Por Doug Enaa Greene, via Verso Books, traduzido por Aukai Leisner
Antes de Marx, havia Blanqui: nascido 212 anos atrás. No texto abaixo, o historiador Doug Enaa Greene – autor do vindouro Specters of Communism: Blanqui e Marx – faz um levantamento da vida e pensamento do radical francês. Na primavera de 2018, a Verso publicará uma coleção dos escritos de Blanqui.
Karl Marx afirmou que Louis-Auguste Blanqui foi o “homem que eu sempre considerei como o cérebro e a inspiração do partido proletário na França.” Embora em grande parte esquecido hoje em dia, houve um tempo em que revolucionários ao redor do mundo viam esse preso político francês do século XIX como figura central e herói do socialismo revolucionário. Em nossa era de tantos recuos e concessões políticas, vale a pena voltar à vida de Blanqui.
Blanqui está lentamente ressurgindo, e foi o tema de uma recente conferência acadêmica na Universidade de Kingston. Durante 50 anos de sua vida, ele organizou múltiplas conspirações e iniciou algumas insurreições para derrubar o reinado do capitalismo e inaugurar uma república socialista. Ele pagou o preço, passando metade de sua vida na prisão.
Auguste Blanqui nasceu numa família de classe média, em primeiro de fevereiro de 1805, em Puget-Theniers. Seu pai, Jean Dominique, havia sido um Girondino, que sofreu durante o Período do Terror, mas era agora, sob Napoleão, chefe de departamento. Sua mãe, Sophie, era carinhosa e dedicada ao filho. A estabilidade e status da família Blanqui acabaram abruptamente em 1815, com a queda do Primeiro Império. O ardente nacionalismo francês do pequeno Auguste, então com dez anos, foi suscitado pela visão de soldados estrangeiros em sua casa.
Apesar da mudança de sorte, a família ainda tinha dinheiro o bastante para enviar Auguste e seu irmão mais velho Jérome-Adolphe (que viria a se tornar um conhecido economista) para as melhores escolas de Paris. Enquanto estava imerso em seus estudos de direito e medicina, Auguste encontrou o movimento revolucionário pela primeira vez. Em setembro de 1822, ele testemunhou a execução pública do movimento clandestino anti-Bourbon conhecido como Carbonari. Vendo-os no cadafalso, Blanqui aprendeu a odiar uma sociedade que assassinaria quatro homens bons para proteger os poderosos e privilegiados. Naquele momento, ele jurou fidelidade à causa revolucionária – uma promessa que jamais quebraria.
Enquanto Auguste aprendia com os Carbonari, também continuava com os estudos. Cansando-se dos Carbonari, tornou-se organizador estudantil. A clandestinidade não remunerava, de modo que Auguste complementava sua renda trabalhando como tutor. Em 1825, ele se apaixonou por Amelie-Suzanne Serre, uma talentosa pintora. A família dela, de classe-média conservadora, não aprovava o jovem radical, mas eles casaram-se mesmo assim em 1834. Os dois eram absolutamente dedicados um ao outro e Ameli-Suzanne sempre apoiou seu marido.
Blanqui tornou-se jornalista, mas descobriu que muitos de seus colegas jornalistas eram incapazes de traduzir seu discurso republicano em ação. Blanqui sabia que seria necessário usar a força para derrubar a monarquia. Quando as manifestações estudantis contra o exército irromperam em Paris em 1827, Blanqui envolveu-se ativamente nas brigas de rua e foi gravemente ferido. Graças aos cuidados de sua mãe, Blanqui conseguiu se recuperar plenamente. No entanto, os eventos de 1827 deixaram sobre ele uma profunda impressão: ele havia presenciado não somente a valia e espírito heroico do povo, mas também a covardia dos liberais.
Esta lição foi reforçada em 1830, durante a revolução de junho que finalmente destituiu os Bourbons. Blanqui esteve no centro dos “Três Dias Gloriosos” de lutas de barricada e ruídos de disparos. Blanqui esperava que os trabalhadores e as pessoas comuns tivessem agora seu triunfo recompensado com uma república e com justiça social. No entanto, a burguesia liberal, que nem havia participado das lutas, roubou a vitória do povo. Eles não queriam uma repetição dos Jacobinos. A coroa foi passada a Louis-Philippe, da Casa de Orleans. A revolução de julho havia apenas trocado um monarca por outro, enquanto o destino dos trabalhadores continuava tão miserável quanto antes.
Blanqui não deixaria que essa traição passasse. Não bastava mudar o homem sentado no trono; tudo o que contribuía para o privilégio aristocrático precisava ser destruído. Blanqui sabia que isso requereria uma segunda e mais completa revolução: “A República significa a emancipação dos trabalhadores; é o fim do reinado da exploração, é o surgimento de uma nova ordem, que livrará o trabalho da tirania do capital.”
