Por Fred Goldstein
A forma como a China enfrentou a crise capitalista que eclodiu em 2007-2008 constitui um elemento chave para a compreensão de qual o traço prevalecente na sua complexa estrutura económica e social. O rendimento nacional cresceu, o consumo aumentou e o desemprego foi superado, enquanto o mundo capitalista se afundava no desemprego, na austeridade, na recessão, na estagnação, no baixo crescimento e na miséria crescente. E isso sucedeu por que as estruturas de carácter socialista - planeamento nacional, empresas estatais, bancos estatais e decisões políticas do Partido Comunista Chinês – são, apesar dos aspectos contraditórios da evolução dos diferentes sectores da economia, aquelas que são ainda dominantes.
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A China é das mais importantes questões do século 21 para os trabalhadores e todos os pobres oprimidos, tanto quanto as classes imperialistas opressoras de todo o mundo.
Os movimentos progressistas e revolucionários, sobretudo nos EUA, têm muito a ganhar se chegarem a uma política correcta em relação à China.
Para começar, a China foi país oprimido, que se libertou do imperialismo britânico, francês, alemão, norte-americano e japonês em 1949, e fez uma das maiores revoluções da história. Naquele momento, um quarto da humanidade estava sob as garras do imperialismo. Como país oprimido por muito tempo, lutando pelo desenvolvimento nacional, a China tem de ser defendida contra todas as variantes do imperialismo militar e económico e contra a agressão política, independente do que cada um pense do carácter social do governo chinês.
A China hoje é fenómeno complexo, contraditório e novo na história: estruturas fundamentalmente socialistas, ao lado de penetração imperialista e desenvolvimento capitalista. As lideranças chamam a isso “socialismo de mercado” ou “socialismo com características chinesas”.
O socialismo está firmemente inscrito na Constituição da China. A classe capitalista internacional é profundamente hostil à China e nunca desiste de tentar solapar esse carácter socialista fundante.
Mas os trabalhadores chineses estão submetidos à exploração capitalista e os trabalhadores das indústrias do Estado perderam muito do suporte económico que, antes, vinha associado aos seus postos de trabalho. Acidentes industriais horrendos acontecem, e os problemas ambientais ainda são severos.
O carácter dual dos fundamentos da economia chinesa
Só o marxismo permite analisar a China. O marxismo mostrou que o carácter de uma sociedade é determinado pelo fundamento económico; e que a superestrutura da sociedade – política, ideologia etc., – é determinada também pelo fundamento económico.
Como se aplicam esses princípios à China e como podem ajudar a ver a China com mais clareza?
Para começar, o fundamento económico chinês não é homogéneo: é em parte socialista e em parte capitalista. A questão para nós e para os trabalhadores do mundo é: qual deles é dominante? – o fundamento socialista ou as empresas capitalistas que visam exclusivamente a acumular lucros pela exploração da classe operária?
Do mesmo modo, a superestrutura tampouco é homogénea. Por um lado, há o Partido Comunista, o Exército do Povo e a doutrina que declara o socialismo como pilar sobre o qual a China está sendo erguida. Por outro lado, há a incansável promoção da abertura do país ao imperialismo e as reformas capitalistas de mercado. E, sobretudo, há uma luta por reformas políticas, para assegurar direitos à burguesia e à pequena burguesia para que se organizem politicamente, ou dentro ou fora do Partido, ou nos dois espaços simultaneamente. Há clamor incansável por “reformas políticas” – vindo dos imperialistas e das classes a ele aliadas, dentro da China.
A crise económica de 2008-2009 foi teste crucial
Como se pode avaliar essa situação? Devemos começar por um exame das condições objectivas na China, por um lado; e das mesmas condições, no mundo do capital.
Um teste crucial aconteceu quando as lideranças chinesas tiveram de lidar com os efeitos da pior crise que o mundo do capital conheceu desde a 2ª Guerra Mundial.
Quando a crise se abateu em 2008-2009, muitas dezenas de milhões de trabalhadores nos EUA, Europa, Japão e em todo o mundo capitalista foram lançados ao desemprego.
A China, a qual, muito temerariamente, se havia deixado converter em dependente de exportações do ocidente capitalista, viu-se repentinamente diante do fechamento de milhares de fábricas, sobretudo nas províncias da costa leste e nas zonas económicas especiais. Mais de 20 milhões de trabalhadores chineses perderam o emprego, num curto período de tempo.
O que fez o governo chinês?
Discutimos o que aconteceu num artigo no Workers World intitulado “The Suppression of Bo Xilai and the Capitalist Road — Can Socialism Be Revived in China?” O artigo, publicado dia 27/3/2012, explicava que os planos traçados nos idos de 2003, para entrarem em vigência em anos subsequentes, foram acelerados e implementados.
