sábado, 30 de novembro de 2013

Nem presos comuns, nem presos políticos

(Nota Política do PCB)


Existem no Brasil cerca de 500 mil presos, o que corresponde à quarta população carcerária do mundo, ficando atrás dos EUA, China e Rússia. A maior parte destes presos encontra-se em presídios superlotados (no Brasil estima-se que a ocupação estaria 66% acima da capacidade dos presídios) e com péssimas condições, o que leva a inúmeras enfermidades e, muitas vezes, à morte.

A Lei de Execuções Penais estabelece que cada preso ocupe seis metros quadrados, mas o que ocorre é que este espaço acaba se tornando algo em torno de 70 cm2 apenas! A população carcerária também é formada por pessoas que aguardam julgamento encarceradas, muitas das quais continuam presas mesmo depois de concluídas suas penas, além de carecerem até de acompanhamento jurídico básico.

Nós do PCB sabemos que isto é o resultado de uma política de segurança pública que se guia pelo rigor penal e pelo encarceramento, que ignora as verdadeiras raízes do fenômeno da criminalidade, consequência direta das profundas desigualdades sociais, do grau absurdo de concentração da riqueza e das precárias condições de vida de grande parte da população.

Soma-se a isso a crescente mercantilização da vida em todas as esferas, o que transforma o crime, também, numa empresa monopolista cujos chefões se escondem nos estratos da elite econômica e política, arregimentando, junto às camadas proletárias, os varejistas contratados para gerir e operar seus negócios milionários.

A situação dos réus da Ação Penal 470 é profundamente distinta. Primeiro porque, por interesse dos próprios réus, foi avocado o privilégio do Foro Especial para que fossem julgados no Supremo Tribunal Federal, onde tiveram ampla possibilidade de impetrar recursos para se defenderem, o que contrasta de forma brutal com a situação da maioria daqueles que caem nas malhas do sistema judiciário brasileiro. Confiava-se que este espaço lhes seria mais favorável por dois motivos essenciais. Primeiro, porque Lula foi o presidente que mais indicou ministros para o STF – no total de oito indicações, inclusive a de Joaquim Barbosa. Junto com Dilma, o ex-presidente da República indicou a maioria dos onze componentes do tribunal que acabou julgando a Ação 470. Segundo, porque acreditavam que as práticas realizadas, ainda que não licitas, sejam comuns no presidencialismo de coalizão que sempre reinou na república brasileira, práticas estas que foram fartamente utilizadas por todas as forças políticas que os antecederam.

O resultado desfavorável comprova que houve uso político do julgamento, forçando os limites da lei para resultar em condenações desproporcionais, mas simbólicas, a serem utilizadas como arma nas disputas políticas entre os dois grandes partidos do bloco conservador no Brasil: o PT e o PSDB.
Isto, no entanto, não os transforma em presos políticos. Ainda que não sejam simples presos, até pelos privilégios que gozaram no julgamento e no cumprimento das penas, não são presos políticos. Não foram envolvidos em uma ação penal quando organizavam a luta dissidente contra a ordem do capital e o domínio político burguês, a exemplo daqueles que combateram os regimes ditatoriais implantados em nosso país e foram perseguidos por se colocarem na oposição aos ditadores de plantão, que atuavam a mando da classe dominante. Presos políticos são os ativistas presos por se manifestarem abertamente contra a ordem burguesa.

Os réus da Ação Penal 470, pelo contrário, foram julgados pelo envolvimento em um enorme esquema de desvio de dinheiro público para operar a governabilidade pela via do favorecimento dos partidos aliados (mensalmente ou não é um mero detalhe), que resultou na aprovação da Reforma da Previdência (contra os interesses dos trabalhadores), na aprovação dos transgênicos, do Código Florestal e de tantas outras iniciativas que nem de perto atacam a ordem burguesa, pelo contrário, a favorecem e fortalecem.

Além de Romeu Queiroz (PTB), que já está na Penitenciária da Papuda (hoje um anexo do Congresso Nacional), há vários outros já condenados no mesmo processo que serão presos em breve, como o delator do esquema, Roberto Jefferson (também do PTB), e mais cinco parlamentares de outras legendas, como os atuais PP e PR, todos da eclética fauna política que dá sustentação ao governo.

Pergunta-se: estes também serão considerados presos políticos pelo PT? Haverá solidariedade a esses aliados comprados a peso de ouro?

Da mesma forma que o PT acredita na neutralidade do Estado, acreditou na neutralidade da justiça e está pagando o preço por isso e pela forma como optou por sustentar sua governabilidade. O PT acreditou que, por operar da mesma forma que os governos anteriores, isto o protegeria, e agora só lhe resta lamentar que outros esquemas igualmente corruptos e ilegais como os do PSDB não tenham sido apurados. Entretanto, o próprio governo petista fez a sua parte ao não denunciar as irregularidades do governo anterior, jogando para debaixo do tapete toda a sujeira do período FHC, como os escândalos da compra de votos para a aprovação da reeleição, as privatizações das telecomunicações e da Vale do Rio Doce. Beneficiou-se, enfim, dos mesmos métodos usados para buscar governabilidade no seio de uma aliança conservadora com os partidos que expressam o que há de pior na política brasileira.

Desta maneira, o PCB reafirma a certeza de que vivemos em um país no qual se opera uma justiça de classe contra os oprimidos, no quadro de um Estado Burguês que não hesita em torcer os limites do legal para adequar a ordem jurídica aos seus interesses, como fica cotidianamente comprovado nas favelas e bairros pobres deste país, de onde vem a esmagadora maioria daqueles que vão parar no sistema carcerário.

Reiteramos nossa solidariedade para com todos os presos políticos existentes hoje no Brasil, que não são os réus da Ação Penal 470, mas os militantes e ativistas presos (alguns mortos pelo aparato repressor como Amarildo) durante e depois das manifestações de massa deste ano, sequestrados em suas casas ou nas ruas e acusados de formação de quadrilha, enquadrados na Lei de Segurança Nacional ou na  Lei das Organizações Criminosas, quando exerciam seu direito legítimo e inquestionável de protestar contra a ordem do capital. Da mesma forma que empenhamos nossa solidariedade para com as vítimas e familiares daqueles que todos os dias são perseguidos, atacados e assassinados nas periferias das grandes cidades, na luta pela terra ou em defesa dos povos indígenas, quilombolas e outros grupos sociais.

Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Comitê Central – novembro de 2013

FONTE: Portal do PCB

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Capitalismo não apresenta mais saídas para a crise, diz historiador

Por que discutir Marx hoje? Afinal, não diziam que o marxismo está morto e enterrado? Fomos ouvir dois participantes do Congresso Karl Marx sobre esse tema


Por Cristina Portella


Por que discutir Marx hoje? Afinal, não diziam (alguns ainda insistem em dizer) que o marxismo está morto e enterrado? Fomos ouvir o que opinam sobre o assunto dois especialistas portugueses e participantes do II Congresso Karl Marx: os historiadores Fernando Rosas, um dos organizadores do congresso e professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e Manuel Loff, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 

Fernando Rosas:  “Capitalismo é incapaz de encontrar saídas para a crise”

Por que mais um Congresso sobre Karl Marx?

É o segundo (o primeiro foi em 2008) e pareceu-nos que era altura de convocar outro numa situação de crise internacional, de crise do capitalismo em grande escala, com reflexos económicos, sociais e políticos tremendos, e em que a leitura, o estudo, o regresso a Marx e aos contributos do marxismo parecem indispensáveis para compreender e atuar nesta situação. E neste sentido achamos que era exatamente este o momento de tornar a realizar um congresso. Tivemos cerca de 70 contribuições, praticamente sobre todos os domínios, economia, política, estética, movimentos sociais, luta de classes, história…

A crise económica iniciada em 2007/2008 comprova a falência do capitalismo e a necessidade de retomar com mais intensidade as ideias marxistas?

