"Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de abolí-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova." (Marx & Engels - Mensagem do CC da Liga dos Comunistas - 1850)
quarta-feira, 24 de março de 2021
domingo, 14 de março de 2021
Kropotkin, 100 anos
Por David Graeber e Andrej Grubačić
Há um século, morria pensador notável do anarquismo e das lutas revolucionárias. Ainda atual, ele derrubou dogma crucial ao liberalismo e demonstrou a centralidade da cooperação – nas sociedades e na própria evolução das espécies.
De vez em quando — mas não com muita frequência — algum argumento particularmente convincente contra o senso político comum e dominante apresenta tal choque para o sistema, que torna-se necessário criar um corpo teórico inteiro para refutá-lo. Essas intervenções são eventos por si mesmas, no sentido filosófico; isto é, eles revelam aspectos da realidade que eram amplamente invisíveis mas que, após revelados, parecem tão óbvios que nunca mais passarão despercebidos. Grande parte da direita intelectual se dedica a identificar e eliminar tais desafios.
A seguir, apresentamos três exemplos:
Nos anos 1680, um estadista hurão (da etnia Huron-Wendat), chamado Kondiaronk, que tinha passado pela Europa e estava intimamente familiarizado com a sociedade de colonos francesa e inglesa, travou uma série de debates com o governador francês de Quebec e com um de seus principais assessores, um tal de Lahontan. Nestes debates, ele apresentou o argumento de que a lei punitiva e todo o aparato do estado existiam não por causa de alguma falha fundamental na natureza humana, mas devido à existência de outro conjunto de instituições — propriedade privada, dinheiro — que, por sua própria natureza, levavam as pessoas a agir de determinada forma e, por isso, medidas coercivas tornavam-se necessárias. A igualdade é, portanto, a condição para qualquer liberdade significativa, argumentou.
Posteriormente, Lahontan transformou esses debates em um livro que foi um grande sucesso nas primeiras décadas do século XVIII. Tornou-se uma peça teatral que esteve em cartaz durante vinte anos em Paris e, aparentemente, todo pensador iluminista escreveu alguma imitação. Por fim, esses argumentos — e a ampla crítica indígena sobre a sociedade francesa — tornaram-se tão poderosos que os defensores da ordem social existente, como Turgot e Adam Smith, tiveram que, efetivamente, inventar a noção de evolução social como uma resposta direta. Aqueles que primeiro propuseram a ideia de que as sociedades humanas podiam ser organizadas de acordo com seus estágios de desenvolvimento, cada um com suas próprias tecnologias e formas de organização características, foram bastante explícitos em explicar que era disso mesmo que se tratava. “Todos amam liberdade e igualdade”, observou Turgot; a questão é o quanto de cada um deles é consistente com uma sociedade comercial avançada, baseada em uma sofisticada divisão de trabalho. As teorias de evolução social resultantes dominaram o século XIX e ainda hoje estão entre nós, embora de forma ligeiramente modificada.
No final do século XIX e início do século XX, a crítica anarquista do estado liberal — de que a lei baseava-se basicamente na violência arbitrária e que, em última instância, não passava de uma versão secularizada de um Deus todo-poderoso que só poderia ter criado a moralidade por estar do lado de fora dela — foi levada tão a sério pelos defensores do Estado, que teóricos jurídicos de direita, como Karl Schmitt, acabaram criando a armadura intelectual do fascismo. Schmitt termina sua obra mais famosa, Teologia Política, com um discurso retórico contra Bakunin, cuja rejeição do “decisionismo” — a autoridade arbitrária para criar uma ordem jurídica, mas também para afastá-la — teria sido, em última análise, tão arbitrária quanto a autoridade à qual Bakunin afirmava se opor, afirmou ele. A própria concepção de teologia política de Schmitt, fundamental para quase todo o pensamento de direita contemporâneo, foi uma tentativa de responder à obra “Deus e o Estado”, de Bakunin.
O desafio apresentado por Kropotkin em “Mutualismo: Um Fator de Evolução” (Mutual Aid, no título em inglês), vai, sem sombra de dúvidas, ainda mais fundo, uma vez que não se trata apenas da natureza do governo, mas da própria natureza da natureza — isto é, a própria realidade.
As teorias de evolução social, o que Turgot chamou de “progresso”, podem ter começado como um jeito de desarmar o desafio da crítica indígena, mas logo começaram a assumir uma forma mais virulenta, à medida em que liberais radicais como Herbert Spencer começavam a representar a evolução social não apenas como uma questão de crescente complexidade, diferenciação e integração, mas como uma espécie de luta hobbesiana pela sobrevivência. Na verdade, a frase “sobrevivência do mais apto” foi cunhada em 1852 por Spencer, para descrever a história humana — e presume-se que, em última análise, para justificar o genocídio europeu e o colonialismo. Só foi retomado por Darwin cerca de dez anos depois, quando, em “A Origem das Espécies”, ele usou o termo como uma forma de descrever as formas de seleção natural que ele havia identificado em sua famosa expedição às Ilhas Galápagos. Na época em que Kropotkin estava escrevendo, nas décadas de 1880 e 90, as ideias de Darwin haviam sido adotadas por liberais de mercado, mais notoriamente pelo seu “bulldog” Thomas Huxley, e pelo naturalista inglês Alfred Russel Wallace, para propor o que costuma ser chamado de “visão gladiadora” da história natural. As espécies lutam feito boxeadores em um ringue ou como comerciantes de títulos no chão do mercado; os fortes prevalecem.
