sábado, 26 de janeiro de 2019

Relações Internacionais: um olhar marxista



O brasileiro Theotonio dos Santos, que morreu em fevereiro de 2018: protagonista do
terceiro grande debate sobre Geopolítica e Relações Internacionais, na
tradição marxista



Do “Capital” e dos “Grundisse” a Negri, David Harvey e Theotônio dos Santos. Livro de pesquisador brasileiro sistematiza os três grandes debates que marcaram corrente crítica das RIs



Por Henrique Paiva


O mito fundador das Relações Internacionais como ciência é a aporia diante da questão de como evitar uma nova barbárie da dimensão da I Guerra Mundial. O esforço acadêmico para se responder a esse dilema, particularmente nas universidades britânicas e norte-americanas, resultou em teorias mais interessadas em oferecer soluções convenientes para o projeto de poder das grandes potências no pós-guerra do que refletir sobre as fontes reais da instabilidade sistêmica, como, por exemplo, as desigualdades estruturais e crescentes decorrentes do imperialismo.


“Imperialismo, Estado e Relações Internacionais”: em breve, também na livraria virtual de “Outras Palavras”

"Imperialismo, Estado e Relações
Internacionais": em breve, também
na livraria virtual de "Outras
Palavras"
Duas correntes principais surgem desse contexto: o realismo e o institucionalismo. É inegável que ambas apresentam uma relevante construção teórica das dinâmicas do campo internacional, mas não se furtam a propor estratégias de ação. O realismo concentra-se em estratégias de equilíbrio de poder em um sistema internacional anárquico. O institucionalismo enfatiza a necessidade de elaboração de normas e de criação de instituições que mitigassem os efeitos da anarquia internacional. Esses receituários davam conta das necessidades narrativas e estratégicas do jogo de poder das grandes potências; afinal, toda teoria é interessada, toda mesmo. Como aponta Robert Cox: “Teoria é sempre para alguém e para algum propósito”.

Dependendo do contexto geopolítico e do governo da situação, as portas giratórias que unem a alta cúpula estatal e a torre de marfim da academia fizeram com que acadêmicos se tornassem consultores políticos e que estadistas fossem alçados à condição de analistas acadêmicos. Com isso, as teorias obtiveram um viés de confirmação prática expressivo. Por serem teorias portadoras de receituários de ação política, o realismo e o institucionalismo foram elevados à condição de “profecias autorrealizáveis”, para usar o termo de Robert Merton.

Esse condomínio realista-institucionalista dominou amplamente o espectro teórico das Relações Internacionais até o final da Guerra Fria. O que a narrativa anglo-saxã dominante sobre o campo científico das Relações Internacionais não coloca é que o debate a respeito das relações internacionais tem sua cosmogênese nos debates da Segunda Internacional Socialista, com as reflexões de Vladimir Lênin e Karl Kautsky. As contribuições marxistas são fundamentalmente internacionalistas, mas amplamente relegadas nos estudos das Relações Internacionais. A relação entre saber e poder definitivamente não é irrelevante, já alertava Michel Foucault.

O fim da Guerra Fria trouxe, tardiamente, para o campo das Relações Internacionais, reflexões há muito presentes na Filosofia e nas Ciências Sociais: as contribuições da Escola de Frankfurt, a virada linguística, o pós-modernismo, o pós-estruturalismo, o construtivismo, os estudos de gênero, a sociologia histórica e a teoria crítica. Somente a partir do final do século XX, as Relações Internacionais passaram a discutir sua metateoria, a ponderar sobre sua ontologia, sua metodologia e principalmente sua epistemologia.

Luis Felipe Osório, autor de "Imperialismo
Estado e Relações Internacionais"

É verdade que a sociologia histórica resgatou o materialismo, com autores como Charles Tilly, John Hall, Michael Mann e Theda Skocpol, e que a teoria crítica reuniu as ideias neogramscianas, a partir das contribuições de Robert Cox, Stephen Gill, Mark Rupert e Andreas Bieler; contudo, as teorias marxistas stricto sensu continuaram sendo silenciadas nos debates teóricos das Relações Internacionais. Desde a ausência de registro nos manuais de RI acerca dos debates da Segunda Internacional até a virada pós-positivista das RI, o marxismo não recebeu a sistematização necessária, com a notável exceção do excelente trabalho de Fred Halliday.