Exatamente, ela prova que Marx tinha razão ao dizer duas coisas muito importantes: o capitalismo quanto mais durava, mais putrefacto e parasitário se tornava. O capitalismo deixa sequer de produzir, e a atual crise é uma crise em grande parte fruto do caráter crescentemente parasitário do capitalismo, do caráter puramente especulativo, financeiro. Isso vem ao encontro daquilo que eram uma das grandes linha de previsão de Marx. E que as crises iam se tornando, simultaneamente mais frequentes, e sobretudo mais profundas e prolongadas.

Estamos em crise desde 2007, 2008, sem nenhuma perspetiva de saída fácil à vista, o que coloca o problema de que é preciso apresentar alternativas a este sistema político e buscar no horizonte socialista respostas a esta situação.

Portanto, é nas contribuições de Marx, e de outros também, que temos de buscar muitas das respostas às questões com as quais somos confrontados. 

O que é ser marxista hoje?

Há muitas correntes do marxismo hoje, não há nem nunca houve um marxismo.
Acho que o que unifica essas correntes todas é a conscientização de que o capitalismo é um sistema que chegou ao fim, como capacidade de resposta para os desafios da sociedade, e que temos de procurar uma solução alternativa em sociedades de outro tipo, em sociedades socialistas. Ainda que a própria concepção do socialismo seja objeto de polêmica. Mas que estamos a entrar na época do socialismo parece-me claro. O capitalismo está a entrar numa fase incapaz de encontrar saídas. Portanto, acho que as esquerdas por todo o mundo têm que buscar inspiração no socialismo para ver o caminhos que vêm a seguir. 

Então o neoliberalismo morreu?

O neoliberalismo é a expressão política e ideológica de um capitalismo desesperado e moribundo, disso não tenho dúvida nenhuma. 

Manuel Loff: “As notícias sobre a morte do marxismo eram exageradas”

O marxismo morreu ou renasceu no rescaldo da crise de 2007/2008?

O marxismo é uma proposta de leitura do mundo, que tem, como todas aquelas que resistem ao tempo, características suficientemente flexíveis para poderem ser aplicadas a qualquer contexto histórico. E isso só depende daqueles que quiserem utilizar essa forma de leitura do mundo. Outra história é se me perguntas se o marxismo como produção política, ideológica à escala internacional está renovada ou não. Como proposta de leitura da realidade ela está sempre presente e é evidente que todas as notícias sobre a sua morte algures no final dos anos 80 e início os anos 90 eram claramente exageradas.

E o capitalismo, está no fim? O marxismo pode ser uma ferramenta teórica para a construção de uma alternativa?

É uma ferramenta essencial. De resto, naquela que é uma das pré-condições essenciais para a construção de qualquer alternativa que é a conscientização da exploração, da opressão e da necessidade de emancipação. Agora, o que o capitalismo demonstrou e demonstra nos seus 200 anos, na fase industrial e pós-industrial, é uma enorme capacidade de renovação e resistência. Mas isso já sabíamos desde o início. O que não significa que a interpretação central de Marx das contradições essenciais do sistema capitalista não permaneçam perfeitamente válidas. 

Sim, mas o Marx até agora não conseguiu grande coisa...

Os marxistas conseguiram muitas coisas na transformação do capitalismo.
Conseguiram, em determinados momentos da história, o seu fim, a sua ruptura em várias escalas nacionais e numa grande escala internacional. E conseguiram o mal chamado Ocidente desenvolvido, que deu origem à versão mais consolidada do capitalismo que conhecemos, a partir de meados do século XIX, e que conseguiu transformações essenciais no período posterior à II Guerra Mundial. A tal ponto foram essas transformações importantes na construção de políticas sociais básicas, às quais hoje associamos à versão mais avançada de democracia sob as regras da permanência de um mercado capitalista, o Estado Social, que os neoliberais estão hoje totalmente apostados no seu desmantelamento.

O que é ser marxista hoje?

É antes de mais produto de uma vontade de conhecer de forma crítica o mundo, de nos equiparmos para uma capacidade de leitura independente, autônoma, das formas de ideologia dominantes e hegemônicas, que as nossas próprias condições materiais de vida nos impõem, nos ajudam a reproduzir e sob as quais vivemos. É também um convite, uma necessidade intrínseca à ação política no sentido da transformação. Como dizia o Marx, não basta simplesmente interpretar o mundo, é preciso transformá-lo.


FONTE: Controversia

domingo, 17 de novembro de 2013

História de um naufrágio (1)


É preciso olhar de frente e sem ilusões: a social-democracia e o socialismo europeus acabaram.

Por José Luís Fiori



Tudo começou em 1884, com a defesa de Eduard Bernstein, da necessidade de modificar ou reinterpretar algumas teses marxistas clássicas sobre a “luta de classes” e a “revolução socialista”, à luz das grandes transformações capitalistas das últimas décadas do século XIX, e das necessidades da luta eleitoral do partido social-democrata alemão, que era o mais importante da Europa, naquele momento.  Segundo Bernstein, o progresso tecnológico e a centralização e internacionalização do capital haviam mudado a natureza da classe operária e a própria dinâmica do sistema capitalista, cujo desenvolvimento histórico já não apontaria mais na direção  da “pauperização crescente”, da “crise final” e da “revolução socialista”.

Como consequência, Bernstein propunha que os social-democratas abandonassem a  “via revolucionária”, e optassem pela via eleitoral e parlamentar de transformação continua, reformista e endógena do próprio capitalismo. As ideias e propostas de Bernstein privilegiavam incialmente a questão parlamentar, e foi só mais tarde que tiveram um peso importante na decisão dos social-democratas de participar dos governos de “união nacional’ ou de “frente popular”, junto com outras forças políticas mais conservadoras, para enfrentar os efeitos devastadores da I Guerra Mundial,  e da crise econômica da década de 30. 

Os problemas que estavam colocados sobre a mesa, eram o colapso econômico, o desemprego e a inflação, e os social-democratas seguiram a cartilha dos conservadores, até porque não tinham uma visão própria de como enfrentar estes desafios concretos, dentro do próprio capitalismo. Neste contexto, entretanto,  destaca-se  a originalidade do governo social-democrata sueco que respondeu à crise utilizando-se de uma política heterodoxa de incentivo ao crescimento econômico e pleno emprego. A despeito que seu sucesso deva ser atribuído ao atrelamento da economia sueca  ao expansionismo bélico da economia nazista, mais do que as virtudes da própria política econômica do governo social-democrata.  De qualquer forma, o modelo sueco de “pactação social” foi reproduzido mais tarde, com sucesso, pelos governos social-democratas da Áustria, Bélgica, Holanda, e dos próprios países nórdicos, que seguiram sendo governados pelos social-democratas, depois da guerra. Seja como for, o caso sueco foi uma exceção no meio de vários fracassos social-democratas no comando das politicas econômicas rigorosamente ortodoxas e conservadoras dos governos de que participaram, na Alemanha, entre 1928-30; na Grã Bretanha, entre 1929-31; na Espanha, entre 1928-30; e na França, entre 1936-37. 

Logo depois da II Guerra Mundial, os alemães lideraram outra grande revisão doutrinária e estratégica do socialismo europeu que culminou no Congresso do Bad Godesberg, realizado em 1959.  Foi neste momento que os socialistas e os social-democratas europeus abandonaram a ortodoxia econômica e aderiram às teses e às políticas keynesianas, como forma de gerir a economia capitalista com  objetivo de multiplicar os empregos e os recursos necessários para o financiamento de suas políticas distributivas e de proteção social. Dava-se como certo que no médio prazo, as políticas favoráveis à acumulação de capital também teriam efeitos favoráveis para o mundo do trabalho e da igualdade social.