A resposta de Kropotkin — de que a cooperação é um fator tão decisivo na seleção natural quanto a competição — não foi completamente original. E ele nunca fingiu ser. Na verdade, ele não só bebia da fonte do melhor conhecimento biológico, antropológico, arqueológico e histórico disponível de sua época, incluindo suas próprias explorações da Sibéria, mas também de uma escola alternativa russa, da teoria evolutiva, que sustentava que a escola ultracompetitiva inglesa era baseada, como ele mesmo disse, em “um tecido de absurdos”: homens como “Kessler, Severtsov, Menzbir, Brandt — quatro grandes zoólogos russos, junto de um quinto menor, Poliakov; e finalmente eu, um simples viajante”.
Ainda assim, devemos dar os devidos créditos a Kropotkin. Ele era muito mais do que um simples viajante. Esses homens haviam sido fortemente ignorados pelos darwinianos ingleses, mesmo em seu máximo apogeu — e, de fato, por quase todos os outros. Mas a afirmação de Kropotkin não passou batida. Sem dúvida, isso ocorreu, em parte, porque ele apresentou suas descobertas científicas em um contexto político mais amplo, de uma forma que tornava impossível negar o quanto a versão reinante da ciência darwiniana em si era apenas um reflexo inconsciente das categorias liberais dadas por garantidas. (Como diz a famosa frase de Marx, “A anatomia do homem é a chave para a anatomia do macaco”.) Foi uma tentativa de catapultar as visões das classes comerciais para a universalidade. Naquela época, o darwinismo ainda era uma intervenção política consciente e militante para remodelar o senso comum, uma insurgência centrista, pode-se dizer; ou melhor, uma pretensa insurgência centrista — visto que visava criar um novo centro. Ainda não era senso comum: era uma tentativa de criar um novo senso comum universal. Se não foi completamente bem-sucedido, isso se deve, de certo modo, ao próprio poder do contra-argumento de Kropotkin.
Não é difícil perceber o que deixava esses intelectuais liberais tão preocupados. Considere a famosa passagem de Mutualismo, que merece ser citada na íntegra:
Não é o amor, e nem mesmo a simpatia (compreendida em seu sentido próprio), que induz manadas de ruminantes ou de cavalos a formarem um círculo para resistir a um ataque de lobos; não é o amor que induz os lobos a formarem uma alcateia para sair à caça; não é o amor que induz gatinhos ou cordeiros a brincar, ou uma dúzia de espécies de pássaros jovens a passarem os dias juntos no outono; e não é o amor nem a simpatia pessoal que faz com que milhares de cervos espalhados por um território tão vasto como a França se agrupem em pares de rebanhos separados, todos marchando em direção a um determinado local, a fim de cruzar um rio. É um sentimento infinitamente mais amplo do que o amor ou a simpatia pessoal: um instinto que se desenvolveu lentamente entre os animais e os homens ao longo de uma evolução extremamente longa, e que ensinou aos animais e aos homens a força que eles podem obter da prática da ajuda e apoio mútuos, e as alegrias que podem encontrar na vida social… Não é o amor e nem mesmo a simpatia que fundamenta a existência da sociedade na humanidade. É a consciência — mesmo que apenas na fase instintiva — da solidariedade humana. É o reconhecimento inconsciente da força que a prática da ajuda mútua transfere a cada ser humano; da estreita dependência que a felicidade de cada um tem na felicidade de todos; e do senso de justiça ou equidade que leva o indivíduo a considerar os direitos de todos os outros indivíduos como iguais aos seus. Sobre este fundamento amplo e necessário, desenvolvem-se sentimentos morais ainda mais elevados.
Basta considerar a virulência da reação. Pelo menos dois campos de estudo (reconhecidamente sobrepostos) — a sociobiologia e a psicologia evolucionista — foram criados especificamente para reconciliar os pontos de Kropotkin sobre a cooperação entre animais com a suposição de que todos somos, em última instância, movidos por nossos “genes egoístas” (como Dawkins acabaria por dizer). Quando o biólogo britânico J.B.S. Haldane disse que estaria disposto a sacrificar sua vida para salvar “dois irmãos, quatro meio-irmãos ou oito primos de primeiro grau”, ele estava simplesmente repetindo o tipo de cálculo “científico” que foi introduzido por toda parte para responder a Kropotkin; da mesma forma que o progresso foi inventado para controlar Kondiaronk, ou a doutrina do estado de exceção surgiu para controlar Bakunin. A frase “gene egoísta” não foi escolhida ao acaso. Kropotkin havia revelado um comportamento no mundo natural que era exatamente o oposto do egoísmo: todo o jogo dos darwinistas agora passava a ser o de encontrar alguma razão, qualquer que fosse, para continuar insistindo na teoria de que mesmo o comportamento mais brincalhão, amoroso, caprichoso, heroicamente altruísta ou até sociável, no fundo, é egoísta.
Os esforços da direita intelectual para enfrentar a grandeza do desafio que a teoria de Kropotkin trouxe são compreensíveis. Como já apontamos, é exatamente isso que eles deveriam estar fazendo. É por isso que eles são chamados de “reacionários”. Eles de fato não acreditam na criatividade política como um valor em si — na verdade, acham que isso é algo profundamente perigoso. Como resultado, os intelectuais de direita estão lá principalmente para reagir às ideias apresentadas pela esquerda. Mas e a esquerda intelectual?
