sábado, 28 de março de 2020

Chico: “A democracia só sobreviverá se reinventada”



Há exatos 15 anos, o mestre falecido hoje advertia: regime que herdamos da Revolução Francesa é incapaz de enfrentar o capital e a desigualdade; esta democracia precisa ser recriada com urgência, antes que se esvaia


Por Antonio Martins




(Publicado originalmente no site “Planeta Porto Alegre”, em junho de 2004)

Passava das oito horas de uma noite gélida em São Paulo, mas o sociólogo Chico de Oliveira encarregou-se de aquecer o ambiente. Ao fazer sua intervenção final, no primeiro dia do seminário Agenda Pós-Neoliberal, em São Paulo, ele indagou, provocador: “Por que motivo deveríamos considerar a democracia representativa como último estágio do desenvolvimento da política? Em nome de quê esse respeito, essa reverência? Acaso não aprendemos que a democracia só sobrevive se for constantemente reinventada?”

A alfinetada era bem-vinda. Promovida sob a liderança do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, a Agenda Pós-Neoliberal procura contribuir com o Fórum Social Mundial propondo-lhe novos desafios e oferecendo-lhe, sempre que possível, alternativas. O seminário de São Paulo, terceiro de uma série que desembocará em Porto Alegre, em janeiro de 2005, propõe-se a examinar a crise da política, a relação entre desenvolvimento e garantia de vida digna e a hipótese de um novo comércio internacional, capaz de reduzir as desigualdades.

Mas Chico surpreendeu por sua intervenção radical e incisiva, ao defender duas idéias instigantes e polêmicas: 1. Ao contrário do que parte da esquerda acreditou, ao longo do século passado, a democracia que herdamos da Revolução Francesa pode ser um instrumento para enfrentar a desigualdade e o capital; 2. No entanto, essa democracia precisa ser urgentemente recriada, antes que se esvazie por completo.

Política, como parte dos que não têm parte “A tradição política a que pertenço ressaltou exageradamente o caráter ‘burguês’ da democracia. Esqueceu-se de seu aspecto democrático”, lembrou Chico. Ele frisou que prefere, hoje, outra abordagem. “Como dizia Jacques de la Rozière, ‘a política é a reivindicação por parte dos que não têm parte’, a invenção capaz de reduzir as assimetrias de poder e de riqueza, alimentadas pelo capitalismo”. Chico foi aos exemplos. “Mesmo no centro do sistema, e nas fases de menor desigualdade, os direitos sociais nunca foram assegurados pelos automatismos de mercado, mas conquistados contra eles”, lembrou. E mais: “Em países como o México ou o Brasil, bastaram poucos anos de ‘livre’ ação das forças de mercado para produzir miséria, desigualdade e violência social insuspeitadas”.

Qual é, então, o problema com a democracia? Chico responde: “O ‘novo’ capitalismo, globalizado e financeiro, a está reduzindo a algo irrelevante para os que dominam, e inacessível para os dominados”. A irrelevância é provocada pela desterritorialização e pela supremacia dos mercados financeiros. “Nos Estados fracos, as rédeas da política passaram para as mãos das instituições multilaterais. A desobediência aos superávits primários exigidos pelo FMI é punida, imediatamente, pela fuga de capitais. E bastam algumas horas de reunião de diretoria do Banco Central para anular – por meio da elevação das taxas de juros – um ano de construção do Orçamento no Congresso Nacional.”

Ficção no centro e na periferia Driblada todos os dias pelo capital, a democracia divorciou-se das maiorias. “Se, num país como o Brasil, 60% da força de trabalho mergulharam na economia informal – e, portanto, estão à margem das garantias legais –, como pode essa maioria participar da construção política de seu futuro?”, perguntou Chico. Ele relacionou essa inacessibilidade a pesquisas recentes de opinião pública, que revelam o desprestígio da democracia na América Latina. Foi além. “Bastaria fazer a mesma pergunta de outro modo para que a resposta fosse igual também no centro do sistema, onde a tradição democrática é mais vasta. Experimente indagar a cada cidadão, por exemplo, ‘qual a relevância da política para sua vida quotidiana?’”

