sábado, 19 de janeiro de 2019

Quem Matou Rosa Luxemburg?



Por Josefina L. Martinez  




Passaram em 15 de Janeiro 100 anos sobre o assassínio de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. Publicamos em sua memória dois textos que recordam o contexto histórico desse crime. E também quanto desse crime se projectou na história futura da Alemanha.




A história política alemã do século passado pode ser lida como o relato de um crime. Um assassínio político que antecipou um genocídio. Mas para isso foi necessário em primeiro lugar esmagar a esperança de uma revolução,.





Em 15 de Janeiro de 1919, Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht foram presos no apartamento onde estavam escondidos e levados para a sede da Cavalaria de Guarda dos Freikorps (forças paramilitares) no aristocrático hotel Éden. Conta uma testemunha que Luxemburg colocou alguns livros numa maleta, pensando que a esperava uma nova temporada na cadeia. Poucas horas depois, o capitão Waldemar Pabst comunicava por telefone com o ministro do Exército do Reich, o social-democrata Gustav Noske, para pedir instruções sobre como proceder com tão importantes prisioneiros. Havia dias que a imprensa lançava ameaças e insultos contra “Rosa, a sanguinária”, líder da Liga Spartacus e do recém-fundado Partido Comunista Alemão (KPD).

Os social-democratas estavam no poder desde a demissão do Kaiser. O levantamento dos marinheiros e trabalhadores de Kiel tinha sido o impulso inicial de uma série de insurreições locais que culminaram com uma greve geral em Berlim em 9 de Novembro. Nesse dia, o social-democrata Phillipp Scheidemann proclamava a República alemã de uma janela do Reichstag. Poucas horas mais tarde, Karl Liebknecht – prematuramente - anunciou da varanda do Palácio a criação da República Socialista Livre da Alemanha. Vivia-se uma situação de poder dual, com a formação de conselhos de operários e soldados, seguindo o exemplo russo. Para evitar que fora esse o caminho, em 10 de Novembro, o governo chegou a um acordo com o Estado-Maior alemão: o objetivo era conter a revolução e liquidar os spartaquistas, a sua ala mais radical. “Odeio a revolução tanto como a peste!” havia declarado Friedrich Ebert.

Após sua conversa com Gustav Noske, o capitão Pabst deu ordens e o tenente Vogel comandou a execução. Rosa Luxemburgo foi arrastado pelas escadas abaixo, com pontapés e socos no estômago. Quando cruzou a porta, o soldado Otto Runge quebrou-lhe o crânio com a coronha da espingarda. Agonizante, meteram-na num carro onde o oficial Hermann Souchon lhe deu um tiro final na têmpora. O seu corpo foi lançado no Landwehrkanal onde quatro meses depois apareceu a flutuar. Karl Liebknecht havia sido fuzilado algumas horas antes num parque das proximidades. A primeira versão “oficial” foi que tinham sido assassinados por uma “multidão” furiosa quando tentavam escapar. Mas o logro não resistiu a uma investigação mínima. Leo Jogiches, que tinha sido companheiro de Rosa Luxemburgo durante muitos anos e dirigente da Liga Spartaquista, investigou e denunciou os responsáveis pelo assassínio. Em 19 de Março de 1919 Leo Jogiches foi morto na prisão “tentando escapar”; milhares de spartaquistas e de operários revolucionários foram mortos nos meses seguintes. O cineasta alemão teste Klaus Gietinger prova todos esses factos num rigoroso trabalho de investigação que é pela primeira vez publicado em Inglês este ano pela editorial Verso.

Em 1962, o capitão Pabst fez alarde da sua responsabilidade no assassínio dos dirigentes revolucionários: “Eu participei, naquela altura (Janeiro de 1919), numa reunião do KPD, durante a qual falaram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg. Fiquei com a impressão de que os dois eram os líderes espirituais da revolução, e decidi fazer com que fossem mortos. Foram capturados por minha ordem. Alguém tinha que tomar a decisão de ir para além da perspectiva legal … Não foi fácil tomar a decisão de fazer desaparecer os dois … Ainda defendo a ideia de que esta decisão é também totalmente justificável do ponto de vista teológico e moral”.