É aqui que as coisas ficam um pouco mais confusas. Enquanto os intelectuais de direita procuravam neutralizar o holismo evolucionário de Kropotkin desenvolvendo sistemas intelectuais inteiros, a esquerda marxista fingia que a intervenção do anarquista nunca havia ocorrido. Podemos até arriscar a dizer que a resposta marxista à ênfase de Kropotkin no federalismo cooperativo foi a de desenvolver ainda mais os aspectos da própria teoria de Marx que puxaram mais fortemente na outra direção: isto é, seus aspectos mais produtivistas e progressistas. Alguns insights riquíssimos de Mutualismo foram, na melhor das hipóteses, ignorados e, na pior, afastados com uma risada condescendente. Tem havido uma tendência tão persistente nos estudos marxistas e, por extensão, nos estudos de tendência da esquerda em geral, em ridicularizar o “socialismo de salva-vidas” e o “utopismo ingênuo” de Kropotkin, que um biólogo renomado, Stephen Jay Gould, se sentiu compelido a insistir, em um famoso ensaio, que “Kropotkin não era maluco”.
Existem duas explicações possíveis para essa destituição estratégica. Uma delas é: puro sectarismo. Como já observado, a intervenção intelectual de Kropotkin fazia parte de um projeto político mais amplo. O final do século XIX e o início do século XX viram as bases do estado de bem-estar — cujas instituições-chave foram criadas na verdade, em grande parte por grupos de mutualismo, totalmente independentes do Estado — serem gradualmente cooptadas pelo Estado e por partidos políticos. A maioria dos intelectuais de direita e esquerda estavam perfeitamente alinhados com isso: Bismarck admitiu plenamente que criou instituições de bem-estar social na Alemanha como um “suborno” à classe trabalhadora para que não se tornassem socialistas; enquanto os socialistas insistiam em que nada, desde o seguro social até as bibliotecas públicas, fosse administrado pelo bairro e nem pelos grupos sindicais (seus verdadeiros criadores), mas por partidos de vanguarda de cima para baixo.
Neste contexto, ambos lados viram a destruição das propostas éticas socialistas de Kropotkin, sob o imperativo supremo de taxá-las de tolice. Também vale a pena lembrar que — em parte por esta mesma razão — no período entre 1900 e 1917, as ideias marxistas anarquistas e libertárias eram muito mais populares entre a própria classe trabalhadora do que o marxismo de Lenin e Kautsky. Foi necessária a vitória do braço do partido bolchevique de Lenin na Rússia (na época, considerada a ala direita dos bolcheviques) e a supressão dos soviéticos, do Proletkult e de outras iniciativas de baixo para cima na própria União Soviética, para finalmente esfriar esses debates e deixá-los de lado.
No entanto, existe outra explicação possível, que tem uma relação maior com o que pode ser chamado de “posicionalidade”, tanto do marxismo tradicional quanto da teoria social contemporânea. Qual é o papel de um intelectual radical? A maioria dos intelectuais ainda afirma ser radical de algum tipo ou de outro. Em teoria, todos eles concordam com Marx no sentido de que não basta entender o mundo; mas que é preciso mudá-lo. Mas o que isso realmente significa na prática?
Num parágrafo relevante de Mutualismo, Kropotkin sugere: o papel de um estudioso radical é o de “restaurar as proporções reais entre o conflito e a união”. Isto pode parecer ambíguo, mas ele esclarece. Os estudiosos radicais são “obrigados a fazer uma análise minuciosa dos milhares de fatos e indícios tênues acidentalmente preservados nas relíquias do passado; interpretá-los com o auxílio da etnologia contemporânea; e depois de ter ouvido tanto sobre o que costumava dividir os homens, reconstruir pedra por pedra as instituições que costumavam uni-los.”
Um dos autores ainda recorda a sua empolgação juvenil após ter lido essas linhas. Quanta diferença do treinamento sem vida que recebiam na academia, sempre tão centrada no Estado. Esta recomendação deveria ser lida em conjunto com a de Karl Marx, cuja energia foi canalizada para a compreensão da organização e do desenvolvimento da produção capitalista de mercadorias. Em O Capital, a única atenção real dada à cooperação é num exame das atividades cooperativas como formas e consequências da produção da fábrica, onde os trabalhadores “formam meramente um modo particular de existência do capital”. Parece que ambos os projetos se complementariam muito bem.
Kropotkin procurava entender exatamente aquilo que o trabalhador alienado havia perdido. Mas integrar os dois significaria entender como até o capitalismo é substancialmente fundado no comunismo (“ajuda mútua”, mutualismo), mesmo que seja num comunismo que ele não reconhece; como o comunismo não é um ideal abstrato e distante, impossível de manter, mas uma realidade prática vivida na qual todos nos engajamos diariamente, em diferentes graus, e que nem as fábricas poderiam operar sem ela — mesmo se muitas delas operassem às escondidas, nas entrelinhas ou com mudanças, ou informalmente, ou no que não foi dito, ou de forma totalmente subversiva. Ultimamente, está na moda dizer que o capitalismo entrou em uma nova fase na qual se tornou parasita de formas de cooperação criativa, principalmente na internet. Isso não faz sentido. Sempre foi assim.