“O pior”, destacou Chico, “é que a anulação da democracia pelo capitalismo repercute entre os dominados. Os sindicatos, antigos espaços de socialização para os trabalhadores, perdem eficácia. O individualismo predatório que marca o sistema subjetiva-se, transforma-se em nova forma de pensar e se relacionar com o outro”. Esse retrocesso ocorre, em especial, em setores como a indústria farmacêutica, “onde as fábricas são as mais modernas, e o ambiente é mais clean que o deste hotel, e se estimula, no entanto, a competição mais desapiedada”.

Como enfrentar esse abismo? Chico fala com desenvoltura sobre o que não fazer. Seria ainda mais trágico, ele afirma, se a esquerda descaísse para o chamado “cretinismo parlamentar”, se concentrasse suas energias na ocupação de espaços nos parlamentos – agora que eles se tornaram pífios. Embora mais charmosa e menos incômoda, também se tornou estéril a posição de algumas ONGs, que se contentam em ostentar, orgulhosas, a condição de “membros da sociedade civil” – distantes do Estado, antes de mais nada.

A ditadura das grandes corporações Esta postura as impede de entender que o verdadeiro poder deslocou-se dos governos para as grandes corporações. São, hoje, tão onipresentes que se tornaram capazes – para ficar num caso extremo – de promover uma contra-revolução nas relações de propriedade. “Para os agricultores que se tornam clientes das empresas de biotecnologia e transgênicos, uma semente já não pode ser semente, pois não se pode plantá-la sem autorização do pretenso desenvolvedor da variedade”, diz Chico.

É possível construir outro mundo sem encontrar caminho para confrontar esses novos centros de decisão? Quais as alternativas? Chico não tem fórmulas prontas. Em entrevista recente à Planeta Porto Alegre, lembrou que estamos numa fase em que o capitalismo neoliberal começa a perder corações e mentes – mas conserva enorme força social. Quem espera vitórias importantes rumo a uma nova sociedade, deve estar preparado para um longo esforço, inclusive teórico.

Mas não se avança na política – um terreno em que toda construção requer diálogo e debate – sem a ousadia das propostas concretas. Chico fez referências breves a duas idéias. “Meu amigo Fábio Konder Comparato é uma espécie de santo, um ser acima da maldade humana. Mas, embora idealista, considero positiva sua idéia de uma espécie de confederação geral de entidades populares. Ou quem sabe, como propõe Plínio de Arruda Sampaio, um dia ainda criemos os Clubes Democráticos, uma variação dos Clubes Jacobinos da Revolução Francesa”.

Zombar da democracia para enriquecê-la O velho sociólogo recomendou a arte e o prazer de inventar. “Inventem, mesmo. Política é, permanentemente, invenção. As primeiras ONGs introduziram os temas da mulher e do ambiente na vida social contemporânea. Recomendo ao IBASE, ao ATTAC, e a outras organizações, que criem o Comitê de Cidadãos para Fiscalizar o Banco Central. Deve ser aberto a todos, exceto a banqueiros e narcotraficantes”. Chico explicou: “A medida é necessária porque as sabatinas a que o Congresso submete os diretores do BC tornaram-se uma piada. Perto delas, o Show do Milhão, de Silvio Santos, parece um desafio intelectual complexo”.

Naquele instante, pelo menos um de seus ouvintes lembrou-se de como causaram impacto, nos últimos anos, as ações políticas que desvendaram a nova geografia do poder – e se chocaram contra ela. A aparição pública do movimento zapatista, em 1º de janeiro de 1994, foi um levante contra a Área de “Livre” Comércio da América do Norte (Nafta), que entrava em vigor naquele dia. Em dezembro de 1999, os protestos de Seattle (EUA) desencadearam uma série de gigantescas mobilizações de rua contra organizações como a OMC, o FMI e o G8. No Brasil, os sem-terra transformaram-se no movimento social mais importante ao chamar a atenção para a desigualdade e a concentração de riquezas, duas conseqüências diretas do neoliberalismo. O Fórum Social Mundial, uma espécie de assembléia dos povos, é o contraponto simbólico perfeito ao caráter totalitário da chamada “governança global”.

Neste instante, Chico de Oliveira concluía sua exposição: “Não zombo da democracia representativa para desprezá-la, mas para enriquecê-la. Para construir seu projeto de sociedade, a direita e o capital inventaram suas armas e moldaram a política segundo sua lógica. Por que não inventarmos também as nossas, deixando de lado os falsos respeitos”?


domingo, 22 de março de 2020

Socialismo de mercado, uma nova formação econômico-social


A partir de uma exposição sobre a dinâmica do desenvolvimento da China atual, o professor de Teoria e Política de Planejamento da UERJ, Elias Jabbour, defendeu que o socialismo de mercado já se constitui como uma nova formação econômico-social.