O livro Imperialismo, Estado e Relações Internacionais, de Luiz Felipe Osório, rompe o silêncio e dá voz aos intelectuais marxistas, trazendo à tona suas contribuições teóricas para o campo das Relações Internacionais, principalmente em torno da teoria do Estado e do Imperialismo, desde suas origens até as discussões mais recentes.

Karl Marx, em O Capital e em os Grundisse, elabora uma profunda análise do funcionamento do sistema e da sociedade capitalista. Marx antecipa a formação do mercado mundial e o perfil cosmopolita de consumo das burguesias nos diferentes Estados. Marx, como analista de conjuntura, também produziu diversos artigos sobre os impérios ultramarinos, a colonização, a imposição de dívida e o protecionismo. Apesar de todas essas contribuições, Marx não sistematizou formalmente uma obra sobre as relações internacionais e o imperialismo. Coube aos pensadores marxistas subsequentes a tarefa de coligir os seus insights sobre a arena interestatal capitalista e, assim, formular teses marxistas sobre as relações internacionais.

A tradição marxista produz, desde o final do século XIX, uma vasta e consistente obra sobre a dinâmica internacional; no entanto, ainda era preciso encontrar os excertos em que realmente se sistematizou uma teoria de Relações Internacionais. Era imperioso para o debate teórico das RI essa tarefa de pesquisa tão hercúlea quanto necessária. No Brasil, importante passo na direção do horizonte de análise internacional marxista foi dado com o trabalho realizado por Luiz Felipe Osório, no livro Imperialismo, Estado e Relações Internacionais.

Luiz Felipe Osório propõe uma divisão dos autores em torno de três grandes debates que obedecem tanto uma ordem cronológica quanto uma linha teórica. Como qualquer segmentação, a classificação proposta por Osório é arbitrária, porém necessária à consecução dessa sistematização de fôlego de um conjunto amplo e heterogêneo de contribuições marxistas sobre as Relações Internacionais que precisava ser organizada há tempos. Este livro já deveria estar sendo adotado em disciplinas de Teoria das Relações Internacionais, ou de Economia Política Internacional, ou de Pensamento Político, em cursos de Ciências Sociais, de Economia, de Direito e de Relações Internacionais.

O primeiro grande debate, que se estende de 1870 a 1945, reúne os intérpretes pioneiros de Marx: Rudolf Hilferding, Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky, Nikolai Bukharin e Vladimir Lênin. É importante ressaltar que, se é possível criticar o binômio teórico realismo-institucionalismo como estratégias de ação, também não se pode deixar de reconhecer, conforme Osório o fez, que esses autores precursores carregavam “em uma mão a caneta dos estudos e na outra o rifle da batalha”. Todavia, o sucesso teórico e prático conquistado pelo binômio anglo-saxão só teve equivalência para as teses formuladas por Lênin — ainda assim, por um período curto de tempo.

O segundo debate ocorre durante a Guerra Fria, de 1945 a 1991, e apresenta um grupo amplo de escolas que podem ser chamadas de neomarxistas: a corrente do capital monopolista (Paul Baran e Paul Sweezy), os teóricos da dependência (Andre Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra), e os pensadores do sistema-mundo e das trocas desiguais (Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Samir Amin). As contribuições teóricas refletem as questões desse período que caracterizou-se pela ascensão hegemônica dos Estados Unidos; pela polarização com a União Soviética; por outras experiências de comunismo real; pela conciliação em torno do Estado de bem-estar social no centro capitalista; e pela industrialização tardia e seletiva na periferia.

Por fim, o terceiro debate começa em meio às decisões unilaterais estadunidenses a partir da década de 1970; passa pela intensificação da globalização financeira nos anos 1990 e pelo colapso do regime soviético; chega até o momento atual de decomposição do acordo social-democrata de bem-estar social. Esse debate contemporâneo foi dividido em três campos: o politicismo, o parcial politicismo e a plena crítica. Na vertente politicista, apresentam-se os autores Michael Hardt, Antonio Negri, Leo Panitch, Sam Gindin e Ellen Wood; na parcial politicista, David Harvey e Alex Callinicos; na plena crítica, Evgeni Pachukanis, Christel Neusüss, Klaus Busch, Claudia von Braunmühl, Joachim Hirsch, Alysson Mascaro e China Miéville.

