Quais são as origens da opressão da mulher? Como lutar contra isto? São questões vitais numa sociedade onde as mulheres trabalhadoras são duplamente exploradas - como trabalhadoras e como mulheres.
Por Rachel Gibbs E Claire Martin
Demonstração da Frente de Esquerda (Front Gauche), França, em maio 2013. (Foto: Philippe Leroyer) |
Em que medida as mulheres de nossos dias são livres? Diz-se muitas vezes que o preconceito sexista é coisa antiga - há muito mais mulheres trabalhando hoje do que no passado e elas estão cada vez mais sexualmente liberadas.
Mas também é evidente para muitos que isto não é de forma alguma verdadeiro - no Reino Unido os salários das mulheres são 20% inferiores aos dos homens, e as mulheres têm de realizar a maior parte dos quefazeres domésticos, tais como limpeza da casa e cuidado das crianças.
Obviamente, no século passado aconteceram muitos avanços para o sexo feminino na medida em que certo número delas alcançou a educação superior, seguiu suas carreiras, conquistou o direito ao aborto e ao divórcio. No entanto, devemos reconhecer também que as mulheres permanecem uma classe explorada embora a forma como ocorre sua exploração tenha variado segundo as mudanças do sistema capitalista.
Se considerarmos primeiramente o tema da mulher assalariada, de 1881 para 1951, o percentual feminino no trabalho na Grã-Bretanha subiu em torno de 25%: por volta de 1965, 54% delas eram classificadas como "economicamente ativas". Pode-se considerar que tal situação resulta da mudança dos objetivos do capitalismo britânico com a abertura de novas indústrias e a extensão do crescimento no pós-guerra.
Todavia, importa notar que a despeito de haver um maior contingente de mulheres no trabalho, significativa diferença salarial inferior - entre 27 e 30% - permanece. E a maioria (70%) situava-se no setor de serviços precários.
Destacando-se o período correspondente às décadas entre 1960, 1990 e 2000, atravessando as duas últimas, o percentual de mulheres no trabalho fixou-se em torno de 65%. No entanto, é evidente que não obstante mais mulheres trabalharem - um sinal positivo de sua emancipação - o labor dessas mulheres continua a receber remuneração menor e em setores esporádicos. A permanente diferença salarial para menor, acima referida, nota-se igualmente em 92% das trabalhadoras ocupando o setor de serviços, um dos empregos mais precários, pois, em regra, apenas 71% dos homens nele laboram.
Deve-se igualmente considerar as razões por que as mulheres trabalham cada vez mais: estat sticas oficiais revelam que em 2011 somente 9% da massa operária britânica trabalhava no setor fabril. Isto pode ser visto como resultado da desindustrialização, consequência do fechamento de indústrias tais como mineração, aço e construção naval em várias regiões do país. A desativação destas indústrias implicou na perda de empregos de melhor remuneração, tornando-se premente ou obrigatória a necessidade de dois salários para cada lar.
Aqui podemos ver que o ingresso de mais mulheres no mercado de trabalho é consequência das adaptações do capitalismo, a empurrar salários para baixo na medida em que duas remunerações se tornaram norma para cada núcleo familiar. Para muitas mulheres, tal situação está longe de significar emancipação, pois elas viram-se forçadas a ocupar setores precários, com pagas inferiores às de suas contrapartes masculinas.
É claro que apesar de mais mulheres ingressarem no mercado de trabalho elas continuam exploradas em seus empregos e suas atividades concorrem para maior exploração da classe trabalhadora em seu conjunto. Deve-se observar também que não obstante a maioria das mulheres agora trabalhar, elas na verdade ainda executam a maioria dos serviços domésticos - desta maneira, têm elas duas ocupações. É este exatamente um dos muitos exemplos da opressão da mulher fora de seu posto de trabalho.
