Por Milton Pinheiro (*)
O dia 17 de junho será registrado na história como aquele da redescoberta das ruas por segmentos expressivos da juventude e dos trabalhadores. A crescente indignação da população não é tão somente com o aumento da tarifa dos transportes em várias partes do Brasil. Trata-se da implosão de um ciclo de esgarçamento social levado às últimas consequências pelo aparato de Estado da burguesia, na tentativa de regular a vida social através do mercado, remunerando o capital em sua crise sistêmica.
A movimentação da juventude e dos trabalhadores, atacados por esse ciclo, tem gerado um caldo de cultura que pode contribuir, se politizado e unificado no campo da vanguarda, para movimentar o bloco contra-hegemônico a partir dessas demandas que estão vindo à cena política em virtude da espoliação social que se consolidou com a imensa retirada dos direitos sociais. Além das questões imediatas que dizem respeito às condições de vida dos trabalhadores, estas manifestações trazem à tona a indignação por parte de setores populares importantes diante dos descalabros com inversões de prioridades dos governos em seus mais diversos níveis neste momento de crise.
As ruas foram tomadas nas principais capitais do país: uma parte significativa da juventude brasileira está estreando na dinâmica do protesto, as forças políticas ainda estão surpresas com o volume das manifestações, uma parcela importante da juventude – ainda pautada pela influência da ideologia burguesa – questiona a presença da vanguarda política (partidos), não sabendo ela que grande parte das palavras de ordem que tem movimentado, e animado, as manifestações tem origem na história de luta e resistência dessa vanguarda.
Uma etapa dessa luta foi vencida, ela não é apenas por questões que digam respeito ao valor da tarifa dos transportes. A luta, agora, é por bandeiras políticas que suspendam a zona de conforto do bloco no poder.
Precisamos entender que o cenário de convulsão social está criando uma nova pauta para o operador político. Essa pauta é clássica, na visão do marxismo, na medida em que, para entendê-la, é necessário utilizar o instrumento de análise concreta da realidade concreta.
A convulsão social se apresentou no fogo da conjuntura e está inspirando uma luta de novo tipo: trazendo trabalhadores para as ruas, avenidas, portas de palácios e parlamentos. Sugerindo ao operador político, enquanto organizador coletivo, a construção da unidade contra-hegemônica no campo da esquerda revolucionária com toda a sua diversidade política; conclamando para essa luta, sem hegemonismos, os sujeitos históricos que poderão desafiar a ordem e impactar o difuso campo popular neste momento essencial da luta de classes, quando setores orgânicos à classe estão em ebulição.
O momento é extraordinário para impedir que os passos que foram construídos pelo caldo de cultura da barbárie social, alimentada pela burguesia monopolista, avancem. Precisamos na correlação de forças que nos é favorável frear a xenofobia, o chauvinismo, o reacionarismo social, enfim, a manifestação do fascismo.
A juventude insiste em permanecer nas ruas; os governos estão estupefatos e claudicam na movimentação da institucionalidade burguesa; devemos tentar, através das agências contra-hegemônicas, fazer avançar o freio de emergência da nossa classe contra o projeto do capital: temos que paralisar trens, metrôs, portos, aeroportos, levar os protestos para dentro dos estádios, interditar as rodovias, fechar os pedágios, ocupar terras, paralisar o serviço público, fomentar a possibilidade da greve geral. Todo o arcabouço da luta direta deve ser usado neste momento de convulsão social. Contudo, a vanguarda política deve ter a maior preocupação com o convívio democrático com amplas camadas da juventude e dos trabalhadores que ainda não compreendem o papel histórico que devemos ter neste momento e se colocam, ainda, no campo tão somente da indignação.
A cena política com a sua conjuntura veloz permite entender que brechas foram abertas na institucionalidade burguesa e que isso é fundamental para que possamos agir nas contradições do processo. O que está sendo decidido não é a questão do poder político que vamos ter; o que está na ordem do dia, a partir do aprendizado dessas manifestações pautadas pela convulsão social, é que é possível lutar e é possível vencer.
Essa é a lição que devemos extrair neste primeiro momento de enfrentamento político e social. Mas também entender que a institucionalidade burguesa vai tentar descaracterizar a movimentação social; os meios de comunicação se comportarão, a partir daqui, com o bom mocismo da hipocrisia cívica, ou seja, fingindo apoio para impedir a movimentação política das massas.
O papel dos lutadores sociais, neste momento, é fomentar de forma mais ampla possível a politização da luta, através das demandas massacradas pelo esgarçamento social patrocinado pelo capital. Além disso, é necessário educar os lutadores neste processo de luta direta, ao tempo em que é hora de desenvolver a mais profunda unidade do campo contra-hegemônico para construir a possibilidade de movimentar o bloco revolucionário do proletariado nessas e noutras batalhas que virão na história do tempo presente.
(*) Milton Pinheiro é professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), autor/organizador, entre outros, do livro Teoria e prática dos conselhos operários, juntamente com Luciano Cavini Martorano, no prelo (Expressão Popular, São Paulo, 2013).
FONTE: Correio da Cidadania
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