Blanqui se organizou com os radicais e com a oposição republicana, mas não demorou muito até que ele fosse preso. Quando julgado em 1832, Blanqui falou pelos direitos da classe trabalhadora:
“Eu sou acusado de falar a 30 milhões de franceses, proletários como eu, que eles tem o direito a viver.. Quanto a nosso papel, já está escrito; o papel de acusador é o único que cabe ao oprimido.”
Depois de um ano na prisão, Blanqui retomou seu trabalho revolucionário, e organizou duas sociedades secretas com centenas de membros da classe trabalhadora, uma das quais foi desmembrada pela polícia. Blanqui era radical demais para a maioria dos republicanos, já que suas organizações desejavam o comunismo e estavam dispostas a pegar em armas para tomar o poder em Paris. Uma vez que os insurgentes ascendessem ao poder, eles estabeleceriam uma ditadura revolucionária que conquistaria duas coisas: a defesa dos pobres contra os ricos e educação das pessoas sobre as virtudes de uma nova sociedade. Depois que essas tarefas gêmeas fossem completadas, a ditadura daria lugar ao comunismo.
Em 12 de maio de 1839, após alguns inícios malogrados, a Sociedade das Estações de Blanqui lançou sua insurreição em Paris, tomando alguns prédios centrais. Por um breve momento, parecia que uma nova república estava prestes a nascer. Mas havia uma falha fatal na concepção blanquiana de revolução: as massas não participavam de sua própria tomada de poder. A revolta foi massacrada e Blanqui se escondeu, sendo capturado um mês depois.
Blanqui foi condenado à prisão perpétua na fortaleza de Mont-Saint-Michel. As condições na prisão eram deploráveis: os prisioneiros não conseguiam sentar nem ficar de pé em suas celas; havia vermes por toda a parte, e era quente demais no verão e frio demais no inverno. A verdeira tragédia veio em fevereiro de 1841, quando ele descobriu que sua esposa havia falecido. Blanqui ficou paralisado por dias e pensou em suicídio. Pelo resto da vida, vestiu luvas negras como um sinal de luto por Amelie-Suzanne.
A lenda de Blanqui começou a crescer. As péssimas condições em Mont-Saint-Michel vieram a público. Em 1844, a prisão cobrou seu preço sobre a saúde de Blanqui, e ele estava morrendo em sua cela. Para evitar que se criasse um mártir, Louis-Philippe o perdoou, mas Blanqui respondeu, desafiador, que ficaria na prisão e não abandonaria seus companheiros.
Foi-lhe concedida clemência mesmo assim e ele sobreviveu milagrosamente a sua doença. Blanqui permaneceu um prisioneiro, já que estava sob constante vigilância da polícia. Ele foi finalmente libertado em 1848 quando a monarquia Orleanista caiu, com a classe trabalhadora de Paris indo às barricadas.
Exultante, Blanqui foi às pressas para Paris. Ele estava determinado a evitar que os trabalhadores fossem traídos novamente pela burguesia. Os acontecimentos acabariam por provar que Blanqui tinha razão: os liberais não queriam uma revolução. Ele sabia que seria apenas uma questão de tempo até que os reacionários se reagrupassem.
Blanqui falava em comícios públicos em Paris sobre a necessidade do socialismo. Karl Marx sabia que Blanqui era o símbolo inflexível do comunismo na França, declarando: “o proletariado se une cada vez mais em torno do socialismo revolucionário, em torno do comunismo, para o qual a própria burguesia deu o nome de Blanqui.” Membros da classe dominante que o viam falar, tais como Alexis de Tocqueville, enxergavam nele a encarnação do radicalismo desenfreado que precisava ser controlado. Tocqueville disse que a aparência de Blanqui ” me enchia de terror e desgosto. Suas bochechas eram pálidas e esmaecidas, seus lábios brancos; ele parecia doente, mal, imundo, com uma palidez suja e a aparência de um cadáver apodrecido… ele parecia ter vindo do esgoto.”
À medida que a oposição conservadora à República crescia, muitos dos seguidores de Blanqui clamavam por ação. No dia 15 de maio, apesar das objeções de Blanqui, uma manifestação na Câmara dos Deputados transformou-se num golpe de estado para criar um novo governo radical. Mas o golpe foi desarticulado e seus organizadores foram presos. A verdadeira tragédia foi que nos Dias de Junho dezenas de milhares de trabalhadores parisienses se levantaram, mas não possuíam nenhuma liderança ou organização. Os trabalhadores lutaram heroicamente contra o exército que foi chamado e os massacrou.
Após essa derrota, Blanqui escreveu um “Aviso ao Povo.” Ele aconselhou o povo a não confiar naqueles que não estavam dispostos a lutar contra a classe dominante: “Quem são aqueles que ameaçam a revolução de amanhã? Aqueles que derrubaram e destruíram a revolução de ontem: a deplorável popularidade de burgueses disfarçados de tribunos.”