A liberação sexual feminina no decorrer do século passado representou muitos ganhos para a mulher, tais como o acesso legal ao aborto e ao divórcio. Mas a modernização do relacionamento e da atitude quanto ao sexo está longe de pôr fim à opressão delas nesse domínio; apenas mudou alguma coisa. Novas expectativas têm significado que ao invés de elas ficarem engaioladas como esposas e mães, agora se espera que exibam sexualidade ou ainda sejam etiquetadas de "puritanas"; por acréscimo, fantasia sexual e também suas exigências têm levado à criação, segundo demonstrou fóruns como o "Uni Lad"(a), considerar-se a mulher objeto e alvo de violência sexual, inclusive o estupro, encarado com frequência com escárnio.
A modernização sob o capitalismo está longe de extinguir a exploração da mulher; mudou somente a natureza da opressão. O fim desta aflição ocorrerá somente sob o socialismo onde o trabalho doméstico será igualmente partilhado, pois uma economia planificada permitirá a distribuição justa da força de trabalho, a extinção de pressões econômicas, costumes generalizados e atitudes negativas em relação ao falsamente chamado sexo frágil.
O que poderia oferecer o socialismo
Como o socialismo virá o fim de muitas formas de opressão adotadas pelo sistema capitalista, inclusive as enfrentadas pelas mulheres. Uma sociedade socialista não terá necessidade de apegar-se inteiramente à família nuclear, amiúde na linha de frente da exploração da mulher, indispensável para a permanência da propriedade privada e o amoldamento das gerações de trabalhadores na perpetuação do capitalismo.
Enquanto o capitalismo fundamentava-se estritamente nos atributos do sexo, o socialismo podia desconhecer o compartilhamento dos indivíduos. O relacionamento e as famílias que não combinavam com os ideais monogâmicos (exigidos pelo capitalismo para efeito da sequência hereditária, evidentemente firmando-se mais na monogamia feminina do que na monogamia masculina) seria tão aceita socialmente quanto fosse necessário.
Esse objetivo será integralmente conquistado através da garantia de trabalho para todos, com a justa retribuição das horas trabalhadas, proporcionando-se a cada trabalhador tempo livre à sua escolha, sem exclusão dos afazeres domésticos. Diferenças com base no sexo, incluindo aversão ao emprego da mulher ou sua remuneração justa quando o empregador a considera "em idade fértil", será proibida. Nenhum trabalhador terá de enfrentar qualquer forma de discriminação ou opressão. Isto, acompanhado ao mesmo temo de licença de caráter materno ou paterno e de um sistema educacional valorizador da igualdade (inclusive a igualdade dos sexos) ajudará na luta contra atitudes sexistas na sociedade, sem falar na exclusão da expectativa de a mulher limitar-se a procriar, cuidar das crianças e do lar.
O cuidado universal e livre das crianças, isto é, por parte do casal, é uma solução simples amenizando as perspectivas e propiciando aos genitores trabalho livre enquanto as crianças recebem as devidas atenções. No presente sistema econômico, são as mulheres que se sobrecarregam com o duplo fardo de jornadas mais reduzidas e salários mais baixos do que as contrapartes masculinas, levando à conclusão "lógica" que é justo somente para eles e por essa razão a limpeza, a cozinha, o cuidado das crianças a fim de compensar essa diferença em casa, ao limpar, cozinhar, e cuidar das crianças, para falar apenas de algumas das atuais imposições sociais. As mulheres também são consideradas zeladoras naturais, assim relativamente descartáveis nos postos trabalho, a bel-prazer dos patrões.
Ao mesmo tempo deve haver completa reforma de muitas instituições com profundas e entranhadas formas opressivas e discriminatórias contra o gênero feminino em geral. O sistema legal, culturalmente repleto de infames acusações vitimando as mulheres, através de diversas incriminações, deve ser radicalmente reformado em favor das classes trabalhadoras, e não em proveito dos patrões e dos detentores do poder. O sistema de saúde pública deve prover assistência necessária, correta e confiável, informando-lhe todas as opções reprodutivas sem prejulgamentos ou desinformações.
