Jürg
Altwegg – O filósofo francês – um dos
mais traduzidos e influentes do mundo – avalia que o neoliberalismo falhou. “O
capitalismo é baseado na competição e é incapaz de formar um governo mundial. É
globalizado, mas a política não é. Continua nacional. Os estados representam
seus interesses e lutam pela hegemonia”, aponta, em entrevista ao jornal alemão
‘Frankfurter Allgemeine Zeitung’.
Alain
Badiou e a ascensão de extremistas de direita ao poder: “É extremamente
preocupanteque políticos como Trump, Salvini e Bolsonaro cheguem ao poder
neste clima, assim como Modi na Índia, Duterte, nas Filipinas. Temos uma
galeria maravilhosa de monstros políticos lá”.
O
filósofo francês Alain Badiou não considera a situação atual que o mundo vive
excepcional. No ensaio “Sobre as situações épicas”, ele lista: “AIDS, gripe
aviária, Ebola, Sars 1, gripes variadas, mas também sarampo e tuberculose, os
os antibióticos se tornaram impotentes. Sabemos que o mercado globalizado (…)
inevitavelmente cria epidemias severas e destrutivas. A Aids mata vários
milhões de pessoas”. E afirma: O Covid-19 deve
ser chamado de Sars 2. “Não há nada de novo sob o sol contemporâneo. Para mim,
não havia mais nada a fazer além de tentar me trancar em casa. E nada mais a
dizer. Faça da mesma maneira”.
Nascido
em 1937, Alain Badiou foi um dos principais líderes do maoísmo. Ele agora é o
intelectual francês contemporâneo mais traduzido. Escreveu romances e peças de
teatro. Ficou famoso após a morte de Jean-Paul Sartre e Jacques Lacan e o
internamento do teórico marxista Louis Althusser. Eles eram seus “mestres
pensadores”.
A
estrada para a residência de Alain Badiou leva a um bairro de classe média
atrás de Montparnasse, passando pela chique Fondation Cartier e até um povoado
habitado por pessoas mais velhas e abastadas. Quando passa pelos três primeiros
portões e portas, de acordo com as instruções descritas, o visitante também
deve passar por um porteiro preto que está ordenando a correspondência para uma
dama. E aí é entrar no elevador B, sexto andar.
“Ainda
não havia sido dado o toque de recolher. A primavera ainda não havia sido
adiada para o outono e apenas a febre das eleições era perceptível. A França está envolvida no caso de um tape de
sexo que levou o candidato de Emmanuel Macron à prefeitura
de Paris a renunciar”, escreve o jornalista Jürg Altwegg, que o
entrevistou para o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung.
“Alain
Badiou acaba de publicar um livro sobre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, intitulado Trump (Presses
Universitaires de France). Marcamos a entrevista por isso. O filósofo,
retratado na imprensa como um
dogmático sectário e incompreensível, acabou se revelando um interlocutor
eloquente e amigável”, anota o repórter alemão. A seguir, os principais trechos
da entrevista, publicada originalmente no jornal Frankfurter Allgemeine
Zeitung.
PERGUNTA.
Nas décadas de 1950 e 1960, os intelectuais franceses eram marxistas sem
exceção e, como Sartre, companheiros dos comunistas. Você é o último.
Alain
Badiou. Os “novos filósofos”, que eram
exclusivamente renegados, desencadearam uma onda de autocrítica e um
afastamento do comunismo. O marxismo, que depois de 1945 havia
conquistado a hegemonia no espírito de Gramsci, foi empurrado para uma espécie
de caverna. Foi substituído por uma ideologia que pode ser resumida como
elogio à democracia parlamentar,
liberdade e direitos
humanos. Os intelectuais traíram suas crenças e sua função como
corpos críticos. Desde então, estão comprometidos com o sistema político e
propagam seus valores. Ao mesmo tempo, o fracasso dos primeiros
experimentos históricos na China e na
União Soviética tornou-se aparente. Esses dois fenômenos levaram ao
desaparecimento do marxismo no Ocidente. Eu sou um sobrevivente, não o
único.
P.