Neste sentido, do ponto de vista lógico e político, a partir deste momento, o sucesso do capitalismo passou a ser uma condição indispensável do sucesso reformista dos socialistas europeus, completando-se um giro de 180 graus, com relação à sua tese clássica de que a liberdade e a igualdade seriam um produto necessário da eliminação da propriedade privada e dos “estados burgueses”. Depois de Bad Godesberg, a nova proposta passou a ser: “liberdade política = igualdade social = crescimento econômico = sucesso capitalista”.

De qualquer maneira, este novo consenso durou pouco, e já na década de 1980, teve início uma terceira grande “rodada revisionista”, quando os socialistas e social-democratas europeus abandonaram o “barco keynesiano” e aderiram às novas teses e políticas neoliberais promovidas em todo mundo, pelos  governos conservadores de Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Esta mudança de rumo avançou como um rastrilho de pólvora - a partir de 80 -  na Espanha de Felipe Gonzalez e na França de François Mitterand, e também na Itália de Bettino Craxi, e na Grécia de Andreas Papandreu.  E logo em seguida, na Inglaterra de  Tony Blair, onde foram formuladas as principais teses da “terceira via”, patrocinada pelos trabalhismo inglês, e que era na prática  uma repetição dos mesmos argumentos que  Eduard Bernstein havia apresentado um século antes. Segundo os trabalhistas ingleses,  teria ocorrido uma  mudança do capitalismo e de suas classes sociais que limitava a eficácia da política de classe tradicional e da própria intervenção “keynesiana’ do estado, fazendo-se  necessário uma nova adaptação das ideias e programas socialistas a este  mundo  desproletarizado, desestatizado e globalizado.

No início do século XXI, entretanto, já estava claro que estas políticas e reformas tinham tido um efeito social extremamente negativo, provocando redução simultânea dos postos de trabalho, dos salários, dos gastos sociais e  da segurança dos trabalhadores,  junto com uma enorme concentração e centralização do capital e da renda, em todos os países do continente. Mesmo assim, os socialistas e social-democratas europeus mantiveram e radicalizaram suas novas posições, transformando-se nos defensores mais intransigentes – dentro da União Europeia – dos princípios e políticas ortodoxas e neoliberais que os levaram ao “beco sem saída” em que se encontram na conjuntura desta segunda década do século XXI. 

O problema agora é que  já não se trata mais de uma simples crise conjuntural ou circunstancial, se trata do esgotamento  de um projeto que foi sofrendo sucessivas mudanças estratégicas até o ponto em que perdeu todo e qualquer contato com suas próprias raízes históricas. Primeiro, os partidos socialistas e social-democratas abriram mão da ideia da revolução socialista, e depois do próprio socialismo como objetivo final da sua luta política. Mais à frente, deixaram de lado o projeto de socialização da propriedade privada, e de eliminação do estado, e no final do século XX, passaram a atacar as próprias políticas de crescimento, pleno emprego e proteção social que foram suas principais bandeiras depois da II Guerra Mundial, e que talvez tenha sido sua principal contribuição ao século XX.  Por isto, hoje, os socialistas europeus estão transformados numa caricatura de si mesmos,  sem horizonte utópico, e sem nenhuma capacidade de inovação  política, social e intelectual. Um triste fim para uma utopia e um projeto que fizeram da Europa do século XIX, a vanguarda revolucionário do mundo.


FONTE: ControVérsia

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A luta contra a opressão da mulher: donde surge, como combatê-la


Quais são as origens da opressão da mulher? Como lutar contra isto? São questões vitais numa sociedade onde as mulheres trabalhadoras são duplamente exploradas - como trabalhadoras e como mulheres.

Por Rachel Gibbs E Claire Martin

Demonstração da Frente de Esquerda (Front Gauche), França,
em maio 2013. (Foto: Philippe Leroyer)

Em que medida as mulheres de nossos dias são livres? Diz-se muitas vezes que o preconceito sexista é coisa antiga - há muito mais mulheres trabalhando hoje do que no passado e elas estão cada vez mais sexualmente liberadas.

Mas também é evidente para muitos que isto não é de forma alguma verdadeiro - no Reino Unido os salários das mulheres são 20% inferiores aos dos homens, e as mulheres têm de realizar a maior parte dos quefazeres domésticos, tais como limpeza da casa e cuidado das crianças.

Obviamente, no século passado aconteceram muitos avanços para o sexo feminino na medida em que certo número delas alcançou a educação superior, seguiu suas carreiras, conquistou o direito ao aborto e ao divórcio. No entanto, devemos reconhecer também que as mulheres permanecem uma classe explorada embora a forma como ocorre sua exploração tenha variado segundo as mudanças do sistema capitalista.

Se considerarmos primeiramente o tema da mulher assalariada, de 1881 para 1951, o percentual feminino no trabalho na Grã-Bretanha subiu em torno de 25%: por volta de 1965, 54% delas eram classificadas como "economicamente ativas". Pode-se considerar que tal situação resulta da mudança dos objetivos do capitalismo britânico com a abertura de novas indústrias e a extensão do crescimento no pós-guerra.

Todavia, importa notar que a despeito de haver um maior contingente de mulheres no trabalho, significativa diferença salarial inferior - entre 27 e 30% - permanece. E a maioria (70%) situava-se no setor de serviços precários.

Destacando-se o período correspondente às décadas entre 1960, 1990 e 2000, atravessando as duas últimas, o percentual de mulheres no trabalho fixou-se em torno de 65%. No entanto, é evidente que não obstante mais mulheres trabalharem - um sinal positivo de sua emancipação - o labor dessas mulheres continua a receber remuneração menor e em setores esporádicos. A permanente diferença salarial para menor, acima referida, nota-se igualmente em 92% das trabalhadoras ocupando o setor de serviços, um dos empregos mais precários, pois, em regra, apenas 71% dos homens nele laboram.

Deve-se igualmente considerar as razões por que as mulheres trabalham cada vez mais: estat sticas oficiais revelam que em 2011 somente 9% da massa operária britânica trabalhava no setor fabril. Isto pode ser visto como resultado da desindustrialização, consequência do fechamento de indústrias tais como mineração, aço e construção naval em várias regiões do país. A desativação destas indústrias implicou na perda de empregos de melhor remuneração, tornando-se premente ou obrigatória a necessidade de dois salários para cada lar.

Aqui podemos ver que o ingresso de mais mulheres no mercado de trabalho é consequência das adaptações do capitalismo, a empurrar salários para baixo na medida em que duas remunerações se tornaram norma para cada núcleo familiar. Para muitas mulheres, tal situação está longe de significar emancipação, pois elas viram-se forçadas a ocupar setores precários, com pagas inferiores às de suas contrapartes masculinas.

É claro que apesar de mais mulheres ingressarem no mercado de trabalho elas continuam exploradas em seus empregos e suas atividades concorrem para maior exploração da classe trabalhadora em seu conjunto. Deve-se observar também que não obstante a maioria das mulheres agora trabalhar, elas na verdade ainda executam a maioria dos serviços domésticos - desta maneira, têm elas duas ocupações. É este exatamente um dos muitos exemplos da opressão da mulher fora de seu posto de trabalho.

A liberação sexual feminina no decorrer do século passado representou muitos ganhos para a mulher, tais como o acesso legal ao aborto e ao divórcio. Mas a modernização do relacionamento e da atitude quanto ao sexo está longe de pôr fim à opressão delas nesse domínio; apenas mudou alguma coisa. Novas expectativas têm significado que ao invés de elas ficarem engaioladas como esposas e mães, agora se espera que exibam sexualidade ou ainda sejam etiquetadas de "puritanas"; por acréscimo, fantasia sexual e também suas exigências têm levado à criação, segundo demonstrou fóruns como o "Uni Lad"(a), considerar-se a mulher objeto e alvo de violência sexual, inclusive o estupro, encarado com frequência com escárnio.