Pabst contou apenas o que a cobarde social-democracia não se atreveu a confessar. O capitão voltou a assumir um papel preponderante durante o golpe de Estado de Kapp (Kapp-Putsch) em 1920. Mais tarde, colaborou na organização de grupos paramilitares da ultradireita na Áustria. Embora nunca se tenha inscrito no partido nazi, fez parte de grupos de extrema-direita até sua morte em 1970. Nunca foi julgado pelos seus crimes.

Sabemos já que matou Rosa Luxemburg. A questão mais importante agora é o porquê. Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht tinham-se oposto à traição da social-democracia que apoiou no Reichstag os créditos de guerra, em 4 de Agosto de 1914. O Partido Social-Democrata alemão tinha-se tornado a mais poderosa organização da Segunda Internacional: um bloco de 110 parlamentares, mais de 4 milhões de votos, 90 jornais próprios, numerosas associações juvenis e de mulheres. Mas este monumental dispositivo foi colocado à disposição do Império Alemão quando a guerra começou, justificando com a ideia de “defesa nacional” que os trabalhadores alemães se matassem nas trincheiras com os franceses.

Luxemburg e Liebknecht representavam a luta contra a guerra imperialista, o combate contra o militarismo alemão, a denuncia das capitulações da social-democracia, a defesa da revolução russa e a ala mais resoluta da revolução alemã. Como Karl Liebknecht escreveu em 15 de Janeiro de 1919, poucas horas antes de morrer:

“Spartacus” significa fogo e espírito, significa alma e coração, significa vontade e acção a favor da revolução proletária. “Spartacus” significa toda a necessidade e desejo de felicidade, significa toda a determinação de luta do proletariado com consciência de classe. «Spartacus» significa socialismo e revolução mundial.

Esse desejo de felicidade ressurgiu na Alemanha em 1921 e em 1923. A história dessas tentativas revolucionárias foi tornada invisível pela historiografia, mas a esperança de um mundo novo renasceu das cinzas uma e outra vez no coração da Europa Ocidental. Só depois de sucessivas derrotas, em grande parte devido ao papel conservador desempenhado pelas grandes organizações operárias como a social-democracia poderia impor-se o nazismo.

Quando Rosa Luxemburgo escreveu em 1916 a Brochura de Junius sobre o dilema “socialismo ou barbárie”, a barbárie fazia-se carne nos dramáticos cartões postais da Primeira Guerra Mundial. Ela não podia imaginar o horror que estava por vir.


Fonte:https://ctxt.es/es/20190109/Politica/23896/Josefina-L-Martinez-Rosa-Luxemburg-politica-Alemania-Karl-Liebknecht-Otto-Runge.htm?fbclid=IwAR0ZgG9ng2mS42I_Eo8KCIYX5vsxBkIyDAQV2wCNPlQ_AZ99ywktnn-Xddc


O mito da sublevação spartaquista



Por Jörn Schütrumpf    

Logo em 1919, uma Comissão parlamentar de inquérito desmontou a falsidade das acusações que procuravam justificar o assassínio de Rosa Luxemburg e de Karl Liebknecht e a ilegalização do DKP. Mas o relatório foi abafado. E ainda hoje a verdade não é inteiramente reconhecida.


Em 19 de Março de 1919, a Assembleia Constituinte prussiana eleita após a Revolução de Novembro criou a Comissão de Inquérito para Determinar as Causas e Progressão da Agitação em Berlim e outras Zonas da Prússia no Ano de 1919. Nos meses seguintes, os 21 membros da comissão entrevistaram dezenas de testemunhas enquanto percorriam montanhas de documentos. Em Julho de 1919, ficara estabelecido que os comunistas não haviam provocado, e muito menos dirigido, as revoltas de Janeiro. Em vez disso, os chamados delegados revolucionários e a seção de Berlim do Partido Social-Democrata Independente (USPD) eram no essencial os responsáveis por ambos.