Foto: Cezar Xavier/FMG
Em apresentação durante o V Seminário de Estudos Avançados, organizado pela Escola Nacional João Amazonas do PCdoB no dia 29 de julho, ele analisou a questão nacional como algo central no processo chinês.

“O que seria o socialismo do século 20?”, questionou Jabbour no início de sua fala, na mesa “A questão nacional na transição socialista na União Soviética e na China”. O debate também contou com a participação da historiadora Ana Lucia Danilevcz.

“O socialismo no século 20 é uma resposta à negação do desenvolvimento capitalista a grandes parcelas da periferia do sistema. Na China, por exemplo, Chiang Kai-shek [chefe do governo entre 1928 e 1931] não foi capaz de levar seu país ao progresso capitalista. Os partidos comunistas [se constituem] como resposta a uma demanda, que é a demanda do direito ao desenvolvimento e do direito a planejar esse desenvolvimento”, defendeu o professor.

Para ele, em grande medida, o Partido Comunista acabou sendo um substituto da burguesia nos países periféricos e, em particular, na China. “Vou além em dizer que a conformação e as tarefas do Partido Comunista da China (PCCh) hoje o colocam muito próximo ao que foi o Kuomintang [Partido Nacionalista Chinês] de Sun Yat-sen, na década de 1920 – uma força política, com estratégia socializante, mas, de imediato, um partido político claramente de caráter nacionalista”, classificou.

Na sua avaliação, o que ocorre na China, a partir de 1978, quando acontecem as reformas econômicas, é a fusão de dois Estados: “existe o Estado revolucionário fundado por Mao Tsé-Tung em 1949 e existe, a partir de 1978, a internacionalização e a consequente fusão desse Estado revolucionário com o Estado desenvolvimentista tipicamente asiático”.

Tal fusão seria uma resposta chinesa a uma conjuntura muito singular. Entre as condicionantes externas, ele cita a crise do fordismo e do “socialismo real”, o surgimento de um novo paradigma tecnológico no Japão (o toyotismo), a invasão soviética ao Afeganistão, a crise do Consenso Keynesiano, a Ásia como o local onde o capitalismo apresentava maior dinamismo, Taiwan e Hong Kong como “tigres asiáticos”, a financeirização capitaneada pelos EUA e os acordos de Plaza no Japão (1985).

“A década de 1970 mudou completamente o século 20”, disse Jabbour. “Os chineses estavam ficando para trás do Japão, de Taiwan e Hong Kong, o socialismo que eles advogavam estava indo para o buraco e, em português claro, a China ainda era incapaz de dar certas respostas, como as prometidas em 1949”, completou.

Entre os fatores internos que teriam assentado terreno para esta fusão de Estado revolucionário com Estado desenvolvimentista, o professor apontou, por exemplo, uma crise da dinâmica de acumulação dependente da produtividade na agricultura.

“O excedente da agricultura foi o que financiou a industrialização da URSS e mesmo na China. E, num país como a China, essa crise da dinâmica de acumulação centrada na agricultura e de relações desiguais entre campo e cidades, favorecendo as cidades, provocou um óbice político, afinal a base política do PCCh são os camponeses”, destacou.

Ele mencionou, entre essas condicionantes, convulsões políticas - como a Revolução Cultural -, que colocaram em questão a autoridade e a legitimidade do PCCh, e uma crise no pacto que levou o partido ao poder em 1949, já que os camponeses eram os maiores prejudicados com processo de industrialização forçada e isso gerava grandes diferenças entre níveis de consumo entre campo e cidade.

Socialismo de mercado

Ao falar sobre socialismo de mercado, Jabbour citou que “todo capitalismo, desde a pequena produção mercantil até a grande produção em escala, é mercantil, porque é voltado para o mercado. Mas nem tudo que é mercantil é capitalista – uma economia de mercado pode ser feudal, escravista e... socialista”.

