgêncio Batista (1952-1958), corrupta e brutal, precipitou a crise revolucionária. A primeira tentativa (1953) fracassou, mas entre 1957 e 1959 a revolução triunfaria. Originalmente os seus objetivos fundamentais não eram socialistas. A viragem radical da revolução obedeceu pelo menos a dois aspectos centrais: a mobilização das massas rurais e urbanas, que as sensibilizou em defesa da revolução; e as pressões dos ataques perpetrados pelo imperialismo norte-americano. Face ao bloqueio comercial dos EUA, Cuba teve que estreitar relações económicas e de outro tipo com a URSS. Nas quase três décadas que se seguiram, a construção do socialismo foi marcada por avanços diferenciados. Coletivizou-se o campo e modernizou-se a produção de açúcar. Desenvolveram-se esforços para criar novas indústrias e reduzir assim a dependência do açúcar. 

As reformas sociais incluíram a melhoria da educação pública, da habitação, da saúde, dos serviços médicos e das comunicações. Da mesma forma, promoveu-se firmemente a igualdade racial e os direitos das mulheres. Impulsionou-se em grande escala a produção cultural e o acesso à cultura. Combateu-se e reduziu-se a corrupção. O derrube da URSS fez recrudescer os problemas da Ilha. A economia caiu entre 1989 e 1996 até um terço do seu nível. o governo empreendeu medidas para reordenar a economia e explorar novas possibilidades de crescimento. Facilitou-se a abertura comercial e financeira externa. Fixou-se como limite os 49% de investimento estrangeiro no capital das empresas. A liberalização sob o esquema de economia mista abrangeu praticamente todos os sectores e ramos económicos. A crise tinha sido de tal magnitude que estas medidas tinham como objectivo primordial atender com urgência os problemas alimentares da população. A abertura externa foi acompanhada de um amplo e vigoroso processo de liberalização parcial da economia interna. O governo e o povo de Cuba empenharam-se nestes últimos anos em preservar as conquistas sociais da revolução e da construção do socialismo: a educação gratuita, a saúde e as possibilidades de emprego para toda a população.

A reativação e reformulação do poder popular foi uma medida da mais alta prioridade. O seu aspecto mais destacado foi talvez a reanimação dos Comités de Defesa da Revolução (CDR's), conferindo-lhes funções de carácter social como a atenção à saúde nas comunidades, ações sanitárias, etc, além das tradicionais funções de controlo e vigilância do processo revolucionário. As mudanças a nível mundial em curso estão impondo novos desafios a todas as regiões e países, e muito especialmente àqueles que se empenham em preservar o projecto socialista. A experiência da construção do socialismo em Cuba não escapou a estas circunstâncias, mas o seu desempenho depois de superar o "Período Especial" em 1996 foi coroado de êxito.

Com efeito, depois da profunda queda da economia cubana a uma taxa média anual de 7.8% no período de 1991-1995, as reformas introduzidas pelo governo revolucionário permitiram retomar com novo ímpeto a senda do crescimento, que entre os anos de 1996 e 2000 registou uma taxa média anual de 4.6% e entre 2001 e 2005 foi de 4.2%. Isto tornou possível avançar com amplos programas de infra-estrutura, de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, de extensão dos serviços básicos para toda a população, assim como de abastecimento massivo de bens de equipamento domésticos para as famílias cubanas, o que representou um significativo aumento do seu nível de vida. Também permitiu estabelecer acordos estratégicos de cooperação com diversos países para apoiar o desenvolvimento da saúde e da educação nesses países, e para impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas em Cuba.

Com a chegada de Bush ao governo dos Estados Unidos e o atentado de 11 de Setembro de 2001 contra as torres gémeas em Nova York, agravaram-se as políticas do Império contra a Ilha com a intenção de derrotar a Revolução Socialista. Foram empreendidas ações grotescas para endurecer o bloqueio e asfixiar a economia cubana, tais como: a centenas de milhar de cubanos residentes nos Estados Unidos foi proibido visitar os seus familiares em Cuba, autorizando essas visitas apenas uma vez em cada três anos e não a todos; Ia ajuda familiar foi reduzida quase a zero; não se cumpriram acordos sobre a emigração ilegal; foram recusadas propostas de cooperação em temas vitais como a luta contra o tráfico de drogas e de pessoas e para dificultar e impedir acções terroristas; multiplicaram-se as calúnias, classificando Cuba de país terrorista, inventaram-se mentiras sobre o fabrico de armas biológicas e planos de guerra eletrónica com o propósito de interferir nas comunicações do governo. Os Estados Unidos destinaram somas milionárias para interferir nas transmissões de rádio e televisão com o uso de aviões, emitindo transmissões contra-revolucionárias. O objectivo é tentar arranjar pretextos para uma agressão genocida contra o povo de Cuba.