Percorrer essa constelação de autores, sistematizando as contribuições especificamente internacionalistas, deve ter sido uma epopeia. Ainda bem que a trajetória percorrida pelo autor foi materializada nesse livro audacioso. Deve ser destacada a impressionante apresentação do atual estado-da-arte das reflexões marxistas da teoria do Estado, do Imperialismo e das Relações Internacionais. Para muito além de uma luxuosa e instigante revisão bibliográfica, Luiz Felipe Osório oferece um panorama abrangente da teoria marxista, com um recorte metodológico que confere um caráter didático, que facilita a apreensão dos conceitos em debate, provavelmente inacessíveis de outra forma para os não-iniciados.

O livro de Luiz Felipe Osório revela a natureza expansiva do capitalismo e suas contradições, como as disputas entre as burguesias nacionais e suas concorrentes estrangeiras, a tendência à oligopolização, a submissão pela exportação dos capitais, a sujeição da atividade produtiva à lógica financeira e, assim, a concentração de riqueza, o aumento da desigualdade de renda, a eclosão de distúrbios sociais, a intensificação da violência internamente e o recurso à guerra como resultante da crise e como portadora do resultado almejado pelas potências capitalistas que se sagrarem vitoriosas. A crise é parte estrutural e definidora do capitalismo, assim como a guerra é o motor de reprodução da crise.

Osório relembra que o sistema capitalista funciona em um ambiente comum a todos os operadores: o mercado mundial; e que os operadores desse sistema são os Estados com suas economias nacionais. O mercado mundial seria, portanto, uma forma universal e o Estado, a forma política, onde se desenvolvem as relações complexas e contraditórias entre os atores sociais nas condições materiais existentes. A conversão do Estado moderno em Estado nacional se processa em torno da lógica capitalista. E, embora, o modo de produção capitalista se realize dentro dos Estados, é somente no âmbito internacional que se tem a dimensão da hierarquização dos espaços políticos e econômicos em torno dos centros dinâmicos do capitalismo.

O livro de Osório resgata a noção perdida de que o Estado capitalista não é uma experiência de organização política que surge de modo espontâneo e isolado. O Estado capitalista surgiu coletivamente como um sistema de Estados, em um contexto geográfico muito específico de disputas territoriais, de circulação comercial, de imposição de tributos e de incipiente produção industrial em uma Europa dividida, mas que foi capaz de produzir um sistema de acomodação (ao menos temporariamente e sempre com altos e baixos) das disputas intraeuropeias pela expansão dos interesses do capital nos projetos ultramarinos. O sistema interestatal é constituinte do capitalismo.

As reflexões trazidas à tona por Osório destacam que a dominação capitalista se processa por meio das relações entre Estados. A hierarquização do espaço de sociabilidade capitalista obedece ao nexo do imperialismo. O imperialismo é o vínculo que confere liga às relações que de fato existem no campo internacional.

Compreender o imperialismo é conhecer as entranhas que dão organicidade ao capitalismo. Por sua vez, compreender o capitalismo é a chave analítica que revela o jogo geopolítico por trás da acumulação de riqueza e de poder no sistema interestatal. Portanto, para conhecer todas essas estruturas profundas das relações internacionais, a leitura de Imperialismo, Estado e Relações Internacionais, de Luiz Felipe Osório, torna-se obrigatória a todo internacionalista, seja qual for sua matriz de pensamento teórico.

Se toda teoria é interessada, então seria determinante se escolhêssemos nossa matriz teórica a partir de uma perspectiva ética de emancipação intelectual crítica e de promoção de uma sociedade mais justa, democrática, popular, respeitadora da diversidade, e comprometida com a solidariedade entre os povos.


OSÓRIO, Luiz Felipe. Imperialismo, Estado e Relações Internacionais. São Paulo: Ideias & Letras, 2018. 288 p


sábado, 19 de janeiro de 2019

Quem Matou Rosa Luxemburg?



