Por Wladimier Pomar
O Brasil e o que hoje são os Estados Unidos da América do Norte entraram na
história como colônias. De imediato tiveram similaridade nas matérias-primas
produzidas para cada metrópole, mas diferenças significativas quanto
à forma de ocupação populacional.
Para a Inglaterra algumas das colônias americanas deveriam ser supridoras
de algodão para suas manufaturas de tecidos, enquanto outras deveriam
absorver os excedentes populacionais que infestavam as cidades inglesas.
Para Portugal interessava unicamente que o Brasil lhe fornecesse
açúcar, ouro e as drogas do sertão nortista, e que não despovoasse a metrópole.
Assim,
enquanto as colônias inglesas do sul da América do Norte e a maior parte da
colônia portuguesa igualavam-se pela adoção das plantations trabalhadas
por escravos, o norte da colônia inglesa diferenciava-se pela ocupação de
homens livres. Grande parte desses trabalhadores livres ocupou as terras
como farmers (lavradores independentes),
capazes de utilizar máquinas idênticas às da metrópole, e/ou como trabalhadores
assalariados.
Nas
colônias inglesas e na colônia portuguesa o comunismo ou comunitarismo
indígena, com sua repulsa ao escravismo e à invasão de seus territórios
de caça e coleta, foi considerado uma aberração humana a ser eliminada
pelos arcabuzes. Apenas no norte da colônia portuguesa (Província do Grão-Pará)
ocorreu uma diferenciação pela coleta de especiarias realizada por
indígenas das reduções religiosas.
Assim,
com a constante destruição das tribos indígenas, a composição social das
colônias inglesas sulistas comportava, além dos funcionários civis e
militares da metrópole, uma classe agrária escravista, que morava em
casas grandes nas próprias terras, assim como mercadores de diferentes
tipos e escravos africanos. Nas colônias inglesas nortistas conformou-se,
paralelamente a uma classe camponesa livre e a uma classe de trabalhadores
desprovidos de propriedades, uma classe de reparadores e fabricantes
de máquinas agrícolas (principalmente para a cultura do trigo), e uma
classe comercial diversificada.
Já
a composição social brasileira incluiu, na maior parte do território litorâneo,
além dos funcionários civis e militares da metrópole, os sesmeiros, ou
a classe agrária escravista que recebia da Coroa portuguesa o direito fundiário
de plantar cana e tocar engenhos de açúcar, os escravos africanos e, minoritariamente,
escravos indígenas, enquanto na Província do Grão-Pará, ao norte, missionários
católicos e indígenas mesclavam-se no cooperativismo aparentemente
comunista das reduções.
Os
sesmeiros proprietários das plantations de cana e dos engenhos do
Brasil tinham o dever de exportar a produção de açúcar para Portugal ou
para a Holanda, em grande parte por serem financiados por comerciantes
desses reinos feudais. Constituíram inicialmente a classe latifundiária,
ou o estamento dos homes bons, com direito a participarem das câmaras
das vilas. A eles, mais adiante, se juntaram os sesmeiros dos sertões, proprietários
das fazendas de gado.
Nas
plantations de algodão das colônias inglesas sulistas da América do
Norte, assim como nas plantations e engenhos de cana da colônia portuguesa,
do Nordeste ao Sudeste do Brasil, as relações de produção eram, pois, escravistas:
os escravos eram obrigados ao trabalho nos eitos das plantações e nas fornalhas
dos engenhos. Nas fazendas de gado do Brasil, porém, as relações de produção
eram aparentadas às relações de produção feudais.
Os
vaqueiros e os peões eram semilivres, agregados aos currais espalhados
por diversos pontos das sesmarias, para criar bois de tração para as moendas
e produzir couro para o ensacamento do açúcar a ser embarcado para a Europa.
Embora não pertencessem à gleba, como no feudalismo, eram obrigados ao
cambão (trabalho grátis em serviços do fazendeiro, idêntico à corveia), e
tinham direito a parte da produção do rebanho (quarta ou quinta parte das
crias).
Os
latifundiários brasileiros moravam nas casas grandes das plantations.
Somente constituíram outra residência nas vilas e centros urbanos desse
período à medida que estes se desenvolveram. Os escravos moravam nas senzalas,
enquanto os vaqueiros e peões moravam em choupanas próximas aos currais
espalhados pelas fazendas. Nos centros urbanos maiores, portos para a exportação,
habitavam principalmente os funcionários da Coroa portuguesa, o
clero, os comerciantes e os escravos domésticos. Trabalhadores assalariados
eram minoria insignificante.
As
relações de produção escravistas predominantes mantiveram-se relativamente
inalteradas no Brasil e nas colônias sulistas da Inglaterra por mais de
dois séculos. Na segunda metade do século 18, porém, ocorreram movimentos
radicalmente desencontrados nas duas colônias. No Brasil da época ministerial
metropolitana de Pombal, as reduções religiosas na Província do
Grão-Pará foram extintas e a escravidão foi estendida a essa região. Por
outro lado, a exploração mineira das Gerais intensificou tanto a produção
e o comércio de gado bovino, equino e muar quanto a produção de alimentos para
as populações livres e escravas da mineração.