E, ao mesmo tempo, você é o filósofo francês contemporâneo mais traduzido.
AB.
Fico feliz em reivindicar o título honorário de “chefe sobrevivente”. A
pequena celebridade que me tornou famoso data dos anos 80. Naquela época,
me virei para a filosofia. Fiz isso para permanecer fiel ao marxismo e
renová-lo. Lealdade tornou-se um conceito importante no meu
pensamento. Às vezes me sentia um pouco sozinho. Mas agora cresce a
esperança de que possamos mais uma vez enfrentar uma virada histórica.
P.
Quando Nicolas Sarkozy foi presidente, você o analisou como um
“sintoma” em um ensaio que se tornou um best-seller. O que significa?
AB. Depois
de 1945, os comunistas e gaulistas dominavam o cenário. O colapso desta
constelação foi selado com Sarkozy. Depois do comunismo, o gaulismo também
chegou ao fim. Crenças e ideologias não importam mais. Este foi o
começo da era do cinismo. Não se trata mais de melhorar o mundo, mas de
manter a ordem predominante. Os intelectuais passaram a ser desprezados.
P. É
isso que você vê como um cinismo na Macron?
AB. Inicialmente,
ele se apresentou como um bom aluno de nossa tradição. Macron entrou no
estágio político como uma pessoa civilizada – mas sua missão não é: é lidar com
os compromissos feitos entre gaulistas e comunistas em 1945 e suas realizações
sociais.
P.
Você é conhecido como um crítico das eleições democráticas, que Sartre chamou
de “armadilha idiota”.
AB. As
eleições exigem um consenso de que nada muda no sistema. Esse desenvolvimento começou
com Mitterrand, que prometeu romper com o capitalismo. Depois de dois
anos, tudo acabou. Sua rendição tornou-se inovadora. Todas as
alternativas ao capitalismo foram desacreditadas. Desde o colapso da União
Soviética, não houve contrapeso que pudesse retardar o crescente crescimento do
capitalismo. Ele é projetado para destruição e exploração.
O
capitalismo é baseado na competição e é essencialmente guerreiro. Ele é
incapaz de formar um governo mundial. É globalizado, mas a política não é. Continua
nacional. Os estados representam seus interesses e lutam pela
hegemonia. Os conflitos resultantes podem permanecer limitados. Mas
degenerar em uma guerra mundial também.
P. O
capitalismo necessariamente leva à guerra?
AB. O
triunfo do imperialismo no final do século 19 e a rivalidade das grandes
potências levaram à guerra. A hegemonia da democracia parlamentar surgiu
de duas terríveis guerras mundiais. Atualmente, estamos enfrentando
problemas difíceis de resolver. Em tais situações, a guerra sempre foi a
única solução. O capitalismo é baseado na competição e é essencialmente
guerreiro. Ele é incapaz de formar um governo mundial. É globalizado,
mas a política não é. Continua nacional. Os estados representam seus
interesses e lutam pela hegemonia. Os conflitos resultantes podem
permanecer limitados. Mas degenerar em uma guerra mundial também.
P.
Como você explica a ascensão dos populistas?
AB. A crise do parlamentarismo fortalece as forças
nas extremidades da esquerda e da direita. Surgiu da contradição entre
a economia globalizada e
a política nacional. Ninguém sabe como resolver isso. Até agora, a
extrema direita se beneficiou da crise em todos os lugares. Nada vem da
extrema esquerda. Não há esperança revolucionária. A
social-democracia está em processo de dissolução. Os partidos comunistas
praticamente desapareceram. Somente na extrema direita surgiram movimentos
um tanto estruturados. É extremamente preocupante que políticos
como (Donald) Trump, (Matteo) Salvini e
(Jair) Bolsonaro cheguem ao
poder neste clima, assim como (Narendra) Modi na Índia, (Rodrigo)
Duterte nas Filipinas. Temos uma galeria maravilhosa de monstros políticos
lá.
P.
Eles atestam a existência de um “fascismo democrático”.