Por Josefina L. Martinez  




Passaram em 15 de Janeiro 100 anos sobre o assassínio de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. Publicamos em sua memória dois textos que recordam o contexto histórico desse crime. E também quanto desse crime se projectou na história futura da Alemanha.




A história política alemã do século passado pode ser lida como o relato de um crime. Um assassínio político que antecipou um genocídio. Mas para isso foi necessário em primeiro lugar esmagar a esperança de uma revolução,.





Em 15 de Janeiro de 1919, Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht foram presos no apartamento onde estavam escondidos e levados para a sede da Cavalaria de Guarda dos Freikorps (forças paramilitares) no aristocrático hotel Éden. Conta uma testemunha que Luxemburg colocou alguns livros numa maleta, pensando que a esperava uma nova temporada na cadeia. Poucas horas depois, o capitão Waldemar Pabst comunicava por telefone com o ministro do Exército do Reich, o social-democrata Gustav Noske, para pedir instruções sobre como proceder com tão importantes prisioneiros. Havia dias que a imprensa lançava ameaças e insultos contra “Rosa, a sanguinária”, líder da Liga Spartacus e do recém-fundado Partido Comunista Alemão (KPD).

Os social-democratas estavam no poder desde a demissão do Kaiser. O levantamento dos marinheiros e trabalhadores de Kiel tinha sido o impulso inicial de uma série de insurreições locais que culminaram com uma greve geral em Berlim em 9 de Novembro. Nesse dia, o social-democrata Phillipp Scheidemann proclamava a República alemã de uma janela do Reichstag. Poucas horas mais tarde, Karl Liebknecht – prematuramente - anunciou da varanda do Palácio a criação da República Socialista Livre da Alemanha. Vivia-se uma situação de poder dual, com a formação de conselhos de operários e soldados, seguindo o exemplo russo. Para evitar que fora esse o caminho, em 10 de Novembro, o governo chegou a um acordo com o Estado-Maior alemão: o objetivo era conter a revolução e liquidar os spartaquistas, a sua ala mais radical. “Odeio a revolução tanto como a peste!” havia declarado Friedrich Ebert.

Após sua conversa com Gustav Noske, o capitão Pabst deu ordens e o tenente Vogel comandou a execução. Rosa Luxemburgo foi arrastado pelas escadas abaixo, com pontapés e socos no estômago. Quando cruzou a porta, o soldado Otto Runge quebrou-lhe o crânio com a coronha da espingarda. Agonizante, meteram-na num carro onde o oficial Hermann Souchon lhe deu um tiro final na têmpora. O seu corpo foi lançado no Landwehrkanal onde quatro meses depois apareceu a flutuar. Karl Liebknecht havia sido fuzilado algumas horas antes num parque das proximidades. A primeira versão “oficial” foi que tinham sido assassinados por uma “multidão” furiosa quando tentavam escapar. Mas o logro não resistiu a uma investigação mínima. Leo Jogiches, que tinha sido companheiro de Rosa Luxemburgo durante muitos anos e dirigente da Liga Spartaquista, investigou e denunciou os responsáveis pelo assassínio. Em 19 de Março de 1919 Leo Jogiches foi morto na prisão “tentando escapar”; milhares de spartaquistas e de operários revolucionários foram mortos nos meses seguintes. O cineasta alemão teste Klaus Gietinger prova todos esses factos num rigoroso trabalho de investigação que é pela primeira vez publicado em Inglês este ano pela editorial Verso.

Em 1962, o capitão Pabst fez alarde da sua responsabilidade no assassínio dos dirigentes revolucionários: “Eu participei, naquela altura (Janeiro de 1919), numa reunião do KPD, durante a qual falaram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg. Fiquei com a impressão de que os dois eram os líderes espirituais da revolução, e decidi fazer com que fossem mortos. Foram capturados por minha ordem. Alguém tinha que tomar a decisão de ir para além da perspectiva legal … Não foi fácil tomar a decisão de fazer desaparecer os dois … Ainda defendo a ideia de que esta decisão é também totalmente justificável do ponto de vista teológico e moral”.