Trata-se de um projeto intelectual muito notável. Mas por algum motivo, quase ninguém está interessado em realizá-lo. Em vez de examinar como as relações de hierarquia e exploração são reproduzidas, recusadas e emaranhadas por relações de mutualismo, como as relações de cuidado tornam-se contínuas com as relações de violência — e como, ainda assim, mantêm sistemas de violência de modo a não se desintegrarem totalmente — tanto o marxismo tradicional quanto a teoria social contemporânea rejeitaram obstinadamente quase tudo que sugerisse generosidade, cooperação ou altruísmo como se se tratasse de algum tipo de ilusão burguesa. Conflito e cálculo egoísta provaram ser mais interessantes do que “união”. (Da mesma forma, é bastante comum a esquerda acadêmica escrever sobre Carl Schmidt ou Turgot, enquanto é quase impossível encontrar aqueles que escrevem sobre Bakunin e Kondiaronk).Como o próprio Marx já se queixava: nas últimas décadas, existir sob o modo de produção capitalista é acumular. Pouco se ouve, para além de exortações implacáveis, sobre estratégias cínicas usadas para aumentar nosso respectivo capital (social, cultural ou material) — estas são enquadradas como críticas. Mas se tudo o que você deseja falar é sobre o que você afirma ser contra, se tudo o que pode imaginar é aquilo ao que você afirma se opor, então, em que sentido você realmente se opõe? Às vezes, parece que a esquerda acadêmica acabou, gradualmente, internalizando e reproduzindo todos os aspectos mais angustiantes do economicismo neoliberal aos quais afirma se opor, a tal ponto que, lendo muitas dessas análises (vamos ser simpáticos e não mencionar nomes), alguém se pergunta: isso é realmente diferente da hipótese sociobiológica de que nosso comportamento é governado por “genes egoístas”?
É certo que esse tipo de internalização do inimigo atingiu seu ápice nas décadas de 1980 e 1990, quando a esquerda global estava em plena retirada. Mas, desde então, as coisas mudaram. Kropotkin voltou a ser relevante? Bem, obviamente, Kropotkin sempre foi relevante, mas este livro está sendo lançado com a crença de que há uma nova geração radicalizada, dentro da qual muitos nunca foram expostos a essas ideias diretamente, mas que mostram todos os sinais de serem capazes de fazer uma melhor avaliação da situação global do que seus pais e avós — até porque eles sabem que, se não o fizerem, o mundo que lhes é reservado logo se tornará um inferno absoluto.
Já está começando a acontecer. A relevância política das ideias defendidas pela primeira vez em “Mutualismo” vem sendo redescoberta pelas novas gerações de movimentos sociais em todo o planeta. A revolução social em curso na Federação Democrática do Nordeste da Síria (Rojava) foi profundamente influenciada pelos escritos de Kropotkin sobre ecologia social e federalismo cooperativo, em parte por meio das obras de Murray Bookchin, em parte voltando diretamente à fonte, e em grande parte, também, baseando-se em suas próprias tradições curdas e experiência revolucionária. Os revolucionários curdos assumiram a tarefa de construir uma nova ciência social antagônica às estruturas de conhecimento da modernidade capitalista. Os envolvidos em projetos coletivos de sociologia da liberdade e jineoloji começaram de fato a “reconstruir pedra por pedra as instituições que costumavam unir” pessoas e lutas. No Norte Global, por toda parte: desde movimentos de ocupação variados até projetos de solidariedade para enfrentar a pandemia, o mutualismo surgiu como uma frase-chave usada por ativistas e jornalistas. Atualmente, o mutualismo é invocado nas mobilizações de solidariedade de migrantes na Grécia e na organização da sociedade zapatista em Chiapas. Há rumores de que até mesmo alguns acadêmicos usam o termo ocasionalmente.
Quando Mutualismo foi lançado pela primeira vez, em 1902, tínhamos poucos cientistas corajosos o suficiente para desafiar a ideia de que o capitalismo e o nacionalismo estavam enraizados na natureza humana, ou que a autoridade dos Estados era, em última análise, inviolável. A maioria dos que fizeram isso foram, de fato, considerados malucos ou, se fossem muito importantes como para serem descartados dessa maneira — como Albert Einstein — eram tachados de “excêntricos”, cujas opiniões políticas eram praticamente iguais ao estilo de seus cabelos incomuns. Todavia, o resto do mundo está avançando. Será que os cientistas — inclusive os cientistas sociais — alguma hora irão segui-lo?
Escrevemos esta introdução enquanto acontece, globalmente, uma onda de revolta popular contra o racismo e a violência de Estado; enquanto as autoridades públicas vomitam veneno contra os “anarquistas”, da mesma forma que faziam na época de Kropotkin. Parece um momento peculiarmente adequado para fazer um brinde em nome daquele velho “desprezador da lei e da propriedade privada” que mudou a face da ciência de maneiras que continuam a nos afetar ainda hoje. A escola de Pyotr Kropotkin foi cuidadosa e colorida, perspicaz e revolucionária. E ele também envelheceu excepcionalmente bem. A rejeição de Kropotkin ao capitalismo e ao socialismo burocrático, suas previsões de onde o segundo poderia nos levar, foram justificadas repetidas vezes. Olhando para trás, para a maioria das discussões levantadas em sua época, não restam dúvidas sobre quem estava realmente certo.
Obviamente, ainda existem aqueles que discordam virulentamente nesse ponto. Alguns se apegam ao sonho de embarcar em navios há muito tempo perdidos. Outros são bem pagos para pensar nas coisas que fazem. Quanto a nós, autores desta modesta introdução, muitas décadas depois de encontrar pela primeira vez este livro encantador, ficamos — mais uma vez — surpresos com o quão profundamente concordamos com sua ideia central. A única alternativa viável à barbárie capitalista é o socialismo sem Estado: um produto, como o grande geógrafo sempre fez questão de nos lembrar, “de tendências que agora se manifestam na sociedade” e que “sempre foram, em certo sentido, iminentes no presente”. Para criar um novo mundo, só podemos começar redescobrindo aquilo que ele é, e que sempre esteve bem diante de nossos olhos.