Citamos ali a pesquisa de Nicholas Lardy, especialista burguês que estuda a China, do prestigiado Peterson Institute for International Economics, que mostrava como o consumo realmente cresceu, na China, durante a crise de 2008-09, os salários aumentaram, o governo criou empregos em número realmente suficiente para compensar as demissões provocadas pela crise global. Disse Lardy:
“Num ano no qual a expansão do PIB [na China] foi a menor em quase uma década, como o consumo poderia ter crescido tão poderosamente em termos relativos? Como aconteceu, em tempos em que o emprego nas indústrias orientadas para a exportação estava em colapso, com pesquisa realizada pelo Ministério da Agricultura mostrando mais de 20 milhões de postos de trabalho extintos em centros de produção para exportação em toda a costa sudeste, sobretudo na província de Guangdong? O crescimento relativamente forte do consumo em 2009 pode ser explicado por vários factores. Primeiro, o boom em investimentos, sobretudo em actividades de construção, parece ter gerado número adicional de empregos, suficiente para compensar grande parte dos empregos perdidos no sector de exportação. Naquele ano, no total, a economia chinesa criou 11,02 milhões de empregos em áreas urbanas, bem próximo dos 11,13 milhões de empregos urbanos criados em 2008.
Embora o crescimento do emprego tenha diminuído um pouco, os salários continuaram a aumentar. Em valores nominais, o salário no sector formal subiu 12%, poucos pontos percentuais abaixo da média dos cinco anos anteriores (National Bureau of Statistics of China 2010f, 131). Em termos reais, o crescimento foi de quase 13%. Terceiro, o governo continuou seus programas de aumentar o valor de pensões e aposentadorias, e aumentou os repasses para os chineses de mais baixa renda. Aposentadorias para ex-empregados de empresas privadas aumentaram em cerca de 10%, em Janeiro de 2009, substancialmente mais que o aumento de 5,9% nos preços ao consumidor em 2008. Com isso, o aumento do pagamento total a aposentados aumentou RMB75 bilhões. O Ministério do Interior aumentou em um terço os repasses para cerca de 70 milhões de chineses de baixa renda, que aumentaram RMB20 bilhões em 2009 (Ministry of Civil Affairs 2010).”[1]
O mesmo autor explicava que o Ministério das Estradas de Ferro introduziu oito planos específicos, a serem concluídos em 2020, iniciados no auge da crise. Para o Banco Mundial, “foi talvez o maior investimento em programa de construção de estradas de ferro para transporte de passageiros que o mundo jamais viu.” Além disso, também se iniciou a construção de usinas e redes de transmissão de alta voltagem, dentre outros projectos.
As estruturas socialistas reverteram o colapso
A renda cresceu, o consumo aumentou e o desemprego foi superado na China — tudo isso enquanto o mundo capitalista afundava-se no desemprego, na austeridade, na recessão, na estagnação, no baixo crescimento e na miséria crescente.
Fazer reverter os efeitos da crise na China é resultado directo de planeamento nacional, empresas estatais, bancos estatais e decisões políticas do Partido Comunista Chinês.
Houve uma crise na China, e foi causada pela crise no mundo capitalista. A questão foi que princípio prevaleceria ante o desemprego em massa – o princípio racional e humano do planeamento, ou o mercado capitalista. Na China, o princípio do planeamento, o elemento consciente, prevaleceu sobre a anarquia da produção gerada pelas leis do mercado e a lei do valor-trabalho.
Mas as instituições baseadas nas estruturas remanescentes do socialismo chinês, que salvaram as massas do desastre económico, são as mesmas instituições que o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, Wall Street e Londres querem reduzir e eventualmente destruir. São as empresas estatais geridas pelo Estado, o planeamento do Estado e o controle pelo Partido Comunista Chinês.
Há quem diga que a liderança chinesa fez o que fez para evitar as agitações sociais. Sem dúvida, os capitalistas na Europa e nos EUA também gostariam de conseguir evitar as agitações sociais. Mas nem por isso cuidaram de devolver os empregos de milhões de trabalhadores, aumentaram as aposentadorias ou aumentaram as transferências de renda ou o investimento em bem-estar. Cuidaram, exclusivamente, de impor a ‘austeridade’, para assegurar os lucros dos banqueiros.
Em termos pois de análise marxista, é evidente, pelo modo como a liderança chinesa enfrentou essa crise, que o lado socialista do fundamento económico ainda é predominante na China. E o mesmo se pode dizer da superestrutura política.
Os inimigos do socialismo alegam que o capitalismo seria o responsável pelos grandes sucessos na China.