A modernização sob o capitalismo está longe de extinguir a exploração da mulher; mudou somente a natureza da opressão. O fim desta aflição ocorrerá somente sob o socialismo onde o trabalho doméstico será igualmente partilhado, pois uma economia planificada permitirá a distribuição justa da força de trabalho, a extinção de pressões econômicas, costumes generalizados e atitudes negativas em relação ao falsamente chamado sexo frágil.

O que poderia oferecer o socialismo

Como o socialismo virá o fim de muitas formas de opressão adotadas pelo sistema capitalista, inclusive as enfrentadas pelas mulheres. Uma sociedade socialista não terá necessidade de apegar-se inteiramente à família nuclear, amiúde na linha de frente da exploração da mulher, indispensável para a permanência da propriedade privada e o amoldamento das gerações de trabalhadores na perpetuação do capitalismo.

Enquanto o capitalismo fundamentava-se estritamente nos atributos do sexo, o socialismo podia desconhecer o compartilhamento dos indivíduos. O relacionamento e as famílias que não combinavam com os ideais monogâmicos (exigidos pelo capitalismo para efeito da sequência hereditária, evidentemente firmando-se mais na monogamia feminina do que na monogamia masculina) seria tão aceita socialmente quanto fosse necessário.

Esse objetivo será integralmente conquistado através da garantia de trabalho para todos, com a justa retribuição das horas trabalhadas, proporcionando-se a cada trabalhador tempo livre à sua escolha, sem exclusão dos afazeres domésticos. Diferenças com base no sexo, incluindo aversão ao emprego da mulher ou sua remuneração justa quando o empregador a considera "em idade fértil", será proibida. Nenhum trabalhador terá de enfrentar qualquer forma de discriminação ou opressão. Isto, acompanhado ao mesmo temo de licença de caráter materno ou paterno e de um sistema educacional valorizador da igualdade (inclusive a igualdade dos sexos) ajudará na luta contra atitudes sexistas na sociedade, sem falar na exclusão da expectativa de a mulher limitar-se a procriar, cuidar das crianças e do lar.

O cuidado universal e livre das crianças, isto é, por parte do casal, é uma solução simples amenizando as perspectivas e propiciando aos genitores trabalho livre enquanto as crianças recebem as devidas atenções. No presente sistema econômico, são as mulheres que se sobrecarregam com o duplo fardo de jornadas mais reduzidas e salários mais baixos do que as contrapartes masculinas, levando à conclusão "lógica" que é justo somente para eles e por essa razão a limpeza, a cozinha, o cuidado das crianças a fim de compensar essa diferença em casa, ao limpar, cozinhar, e cuidar das crianças, para falar apenas de algumas das atuais imposições sociais. As mulheres também são consideradas zeladoras naturais, assim relativamente descartáveis nos postos trabalho, a bel-prazer dos patrões.

Ao mesmo tempo deve haver completa reforma de muitas instituições com profundas e entranhadas formas opressivas e discriminatórias contra o gênero feminino em geral. O sistema legal, culturalmente repleto de infames acusações vitimando as mulheres, através de diversas incriminações, deve ser radicalmente reformado em favor das classes trabalhadoras, e não em proveito dos patrões e dos detentores do poder. O sistema de saúde pública deve prover assistência necessária, correta e confiável, informando-lhe todas as opções reprodutivas sem prejulgamentos ou desinformações.

Não podemos simplesmente afastar as crenças opressivas vivamente institucionalizadas dentro da sociedade através de cotas nos conselhos administrativos e campanhas de "beleza real"(b) das grandes empresas de cosméticos. Deve-se recusar o proxenetismo imposto pelo poder capitalista; é apenas por meio de um sistema econômico socialista e da extinção dos aspectos sociais opressivos que se poderá conquistar completa igualdade.

Origens da opressão das mulheres

A despeito de ser uma das mais óbvias perguntas em qualquer meio social, a questão da origem da opressão da mulher raramente é abordada com seriedade. É da mais absoluta importância que compreendamos donde surgiu essa opressão, e assim se tornará clara a ligação entre a sociedade de classe e a opressão da mulher.

Tal opressão é uma das muitas formas de tribulação - classe, raça, sexualidade e, é claro, a opressão de classe em si - é gerada numa sociedade baseada na exploração de muitos em proveito de poucos. Através desta compreensão, podemos também desenvolver ideias de como lutar contra a opressão da mulher. Evidentemente esse fato envolve a luta por reformas e suscita a questão dos direitos femininos; mas o fundamento da mulher aponta igualmente para seu lugar na luta de classe em busca do socialismo.

Conforme expõe Friedrich Engels (1820-1895) em sua obra As origens da propriedade privada e da família, a opressão e a degradação da mulher não estiveram sempre presentes na história da humanidade. É verdade que até mesmo no começo - período considerado de "comunismo primitivo", condição de subdesenvolvimento em que as tribos tinham de trabalhar unidas exatamente a fim de satisfazer suas necessidades básicas, uma vez que não existiam excedentes acumuláveis - distinguia-se o trabalho do homem e da mulher, segundo o sexo. Por razões biológicas, às mulheres cabia cuidar das crianças, daí por que seu papel na produção de alimentos devia ocorrer próximo da morada, enquanto os homens caçavam pelos campos. Contudo, não obstante a divisão do trabalho as mulheres não eram consideradas inferiores aos homens e seu status era favorecido porque as famílias eram matrilineares, e subsequentemente sem matrimônio e imposição da fidelidade como normas sociais, tornava-se impossível confirmar a paternidade dos rebentos.

A Revolução Neolítica levou ao uso de instrumentos e à domesticação de animais, o que pela primeira vez na historia da humanidade permitiu não apenas suprir as necessidades humanas fundamentais, mas também a geração de excedentes. Os excedentes determinaram o começo da sociedade de classe, logo tornando possível a alguns indivíduos vendê-los em busca de lucro, gerando-se, assim, as distinções entre ricos e pobres. Na medida em que alguns começaram a acumular riqueza, também compravam escravos e pagavam a outros indivíduos para cultivar suas terras; aqui vemos o exemplo inicial de trabalhador diante do proprietário rural. 

Esse processo contribuiu para que as mulheres fossem vistas como inferiores aos homens na sociedade, pois era no trabalho que os homens auferiam lucro. A geração de excedentes também constituiu a origem do surgimento de herança. O status de superioridade dos homens agora se delineava patriarcalmente, ou seja, por linhagem varonil, o que impunha forçosamente a obrigação da fidelidade feminina. Nesse ponto, divisamos as origens do matrimônio.

Portanto, a opressão feminina começou já no embrião da sociedade de classe. Cresceu no sistema capitalista e assim também essa subordinação se tornou mais complexa e entranhada. Para emancipar a mulher, devemos derrubar o sistema que criou tal opressão e dela se beneficia economicamente.

Luta pela libertação da mulher! Luta pelo socialismo!

Conforme o que acima se esclareceu, opressão e capitalismo são coisas umbilicalmente ligadas. Sexismo como também racismo, a discriminação por qualquer tipo de deficiência, homofobia e outras opressões cruzam com a opressão de classe; portanto para enfrentar qualquer um destes tipos de opressão devemos também lutar contra o capitalismo. O entendimento desta disposição de luta deve iniciar-se pela abordagem de seu início a partir da Revolução Neolítica, e continuar por toda sua existência coforme a presenciamos na sociedade moderna.

O capitalismo fundamenta-se na opressão de uma maioria para manter o poder e o domínio de uma minoria, logo a opressão prospera no meio da desigualdade social criada pelo sistema capitalista.

Necessitamos do socialismo para lutar por todas as reforma possíveis; medidas estas vitais para a imediata proteção e emancipação da mulher. A violência contra o sexo feminino, atitudes sociais nocivas, a ausência de projetos educacionais e muitas outras formas de discriminação por sexo devem ser combatidas desde já, na medida do possível, rápida e vigorosamente. Contudo, há muito que fazer para conquistar essas transformações.

