O livro não é dos maiores – são apenas 114 páginas. Mas que páginas! E o título também pode induzir a uma interpretação incorreta: Repensando o marxismo não significa, como se poderia pensar, abandonando o marxismo mas, ao contrário, enriquecendo o marxismo.
Por
José Carlos Ruy
A
grandeza do livro pode ser aferida pelo extenso leque de temas que aborda, em
profundidade. Temas fundamentais para a atualização, fortalecimento e
enriquecimento do pensamento revolucionário. Que vão desde a chamada crise do
socialismo e do marxismo; a redescoberta do pensamento de Hegel e sua
importância para o materialismo moderno; a nova face do capitalismo; as
mudanças na classe operária e sua necessária relação com outros trabalhadores
assalariados; a feição moderna da luta de classes; a China, Mao Tsé Tung e as
condições da luta pelo socialismo.
Repensando
o marxismo (que
a Anita Garibaldi acaba de lançar) reúne reflexões teóricas sobre as
contradições contemporâneas, a luta pela superação do capitalismo e o início da
transição para o socialismo. E enfrenta com vigor a luta teórica que ocorre
entre os trabalhadores, sobretudo entre a vanguarda organizada da classe
operária e o conjunto da classe. Qual é o papel da vanguarda? Em que condições
ocorre a direção exercida por ela e em que medida essa direção reflete, e se
relaciona, com o conjunto da classe?
São
algumas questões fundamentais, que Duarte Pereira enfrenta com a mesma
profundidade e franqueza encontrada nos clássicos do marxismo.
A
enorme qualidade deste livro é reunir textos que foram publicados esparsamente
entre 1991 e 2008, em inúmeros periódicos populares e democráticos, tratando de
questões candentes no momento em que foram escritos, mas que teriam repercussão
teórica de largo alcance. Daí a importância de reuni-los em livro, facilitando
o acesso a eles.
São
textos que respondem a problemas surgidos no bojo da chamada “crise do
socialismo” e, anteriormente, da “crise do marxismo”, agravados pela derrocada
do socialismo no leste europeu e na União Soviética, na passagem dos anos 1980
à década de1990.
O
impacto daquela crise, ocorrida faz quase trinta anos, foi extenso. Muitos
simplesmente abandonaram o marxismo, o comunismo, e qualquer projeto coletivo,
fixando-se apenas nos sonhos individuais. E rendendo-se à nova dominância
capitalista, expressa no pensamento único neoliberal.
Não
é este o tema de Duarte Pereira nos vários artigos que formam os capítulos de
seu livro – ele não fica na superfície mas navega em águas mais profundas e
tenta entender o impacto daquelas mudanças no pensamento marxista, nas
condições da militância anticapitalista. E, em outro aspecto desta realidade, a
avaliação da experiência chinesa frente ao fracasso da experiência soviética,
vista até então, por muitos, como o modelo inconteste de transição para o
socialismo.
No
início da década de 1990, muitos partidos comunistas simplesmente
desapareceram. O Partido Comunista Italiano, por exemplo, deixou de existir – o
mesmo ocorrendo com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja maioria decidiu
se transformar no Partido Popular Socialista (PPS) em 1992.
Outros,
nas antípodas, reafirmaram o marxismo, reavaliaram as condições teóricas e
práticas da ação revolucionária, e mantiveram a identidade originária – como o
Partido Comunista do Brasil.
Haroldo
Lima, no prefácio a este livro, registrou que “o próprio marxismo, nessa fase
pós- 1991, viu-se reexaminado mais a fundo e desafiado a enfrentar novos
problemas, em movimento para perseverar no objetivo socialista, revigorando a
doutrina”.
Duarte
Brasil Lago Pacheco Pereira – ou simplesmente Duarte Pereira, como ficou
conhecido no pensamento marxista brasileiro – foi aluno brilhante na Faculdade
de Direito da Universidade Federal da Bahia, no início dos anos 1960. Tornou-se
um dos vice-presidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) na época do
governo João Goulart; foi também um dos fundadores da Ação Popular, que reunia
jovens católicos que atuavam no movimento estudantil, tendo sido um dos
redatores do Documento-Base que fundamentava a ação prática e teórica daquela
organização. Nos anos 1970 foi redator no jornal Movimento e, depois, nas
várias versões do Retrato do Brasil feitas por profissionais da mesma equipe.
No
início dos anos 1970 foi dele a proposta de incorporação da AP ao PCdoB –
caminho organizativo seguido pela maior parte de seus companheiros de
organização, mas que Duarte Pereira – devido a fortes divergências sobre a
maneira como aquela incorporação ocorreu – não acompanhou.
Sua
trajetória foi resumida por Haroldo Lima, que foi seu companheiro de AP e hoje
é um dos principais quadros do PCdoB. “Tivemos muita unidade e também
divergências. E nunca nos unimos ou divergimos por questões menores. Todos os
que bem conhecem Duarte, ou mesmo os que têm a seu respeito um conhecimento
menor, sabem da firmeza de sua têmpera de luta, da decisão inquebrantável com
que mantém suas convicções, da perspicácia de suas análises, da acuidade com
que percebe as coisas relevantes”.
Foi
em homenagem a este passado, de unidade e divergência, que Haroldo Lima
organizou, generosamente, esta coletânea, com a concordância de Duarte Pereira.
É um livro necessário.
FONTE: https://vermelho.org.br/2016/07/25/repensando-e-atualizando-o-marxismo/
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