Em meados de 2003 eliminou-se o dólar nas transações entre empresas e se implantou um controlo de câmbios no Banco Central para as operações externas. No passado, a participação do dólar excedia os 90%, enquanto na atualidade se mantém à volta de 30%, o que diminui substancialmente o risco derivado das ameaças do governo dos Estados Unidos. Durante o primeiro semestre de 2005 a Ilha enfrentou uma profunda seca, Ia escassez de energia eléctrica e as consequências do furacão Denis. No entanto, a capacidade de resistência e o retorno da economia cubana a um novo ciclo de crescimento demonstrou as suas capacidades. Em 2005 a economia cresceu a uma taxa de 11.8 % relativamente a 2004. Tal desempenho baseia-se no incremento dos ramos produtivos da economia, entre os quais destacam a construção, as comunicações, o comércio, os serviços, a produção de crude nacional e gás, eletricidade, a ferrosa, a metalúrgica não ferrosa, a de confecções, a alimentar e a de bebidas e tabaco. Os rendimentos do turismo cresceram cerca de 11.5 % relativamente a 2004. Mesmo assim, desenvolvem-se esforços para perfurar e por em operação novos poços de petróleo e de gás que possibilitem ao país um avanço para o auto-abastecimento. Se desenvolveu um programa de melhoria das redes eléctricas do país, que inclui a incorporação de uma instalação geradora de eletricidade de ciclo combinado e a adaptação de uma instalação termoeléctrica, com o fim de que para o segundo semestre de 2006 as famílias disponham do dobro de capacidade de energia eléctrica, comparada com a que contam atualmente.

Em matéria de habitação conta-se atualmente com 7 mil 300 habitações terminadas se acabaram de se reparar Ias casas afetadas pelo furacão Denis. Está programado construir mais de 10 mil novas das totalmente destruídas e se continuará a construção de novas habitações, até alcançar pelo menos 30 mil adicionais. Se ampliaram os utensílios domésticos para as famílias cubanas. Se trabalha na ampliação e remodelação da produção de iogurte de soja, ovos, carne de porco, cacau, de chocolate de leite, de café e de massas alimentícias. Se está investindo no transporte de carga por caminho-de-ferro. Estão em processo de aquisição equipamentos portuários, camiões de transporte urbano, metais para vias-férreas, e equipamentos e peças para camiões. De igual forma, para os sectores de saúde e educação. Foram aumentados os salários em alguns sectores da economia cubana. Nas exportações, destacam-se pela sua importância o níquel, os medicamentos genéricos e biotecnológicos, o tabaco e o açúcar, enquanto nos serviços desempenham importante papel os serviços médicos e o turismo.

Por último, como parte dos acordos derivados da ALBA (Alternativa Bolivariana para a América, mecanismo para criar vantagens cooperativas entre as nações participantes), criou-se uma filial bancária de um banco cubano na Venezuela e foi autorizada a abertura da filial de um banco venezuelano em Cuba. O acordo entre a República Bolivariana da Venezuela e a República de Cuba, subscrito sob os princípios da ALBA, constituiu um passo considerável no caminho da unidade e da integração entre os povos da América Latina e do Caribe. O projeto em marcha da Petrocaribe constitui outro passo de fraternidade e solidariedade entre estes dois povos e governos.

***A reforma da URSS começou em meados dos anos oitenta, quando o declínio agudo da economia, o crescente protesto social e político e a pressão internacional a tornaram inevitável. Se tinha o propósito de transitar ao socialismo desenvolvido, chegou tarde. A reforma fracassou rotundamente nos seus propósitos de reativar a economia e ampliar o consenso social. O que sem dúvida provocou, foi o gerar de tensões entre um processo de restauração capitalista em condições mais adversas, a renúncia das forças que aspiravam a uma viragem na direção do socialismo desenvolvido, assim como o recrudescimento dos movimentos independentistas e dos autonomismos regionais, e uma situação caótica de decomposição social e estatal. Com excepção da China, da Albânia, de Cuba, da Coreia do Norte e do Vietname, estes processos estenderam-se a tudo o que fora o campo socialista. 

O mais significativo para os que mantemos o objectivo da luta pelo socialismo, é que estes processos foram socialmente muito dolorosos e que de forma alguma resolveram, nem é previsível que possam resolver, os principais problemas do que foi o socialismo de Estado. Neste sentido, as experiências concretas do "socialismo real" confirmam que todo o projecto socialista com possibilidades de êxito está necessariamente associado a quatro premissas fundamentais: 1) o estabelecimento de uma organização económica eficiente baseada no continuo desenvolvimento das forças produtivas; 2) a democratização das decisões económicas, mas também e necessariamente daquelas que incidem sobre a vida política, social e cultural em geral; 3) a disciplina laboral fundamentada em inquestionáveis motivações materiais (incentivos económicos) e psicológicas (a confiança do povo num projecto que sente seu porque participa na tomada das decisões fundamentais); 4) a conversão da ideologização extrema num sistema de valores éticos e sociais decididos e compartilhados por toda a população. O socialismo democrático como genuína expressão do poder das massas populares, só será possível com base na cultura socialista de massas, a qual é absolutamente oposta à burocratização das vanguardas e aos privilégios de qualquer tipo.

[*] Responsáveis do Partido do Trabalho (México).   Comunicação apresentada no X Seminário "Os partidos e uma nova sociedade" Cidade  do México, 17-19 de Março de 2006. 


Tradução de Carlos Coutinho.



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