Enquanto salientamos a liberação da mulher e unimos esforços na luta para abolir a opressão baseada no sexo, a solução não se encontra,sejamos claros, no feminismo burguês, que simplesmente advoga a igualdade entre os sexos no alto da sociedade. Essa ideologia não ajuda a maioria das mulheres. Em primeiro lugar devido ao desconhecimento de todas as outras formas de opressão, e permite que apenas um seleto grupo alcance os escalões sociais mais elevados. Neste ponto, como administradoras ou políticas burguesas, etc., elas, as feministas, por sua vez poderão subjugar outras de suas semelhantes, amiúde sem atentar para este fato. É tudo o que o capitalismo pode prometer em termos de igualdade: a eventual oportunidade de as oprimidas tornarem-se opressoras.

Completa igualdade somente será conseguida mediante a eliminação de sua origem. O socialismo impõe tratamento igual de todas as mulheres: ricas ou pobres; negras ou brancas, em geral. As reformas sociais devem combinar-se através de uma economia planificada para garantir a existência de uma sociedade totalmente livre de discriminações e sujeições, nos locais de trabalho, na assistência à saúde e no sistema legal, nos lares etc. O socialismo não necessita oprimir. Do contrário, ele impediria a existência de uma economia socialista, para cuja construção é indispensável o tratamento igualitário e decente de todos os cidadãos.

Como organização, nós nos posicionamos pela igualdade e empreendemos a luta contra toda forma de opressão e suas raízes fincadas no capitalismo. Buscamos conseguir um lugar seguro e que objetive propiciar correta análise marxista das questões presentes, oferecendo-lhes soluções socialistas.


Tradução do artigo "The struggle against women´s oppression: where it comes from and how to fight it", por Rachel Gibbs e Claire Martin, divulgado em 10/09/2013 pelo website In Defence of Marxism - http://www.marxist.com/

N. do tradutor- (a) Website britânico, criado em 2010, cujo propósito é promover a cultura dos estudantes universitários no Reino Unido. (b) A expressão "real beauty", entre aspas no original, literalmente traduz-se por "beleza real", no entanto merece esclarecimentos, pois que demonstram, no entendimento deste tradutor, um pouco da fatuidade consumista do capitalismo. A marca registrada Dove® empenha-se em auscultar o elemento feminino, e assim verificou, em 2004, que apenas 2% das mulheres se consideravam belas. Noutra pesquisa, realizada em 2012, a Dove® constatou que no universo de 1200 jovens entre 10 e 17 anos de idade, 72% delas sentiam-se tremendamente pressionadas para ser bonitas. A revista CartaCapital nº 771, de 23/10/2013, trouxe oportuna matéria sobre a comercialização da beleza feminina no Brasil. Essa faceta de nosso marketing neoliberal rende um dinheirão às celebridades, algumas das quais, com o correr dos anos, ofuscam-se, caem no desespero e nas drogas, pois a beleza física é passageira e os seus apreciadores ou "consumidores" buscam renovados objeto para suas badaladas atenções.

Tradução exclusiva para o Controvérsia: Odon Porto de Almeida


FONTE: ControVérsia

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Reforma Política: tática oportunista para as eleições de 2014 e diversionista para as lutas de massa


Por Ivan Pinheiro*


Em 2002, quando surgiu a possibilidade de vitória eleitoral do que ainda parecia ser uma frente de esquerda e, portanto, de iniciarmos um processo de mudanças progressivas no Brasil, às vésperas do primeiro turno Lula assinou a “Carta aos Brasileiros”, em verdade dirigida aos banqueiros, comprometendo-se a manter intacta a política econômica neoliberal dos tempos de FHC, incluindo a “autonomia” do Banco Central e o superávit primário, desvio de recursos públicos para pagamento dos rentistas. Nesse caso, não se pode acusar Lula de não cumprir promessas.

Com a vitória dele no segundo turno, a então coordenação da frente que o apoiava criou uma comissão dos cinco partidos (PCB, PT, PDT, PSB e PcdoB) para elaborar um PROGRAMA DOS 100 DIAS, de forma que, logo no início do mandato, o novo Presidente mostrasse que veio para cumprir as promessas de mudanças feitas na campanha e que encheram de esperança a grande maioria do povo brasileiro e a esquerda mundial.

A principal proposta da comissão, apresentada pelo PCB, era a convocação, logo após a posse, de um plebiscito para consultar o povo sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte soberana, que não se confundisse com a composição do Congresso Nacional e que revisasse toda a Constituição Brasileira, que já sofrera forte retrocesso político em função de emendas aprovadas no famigerado governo FHC.

Partia-se do pressuposto de que, para mudar o Brasil, era indispensável primeiro mudar leis que perpetuam a hegemonia burguesa. Exatamente como fizeram Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, antes de deflagrarem os processos de mudanças em seus países.

Mas no Brasil, o medo venceu a esperança!

Antes mesmo da posse, já eleito no segundo turno, a primeira viagem internacional de Lula, de surpresa (pelo menos para o PCB), foi aos Estados Unidos para encontrar-se com Bush na Casa Branca, ao lado de Henrique Meireles, então presidente do Banco de Boston, para apresentá-lo como o novo presidente do Banco Central do Brasil, assegurando-lhe autonomia para gerir a política monetária. Nesse momento, começou a se dissolver a coordenação política da campanha, que deveria se transformar, após a posse, numa coordenação política do governo.

Ao tomar posse, Lula jogou no lixo, ao mesmo tempo, o programa da campanha, a coordenação política e o Programa dos 100 Dias, fazendo a opção pela governabilidade institucional da ordem, ao invés da governabilidade popular pelas mudanças. Formou uma base de apoio parlamentar com o centro e a centro-direita, com mais de 300 dos que chamara de picaretas, transformando-se em refém e cúmplice dos caciques da política burguesa, sob o comando do PMDB e do companheiro Sarney, rendendo-se ao grande capital. O Vice-Presidente, José de Alencar, havia sido criteriosamente escolhido para sinalizar uma aliança com setores da burguesia, com vistas a um projeto neodesenvolvimentista, que Lula anunciava, já na posse, como o “espetáculo do crescimento”, que iria “destravar” o capitalismo no Brasil. Essa promessa Lula também cumpriu à risca.

Constatando a traição ao programa que elegeu Lula, o PCB, em março de 2005 (antes, portanto do episódio conhecido como “mensalão”), rompe com o governo, por absoluta incompatibilidade política com o transformismo do novo presidente e dos demais partidos que haviam composto a frente, que continuaram se degenerando e se fartando de cargos e verbas, sem qualquer crítica ao abandono do programa eleitoral e entregando as organizações sociais sob sua influência na bandeja da cooptação, transformando uma legião de ex-militantes de esquerda em burocratas de carreira, cabos eleitorais de “mandatos” de seus partidos.

A CUT e a UNE, que já vinham também num acelerado processo de degeneração, logo se transformaram em correia de transmissão do governo e nos principais instrumentos de apassivamento dos trabalhadores e da juventude.

Depois de dez anos alavancando o capitalismo, “como nunca antes na história desse país” - iludindo os trabalhadores com o discurso da inclusão, da nova classe média, de um desenvolvimento capitalista em que ganhariam igualmente todas as classes e que garantiria a paz social -, bastou o estopim do aumento das tarifas dos ônibus urbanos para que se desmontassem as ilusões, os 10 anos de conciliação de classe, de manipulações, de amaciamento da classe trabalhadora e da juventude.

Tudo isso aliado aos ventos da crise do capitalismo, que tem levado o governo Dilma a mitigá-la com mais capitalismo: desoneração do capital, Código Florestal, privatizações de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, estádios de futebol, a vergonhosa continuidade dos leilões de petróleo, inclusive do pré-sal, além de projetos para reduzir direitos trabalhistas e previdenciários.