Não podemos simplesmente afastar as crenças opressivas vivamente institucionalizadas dentro da sociedade através de cotas nos conselhos administrativos e campanhas de "beleza real"(b) das grandes empresas de cosméticos. Deve-se recusar o proxenetismo imposto pelo poder capitalista; é apenas por meio de um sistema econômico socialista e da extinção dos aspectos sociais opressivos que se poderá conquistar completa igualdade.
Origens da opressão das mulheres
A despeito de ser uma das mais óbvias perguntas em qualquer meio social, a questão da origem da opressão da mulher raramente é abordada com seriedade. É da mais absoluta importância que compreendamos donde surgiu essa opressão, e assim se tornará clara a ligação entre a sociedade de classe e a opressão da mulher.
Tal opressão é uma das muitas formas de tribulação - classe, raça, sexualidade e, é claro, a opressão de classe em si - é gerada numa sociedade baseada na exploração de muitos em proveito de poucos. Através desta compreensão, podemos também desenvolver ideias de como lutar contra a opressão da mulher. Evidentemente esse fato envolve a luta por reformas e suscita a questão dos direitos femininos; mas o fundamento da mulher aponta igualmente para seu lugar na luta de classe em busca do socialismo.
Conforme expõe Friedrich Engels (1820-1895) em sua obra As origens da propriedade privada e da família, a opressão e a degradação da mulher não estiveram sempre presentes na história da humanidade. É verdade que até mesmo no começo - período considerado de "comunismo primitivo", condição de subdesenvolvimento em que as tribos tinham de trabalhar unidas exatamente a fim de satisfazer suas necessidades básicas, uma vez que não existiam excedentes acumuláveis - distinguia-se o trabalho do homem e da mulher, segundo o sexo. Por razões biológicas, às mulheres cabia cuidar das crianças, daí por que seu papel na produção de alimentos devia ocorrer próximo da morada, enquanto os homens caçavam pelos campos. Contudo, não obstante a divisão do trabalho as mulheres não eram consideradas inferiores aos homens e seu status era favorecido porque as famílias eram matrilineares, e subsequentemente sem matrimônio e imposição da fidelidade como normas sociais, tornava-se impossível confirmar a paternidade dos rebentos.
A Revolução Neolítica levou ao uso de instrumentos e à domesticação de animais, o que pela primeira vez na historia da humanidade permitiu não apenas suprir as necessidades humanas fundamentais, mas também a geração de excedentes. Os excedentes determinaram o começo da sociedade de classe, logo tornando possível a alguns indivíduos vendê-los em busca de lucro, gerando-se, assim, as distinções entre ricos e pobres. Na medida em que alguns começaram a acumular riqueza, também compravam escravos e pagavam a outros indivíduos para cultivar suas terras; aqui vemos o exemplo inicial de trabalhador diante do proprietário rural.
Esse processo contribuiu para que as mulheres fossem vistas como inferiores aos homens na sociedade, pois era no trabalho que os homens auferiam lucro. A geração de excedentes também constituiu a origem do surgimento de herança. O status de superioridade dos homens agora se delineava patriarcalmente, ou seja, por linhagem varonil, o que impunha forçosamente a obrigação da fidelidade feminina. Nesse ponto, divisamos as origens do matrimônio.
Portanto, a opressão feminina começou já no embrião da sociedade de classe. Cresceu no sistema capitalista e assim também essa subordinação se tornou mais complexa e entranhada. Para emancipar a mulher, devemos derrubar o sistema que criou tal opressão e dela se beneficia economicamente.
Luta pela libertação da mulher! Luta pelo socialismo!
Conforme o que acima se esclareceu, opressão e capitalismo são coisas umbilicalmente ligadas. Sexismo como também racismo, a discriminação por qualquer tipo de deficiência, homofobia e outras opressões cruzam com a opressão de classe; portanto para enfrentar qualquer um destes tipos de opressão devemos também lutar contra o capitalismo. O entendimento desta disposição de luta deve iniciar-se pela abordagem de seu início a partir da Revolução Neolítica, e continuar por toda sua existência coforme a presenciamos na sociedade moderna.
