Por Carlos Pompe*
Trazido por publicações estrangeiras ou pelos imigrantes, o marxismo passou da intelectualidade para o movimento operário brasileiro, e hoje é um pensamento vivo e fecundo
No dia 14 de março de 1883, há 110 anos, faleceu Karl Marx. Sua vida e sua obra foram dedicadas à luta contra o capitalismo e pela construção de uma nova sociedade, superior, sem exploradores e sem explorados, objetivando um mundo novo – o comunismo. Para tanto, dedicou-se, com rigor, científico, a analisar a sociedade capitalista em que vivia. E atuou para substituí-la pelo socialismo. “Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se, porém, de modificá-lo (…)”, escreveu. E foi consequente com esta idéia até o fim de seus dias. Sua obra tem influenciado, desde então, de forma marcante, os acontecimentos mundiais. Sob sua influência foram feitas revoluções e formaram-se governos socialistas. A pretexto de combater suas idéias, trabalhadores e intelectuais, pessoas simples e personalidades destacadas foram perseguidas, torturadas, assassinadas brutalmente por governos reacionários. Era inevitável que uma concepção de mundo com tal potencial estendesse sua influência por todo o Planeta, rompendo as barreiras continentais da Europa, onde se originou.
Na América Latina, as idéias de Marx chegaram antes mesmo da classe social a que representavam – o proletariado. E, a bem da verdade, só começaram a despertar interesse, mesmo, quando começou a se formar o proletariado nestas terras, na passagem para o século XX.
Imigrantes europeus que buscavam nova vida nas Américas traziam consigo as experiências vividas nas lutas sociais européias. Alguns – ao que tudo indica, muito poucos – tiveram em seus países de origem contatos com as idéias marxistas ou – em número maior – com organizações operárias que pleiteavam o socialismo, como partidos políticos ou a Internacional.
No livro A derrota da dialética, Leandro Konder lista outros três movimentos que aportariam em nossas terras o pensamento marxista: “1- o dos europeus que vinham ao nosso continente e, mesmo sem nele fixarem residência, traziam, eventualmente, conhecimentos a respeito do marxismo e os difundiam aqui, de passagem; 2- o dos cidadãos sul-americanos que iam à Europa e, também, eventualmente ouviam falar das concepções de Marx, entravam em contato com elas e as traziam para cá, quando regressavam da viagem; e 3- o movimento de importação de livros, revistas e jornais do ‘velho mundo’, com informações relativas ao socialismo europeu”.
Quanto às obras escritas por Marx ou Engels – seu mais próximo colaborador e “co-fundador” do marxismo – é interessante lembrar que, à época em que seus autores viviam, havia tiragens que variavam de 1 mil a 2 mil exemplares – excepcionalmente, 3 mil –, conforme levantamento realizado por Edgard Carone em O marxismo no Brasil. É de notar que, mesmo na América Latina, a chegada das idéias de Marx foi diferenciada. Ganha destaque, aqui, a Argentina que, já no século passado, contou com uma tradução castelhana do primeiro volume de O Capital, feita pelo líder do partido Socialista Argentino, Juan Bautista Justo. Mas no geral, as obras de Marx e Engels só foram publicadas no nosso Continente após a morte dos autores, em especial a partir deste século. Estas são dificuldades adicionais ao estudo do pensamento e método marxistas na América Latina no século passado.
Analisando esse período, escreve José Nilo Tavares em Marx, o socialismo e o Brasil: “Marx vivo esteve presente no Brasil? Sim e não. Sim, através das várias formas do socialismo que muito cedo incorporam-se ao pensamento político brasileiro, e enquanto socialismo e marxismo expressam as mais profundas reivindicações de direito à vida e à justiça partidas da classe operária. Sim, através dos efeitos indiretos, e algumas vezes diretos que o seu pensamento e a sua ação, de teórico e dirigente, exerceram sobre o movimento revolucionário na América Latina. Não, como presença atuante e viva, portanto uma pesada e rica bagagem de instrumental transformador”.