A explosão das insatisfações reprimidas tem suas razões principais na privatização e no sucateamento dos serviços públicos, sobretudo na saúde e educação, na desmoralização e falta de representatividade das instituições da ordem (e das entidades de massas cooptadas), em função de alianças e práticas oportunistas e da cumplicidade com a corrupção.

Com a quebra do salto alto petista, foram-se a arrogância e a certeza de mais alguns confortáveis anos de mais do mesmo. Atônitos, os reformistas começam a bater cabeça e a chamar por Lula, alguns abandonando Dilma na estrada, por conta de sua queda de popularidade. Ao mesmo tempo, acharam no lixo da sua própria história o Programa dos 100 Dias, abandonado quando a correlação de forças era altamente favorável. Com seus quase 60 milhões de votos e a inaudita esperança popular, Lula tinha todo o respaldo para mudar o Brasil, mobilizando as massas, mesmo que com medidas apenas progressistas.

A cerca de um ano do fim do mandato de Dilma, cada vez mais reféns do centro e da centro-direita, até para se manter no governo, petistas e outros reformistas, alguns insistindo em se dizer comunistas (o que, por praticarem a conciliação de classe, é funcional para sua aceitação pelo sistema) levantam a bandeira da reforma política, esbravejando contra o parlamento, a justiça, a mídia, instituições que não só deixaram intactas, mas fortalecidas.

Fingindo desconhecer que este governo não sobrevive sem o PMDB, que tem a chave da agenda legislativa brasileira - com a inédita acumulação da presidência da Câmara e do Senado e a Vice-Presidência, ocupadas pelas mais experimentadas raposas políticas - os reformistas levantam agora, como a salvação da pátria, a bandeira da convocação de um plebiscito para uma constituinte, que abandonaram no momento propício, há dez anos!

Clamar por constituinte nessa correlação de forças desfavorável – e no momento em que “caem as fichas” dos trabalhadores e da juventude, a ponto de esses partidos não poderem levar para as ruas as suas bandeiras - é um gesto de desespero. Ou se trata de uma inocente ilusão de classe ou de uma esperta cortina de fumaça para passar ao povo a impressão de que querem mudar, mas que a oposição não deixa. Como não há inocência em políticos profissionais, a segunda hipótese é mais provável. Tanto não querem mudar que, em recente nota oficial, a direção nacional do PT assegurou que sua aliança preferencial para 2014 é com o PMDB, garantindo ao indefectível Michel Temer a candidatura a vice-presidente.

A correlação de forças não é desfavorável apenas no parlamento, mas sobretudo em relação à evidente hegemonia burguesa na sociedade brasileira, moldada pelo fundamentalismo religioso e pela mídia hegemônica, que cultua a aversão aos partidos e reduz a política aos momentos eleitorais.

Vão buscar no lixo a constituinte de 2003, que seria ampla e irrestrita, mas agora a limitam a uma específica sobre reforma política que nem merece esse nome, pois é fundamentalmente eleitoral. Mostram assim que só acreditam na chamada democracia burguesa, uma ditadura de classe disfarçada.

No esperto (e ao mesmo tempo desesperado) discurso da reforma política, fazem críticas a deformações do parlamento, para as quais contribuíram tanto quanto os demais partidos da ordem. O PT e seus aliados fiéis e acríticos se fartaram de financiamento privado, a ponto de seus candidatos, em alguns casos, terem recebido mais doações “generosas” de empresas - em geral empreiteiras, concessionárias de serviços públicos e bancos - que seus adversários conservadores, até porque os setores mais lúcidos das classes dominantes preferem terceirizar o governo a um partido com o nome de trabalhadores, para fazer com eficiência a política do capital e com a vantagem de iludir aqueles que emprestam o nome ao partido.

Defendem agora o voto em lista fechada, ou seja, em partidos e programas e não em pessoas, quando o PT foi o partido que mais contribuiu para o voto personalizado, usando o prestígio de Lula e a marquetização das eleições. Propõem agora o fim das coligações nas eleições proporcionais, quando o PT e seus aliados fiéis têm feito coligações as mais espúrias e inimagináveis.

Uma evidência de que a proposta de reforma política não passa de um expediente tático é que o PT sabe do risco real de perder em plebiscito as propostas que hoje defende, como o financiamento público exclusivo e o voto em lista, numa conjuntura em que o povo repudia os partidos políticos, aliás por responsabilidade do próprio PT e de seus cúmplices de fisiologismo. Essa derrota seria também da esquerda socialista, pois são propostas positivas, que em dez anos os reformistas não levaram à frente, mesmo exercendo a presidência da república.

Essa manobra irresponsável e eleitoreira pode ter consequências nefastas, na medida em que abre espaço para o Congresso Nacional promover, sem qualquer consulta popular, uma minirreforma regressiva, para parecer mudança. Com medo de que as urnas revoguem seus mandatos, numa renovação que se anuncia sem precedentes, parlamentares já falam em diminuir a duração da campanha eleitoral a pretexto de reduzir os custos financeiros, mas na verdade para favorecer os que já têm mandato.

Talvez por falta de tempo, ainda não consigam o fim das coligações proporcionais e a criação de alguma forma de cláusula de barreira, com o objetivo de diminuir o número de partidos e prejudicar apenas aqueles ideológicos, da oposição de esquerda. As pequenas e médias legendas de aluguel se adaptarão às restrições, fundindo-se aos chamados grandes partidos, em tenebrosas transações.

Com ou sem consulta popular, qualquer iniciativa de reforma eleitoral nesta conjuntura pode resultar numa contrarreforma, antipolítica e antipartidária.

E não adianta setores petistas reclamarem da minirreforma eleitoral, porque o presidente da comissão responsável por ela é o deputado petista Cândido Vacarezza, historicamente ligado a Lula e nomeado para o cargo pelo presidente da Câmara, contra a opinião da maioria da direção nacional do PT, fato que ficou por isso mesmo!

Apesar de sermos a favor do financiamento público, não temos ilusão de que seu advento acabaria com a corrupção e tornaria democrática a disputa, num país capitalista em que a corrupção é sistêmica e a mídia hegemônica manipula, influi e por vezes decide as eleições. Essa medida pode até dificultar, mas não erradicar a corrupção.

Tampouco somos contra a luta - numa correlação de forças favorável e desvinculada de cálculos eleitorais - por uma reforma política progressiva, em que o fortalecimento do protagonismo popular possa contribuir para a auto-organização dos trabalhadores. Mas sem ilusões com a possibilidade de superar o capitalismo através de eleições e de reformas.

O mais grave, entretanto, é que a prioridade na bandeira da reforma política sequestra a pauta unitária levantada nas manifestações de 11 de julho. Trata-se de um diversionismo e uma esperteza de não expor a presidente Dilma e o possível candidato Lula ao desgaste de terem que negar cada uma daquelas bandeiras, exatamente por serem reféns e parceiros do capital.

Devemos continuar levantando as bandeiras da redução da jornada sem redução salarial, da reforma agrária, do fim do fator previdenciário e da terceirização, do fim do superávit primário e dos leilões do petróleo para gerar investimentos públicos em saúde e educação, da desmilitarização da polícia, entre outras. Por isso, não podemos cair na balela da reforma política, que os reformistas querem colocar agora em primeiro plano, em detrimento das bandeiras citadas.

É preciso desmascarar a atual campanha de coleta de um milhão e meio de assinaturas digitais pelo plebiscito da constituinte específica. Não por incentivar a iniciativa popular, mas pelos objetivos da campanha e pela forma de coletar as assinaturas, apenas através da internet, estimulando assim a asséptica militância eletrônica, sem sair de casa ou do gabinete, fria e sem interação com as massas, talvez por receio desse contato.