Pabst contou apenas o que a cobarde social-democracia não se atreveu a confessar. O capitão voltou a assumir um papel preponderante durante o golpe de Estado de Kapp (Kapp-Putsch) em 1920. Mais tarde, colaborou na organização de grupos paramilitares da ultradireita na Áustria. Embora nunca se tenha inscrito no partido nazi, fez parte de grupos de extrema-direita até sua morte em 1970. Nunca foi julgado pelos seus crimes.

Sabemos já que matou Rosa Luxemburg. A questão mais importante agora é o porquê. Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht tinham-se oposto à traição da social-democracia que apoiou no Reichstag os créditos de guerra, em 4 de Agosto de 1914. O Partido Social-Democrata alemão tinha-se tornado a mais poderosa organização da Segunda Internacional: um bloco de 110 parlamentares, mais de 4 milhões de votos, 90 jornais próprios, numerosas associações juvenis e de mulheres. Mas este monumental dispositivo foi colocado à disposição do Império Alemão quando a guerra começou, justificando com a ideia de “defesa nacional” que os trabalhadores alemães se matassem nas trincheiras com os franceses.

Luxemburg e Liebknecht representavam a luta contra a guerra imperialista, o combate contra o militarismo alemão, a denuncia das capitulações da social-democracia, a defesa da revolução russa e a ala mais resoluta da revolução alemã. Como Karl Liebknecht escreveu em 15 de Janeiro de 1919, poucas horas antes de morrer:

“Spartacus” significa fogo e espírito, significa alma e coração, significa vontade e acção a favor da revolução proletária. “Spartacus” significa toda a necessidade e desejo de felicidade, significa toda a determinação de luta do proletariado com consciência de classe. «Spartacus» significa socialismo e revolução mundial.

Esse desejo de felicidade ressurgiu na Alemanha em 1921 e em 1923. A história dessas tentativas revolucionárias foi tornada invisível pela historiografia, mas a esperança de um mundo novo renasceu das cinzas uma e outra vez no coração da Europa Ocidental. Só depois de sucessivas derrotas, em grande parte devido ao papel conservador desempenhado pelas grandes organizações operárias como a social-democracia poderia impor-se o nazismo.

Quando Rosa Luxemburgo escreveu em 1916 a Brochura de Junius sobre o dilema “socialismo ou barbárie”, a barbárie fazia-se carne nos dramáticos cartões postais da Primeira Guerra Mundial. Ela não podia imaginar o horror que estava por vir.


Fonte:https://ctxt.es/es/20190109/Politica/23896/Josefina-L-Martinez-Rosa-Luxemburg-politica-Alemania-Karl-Liebknecht-Otto-Runge.htm?fbclid=IwAR0ZgG9ng2mS42I_Eo8KCIYX5vsxBkIyDAQV2wCNPlQ_AZ99ywktnn-Xddc


O mito da sublevação spartaquista



Por Jörn Schütrumpf    

Logo em 1919, uma Comissão parlamentar de inquérito desmontou a falsidade das acusações que procuravam justificar o assassínio de Rosa Luxemburg e de Karl Liebknecht e a ilegalização do DKP. Mas o relatório foi abafado. E ainda hoje a verdade não é inteiramente reconhecida.


Em 19 de Março de 1919, a Assembleia Constituinte prussiana eleita após a Revolução de Novembro criou a Comissão de Inquérito para Determinar as Causas e Progressão da Agitação em Berlim e outras Zonas da Prússia no Ano de 1919. Nos meses seguintes, os 21 membros da comissão entrevistaram dezenas de testemunhas enquanto percorriam montanhas de documentos. Em Julho de 1919, ficara estabelecido que os comunistas não haviam provocado, e muito menos dirigido, as revoltas de Janeiro. Em vez disso, os chamados delegados revolucionários e a seção de Berlim do Partido Social-Democrata Independente (USPD) eram no essencial os responsáveis por ambos.

Os Delegados revolucionários eram na maioria sindicalistas que desde 1916 vinham tramando nos arsenais de Berlim o derrube da monarquia, e que em 9 de Novembro de 1918 lançaram as massas nas ruas. A maioria dos Delegados Revolucionários eram membros do USPD, mas queriam preservar sua autonomia em relação à direção do partido. Com o desencadeamento da revolução, converteram-se em candidatos à disputa do poder em Berlim.