Os Delegados revolucionários eram na maioria sindicalistas que desde 1916 vinham tramando nos arsenais de Berlim o derrube da monarquia, e que em 9 de Novembro de 1918 lançaram as massas nas ruas. A maioria dos Delegados Revolucionários eram membros do USPD, mas queriam preservar sua autonomia em relação à direção do partido. Com o desencadeamento da revolução, converteram-se em candidatos à disputa do poder em Berlim.

Os comunistas viram-se simplesmente envolvidos nos levantamentos, conclusão que não poderia satisfazer nenhum dos membros da Comissão. Um veredicto público sobre o que realmente acontecera em Janeiro de 1919 teria tornado muito mais difícil justificar por que fora proibido o Partido Comunista e ilegalizado os seus membros desde Março de 1919.

Apesar de todos os seus floreados retóricos, o Comité de Investigação não pôde evitar a seguinte conclusão (embora evitassem incorporá-la nas chamadas Recomendações):

“No domingo seguinte a esses acontecimentos os Delegados Revolucionários e seus homens de confiança reuniram-se novamente […] e decidiram convocar uma greve geral com a finalidade de desencadear um ataque frontal contra o governo. Parece ter sido decisivo nisto o envolvimento de [Heinrich] Dörrenbach [1888-1919] na decisão da divisão Volksmarine e da maioria das tropas regulares da guarnição de Berlim para apoiar esta acção, e no facto de que eles se ter juntado gente de Spandau e Frankfurt. […] É verdade que tanto os independentes e os comunistas desempenharam um papel destacado na acção, e também que tanto os independentes como os comunistas terem advertido contra ela. Assim, por exemplo, Rosa Luxemburg parece ter reprovado o plano por completo, e o Comité Central do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha ter explicitamente declarado em anúncio posterior de que não manifestava solidariedade com o projecto liderado pela seção de Berlim do Partido Social Democrata Independente da Alemanha e a Liga Spartacus, juntamente com os Delegados Revolucionários, dos quais por seu lado 60 pertenciam ao Partido Social-Democrata Independente e pouco mais de dez do Partido Comunista da Alemanha. É verdade que os dirigentes intelectuais do movimento eram Karl Liebknecht, Georg Ledebour, Emil Eichhorn e Dorrenbach. Isso não quer dizer que tivessem empenhado muito tempo planeando esta acção em 5 de Janeiro em concreto, ou que tivessem sido os únicos que em 4 ou 5 de Janeiro que saudaram o assalto mais calorosamente. Dito isto, foram estes homens que acreditavam que os deputados do povo da maioria socialista ocupavam ilegalmente os seus lugares e que a violência era necessária.”

O Relatório da Comissão de Inquérito está datado de 8 de Fevereiro de 1921, no meio do recesso parlamentar da Prússia: a Assembleia Constituinte fora dissolvida em 14 de Janeiro de 1921 depois de completar o seu trabalho, e o Parlamento prussiano foi eleito em conformidade com a nova lei em 20 de Fevereiro de 1921. A imunidade dos novos parlamentares foi suspensa até então, permitindo à polícia persegui-los.

O relatório não foi entregue a ninguém, mas foi impresso palavra por palavra, na totalidade, no volume 15 da Recompilação de Materiais Impressos da Assembleia Constituinte da Prússia em algum momento de 1921. Como muitas vezes aconteceu com essas compilações, os seus conteúdos não eram complementados com dados bibliográficos. Assim, as tentativas de investigar a Comissão de Investigação sem o auxílio de suportes bibliográficos têm sido em vão.

Os historiadores depararam-se com este material impresso ao longo dos últimos quase cem anos, mas até hoje nenhum os valorizou seriamente. Embora historiadores de importância, como Heinrich August Winkler, tenham rejeitado a lenda do Levantamento Spartaquista sob a direcção da “Rosa Sanguinária” desde 1984, essa lenda continua a ser activamente difundida.

Fonte: Rosa Luxemburg Stiftung, 3 de Janeiro 2019 

http://www.sinpermiso.info/textos/rosa-luxemburgo-a-100-anos-de-su-asesinato


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