Ao invés disso, devemos e podemos organizar uma oportuna e necessária coleta de assinaturas para uma iniciativa legislativa por um plebiscito, mas para que o povo responda se quer uma Petrobrás 100% estatal, sob controle popular, o fim dos leilões e que os lucros da exploração do petróleo sejam investidos na saúde e na educação, públicas e de qualidade. Essa pode ser uma importante campanha de massa, servindo também para mobilizar o povo às vésperas de mais um ultrajante leilão do nosso petróleo. Uma campanha nas praças, nas portas de fábricas e de escolas, em contato direto com os trabalhadores e os jovens.

Por tudo isso, as forças políticas e sociais do campo anticapitalista, de oposição aos governos social-liberais e neoliberais, precisam reunir-se urgentemente numa Plenária Nacional, para debater a forma e o conteúdo de nossa participação no dia 30 de agosto, anunciado pelas centrais pelegas sem qualquer representatividade como um “dia nacional de paralisações”. Mesmo que elas recuem, como já aconteceu outras vezes.

As forças anticapitalistas não podem mais participar de manifestações sem unidade e identidade própria, sob pena de se confundirem com os reformistas e não criarem as condições para a necessária formação de uma frente de caráter anticapitalista e anti-imperialista, voltada para a unidade de ação na luta e para além das eleições e dos partidos registrados oficialmente.

Por fim, no lugar da reforma eleitoral, nossa bandeira política central deve ser PELO PODER POPULAR, que expressa a recusa às instituições burguesas e “a tudo que está aí”,sinalizando uma organização popular com vocação de poder.


*Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB

(texto revisado e aprovado pelo Comitê Central do PCB)


FONTE: Portal PCB

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Marxismo e o carácter social da China

Por Fred Goldstein


A forma como a China enfrentou a crise capitalista que eclodiu em 2007-2008 constitui um elemento chave para a compreensão de qual o traço prevalecente na sua complexa estrutura económica e social. O rendimento nacional cresceu, o consumo aumentou e o desemprego foi superado, enquanto o mundo capitalista se afundava no desemprego, na austeridade, na recessão, na estagnação, no baixo crescimento e na miséria crescente. E isso sucedeu por que as estruturas de carácter socialista - planeamento nacional, empresas estatais, bancos estatais e decisões políticas do Partido Comunista Chinês – são, apesar dos aspectos contraditórios da evolução dos diferentes sectores da economia, aquelas que são ainda dominantes.

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A China é das mais importantes questões do século 21 para os trabalhadores e todos os pobres oprimidos, tanto quanto as classes imperialistas opressoras de todo o mundo.

Os movimentos progressistas e revolucionários, sobretudo nos EUA, têm muito a ganhar se chegarem a uma política correcta em relação à China.

Para começar, a China foi país oprimido, que se libertou do imperialismo britânico, francês, alemão, norte-americano e japonês em 1949, e fez uma das maiores revoluções da história. Naquele momento, um quarto da humanidade estava sob as garras do imperialismo. Como país oprimido por muito tempo, lutando pelo desenvolvimento nacional, a China tem de ser defendida contra todas as variantes do imperialismo militar e económico e contra a agressão política, independente do que cada um pense do carácter social do governo chinês.

A China hoje é fenómeno complexo, contraditório e novo na história: estruturas fundamentalmente socialistas, ao lado de penetração imperialista e desenvolvimento capitalista. As lideranças chamam a isso “socialismo de mercado” ou “socialismo com características chinesas”.

O socialismo está firmemente inscrito na Constituição da China. A classe capitalista internacional é profundamente hostil à China e nunca desiste de tentar solapar esse carácter socialista fundante.

Mas os trabalhadores chineses estão submetidos à exploração capitalista e os trabalhadores das indústrias do Estado perderam muito do suporte económico que, antes, vinha associado aos seus postos de trabalho. Acidentes industriais horrendos acontecem, e os problemas ambientais ainda são severos.

O carácter dual dos fundamentos da economia chinesa

Só o marxismo permite analisar a China. O marxismo mostrou que o carácter de uma sociedade é determinado pelo fundamento económico; e que a superestrutura da sociedade – política, ideologia etc., – é determinada também pelo fundamento económico.

Como se aplicam esses princípios à China e como podem ajudar a ver a China com mais clareza?

Para começar, o fundamento económico chinês não é homogéneo: é em parte socialista e em parte capitalista. A questão para nós e para os trabalhadores do mundo é: qual deles é dominante? – o fundamento socialista ou as empresas capitalistas que visam exclusivamente a acumular lucros pela exploração da classe operária?

Do mesmo modo, a superestrutura tampouco é homogénea. Por um lado, há o Partido Comunista, o Exército do Povo e a doutrina que declara o socialismo como pilar sobre o qual a China está sendo erguida. Por outro lado, há a incansável promoção da abertura do país ao imperialismo e as reformas capitalistas de mercado. E, sobretudo, há uma luta por reformas políticas, para assegurar direitos à burguesia e à pequena burguesia para que se organizem politicamente, ou dentro ou fora do Partido, ou nos dois espaços simultaneamente. Há clamor incansável por “reformas políticas” – vindo dos imperialistas e das classes a ele aliadas, dentro da China.

A crise económica de 2008-2009 foi teste crucial

Como se pode avaliar essa situação? Devemos começar por um exame das condições objectivas na China, por um lado; e das mesmas condições, no mundo do capital.

Um teste crucial aconteceu quando as lideranças chinesas tiveram de lidar com os efeitos da pior crise que o mundo do capital conheceu desde a 2ª Guerra Mundial.

Quando a crise se abateu em 2008-2009, muitas dezenas de milhões de trabalhadores nos EUA, Europa, Japão e em todo o mundo capitalista foram lançados ao desemprego.

A China, a qual, muito temerariamente, se havia deixado converter em dependente de exportações do ocidente capitalista, viu-se repentinamente diante do fechamento de milhares de fábricas, sobretudo nas províncias da costa leste e nas zonas económicas especiais. Mais de 20 milhões de trabalhadores chineses perderam o emprego, num curto período de tempo.

O que fez o governo chinês?

Discutimos o que aconteceu num artigo no Workers World intitulado “The Suppression of Bo Xilai and the Capitalist Road — Can Socialism Be Revived in China?” O artigo, publicado dia 27/3/2012, explicava que os planos traçados nos idos de 2003, para entrarem em vigência em anos subsequentes, foram acelerados e implementados.

Citamos ali a pesquisa de Nicholas Lardy, especialista burguês que estuda a China, do prestigiado Peterson Institute for International Economics, que mostrava como o consumo realmente cresceu, na China, durante a crise de 2008-09, os salários aumentaram, o governo criou empregos em número realmente suficiente para compensar as demissões provocadas pela crise global. Disse Lardy:

“Num ano no qual a expansão do PIB [na China] foi a menor em quase uma década, como o consumo poderia ter crescido tão poderosamente em termos relativos? Como aconteceu, em tempos em que o emprego nas indústrias orientadas para a exportação estava em colapso, com pesquisa realizada pelo Ministério da Agricultura mostrando mais de 20 milhões de postos de trabalho extintos em centros de produção para exportação em toda a costa sudeste, sobretudo na província de Guangdong? O crescimento relativamente forte do consumo em 2009 pode ser explicado por vários factores. Primeiro, o boom em investimentos, sobretudo em actividades de construção, parece ter gerado número adicional de empregos, suficiente para compensar grande parte dos empregos perdidos no sector de exportação. Naquele ano, no total, a economia chinesa criou 11,02 milhões de empregos em áreas urbanas, bem próximo dos 11,13 milhões de empregos urbanos criados em 2008.