AB. Eles
foram eleitos e cumprem as regras do jogo: Trump quer ser reeleito. Se
você equiparar democracia a eleições livres, elas são democratas. Hitler e
Mussolini também foram eleitos. A visão de mundo de Trump e Bolsonaro são
de extrema direita. Eles são racistas e xenófobos, eles desprezam as mulheres. Eles representam um capitalismo
brutal. Seu culto à própria pessoa, seus discursos, sua vulgaridade e
principalmente sua hostilidade aos intelectuais são uma expressão do dogma
fascista. Dada a desintegração ideológica da esquerda, é bastante
questionável se existe um contramovimento nesse triunfo dos reacionários.
A
social-democracia está em processo de dissolução. Os partidos comunistas
praticamente desapareceram. Somente na extrema direita surgiram movimentos um
tanto estruturados. É extremamente preocupante que políticos como (Donald)
Trump, (Matteo) Salvini e (Jair) Bolsonaro cheguem ao poder neste clima, assim
como (Narendra) Modi na Índia, (Rodrigo) Duterte nas Filipinas. Temos uma
galeria maravilhosa de monstros políticos lá.
P.
Seu declínio finalmente remonta a 68 de maio. Como isso foi possível?
AB. Na
França, o Partido Comunista é responsável por isso. Naquela época, ela
perdeu sua oportunidade histórica. Depois de 1968, os comunistas franceses
estavam preocupados apenas em preservar seu acervo. Eles se converteram à
democracia parlamentar e traíram a revolução. Por isso não voto desde
então.
P. A
superação do marxismo na França era sobre os crimes do comunismo. Os
“novos filósofos” contaram Marx entre os “pensadores-mestre” e o tornaram
responsável pelo totalitarismo stalinista.
AB. Isso
não faz sentido: uma de suas demandas mais importantes é o declínio do Estado
burguês. Isso não aconteceu. Os regimes comunistas falharam nessa
questão. Centralização violenta e extrema burocracia não estão planejadas
para Marx. Marx também não é responsável pelos crimes.
P.
Então o comunismo não está desacreditado?
AB. A
história ainda não acabou. O capitalismo começou quatrocentos anos
atrás. O início da exploração também pode ser datado do neolítico, quando
caçadores e coletores fizeram a transição para as culturas pastoril e
camponesa. O marxismo ainda é um fenômeno muito jovem, foi desenvolvido no
século 19 e experimentado no século 20. Ele dorme profundamente há três
décadas. Precisamos combater o capitalismo contemporâneo, que tem um
impacto negativo na maioria das pessoas e destrói o planeta. Não vejo
outra teoria senão o marxismo. Minha “hipótese marxista” é sobre a
percepção de que outro mundo é possível. Estou convencido de que o
comunismo está diante de nós.
O
marxismo ainda é um fenômeno muito jovem, foi desenvolvido no século 19 e
experimentado no século 20. Ele dorme profundamente há três décadas. Precisamos
combater o capitalismo contemporâneo, que tem um impacto negativo na maioria
das pessoas e destrói o planeta. Não vejo outra teoria senão o marxismo
P.
Com migrantes e refugiados como um novo proletariado?
AB. O
proletariado dos nômades sempre existiu. Eles costumavam vir do país e se mudar
para a cidade. Hoje eles vêm da África. Sempre foram jogados contra os
trabalhadores. A xenofobia dos comunistas franceses na década de 1970 também
foi um elemento que contribuiu para seu declínio. Eles acusaram o capitalismo
de enviar imigrantes para os subúrbios comunistas. O partido dos proletários
resistiu à imigração dos proletários. Como se a imigração fosse o problema da
França.
P. A
Alemanha recebeu um milhão.
AB. Isso
foi absolutamente correto e realista. Angela Merkel é uma das melhores
chefes de Estado da Europa. Mas ela não foi perdoada. As lições que
Macron lhe ensina são insuportáveis. Ela foi corajosa em acolher
refugiados. É como estar em um exército quando você admira o general das
tropas adversárias por suas realizações e ética.
Fonte da matéria:
https://outraspalavras.net/outrasaude/as-novas-variantes-do-corona/
Sem comentários:
Enviar um comentário