Fonte da matéria: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/kropotkin-100-anos/
segunda-feira, 8 de março de 2021
8 de março: Dia Internacional da Mulher
Por Aluizio Moreira
Comumente o dia 8 de março é reconhecido internacionalmente como Dia Internacional da Mulher, em homenagem às 129 mulheres assassinadas por seus patrões, em 8 de março de 1857 no interior de uma fábrica têxtil em Nova York , nos Estados Unidos. O fato foi o epílogo de um movimento grevista deflagrado pelas mulheres operárias das fábricas de vestuário, que reivindicavam redução da jornada de trabalho, licença maternidade e melhores condições de trabalho.
Em agosto de 1910, mês da realização da Segunda Internacional que aconteceu em Copenhague (Dinamarca), ocorreu também a IIª Conferencia Internacional das Mulheres Socialistas, na qual Clara Zetkin, representante comunista alemã na Conferencia, apresentando proposta da delegação das Mulheres Socialistas dos Estados Unidos, sugeriu que se incluísse no calendário de comemorações do movimento operário internacional, um dia em que se homenagearia a mulher operária socialista.
Isto é como costuma ser lembrado dia o dia 8 de março. Esses são os acontecimentos que geralmente teriam dado origem ao Dia Internacional da Mulher.
O que causa estranheza, é que não há nenhum documento publicado na época, nem em épocas posteriores, que confirmem os acontecimentos de Nova York no ano de 1857. Nem mesmo o jornal de grande circulação como era o Tribuna de Nova York, para o qual Karl Marx escreveu como colaborador até 1862, fez qualquer referencia aos assassinatos de 1857.
As obras que resgatam a História do Socialismo, do Movimento Operário e Comunismo Internacional, sobretudo nos capítulos reservados á Segunda Internacional que aconteceu de 1889 a 1914, nada apresentam acerca daqueles fatos de 1857.
No entanto há noticias de duas outras greves envolvendo o movimento de mulheres operárias que teriam acontecido nos Estados Unidos, também em Nova Iorque, em outras datas: a primeira em 1909 uma greve geral das costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910. A segunda ocorrida em 29 de março de 1911, na fábrica Triangle Shirtwaist, na qual noticiou-se a morte de 146 mulheres vitimas de um incêndio em uma fábrica têxtil, na sua maioria operárias imigrantes judias e italianas.
Considerando que somente em 1910, na IIª Conferencia das Mulheres Socialistas por intervenção de Clara Zetkin tenha-se definido um dia, não especificado, por sinal, como data a ser comemorada em homenagem às mulheres operárias, tudo leva a crer que o acontecimento que marcaria aquela data, tenha sido a greve das costureiras de 1909/1910.
Em 1914, Clara Zetkin, à frente da Secretaria Internacional da Mulher Socialista, órgão da Internacional Socialista,sugeriu uma data única para celebração do Dia Internacional da Mulher: 8 de março. O que foi aprovado. (2)
Só em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou a data e em 1977 a Unesco a reconheceu.
Uma conclusão transparece disso tudo: o Dia Internacional da Mulher, teve sua origem no movimento socialista, e particularmente na luta das operárias socialistas dos fins do século XIX inicio do século XX.
Um grande equívoco (?) histórico é realimentado até hoje: o fato das operárias queimadas vivas no interior de uma fábrica de Nova Iorque em 8 de março 1857, ao que tudo indica, nunca existiu. (3)
Notas
(1) Qual teria sido a fonte do L’Humanité?
(2) Por que Clara Zetkin na Conferencia de 1910 tendo sugerido inicialmente o dia 1º de maio, em 1914 definiu-se por 8 de março?
(3) Existem estudiosos brasileiros e estrangeiros que dedicam-se à pesquisa sobre o movimento operário e socialista, e põem em dúvida as ocorrências de 1857. Entre esses estudiosos citamos Dolores Farias (UFCE), Naumi Vasconcelos (UFRJ), Renée Côté, Eva A. Blay, Liliane Kandel. Por sua vez, de março a dezembro de 1857, não localizamos quaisquer artigos sobre greve das operárias publicados por Marx ou Engels, no jornal New York Daily Tribune para o qual ambos colaboravam.
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Manifesto 8 de Março Nacional – 2021
Neste 8 de março de 2021, nós, mulheres de todo o Brasil, de todas as raças, etnias, idades, identidades, orientações sexuais, territórios, de tantas nacionalidades que aqui vivemos, quilombolas, indígenas, no campo, nas águas, florestas e cidades, nos mobilizamos no Dia Internacional de Luta das Mulheres para gritar com indignação e fúria feminista FORA BOLSONARO! VACINA PARA TODA A POPULAÇÃO! AUXÍLIO EMERGENCIAL JÁ! PELO FIM DAS VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES!
Nossas vidas estão ameaçadas por um projeto de morte, comandado por Bolsonaro e que conta com a cumplicidade e apoio de fundamentalistas e setores conservadores dos poderes jurídico, parlamentar e da grande mídia à serviço do capital nacional e internacional.
Na pandemia as desigualdades de classe, raça e de gênero se aprofundaram ainda mais. A tragédia humanitária foi muito além do vírus e das mortes: com o aumento da pobreza e o crescimento da população em situação de rua. Também sentimos na pele o aumento das jornadas de trabalho e da dependência econômica das mulheres.