Os comunistas viram-se simplesmente envolvidos nos levantamentos, conclusão que não poderia satisfazer nenhum dos membros da Comissão. Um veredicto público sobre o que realmente acontecera em Janeiro de 1919 teria tornado muito mais difícil justificar por que fora proibido o Partido Comunista e ilegalizado os seus membros desde Março de 1919.

Apesar de todos os seus floreados retóricos, o Comité de Investigação não pôde evitar a seguinte conclusão (embora evitassem incorporá-la nas chamadas Recomendações):

“No domingo seguinte a esses acontecimentos os Delegados Revolucionários e seus homens de confiança reuniram-se novamente […] e decidiram convocar uma greve geral com a finalidade de desencadear um ataque frontal contra o governo. Parece ter sido decisivo nisto o envolvimento de [Heinrich] Dörrenbach [1888-1919] na decisão da divisão Volksmarine e da maioria das tropas regulares da guarnição de Berlim para apoiar esta acção, e no facto de que eles se ter juntado gente de Spandau e Frankfurt. […] É verdade que tanto os independentes e os comunistas desempenharam um papel destacado na acção, e também que tanto os independentes como os comunistas terem advertido contra ela. Assim, por exemplo, Rosa Luxemburg parece ter reprovado o plano por completo, e o Comité Central do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha ter explicitamente declarado em anúncio posterior de que não manifestava solidariedade com o projecto liderado pela seção de Berlim do Partido Social Democrata Independente da Alemanha e a Liga Spartacus, juntamente com os Delegados Revolucionários, dos quais por seu lado 60 pertenciam ao Partido Social-Democrata Independente e pouco mais de dez do Partido Comunista da Alemanha. É verdade que os dirigentes intelectuais do movimento eram Karl Liebknecht, Georg Ledebour, Emil Eichhorn e Dorrenbach. Isso não quer dizer que tivessem empenhado muito tempo planeando esta acção em 5 de Janeiro em concreto, ou que tivessem sido os únicos que em 4 ou 5 de Janeiro que saudaram o assalto mais calorosamente. Dito isto, foram estes homens que acreditavam que os deputados do povo da maioria socialista ocupavam ilegalmente os seus lugares e que a violência era necessária.”

O Relatório da Comissão de Inquérito está datado de 8 de Fevereiro de 1921, no meio do recesso parlamentar da Prússia: a Assembleia Constituinte fora dissolvida em 14 de Janeiro de 1921 depois de completar o seu trabalho, e o Parlamento prussiano foi eleito em conformidade com a nova lei em 20 de Fevereiro de 1921. A imunidade dos novos parlamentares foi suspensa até então, permitindo à polícia persegui-los.

O relatório não foi entregue a ninguém, mas foi impresso palavra por palavra, na totalidade, no volume 15 da Recompilação de Materiais Impressos da Assembleia Constituinte da Prússia em algum momento de 1921. Como muitas vezes aconteceu com essas compilações, os seus conteúdos não eram complementados com dados bibliográficos. Assim, as tentativas de investigar a Comissão de Investigação sem o auxílio de suportes bibliográficos têm sido em vão.

Os historiadores depararam-se com este material impresso ao longo dos últimos quase cem anos, mas até hoje nenhum os valorizou seriamente. Embora historiadores de importância, como Heinrich August Winkler, tenham rejeitado a lenda do Levantamento Spartaquista sob a direcção da “Rosa Sanguinária” desde 1984, essa lenda continua a ser activamente difundida.

Fonte: Rosa Luxemburg Stiftung, 3 de Janeiro 2019 

http://www.sinpermiso.info/textos/rosa-luxemburgo-a-100-anos-de-su-asesinato


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

O movimento das mulheres italianas após o 25 de novembro






Mais de 150.000 mulheres dos estratos populares foram às ruas de Roma no último sábado de novembro. Centenas de associações de mulheres animaram o evento “Nenhuma a menos!”, que confirmou o crescente protagonismo do gênero oprimido.