O capitalismo fundamenta-se na opressão de uma maioria para manter o poder e o domínio de uma minoria, logo a opressão prospera no meio da desigualdade social criada pelo sistema capitalista.
Necessitamos do socialismo para lutar por todas as reforma possíveis; medidas estas vitais para a imediata proteção e emancipação da mulher. A violência contra o sexo feminino, atitudes sociais nocivas, a ausência de projetos educacionais e muitas outras formas de discriminação por sexo devem ser combatidas desde já, na medida do possível, rápida e vigorosamente. Contudo, há muito que fazer para conquistar essas transformações.
Enquanto salientamos a liberação da mulher e unimos esforços na luta para abolir a opressão baseada no sexo, a solução não se encontra,sejamos claros, no feminismo burguês, que simplesmente advoga a igualdade entre os sexos no alto da sociedade. Essa ideologia não ajuda a maioria das mulheres. Em primeiro lugar devido ao desconhecimento de todas as outras formas de opressão, e permite que apenas um seleto grupo alcance os escalões sociais mais elevados. Neste ponto, como administradoras ou políticas burguesas, etc., elas, as feministas, por sua vez poderão subjugar outras de suas semelhantes, amiúde sem atentar para este fato. É tudo o que o capitalismo pode prometer em termos de igualdade: a eventual oportunidade de as oprimidas tornarem-se opressoras.
Completa igualdade somente será conseguida mediante a eliminação de sua origem. O socialismo impõe tratamento igual de todas as mulheres: ricas ou pobres; negras ou brancas, em geral. As reformas sociais devem combinar-se através de uma economia planificada para garantir a existência de uma sociedade totalmente livre de discriminações e sujeições, nos locais de trabalho, na assistência à saúde e no sistema legal, nos lares etc. O socialismo não necessita oprimir. Do contrário, ele impediria a existência de uma economia socialista, para cuja construção é indispensável o tratamento igualitário e decente de todos os cidadãos.
Como organização, nós nos posicionamos pela igualdade e empreendemos a luta contra toda forma de opressão e suas raízes fincadas no capitalismo. Buscamos conseguir um lugar seguro e que objetive propiciar correta análise marxista das questões presentes, oferecendo-lhes soluções socialistas.
Tradução do artigo "The struggle against women´s oppression: where it comes from and how to fight it", por Rachel Gibbs e Claire Martin, divulgado em 10/09/2013 pelo website In Defence of Marxism - http://www.marxist.com/
N. do tradutor- (a) Website britânico, criado em 2010, cujo propósito é promover a cultura dos estudantes universitários no Reino Unido. (b) A expressão "real beauty", entre aspas no original, literalmente traduz-se por "beleza real", no entanto merece esclarecimentos, pois que demonstram, no entendimento deste tradutor, um pouco da fatuidade consumista do capitalismo. A marca registrada Dove® empenha-se em auscultar o elemento feminino, e assim verificou, em 2004, que apenas 2% das mulheres se consideravam belas. Noutra pesquisa, realizada em 2012, a Dove® constatou que no universo de 1200 jovens entre 10 e 17 anos de idade, 72% delas sentiam-se tremendamente pressionadas para ser bonitas. A revista CartaCapital nº 771, de 23/10/2013, trouxe oportuna matéria sobre a comercialização da beleza feminina no Brasil. Essa faceta de nosso marketing neoliberal rende um dinheirão às celebridades, algumas das quais, com o correr dos anos, ofuscam-se, caem no desespero e nas drogas, pois a beleza física é passageira e os seus apreciadores ou "consumidores" buscam renovados objeto para suas badaladas atenções.
Tradução exclusiva para o Controvérsia: Odon Porto de Almeida
FONTE: ControVérsia
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