A violência doméstica, política, institucional e obstétrica seguem nos matando. Assistimos diariamente a morte de mulheres, dentro de suas casas e carregamos o vergonhoso lugar de 5º país no mundo em feminicídio, mas a Lei Maria da Penha vem sendo anulada, por exemplo, por acusações de Alienação Parental contra as vítimas de violência doméstica.
Somos o primeiro no mundo em assassinatos de mulheres trans e travestis, com aumento dos crimes de ódios contra a população LGBTQIA+, assim como o aumento da violência policial e encarceramento da população negra. Na política genocida desse governo, os povos indígenas e quilombolas seguem sofrendo extermínio, com a expulsão de seus territórios, o homicídio de suas lideranças e o aumento da fome e da miséria.
A crise da saúde colocou no centro do debate a importância da ação do Estado e dos serviços públicos, que foram precarizados pela Emenda Constitucional (EC) 95 ao congelar por 20 anos o investimento em políticas sociais, de saúde e educação. O desmonte da saúde é parte da ofensiva ultraneoliberal do governo Bolsonaro que tem como objetivo a privatização e a venda das empresas públicas em nome do capital financeiro internacional. A reforma administrativa é parte dessa estratégia.
Durante a pandemia, ficou ainda mais explícita a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para a garantia da vida do povo brasileiro. Somos nós, mulheres, que estamos na linha de frente do combate à Covid. Ao mesmo tempo, seguimos carregando nas costas a responsabilidade pelo trabalho de cuidados e pela saúde de todas as pessoas, também dentro de casa.
Exigimos a vacina urgente e imediata para toda a população de forma gratuita e universal, com a quebra das patentes e a garantia dos investimentos no SUS e na política de ciência, pesquisa e tecnologia. Não aceitamos que a vacina seja usada para fins eleitoreiros nem sirva para beneficiar as indústrias farmacêuticas.
A política econômica ultra neoliberal de Bolsonaro e Paulo Guedes, coloca o lucro acima da vida: bancos e empresários lucram enquanto as mulheres, o povo pobre, negro e periférico são quem mais morre! As ações do governo contribuíram para a disseminação do vírus, ao não priorizar recursos ao enfrentamento à Covid, desconsiderar a importância e a necessidade urgente da vacina.
O auxílio emergencial foi uma conquista, resultado de muita pressão popular, porém deixou de fora trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa, pescadoras, artistas, entre outras. Ainda assim, o auxílio foi fundamental para a sobrevivência de cerca de 55 milhões de pessoas no país. Em um país de 14 milhões de desempregadas e desempregados, sendo 65% mulheres, com a inflação dos alimentos e frente ao aprofundamento da miséria com o Brasil de volta ao Mapa da Fome (ONU), exigimos a manutenção do valor de R$600,00 e ampliação da cobertura do auxílio emergencial até o final da pandemia.
Assim como seus aliados da extrema direita internacional e de organizações fundamentalistas religiosas, Bolsonaro aproveitou a pandemia para desmontar políticas públicas para as mulheres, impondo uma visão reacionária e conservadora de família e atacando os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres ao editar uma portaria que dificulta o acesso ao abortamento mesmo nos casos já garantidos por lei. Repudiamos a ação da Ministra Damares ao tentar impedir de forma criminosa o direito ao abortamento legal, mesmo em situação de violência sexual contra crianças e adolescentes. A maternidade deve ser uma decisão ou não será! Educação sexual para prevenir, anticoncepcionais para não engravidar e aborto legal para não morrer! Legalização já!
O grito de milhões de mulheres em todo o Brasil segue com força: precisamos tirar Bolsonaro e seu governo genocida do poder, para construir alternativas de vida, recuperar a democracia, colocar o cuidado e a vida digna no centro da política! Não existe democracia com racismo, e a democracia não é real para todas enquanto não pudermos decidir com autonomia sobre nossos corpos, territórios e vidas!
Basta de machismo, racismo, LGBTfobia e todas as formas de violência!
Justiça à Marielle!
Pela derrubada dos vetos ao PL 735 – Por apoio à produção de alimentos saudáveis, fomento e crédito emergencial para a Agricultura Familiar
Em defesa do SUS! Pela quebra imediata da patente! Vacinação para toda a população pelo SUS!
Pela legalização do aborto!
Pela revogação da Lei da Alienação Parental já!
Pela revogação da EC 95!
Auxílio emergencial até o fim da pandemia!
Fora Bolsonaro e todo o seu governo! Impeachment JÁ!
quinta-feira, 4 de março de 2021
“O marxismo pode salvar o mundo”
Jürg
Altwegg – O filósofo francês – um dos
mais traduzidos e influentes do mundo – avalia que o neoliberalismo falhou. “O
capitalismo é baseado na competição e é incapaz de formar um governo mundial. É
globalizado, mas a política não é. Continua nacional. Os estados representam
seus interesses e lutam pela hegemonia”, aponta, em entrevista ao jornal alemão
‘Frankfurter Allgemeine Zeitung’.
Alain
Badiou e a ascensão de extremistas de direita ao poder: “É extremamente
preocupanteque políticos como Trump, Salvini e Bolsonaro cheguem ao poder
neste clima, assim como Modi na Índia, Duterte, nas Filipinas. Temos uma
galeria maravilhosa de monstros políticos lá”.