“Primeira referência no Brasil a Marx data de 1872, em jornal republicano recifense”.
A elaboração do método marxista – a concepção materialista dialética – foi uma contribuição nova para o conhecimento do homem sobre o mundo em que vive e se desenvolve. Um avanço espetacular e inigualável na aproximação entre o saber humano e a realidade objetiva. O próprio Marx escreveu, certa vez, sobre suas idéias, “(…) qualquer que seja o juízo que mereçam, e por muito que se choquem com os preconceitos interessados das classes dominantes, são o fruto de longos anos de conscienciosa investigação” (prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política).
“Todo começo é difícil – isto vale em qualquer ciência (…)”, afirmou o mesmo Marx no prefácio ao O Capital. Assim, não seria fácil para os latino-americanos a compreensão do método dialético, ainda mais que as próprias obras marxistas eram de difícil acesso, e sem que a base que lhes originou – o desenvolvimento capitalista e a formação do proletariado – existisse aqui no Continente.
Como curiosidade, vale citar o caso do belga Raymond Wilmart que, ligado à Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional), correspondia-se da Argentina, onde morava, com Marx. Numa de suas cartas, pede a Marx informações e livros – inclusive O Capital –, alertando, porém, que dificilmente o livro seria lido, pois os socialistas latino-americanos não faziam esforços para pensar.
Assim, se mesmo hoje, quando a América Latina e o Brasil possuem uma classe operária numericamente expressiva, e inclusive partidos que postulam o marxismo, a assimilação do método dialético materialista é tarefa que exige árduo esforço, estudo e perseverança, quanto mais àquela época.
Segundo Vamireh Chacon, em sua História das Idéias Socialistas no Brasil, a “sombra gigantesca” de Marx apareceu no Brasil, pela primeira vez, nas páginas do jornal republicano recifense O Seis de Março, n. 17, de 25 de março de 1872 – exatos 50 anos antes da fundação da organização política que assumiria abertamente a defesa do marxismo, o Partido Comunista do Brasil, em 25 de março de 1922. Trata-se da reprodução do artigo “O Dr. Carlos Marx”, da revista Ilustração Espanhola, que antes havia sido reproduzido na edição de 29 de fevereiro de 1872 da revista brasileira Echo Americano, publicada na Inglaterra.
Alguns intelectuais brasileiros tomaram conhecimento das idéias de Marx, ainda no século passado ou início deste. Um deles foi Tobias Barreto, que chegou a citá-lo no discurso de colação de grau de bacharéis, em 1883 – ano da morte de Marx: “Karl Marx diz uma bela verdade, quando afirma que cada período tem as suas próprias leis (…). Logo que a vida atravessa um dado período evolutivo, logo que passa de um estágio a outro, ela começa também a ser dirigida por leis diferentes”. Contudo, é bom lembrar que Tobias Barreto nunca foi marxista ou defendeu o marxismo. Em outra oportunidade afirmou: “(…) o instituto da Internacional” (dirigida por Marx e Engels) “é para mim a organização da loucura”.
Outro a tomar contato com as idéias marxistas foi Euclides da Cunha, que assim se referiu a elas: “Nada de idealizações: fatos, e induções inabaláveis resultantes de uma análise rigorosa dos materiais objetivos; e a experiência e a observação, adestradas em lúcido tirocínio através das ciências inferiores; e a lógica inflexível dos acontecimentos; e essa terrível argumentação terra-a-terra, sem tortuosidades de silogismos, sem o idiotismo transcendental da velha dialética, mas toda feita de axiomas, de verdadeiros truísmos, por maneira a não exigir dos espíritos o mínimo esforço para a alcançarem, porque ela é quem os alcança independentemente da vontade, e os domina e os arrasta com a fortaleza da própria simplicidade” (texto contido em Contrastes e Confrontos).
Euclides da Cunha chegou a formar uma associação operária em São José do Rio Pardo, de caráter socialista. Contudo, sua admiração por Marx não levou-o a adotar o método materialista dialético em sua produção literária, antes influenciada pelo pensamento positivista, como se pode ver em seu Os Sertões, onde chega a esposar conceitos racistas ao tratar de índios, negros e mestiços.