É falso. A China teve sucesso no seu desenvolvimento económico porque o sector socialista conteve o avanço do capitalismo doméstico e os investimentos imperialistas, mantendo-os subordinados às metas económicas estipuladas para o país pela liderança política.
Sem isso, a China seria como a Índia – onde também há planeamento estatal, mas em país predominantemente capitalista.
Na Índia, a pobreza é tão profunda que há quem viva em lixões, lavam roupas em água contaminada e, nas favelas urbanas em Kolkata e Mumbai a miséria equipara-se à miséria no campo. As massas indianas são desesperadamente pobres– vivendo com $1-$2 ao dia – enquanto as mais fulgurantes indústrias de alta tecnologia desenvolvem-se lado a lado com condições de inacreditável miséria em que vivem centenas de milhões de indianos.
Nada disso é assim na China. Mas se os imperialistas forem deixados livres, podem destruir o fundamento socialista e o Partido Comunista, e farão, da China, uma outra Índia. Isso é que está em jogo, na luta para deter a contra-revolução na China.
‘Socialismo de mercado’ é conceito falso e perigoso
Essa análise não deve ser interpretada como argumento a favor da doutrina do ‘socialismo de mercado’. Na nossa visão, a anarquia do mercado capitalista é oposta ao planeamento de uma sociedade socialista e a uma construção socialista. A propriedade privada capitalista é antagónica à propriedade socialista, e a produção para acumulação privada é antagonista à produção para uso social e para necessidades humanas.
Há condições históricas de extremo subdesenvolvimento que forçam um governo socialista a empregar métodos privados e de capitalismo de estado, para promover o desenvolvimento de forças produtivas e a criação de uma classe operária, da população rural.
Outra coisa, contudo, é usar esses métodos como recurso temporário, afastar-se temporariamente do socialismo, para conseguir fazê-lo triunfar na luta contra os métodos capitalistas. Esse era o pensamento de Lénine, por trás da Nova Política Económica. Começou em 1921 na URSS, nos tempos mais duros, depois que a guerra civil deixara o país em ruínas e a classe operária sobrevivente teve de voltar ao campo para conseguir comida.
Mas Lenine sempre entendeu esse processo como uma retirada estratégica, numa luta crucial. A questão, como Lenine a propôs, foi “Quem vencerá?”
A China desenvolveu-se economicamente há muito tempo, depois das reformas capitalistas instituídas por Deng Xiaoping. Mas o que poderia ter sido retirada estratégica, converteu-se em política nova, de tomar o capitalismo como parceiro do socialismo. O capital privado cresce automaticamente e, com ele, a força económica e política da classe capitalista, dos pequenos burgueses que a parasitam, e da intelligentsia pequeno-burguesa. Daí advêm graves perigos de longo prazo para a China.
A componente socialista do fundamento económico é hoje dominante. Mas o capitalismo continua a erodir esse fundamento e a sacrificar os trabalhadores. Além disso, os novos líderes, Xi Jiping e Li Kequang já deram sinais de que querem empurrar a economia para a direita. Expandir as oportunidades para o investimento imperialista e andar mais e mais na direcção de reformas burguesas na economia é brincar com fogo.
Reviver o espírito de Mao, o poder dos trabalhadores
Bo Xilai, ex-líder do Partido para a Província de Chongqing está preso há mais de um ano, porque tentou reviver o espírito cultural e igualitário de Mao Tse Tung e porque tinha um programa que visava a retardar o avanço pela estrada do capitalismo. (Sobre isso, ver artigos em Workers World.)
Bo representou uma resistência de esquerda às actuais políticas que prosperam no plano da alta liderança do Partido. Derrotado Bo, o caminho estava aberto para andar ainda mais para a direita.
E o que é preciso é firme volta à esquerda. Os trabalhadores têm de reivindicar os direitos socialistas estabelecidos pela Revolução Chinesa e aprofundados durante o período de Mao. Só isso pode fazer renascer e garantir o socialismo chinês no longo prazo.
Daqui até lá, é preciso defender a China, com firmeza, contra todos os ardis do imperialismo e da classe capitalista doméstica chinesa, que visam a minar o fundamento socialista que ainda existe lá.
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13/6/2013, Workers World*
http://www.workers.org/2013/06/13/marxism-and-the-social-character-of-china/
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* De palestra no Left Forum, New York City, 9/6/2013.
[1]http://books.google.com.br/books/about/Sustaining_Chinas_Economic_Growth_After.html?id=nijsPMcwXxgC&redir_esc=y
#Goldstein é o autor do livro, “O capitalismo num beco sem saída”, disponível em Inglês e Espanhol. www.lowwagecapitalism.com–
FONTE: ODiario.info
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