O
filósofo francês Alain Badiou não considera a situação atual que o mundo vive
excepcional. No ensaio “Sobre as situações épicas”, ele lista: “AIDS, gripe
aviária, Ebola, Sars 1, gripes variadas, mas também sarampo e tuberculose, os
os antibióticos se tornaram impotentes. Sabemos que o mercado globalizado (…)
inevitavelmente cria epidemias severas e destrutivas. A Aids mata vários
milhões de pessoas”. E afirma: O Covid-19 deve
ser chamado de Sars 2. “Não há nada de novo sob o sol contemporâneo. Para mim,
não havia mais nada a fazer além de tentar me trancar em casa. E nada mais a
dizer. Faça da mesma maneira”.
Nascido
em 1937, Alain Badiou foi um dos principais líderes do maoísmo. Ele agora é o
intelectual francês contemporâneo mais traduzido. Escreveu romances e peças de
teatro. Ficou famoso após a morte de Jean-Paul Sartre e Jacques Lacan e o
internamento do teórico marxista Louis Althusser. Eles eram seus “mestres
pensadores”.
A
estrada para a residência de Alain Badiou leva a um bairro de classe média
atrás de Montparnasse, passando pela chique Fondation Cartier e até um povoado
habitado por pessoas mais velhas e abastadas. Quando passa pelos três primeiros
portões e portas, de acordo com as instruções descritas, o visitante também
deve passar por um porteiro preto que está ordenando a correspondência para uma
dama. E aí é entrar no elevador B, sexto andar.
“Ainda
não havia sido dado o toque de recolher. A primavera ainda não havia sido
adiada para o outono e apenas a febre das eleições era perceptível. A França está envolvida no caso de um tape de
sexo que levou o candidato de Emmanuel Macron à prefeitura
de Paris a renunciar”, escreve o jornalista Jürg Altwegg, que o
entrevistou para o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung.
“Alain
Badiou acaba de publicar um livro sobre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, intitulado Trump (Presses
Universitaires de France). Marcamos a entrevista por isso. O filósofo,
retratado na imprensa como um
dogmático sectário e incompreensível, acabou se revelando um interlocutor
eloquente e amigável”, anota o repórter alemão. A seguir, os principais trechos
da entrevista, publicada originalmente no jornal Frankfurter Allgemeine
Zeitung.
PERGUNTA.
Nas décadas de 1950 e 1960, os intelectuais franceses eram marxistas sem
exceção e, como Sartre, companheiros dos comunistas. Você é o último.
Alain
Badiou. Os “novos filósofos”, que eram
exclusivamente renegados, desencadearam uma onda de autocrítica e um
afastamento do comunismo. O marxismo, que depois de 1945 havia
conquistado a hegemonia no espírito de Gramsci, foi empurrado para uma espécie
de caverna. Foi substituído por uma ideologia que pode ser resumida como
elogio à democracia parlamentar,
liberdade e direitos
humanos. Os intelectuais traíram suas crenças e sua função como
corpos críticos. Desde então, estão comprometidos com o sistema político e
propagam seus valores. Ao mesmo tempo, o fracasso dos primeiros
experimentos históricos na China e na
União Soviética tornou-se aparente. Esses dois fenômenos levaram ao
desaparecimento do marxismo no Ocidente. Eu sou um sobrevivente, não o
único.
P.
E, ao mesmo tempo, você é o filósofo francês contemporâneo mais traduzido.
AB.
Fico feliz em reivindicar o título honorário de “chefe sobrevivente”. A
pequena celebridade que me tornou famoso data dos anos 80. Naquela época,
me virei para a filosofia. Fiz isso para permanecer fiel ao marxismo e
renová-lo. Lealdade tornou-se um conceito importante no meu
pensamento. Às vezes me sentia um pouco sozinho. Mas agora cresce a
esperança de que possamos mais uma vez enfrentar uma virada histórica.
P.
Quando Nicolas Sarkozy foi presidente, você o analisou como um
“sintoma” em um ensaio que se tornou um best-seller. O que significa?
AB. Depois
de 1945, os comunistas e gaulistas dominavam o cenário. O colapso desta
constelação foi selado com Sarkozy. Depois do comunismo, o gaulismo também
chegou ao fim. Crenças e ideologias não importam mais. Este foi o
começo da era do cinismo. Não se trata mais de melhorar o mundo, mas de
manter a ordem predominante. Os intelectuais passaram a ser desprezados.
P. É
isso que você vê como um cinismo na Macron?
AB. Inicialmente,
ele se apresentou como um bom aluno de nossa tradição. Macron entrou no
estágio político como uma pessoa civilizada – mas sua missão não é: é lidar com
os compromissos feitos entre gaulistas e comunistas em 1945 e suas realizações
sociais.
P.
Você é conhecido como um crítico das eleições democráticas, que Sartre chamou
de “armadilha idiota”.
AB. As
eleições exigem um consenso de que nada muda no sistema. Esse desenvolvimento começou
com Mitterrand, que prometeu romper com o capitalismo. Depois de dois
anos, tudo acabou. Sua rendição tornou-se inovadora. Todas as
alternativas ao capitalismo foram desacreditadas. Desde o colapso da União
Soviética, não houve contrapeso que pudesse retardar o crescente crescimento do
capitalismo. Ele é projetado para destruição e exploração.
O
capitalismo é baseado na competição e é essencialmente guerreiro. Ele é
incapaz de formar um governo mundial. É globalizado, mas a política não é. Continua
nacional. Os estados representam seus interesses e lutam pela
hegemonia. Os conflitos resultantes podem permanecer limitados. Mas
degenerar em uma guerra mundial também.
P. O
capitalismo necessariamente leva à guerra?