Por caminhos diversos, os ecos do marxismo continuavam ressonando no Brasil. Em 1901, o jornal O Trabalho – órgão das classes artísticas e operárias – trazia um medalhão de Marx na primeira página, com os dizeres “Proletários de todos os países, uni-vos”. Outras publicações operárias também referiam-se a Marx, geralmente colocando suas idéias ao lado das de outros teóricos do movimento trabalhista e socialista, como Proudhon, Fourier, Saint-Simon etc.
Mas os estudiosos do assunto consideram que foi o médico sergipano Silvério Fontes, que formou-se no Rio de Janeiro e passou a maior parte de sua vida em Santos – participando inclusive do movimento operário – “(…) o primeiro marxista brasileiro, de militância política (…)”, no dizer de Vamireh Chacon. Silvério Fontes morreu em 1928, e no fim da vida aderiu ao Partido Comunista do Brasil.
“Revolução bolchevique empolgou líderes anarquistas e intelectuais, como Lima Barreto”.
A Revolução de Outubro, na Rússia, em 1917, despertou entusiasmo em todo o mundo. No Brasil, onde os anarquistas predominavam no movimento operário, ela foi saudada e apoiada. As notícias sobre os acontecimentos na Rússia eram confusas. Sabia-se que um partido operário havia tomado o poder. Mas não se tinha notícia clara sobre quem eram suas lideranças e o que postulavam. Muitos acreditavam serem anarquistas os homens que comandavam o novo poder soviético. E fundaram, inclusive, um “Partido Comunista do Brasil”, de orientação anarquista, em 1919. Partido de existência breve.
Com o tempo, ficou claro que Lênin e seus camaradas não eram anarquistas, mas sim marxistas. E muitos ativistas operários continuaram a defender a Revolução Russa, e buscando se inteirar sobre o marxismo e suas propostas.
A revolução bolchevique empolgou, também, intelectuais, como Lima Barreto. O autor de O triste fim de Policarpo Quaresma escreveu um Manifesto Maximalista (a palavra era a tradução de “bolchevista”). Faleceu em 1922, mesmo ano em que é fundado o Partido Comunista do Brasil, com a destacada participação de Astrojildo Pereira – “um intransigente libertário” (anarquista), como ele próprio se definia.
Antes, o ideal socialista estivera presente em várias lutas brasileiras. Ao tempo da colônia e do império, as lutas nacionalistas tinham também seu lado igualitarista na Conspiração dos Alfaiates, em 1798; na Inconfidência Insurrecional de Pernambuco, em 1817 etc. “O pioneiro movimento socialista, laico no Brasil, apareceu em Pernambuco, nos meados do século XIX, como repercussão do socialismo francês pré-marxista, ou ‘utópico’, de Saint-Simon, Cabet, Fourier, Louis Blanc, Proudhon, Leroux, e do cristianismo social de Lammenais e Lacordaire”, escreve Vamireh Chacon.
Foram inúmeras as tentativas de organização da nascente classe operária brasileira, na virada do século, em torno do projeto socialista. Chegou inclusive às mãos de Engels, que lia português, uma publicação brasileira com matéria sobre um partido operário e seu programa, em 1893. O então dirigente da II Internacional fez um comentário pouco elogioso sobre o assunto, em carta de 26 de janeiro de 1893, endereçada a Karl Kautsky: “(…) a importância desses partidos sul-americanos está em relação inversa à retumbância de seus programas”.
A fundação do PCdoB, em 1922, contudo, alterou esse quadro no país. Trata-se hoje do mais antigo partido político existente no país. Todos os autores e estudiosos – mesmo os declaradamente anticomunistas – concordam que, com o Partido Comunista do Brasil, começou a difusão do marxismo no Brasil.