A burguesia não foi à luta, mas acolheu o regime de Louis Napoleão. Em 1851, Louis Napoleão se auto-coroou Imperador Napoleão III, encerrando o breve reinado da Segunda República. Embora Blanqui tivesse sido condenado a mais dez anos na prisão, ele permaneceu determinado a continuar lutando. Em 1859, Blanqui foi libertado da prisão após mais uma anistia real. Este episódio teve um gosto agridoce, já que sua mãe havia morrido no ano anterior e ele permanecia vigiado de perto pela polícia. No ano seguinte, o Imperador inventou acusações falsas contra Blanqui e o prendeu. Quando Blanqui confrontou novamente o procurador, não pediu perdão, mas proclamou que ainda estava em guerra:
Procurador: “Isso prova que apesar de vinte e cinco anos na prisão o senhor ainda tem as mesmas idéias?”
Blanqui: “Exatamente.”
Procurador: “Não somente as mesmas ideias, mas o desejo de vê-las triunfar?”
Blanqui: “Eu o desejarei até a morte.”
Outra cela de prisão esperava por Blanqui. Uma oposição radical a Napoleão III emergia entre jovens estudantes no Quartier Latin. Esses estudantes viam Blanqui – o “preso” – como um homem lendário de ação e visão, diferente da oposição liberal.
Os estudantes escutavam avidamente as palestras do velho homem sobre revolução e ateísmo. Blanqui, no entanto, não poderia liderar uma revolução da prisão. Em 1865, seus jovens seguidores organizaram sua fuga e o levaram à Bélgica pela fronteira. Blanqui pressentia que o dia da prestação de contas estava chegando para Napoleão III: trabalhadores entrariam em greve a oposição encontrava sua voz. Napoleão pressentia o desastre iminente, e numa tentativa desesperada de salvar seu império, declarou guerra à Prússia no verão de 1870.
Havia chegado o momento da greve. No dia 14 de agosto de 1870, os blanquistas lançaram um golpe no centro de Paris. Após alguns conflitos, o golpe fracassou. Menos de um mês depois, a França saiu decisivamente da guerra, na Batalha de Sedan. A 4 de setembro, o Segundo Império teve um fim ignominioso quando uma Terceira República foi declarada em Paris.
No dia 18 de março, a Comuna de Paris – o primeiro estado proletário – foi proclamado e a guerra civil começou. Num cruel lance do destino, Blanqui havia sido capturado no dia anterior e perdeu a revolução pela qual havia lutado a vida inteira. Apesar dos grandes avanços sociais da Comuna, ela não possuía uma liderança efetiva e forças militares necessárias para combater a contrarrevolução. Os seguidores de Blanqui acreditavam que ele poderia fornecer essa liderança e tentaram libertá-lo. A certa altura, eles ofereceram 74 reféns que estavam em sua posse em troca de Blanqui. Adolphe Thiers, o líder da Terceira República, recusou. Marx comentou que essa foi um escolha sábia de Thiers, uma vez que “ele sabia que com Blanqui a Comuna teria uma liderança.”
Blanqui permaneceu em confinamento e sofreu em silêncio enquanto dezenas de milhares de comunardos, incluindo seus devotos seguidores, eram exterminados em maio de 1871. As condições de sua prisão eram, novamente, péssimas. Ele aguardava a morte, dia após dia. Sua saúde estava debilitada. Blanqui chegou a se perguntar se toda a sua vida havia sido em vão. Em 1872, ele escreveu um tratado extenso sobre astronomia, Eternidade nas Estrelas, tentando em parte responder a essa questão. Nesta obra, afirmava que apesar da vastidão e da multiplicidade de mundos do cosmos e do peso esmagador das condições objetivas, ainda poderia ser criado um espaço para ação revolucionária.
Apesar dos tempos sombrios na França, o movimento dos trabalhadores e o movimento socialista ganharam nova força. Os radicais queriam anistia para os milhares de comunards definhando na prisão ou no exílio. Eles centraram sua campanha de anistia em torno de Blanqui – o símbolo preso da revolução. Manifestações de massa ocorreram por todo o país e Blanqui foi nomeado e eleito deputado em Bordeaux em 1879. A eleição de Blanqui foi invalidada pela República.
A República via o sentido em que os ventos sopravam e finalmente libertou Blanqui: trinta e sete anos de prisão haviam chegado ao fim. Blanqui retomou seu trabalho: dando discursos, editando o jornal Ni Dieu Ni Maitre (Nem Deus nem Mestre) e organizando a causa revolucionária. A 27 de Novembro de 1880, após dar um discurso em Paris, Blanqui sofreu um ataque cardíaco e morreu cinco dias depois. No seu funeral, um número estimado de 200,000 enlutados seguiu seu caixão até o cemitério Père Lachaise.
Mesmo aqueles que discordavam de Blanqui não podiam negar seu compromisso com o socialismo. Sua vida foi dedicada a derrubar o capitalismo, sem concessões.
Doug Enaa Greene é um historiador marxista independente e escritor vivendo na região metropolitana de Boston. Ele é autor do livro vindouro Specters of Communism, sobre Louis-Auguste Blanqui, pela Haymarket Books.
FONTE: LavraPalavra
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