AB. O
triunfo do imperialismo no final do século 19 e a rivalidade das grandes
potências levaram à guerra. A hegemonia da democracia parlamentar surgiu
de duas terríveis guerras mundiais. Atualmente, estamos enfrentando
problemas difíceis de resolver. Em tais situações, a guerra sempre foi a
única solução. O capitalismo é baseado na competição e é essencialmente
guerreiro. Ele é incapaz de formar um governo mundial. É globalizado,
mas a política não é. Continua nacional. Os estados representam seus
interesses e lutam pela hegemonia. Os conflitos resultantes podem
permanecer limitados. Mas degenerar em uma guerra mundial também.
P.
Como você explica a ascensão dos populistas?
AB. A crise do parlamentarismo fortalece as forças
nas extremidades da esquerda e da direita. Surgiu da contradição entre
a economia globalizada e
a política nacional. Ninguém sabe como resolver isso. Até agora, a
extrema direita se beneficiou da crise em todos os lugares. Nada vem da
extrema esquerda. Não há esperança revolucionária. A
social-democracia está em processo de dissolução. Os partidos comunistas
praticamente desapareceram. Somente na extrema direita surgiram movimentos
um tanto estruturados. É extremamente preocupante que políticos
como (Donald) Trump, (Matteo) Salvini e
(Jair) Bolsonaro cheguem ao
poder neste clima, assim como (Narendra) Modi na Índia, (Rodrigo)
Duterte nas Filipinas. Temos uma galeria maravilhosa de monstros políticos
lá.
P.
Eles atestam a existência de um “fascismo democrático”.
AB. Eles
foram eleitos e cumprem as regras do jogo: Trump quer ser reeleito. Se
você equiparar democracia a eleições livres, elas são democratas. Hitler e
Mussolini também foram eleitos. A visão de mundo de Trump e Bolsonaro são
de extrema direita. Eles são racistas e xenófobos, eles desprezam as mulheres. Eles representam um capitalismo
brutal. Seu culto à própria pessoa, seus discursos, sua vulgaridade e
principalmente sua hostilidade aos intelectuais são uma expressão do dogma
fascista. Dada a desintegração ideológica da esquerda, é bastante
questionável se existe um contramovimento nesse triunfo dos reacionários.
A
social-democracia está em processo de dissolução. Os partidos comunistas
praticamente desapareceram. Somente na extrema direita surgiram movimentos um
tanto estruturados. É extremamente preocupante que políticos como (Donald)
Trump, (Matteo) Salvini e (Jair) Bolsonaro cheguem ao poder neste clima, assim
como (Narendra) Modi na Índia, (Rodrigo) Duterte nas Filipinas. Temos uma
galeria maravilhosa de monstros políticos lá.
P.
Seu declínio finalmente remonta a 68 de maio. Como isso foi possível?
AB. Na
França, o Partido Comunista é responsável por isso. Naquela época, ela
perdeu sua oportunidade histórica. Depois de 1968, os comunistas franceses
estavam preocupados apenas em preservar seu acervo. Eles se converteram à
democracia parlamentar e traíram a revolução. Por isso não voto desde
então.
P. A
superação do marxismo na França era sobre os crimes do comunismo. Os
“novos filósofos” contaram Marx entre os “pensadores-mestre” e o tornaram
responsável pelo totalitarismo stalinista.
AB. Isso
não faz sentido: uma de suas demandas mais importantes é o declínio do Estado
burguês. Isso não aconteceu. Os regimes comunistas falharam nessa
questão. Centralização violenta e extrema burocracia não estão planejadas
para Marx. Marx também não é responsável pelos crimes.
P.
Então o comunismo não está desacreditado?
AB. A
história ainda não acabou. O capitalismo começou quatrocentos anos
atrás. O início da exploração também pode ser datado do neolítico, quando
caçadores e coletores fizeram a transição para as culturas pastoril e
camponesa. O marxismo ainda é um fenômeno muito jovem, foi desenvolvido no
século 19 e experimentado no século 20. Ele dorme profundamente há três
décadas. Precisamos combater o capitalismo contemporâneo, que tem um
impacto negativo na maioria das pessoas e destrói o planeta. Não vejo
outra teoria senão o marxismo. Minha “hipótese marxista” é sobre a
percepção de que outro mundo é possível. Estou convencido de que o
comunismo está diante de nós.
O
marxismo ainda é um fenômeno muito jovem, foi desenvolvido no século 19 e
experimentado no século 20. Ele dorme profundamente há três décadas. Precisamos
combater o capitalismo contemporâneo, que tem um impacto negativo na maioria
das pessoas e destrói o planeta. Não vejo outra teoria senão o marxismo
P.
Com migrantes e refugiados como um novo proletariado?
AB. O
proletariado dos nômades sempre existiu. Eles costumavam vir do país e se mudar
para a cidade. Hoje eles vêm da África. Sempre foram jogados contra os
trabalhadores. A xenofobia dos comunistas franceses na década de 1970 também
foi um elemento que contribuiu para seu declínio. Eles acusaram o capitalismo
de enviar imigrantes para os subúrbios comunistas. O partido dos proletários
resistiu à imigração dos proletários. Como se a imigração fosse o problema da
França.
P. A
Alemanha recebeu um milhão.
AB. Isso
foi absolutamente correto e realista. Angela Merkel é uma das melhores
chefes de Estado da Europa. Mas ela não foi perdoada. As lições que
Macron lhe ensina são insuportáveis. Ela foi corajosa em acolher
refugiados. É como estar em um exército quando você admira o general das
tropas adversárias por suas realizações e ética.
Fonte da matéria:
https://outraspalavras.net/outrasaude/as-novas-variantes-do-corona/