Embora o crescimento do emprego tenha diminuído um pouco, os salários continuaram a aumentar. Em valores nominais, o salário no sector formal subiu 12%, poucos pontos percentuais abaixo da média dos cinco anos anteriores (National Bureau of Statistics of China 2010f, 131). Em termos reais, o crescimento foi de quase 13%. Terceiro, o governo continuou seus programas de aumentar o valor de pensões e aposentadorias, e aumentou os repasses para os chineses de mais baixa renda. Aposentadorias para ex-empregados de empresas privadas aumentaram em cerca de 10%, em Janeiro de 2009, substancialmente mais que o aumento de 5,9% nos preços ao consumidor em 2008. Com isso, o aumento do pagamento total a aposentados aumentou RMB75 bilhões. O Ministério do Interior aumentou em um terço os repasses para cerca de 70 milhões de chineses de baixa renda, que aumentaram RMB20 bilhões em 2009 (Ministry of Civil Affairs 2010).”[1]

O mesmo autor explicava que o Ministério das Estradas de Ferro introduziu oito planos específicos, a serem concluídos em 2020, iniciados no auge da crise. Para o Banco Mundial, “foi talvez o maior investimento em programa de construção de estradas de ferro para transporte de passageiros que o mundo jamais viu.” Além disso, também se iniciou a construção de usinas e redes de transmissão de alta voltagem, dentre outros projectos.

As estruturas socialistas reverteram o colapso

A renda cresceu, o consumo aumentou e o desemprego foi superado na China — tudo isso enquanto o mundo capitalista afundava-se no desemprego, na austeridade, na recessão, na estagnação, no baixo crescimento e na miséria crescente.

Fazer reverter os efeitos da crise na China é resultado directo de planeamento nacional, empresas estatais, bancos estatais e decisões políticas do Partido Comunista Chinês.

Houve uma crise na China, e foi causada pela crise no mundo capitalista. A questão foi que princípio prevaleceria ante o desemprego em massa – o princípio racional e humano do planeamento, ou o mercado capitalista. Na China, o princípio do planeamento, o elemento consciente, prevaleceu sobre a anarquia da produção gerada pelas leis do mercado e a lei do valor-trabalho.

Mas as instituições baseadas nas estruturas remanescentes do socialismo chinês, que salvaram as massas do desastre económico, são as mesmas instituições que o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, Wall Street e Londres querem reduzir e eventualmente destruir. São as empresas estatais geridas pelo Estado, o planeamento do Estado e o controle pelo Partido Comunista Chinês.

Há quem diga que a liderança chinesa fez o que fez para evitar as agitações sociais. Sem dúvida, os capitalistas na Europa e nos EUA também gostariam de conseguir evitar as agitações sociais. Mas nem por isso cuidaram de devolver os empregos de milhões de trabalhadores, aumentaram as aposentadorias ou aumentaram as transferências de renda ou o investimento em bem-estar. Cuidaram, exclusivamente, de impor a ‘austeridade’, para assegurar os lucros dos banqueiros.

Em termos pois de análise marxista, é evidente, pelo modo como a liderança chinesa enfrentou essa crise, que o lado socialista do fundamento económico ainda é predominante na China. E o mesmo se pode dizer da superestrutura política.

Os inimigos do socialismo alegam que o capitalismo seria o responsável pelos grandes sucessos na China.

É falso. A China teve sucesso no seu desenvolvimento económico porque o sector socialista conteve o avanço do capitalismo doméstico e os investimentos imperialistas, mantendo-os subordinados às metas económicas estipuladas para o país pela liderança política.

Sem isso, a China seria como a Índia – onde também há planeamento estatal, mas em país predominantemente capitalista.

Na Índia, a pobreza é tão profunda que há quem viva em lixões, lavam roupas em água contaminada e, nas favelas urbanas em Kolkata e Mumbai a miséria equipara-se à miséria no campo. As massas indianas são desesperadamente pobres– vivendo com $1-$2 ao dia – enquanto as mais fulgurantes indústrias de alta tecnologia desenvolvem-se lado a lado com condições de inacreditável miséria em que vivem centenas de milhões de indianos.

Nada disso é assim na China. Mas se os imperialistas forem deixados livres, podem destruir o fundamento socialista e o Partido Comunista, e farão, da China, uma outra Índia. Isso é que está em jogo, na luta para deter a contra-revolução na China.

‘Socialismo de mercado’ é conceito falso e perigoso

Essa análise não deve ser interpretada como argumento a favor da doutrina do ‘socialismo de mercado’. Na nossa visão, a anarquia do mercado capitalista é oposta ao planeamento de uma sociedade socialista e a uma construção socialista. A propriedade privada capitalista é antagónica à propriedade socialista, e a produção para acumulação privada é antagonista à produção para uso social e para necessidades humanas.

Há condições históricas de extremo subdesenvolvimento que forçam um governo socialista a empregar métodos privados e de capitalismo de estado, para promover o desenvolvimento de forças produtivas e a criação de uma classe operária, da população rural.

Outra coisa, contudo, é usar esses métodos como recurso temporário, afastar-se temporariamente do socialismo, para conseguir fazê-lo triunfar na luta contra os métodos capitalistas. Esse era o pensamento de Lénine, por trás da Nova Política Económica. Começou em 1921 na URSS, nos tempos mais duros, depois que a guerra civil deixara o país em ruínas e a classe operária sobrevivente teve de voltar ao campo para conseguir comida.

Mas Lenine sempre entendeu esse processo como uma retirada estratégica, numa luta crucial. A questão, como Lenine a propôs, foi “Quem vencerá?”

A China desenvolveu-se economicamente há muito tempo, depois das reformas capitalistas instituídas por Deng Xiaoping. Mas o que poderia ter sido retirada estratégica, converteu-se em política nova, de tomar o capitalismo como parceiro do socialismo. O capital privado cresce automaticamente e, com ele, a força económica e política da classe capitalista, dos pequenos burgueses que a parasitam, e da intelligentsia pequeno-burguesa. Daí advêm graves perigos de longo prazo para a China.

A componente socialista do fundamento económico é hoje dominante. Mas o capitalismo continua a erodir esse fundamento e a sacrificar os trabalhadores. Além disso, os novos líderes, Xi Jiping e Li Kequang já deram sinais de que querem empurrar a economia para a direita. Expandir as oportunidades para o investimento imperialista e andar mais e mais na direcção de reformas burguesas na economia é brincar com fogo.

Reviver o espírito de Mao, o poder dos trabalhadores

Bo Xilai, ex-líder do Partido para a Província de Chongqing está preso há mais de um ano, porque tentou reviver o espírito cultural e igualitário de Mao Tse Tung e porque tinha um programa que visava a retardar o avanço pela estrada do capitalismo. (Sobre isso, ver artigos em Workers World.)

Bo representou uma resistência de esquerda às actuais políticas que prosperam no plano da alta liderança do Partido. Derrotado Bo, o caminho estava aberto para andar ainda mais para a direita.

E o que é preciso é firme volta à esquerda. Os trabalhadores têm de reivindicar os direitos socialistas estabelecidos pela Revolução Chinesa e aprofundados durante o período de Mao. Só isso pode fazer renascer e garantir o socialismo chinês no longo prazo.

Daqui até lá, é preciso defender a China, com firmeza, contra todos os ardis do imperialismo e da classe capitalista doméstica chinesa, que visam a minar o fundamento socialista que ainda existe lá.

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13/6/2013, Workers World*
http://www.workers.org/2013/06/13/marxism-and-the-social-character-of-china/
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* De palestra no Left Forum, New York City, 9/6/2013.
[1]http://books.google.com.br/books/about/Sustaining_Chinas_Economic_Growth_After.html?id=nijsPMcwXxgC&redir_esc=y

#Goldstein é o autor do livro, “O capitalismo num beco sem saída”, disponível em Inglês e Espanhol. www.lowwagecapitalism.com–


FONTE: ODiario.info