Uma manifestação colorida e combativa, marcada pelas palavras de ordem pedindo basta à violência dos homens contra as mulheres, que convocava a uma agitação permanente contra o ataque em curso da Lei 194 e contra o projeto de Lei Pilloni, em discussão no Parlamento, sobre a reforma do direito da família em caso de separações.

Na Itália, como em outros países, as mulheres chegaram ao Dia Internacional Contra a Violência, de 25 de novembro, em condições mais difíceis: mais pobreza, crescente precariedade, cortes salariais, um clima político reacionário.

A violência contra as mulheres tem muitos rostos. Não são apenas estupros, espancamentos e feminicídios. São o desemprego e as diferenças de salários, segregação nos empregos e qualificações mal pagas, trabalho precário, flexível e com cada vez menos proteção, falta de serviços sociais, de assistência, de creches, de cantinas, de estruturas de ajuda para os idosos e grande opressão do trabalho doméstico.

Uma violência diária e legalizada que é o pano de fundo para os casos de crime, que aumentaram com a crise econômica, as políticas de austeridade e a disseminação da pobreza. Uma violência que tem como base a dupla opressão que as mulheres sofrem.

A ruptura do ciclo de violência econômica, social, familiar, psicológica e física contra as mulheres, a recusa de pagar a conta da crise e de carregar em seus ombros o peso do desmantelamento do “Estado de bem-estar”, o fim da discriminação no emprego e a demanda por salários iguais, a defesa dos direitos adquiridos por décadas de batalhas políticas e culturais são as características atuais e reivindicações do movimento das mulheres.

Com as manifestações, no final de novembro, o movimento de mulheres relançou a luta por essas questões, fortalecendo a própria unidade inferior e se preparando para o próximo 8 de Março, que todos os sindicatos devem proclamar.

É claro que essa luta para crescer deve se bater frontalmente contra um governo reacionário e xenófobo, com sua política autoritária, racista, machista, chauvinista e belicista, cria o terreno em que se desenvolve a violência contra as mulheres em todas as suas formas.

Um governo que ataca o direito à maternidade expondo a operária aos abusos dos patrões e visa a cancelar o direito ao aborto; que com a Lei Salvini afeta as mulheres imigrantes e suas lutas; que levanta o mito da família burguesa para acorrentar ainda mais as mulheres; que continua a penalizar as mulheres que trabalham com leis-fraude como o decreto dignidade e “quota 104”, e com a esmola da renda de cidadania; que torna a divisão do proletariado em todas as suas formas (por nacionalidade, sexo, idade, etc.) sua arma preferida.

Nós, comunistas, apoiamos a luta da mulher operária e das camadas populares convencidos de que o problema da emancipação da massa feminina não é um problema local ou nacional, mas um grande problema social que requer a derrubada do sistema que constantemente reproduz a opressão e discriminação econômica das mulheres, práticas patriarcais, violência: o capitalismo.

O sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção e sua necessidade de reprodução de baixo custo da força de trabalho é a causa mais profunda da condição de dupla opressão, discriminação, subalternidade das mulheres e privilégio do homem.

Sem a abolição da propriedade privada dos meios de produção, não pode haver igualdade real entre os sexos, uma libertação política e social das mulheres, o fim da opressão de “ela” por “ele”, assim como da competição entre “ele” e “ela”.

Para nós, comunistas, “ela” e “ele” pertencem à mesma classe proletária e juntos são chamados a lutar contra a burguesia.

Somos pela unidade do proletariado, pela solidariedade de classe e pelo apoio mútuo na luta organizada contra o capital.

A vitória do proletariado é baseada na unidade e na luta da mulher e do homem proletários. A operária, a mulher do estrato popular, desempenha um papel indispensável na luta por uma nova sociedade em que a exploração é abolida, assim como a opressão da mulher.

Sem a rebelião e a organização das mulheres, suas aspirações e suas energias, não será possível derrotar a classe capitalista e construir o novo mundo.

Da mesma forma, o trabalho de formação do partido independente do proletariado não pode ignorar a contribuição das mulheres proletárias mais avançadas e conscientes.



Artigo extraído do jornal Centelha, da Plataforma Comunista – pelo Partido Comunista do Proletariado da Itália, nº 94, edição de dezembro de 2018


FONTE: A Verdade