“Mas a classe operária, ao fundar seu partido, é ainda bastante jovem. Somente durante a Primeira Guerra Mundial o capitalismo no Brasil adquire maior impulso. Expande-se a indústria leve, particularmente o ramo têxtil, e se ampliam os meios de transporte marítimo e ferroviário. Junto com a burguesia, se desenvolve o proletariado, que vende sua força de trabalho não só a capitalistas nacionais, como também, a empresas imperialistas. A classe operária se compõe em boa parte de elementos provindos do campo e de trabalhadores de oficinas e pequenas empresas, notadamente padeiros, pedreiros, carpinteiros, marceneiros, gráficos, ferreiros e outros setores profissionais. O movimento sindical, ainda que combativo, apresenta muitas debilidades. O proletariado mal começa a adquirir consciência política. Nele influem imigrantes estrangeiros que, embora tragam experiência de luta e espírito de organização, são, em geral, partidários do anarco-sindicalismo. Até então, o marxismo não é conhecido no Brasil e, mesmo entre a intelectualidade avançada, prevalece o anarquismo”, analisa o documento 50 anos de luta, escrito pela direção do PCdoB em 1972.
Não há dúvida: a divulgação do marxismo no Brasil tem início com a fundação do Partido Comunista, em 1922. Criada como Seção da Internacional Comunista, a organização, cedo, conhece as perseguições, e tem o seu trabalho, tanto como organizador dos proletários, quanto de divulgador de uma política revolucionária e da teoria que embasa essa política, extremamente dificultado. E é através do Partido Comunista que chega às mãos dos brasileiros a primeira edição de uma obra de Marx e Engels: o Manifesto do Partido Comunista, escrito em 1848, com tradução de Octávio Brandão – dirigente comunista brasileiro – também vindo do movimento anarquista. Antes publicado nas páginas do jornal Voz Cosmopolita, em 1923 – edição, por sinal, apreendida –, o texto sai em forma de livro em 1924, com sua tradução feita “nos dias amargos de maio, junho e julho de 1923, como um protesto contra as perseguições ao Partido Comunista do Brasil”, segundo o tradutor (citado por Edgard Carone, no livro Da esquerda à direita).
Cabe destacar a importância fundamental da Internacional Comunista e da União Soviética na divulgação dos materiais marxistas. Se no início os brasileiros tinham poucas possibilidades de acesso à literatura dos fundadores do socialismo científico, a partir da fundação do Instituto Marx-Engels, de Moscou, em 1920, e da ligação orgânica do partido brasileiro com a Internacional, traduções das obras marxistas para o francês e o espanhol, feitas na Rússia – em especial após a Segunda Guerra Mundial – serão a base para versões brasileiras ou para o acesso aos textos em línguas estrangeiras de maior domínio entre os brasileiros, até os anos 1960.
“Positivismo influente no pensamento brasileiro dificultou a acolhida às idéias de Marx”.
Há de se considerar que, se a divulgação de obras marxistas é um primeiro passo fundamental para conhecimento de seu ideário, outra coisa é a assimilação da nova concepção de mundo. Nos primeiros anos deste século, quando o marxismo começa a ter alguma ressonância entre nós, o pensamento brasileiro está dominado pelo cientificismo – em especial, o positivismo que levou inclusive a colocar a legenda “Ordem e Progresso” na bandeira do país. E o cientificismo facilita o ecletismo, a junção de idéias muitas vezes contrárias umas às outras, mas com o selo da “ciência”. Ao par disso, é notório o desprezo pela filosofia – por uma concepção globalizante do conhecimento – dentre os intelectuais da época. E, nas universidades, a bem da verdade até os anos 1960, eram raríssimas as referências ao marxismo – a não ser no sentido de combatê-lo – e praticamente inexistente a adoção de obras marxistas, mesmo que com o intuito de refutá-las.
As dificuldades dos proletários e da esquerda brasileira, de lá para cá, ora aumentam, ora diminuem. Mas sempre existem. E isso se reflete, também, na divulgação da literatura marxista e na própria elaboração teórica com o método materialista dialético no país. As dificuldades, porém, não impediram o esforço contínuo dos comunistas em apreender e divulgar o marxismo.