Aproveitando-se
dessas demandas, a agregação estendeu-se, então, além do vale do São Francisco
e dos pampas sulinos, pelo vale do Paraíba e ao longo das estradas reais que
ligavam o sul e o nordeste da colônia às minas. Ao mesmo tempo começou a
surgir a figura do posseiro, homem livre que se apropriava de terras devolutas
para desenvolver atividades agrícolas.
Nas
colônias inglesas, por outro lado, os escravistas sulistas e os homens livres
nortistas (que também incluíam negros fugidos da escravidão sulista)
uniram-se numa das primeiras guerras anticoloniais vitoriosas da história
do nascente capitalismo. A Guerra de Independência, ou a Revolução Americana
(1775-1783), deu surgimento aos Estados Unidos da América do Norte, com a
iniciante indústria nortista desempenhando papel importante. Conformaram-se
assim dois grupos de Estados independentes: os sulistas hegemonizados
pela classe agrária escravista, e os nortistas hegemonizados por uma burguesia
aventureira e rapace.
Na colônia portuguesa do Brasil,
porém, a independência só foi obtida na segunda década do século 19
(1822), após sufocar a Revolução Praieira e outros movimentos revolucionários
independentistas. A antiga metrópole portuguesa e o novo país independente,
este hegemonizado pela classe agrária escravista, passaram a ser dependentes
e subordinados à Inglaterra. Esta, a maior potência capitalista e colonialista
da época, procurava, contraditoriamente, dar fim ao escravismo para
ampliar os mercados para seus produtos industriais.
Em
meados do século 19, os latifundiários escravistas brasileiros
viram-se confrontados por diversos desafios. Externamente, tiveram que
enfrentar o sistema de caça da frota de guerra inglesa às naves que traficavam
escravos africanos para as Américas, que repercutia negativamente no
preço dos escravos contrabandeados e na oferta de novos cativos. Internamente
confrontaram-se com movimentos abolicionistas, com fugas de escravos e
criação de quilombos, e com rebeliões democráticas, tanto urbanas
quanto rurais, como as dos cabanos e balaios.
Essa
situação conflituosa obrigou o sistema imperial a criar uma Guarda Nacional,
transformando os latifundiários em seus comandantes, como coronéis,
majores e capitães rurais. As medidas repressivas, porém, não eram capazes
de resolver o crescente problema de redução da oferta de mão de obra, o que
levou os cafeicultores paulistas a introduzir a parceria em suas plantations
e, depois, o colonato, com trabalhadores livres importados. Ou seja,
introduziram em suas lavouras novas formas da agregação praticada até
então na pecuária.
Nos
Estados Unidos, os sulistas continuaram mantendo as relações escravistas
de produção, ao mesmo tempo em que os estados nortistas promoviam uma rápida
expansão populacional, ferroviária e agrícola das farmers para o oeste, desenvolviam suas indústrias com trabalho
assalariado e tinham crescente demanda de homens livres vendedores de
força de trabalho. Em consequência, as pressões para a extinção da escravatura
elevaram as contradições entre os escravocratas sulistas e a burguesia
nortista, contradições que desembocaram na Guerra de Secessão
(1861-1865), levando à abolição revolucionária do escravismo e à predominância
do trabalho assalariado em todo o território estadunidense.
Com
a vitória do norte disseminou-se um desenvolvimento econômico e social
tipicamente capitalista, apesar da ideologia e da discriminação racista
e escravista haverem perdurado fortemente nos estados sulistas e em
inúmeras camadas sociais norte-americanas, como é possível comprovar
ainda hoje com os choques sangrentos em Charlottesville,
na Virgínia, promovidos por supremacistas, racistas, neonazistas e outras
tendências idênticas.
No
Brasil, o fim do escravismo não revolucionou as relações de produção
agrárias nem superou a hegemonia da classe latifundiária. Essa classe
substituiu, na agricultura, as relações de produção escravistas pela
agregação, que se tornou predominante, e continuou monopolizando a
propriedade das terras nacionais e mantendo a hegemonia sobre o poder
político. A maior parte dos antigos escravos afrodescendentes permaneceu
nos latifúndios como parceiros (meeiros ou terceiros), uma relação social
não-capitalista, nem escravista ou plenamente feudal. Os trabalhadores
não pertenciam às glebas, como no feudalismo, mas se tornaram prisioneiros
do latifúndio ao se endividarem através das ferramentas e dos alimentos
que adquiriam na forma de fornecimento a ser pago aos latifundiários.
Assim,
as relações de produção escravistas predominaram no campo brasileiro
por mais de 350 anos. A agregação não capitalista ou pré-capitalista foi
secundária até a abolição, quando se tornou predominante e perdurou até
a segunda metade dos anos 1960. Só então passou a ser praticamente eliminada
pela modernização capitalista da agricultura, realizada pelo regime
militar.
FONTE: Correio da Cidadania
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