O papel do Partido Comunista é relevante. Não apenas por sua trajetória política de defesa intransigente da revolução e dos princípios marxistas – chegando o partido a ser reorganizado em 1962 justamente em defesa destes princípios, abandonados pela direção após seu V Congresso, no final da década de 1950. Mas também por seu esforço editorial e pela realização de cursos, palestras, debates, seminários, apresentando a atualidade das idéias de Marx e buscando desenvolvê-las.
Não é fácil – na verdade, é praticamente impossível – realizar um levantamento detalhado das atividades partidárias ao longo da sua existência. Basta lembrar que em junho de 1923 – pouco mais de um ano após ter sido fundado – o Partido Comunista já teve todos os seus arquivos confiscados pela polícia do Rio de Janeiro, na época a capital do país. Em sua longa trajetória, foram inúmeras as perseguições policiais, invasões de sedes e gráficas, prisões, torturas e mortes de seus dirigentes, confisco, inclusive, das bibliotecas pessoais de militantes ou amigos do partido. Os dados sobre publicações são inexatos. Muitos títulos saíram em nome de editoras diversas, que não tinham relações visíveis com o partido. Outros, simplesmente, foram publicados na clandestinidade. O órgão central do partido, A Classe Operária – ainda hoje editado –, é um exemplo. A primeira fase de sua existência foi de maio a julho de 1925, quando foi fechado pela polícia. Depois, alternou sua publicação entre períodos legais e clandestinos. Se atualmente, como o partido, é legal, com sede conhecida e nome registrado, na maior parte de sua existência não foi assim.
Se com o papel impresso isso acontece, o que dizer sobre cursos, seminários, palestras etc? Até hoje são realizados, mas não contabilizados. Em 1954, contudo, foi publicado um balanço desse tipo de trabalho teórico, realizado a partir de 1951. Está na revista Problemas, n. 64. Diz a revista: “(…) passaram pelos cursos elementares do partido, de 4 e menos dias, 1960 alunos; pelos cursos médios, de 6 a 15 dias, 1492; e pelo curso superior do Comitê Central, 554 alunos”. A estes, deveriam ser acrescidos os cursos ministrados a comunistas brasileiros pelo Partido Comunista da União Soviética, na Rússia, que tiveram, também, inegável papel na formação de nossos marxistas.
“Queda dos regimes do Leste europeu coloca novos desafios para o pensamento marxista”.
O primeiro esforço de avaliação da nossa realidade com o instrumental teórico marxista foi o do tradutor do Manifesto do Partido Comunista, Octávio Brandão. Em 1924 ele escreve Agrarismo e Industrialismo – ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil.
Sintomaticamente, assina o livro com o pseudônimo de Fritz Mayer e dá como local de impressão Buenos Aires, embora ele tenha ocorrido no próprio Brasil, para burlar a perseguição governamental.
No geral, as iniciativas de uma análise marxista de vários problemas fica ao sabor do esforço individual de militantes ou intelectuais que adotam o materialismo dialético. E leve-se em conta, aqui, o que foi dito anteriormente sobre a influência cientificista, positivista e eclética entre os nossos estudiosos. Na vida orgânica, “(…) o Partido elabora seu programa, aprovado no IV Congresso, realizado em 1954. É o primeiro programa por ele elaborado em toda sua existência. A aprovação deste documento, correto em seus elementos essenciais, constitui grande êxito e já revela certo domínio do marxismo-leninismo e da realidade nacional (…)”, diz o documento 50 anos de Luta, acrescentando, adiante: “Mas a elaboração do Programa não significa mudança de profundidade com relação às concepções estranhas ao proletariado”.
Com os acontecimentos da União Soviética após o XX Congresso do PCUS e a mudança da orientação política e econômica comandada por Nikita Kruschev, o movimento comunista mundial enfrenta grave crise. Entre os comunistas brasileiros trava-se acirrado debate político e ideológico. A orientação kruschevista é adotada pela direção do Partido Comunista, e seus adversários, como João Amazonas e Maurício Grabois, são afastados dos órgãos dirigentes. O partido muda de nome – para “Partido Comunista Brasileiro” – e retira do estatuto a afirmação que se orienta pelo marxismo-leninismo e pelo internacionalismo proletário – preconizado por Marx e Engels no Manifesto de 1848.
Em 1962, Amazonas, Grabois, Pedro Pomar, Elza Monnerat, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo, Lincoln Oest, dentre outros, reorganizam o Partido Comunista do Brasil, reafirmando o marxismo-leninismo e o programa revolucionário da organização. O partido participa abertamente do debate internacional em torno da teoria marxista, combatendo as idéias de Kruschev e seus sucessores, ao tempo em que esforça-se por analisar e atuar na realidade brasileira em defesa do socialismo e do marxismo. Boa parte de sua direção é assassinada nos anos da ditadura militar.
Mesmo enfrentando a mais cruel ditadura de nossa história, que mantém o partido na ilegalidade e persegue comunistas, patriotas e democratas, a organização sobrevive e cresce. Com o fim do regime dos generais, o partido recupera a legalidade.
Nova crise atinge o movimento comunista mundial no final dos anos 1980 e início dos 1990. Os países que adotaram o socialismo no Leste Europeu retornam ao capitalismo. A União Soviética deixa de existir.
Em meio a essa crise, o Partido Comunista do Brasil reafirma mais uma vez seu ideal socialista e a validade do manancial teórico legado por Marx e desenvolvido por Lênin. É a fase que vivemos atualmente, após 110 anos de sua morte, Marx e sua obra são vítimas do maior ataque já visto a uma concepção de mundo.
A queda dos regimes do Leste Europeu e o estupendo ataque ao socialismo que a seguiu, colocaram para os marxistas questões profundas para serem respondidas. Em primeiro lugar, nenhum país socialista abandonou o regime por uma invasão capitalista externa. Pelo contrário, ao maior ataque político militar que o socialismo sofreu no século – a agressão nazi-fascista –, ele respondeu com a vitória sobre Hitler e seus aliados, e a formação do campo socialista.
O socialismo foi golpeado por dentro. Kruschev, Brejnev, Gorbachev, Yeltsin – para ficar só em exemplos soviéticos –, eram integrantes do Partido Comunista da União Soviética, que mudaram a orientação do partido e terminaram por liquidá-lo. Assim como Ramiz Alia, na Albânia, foi quem comandou a extinção do Partido do Trabalho, fundado por Enver Hoxha, após uma vida de militância nessa organização.
O assunto carece, e muito, de aprofundamento. Mas vai se tornando consenso a debilidade da própria assimilação e domínio do marxismo como um dos principais – se não o principal – causadores desse retrocesso histórico. Ganha ainda mais intensidade – nesse sentido – a afirmação de Lênin: “Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”.
A necessidade premente da atividade revolucionária, da intervenção direta na política cotidiana para fazer frente ao capitalismo e transformar a proposta socialista e seu ideário numa força material assimilada pelas massas, é uma pressão forte no sentido de abandonar o rigor teórico na análise de uma realidade, para sua transformação em palavras de ordem mobilizadoras. Uma submissão da teoria materialista – dialética e da análise do real – que, em especial nas questões sociais, dificilmente é imediatista –, à política. A urgência de resultados imediatos, que possibilitem um aumento da participação dos explorados na luta emancipadora, acaba por rebaixar a análise científica de uma realidade dada, com toda a sua complexidade e possibilidades de ação revolucionária.
Passados 110 anos da morte de Marx, e 75 anos da Revolução de Outubro – que colocou o desafio prático de construção do socialismo –, o capitalismo continua mergulhando o mundo na barbárie. O socialismo, a sociedade sem exploradores e explorados, que ruma para o fim da pré-história da humanidade, para o desenvolvimento pleno do ser humano, é a grande aspiração dos povos. E o método dialético-materialista, resultante das pesquisas e ação de Marx, Engels e seus seguidores, mantém-se como o instrumental apto a possibilitar as ações visando a superar as dificuldades presentes. Marx continua vivo!
FONTE: Fundação Mauricio Grabois
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