De acordo com ele, a esquerda em geral, tem dificuldades de “se resolver” em relação à propriedade privada e ao mercado. “Parece que medimos se é socialista ou não pelo fato de se tem propriedade privada ou não, se tem mercado ou não. Não imaginávamos, há 50 anos que, durante muito tempo, a propriedade privada e o mercado não somente seriam parte da formação econômica e social da qual estamos tratando, como seriam partes essenciais”, afirmou.

É em cima desse debate que ele defende que já existem indícios teóricos e empíricos suficientes para dizer que o socialismo de mercado se constitui como uma formação econômica-social distinta.

“Somos educados na tradição do manual de Estado, do materialismo histórico e dialético, de que existem cinco modos de produção fundamentais: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo. Eu estou sugerindo, a partir de leitura de outros autores, que o socialismo de mercado já se constitui como outra formação econômica e social. A crise de 2008 e as novas configurações que o Estado chinês passam a ter a partir de então aceleram esse diagnóstico”, opinou.

Elias Jabbour analisou que, nessa nova configuração do socialismo de mercado, o Estado passa a ter papel de “empreendedor-em-chefe”. “Conforme [o economista Hubert] Henderson, o que sugiro é que o Estado deva assumir esse papel, dirigindo o fluxo dos recursos produtivos ao emprego nos locais em que melhores servirem às necessidades humanas. Tento resgatar nesse diagnóstico a noção de Keynes de socialização do investimento, que não quer dizer socialização dos meios de produção”, apontou.

Segundo ele, socialização do investimento são induções estatais que possibilitam o investimento privado. Ou seja, políticas fiscais, monetárias, financeiras, econômicas, que viabilizem os investimentos privados. “Isso estou falando em socialismo; Keynes falava em capitalismo”, disse.

As reformas econômicas na China

Desde 1980, a China tem um crescimento econômico médio de 9%. “Evidente que existe uma queda nos últimos anos. Eu, particularmente vejo que, atualmente, a China passa por uma transição de dinâmica de acumulação e, como toda transição, tem suas dores do parto. Mas o essencial é constatar que a China cresce muito, há muito tempo”, pontuou.

Para Jabbour, o modelo soviético aplicado à China teve, sim, muitos méritos e o país, hoje, “é uma continuidade - e também uma ruptura - com o que aconteceu em 1949”.

As reformas econômicas começam em 1978, com a introdução de contratos de responsabilidade entre a família produtora e o Estado. “As antigas comunas foram dissolvidas. Deng Xiaoping percebe - assim como Mao Tse Tung, que se apoia nos camponeses pobres para fazer revolução - que a capacidade milenar de acumulação e comércio do camponês médio chinês será o motor do processo de modernização da China. E ele se apoia nesses camponeses para fazer as reformas econômicas”, colocou.

Assim, o modelo soviético, que privilegiava a cidade em detrimento do campo, foi revertido. Os camponeses passam então a ter direito de produzir, entregar uma cota de sua produção para o Estado e vender o que sobra no mercado. As relações, que eram desiguais entre campo e cidade, passam a ser favoráveis ao campo em 1978.

Segundo o professor da UERJ, isso explica muita coisa do ponto de vista político. “Porque a China não cai em 1989 [Protestos da Praça da Paz Celestial]? Porque os camponeses estavam ao lado do governo chinês. Evidente que teve o papel do partido comunista, de Deng Xiaoping, de perceber que aquilo era uma contrarrevolução. Mas os camponeses estavam com o governo, nunca tinham ganho tanto dinheiro quanto na década de 80 e foram um fator essencial para a manutenção do poder do PCCh em meio à tempestade de 1989”.

A permissão para que os camponeses pudessem acumular, desencadeou outro processo. “Os camponeses, que antes não podiam sair de suas comunas, passam a buscar mercado fora de suas aldeias. Então, a partir das reformas econômicas, novos esquemas de divisão social do trabalho passam a acontecer na China. E não só isso. Antigas capacidades produtivas comunais são convertidas nas chamadas Townships and Village Enterprises (TVE`s), que precocemente já nascem articuladas ao mercado externo. Daí o processo de industrialização na China pós-1978 ser um processo essencialmente rural”, apontou.

E essas empresas cresceram, saíram de pequenas produções mercantis para se tornarem grandes empresas privadas, por exemplo.

Migração para as cidades

Para falar sobre o papel do planejamento no desenvolvimento do país asiático, Jabbour primeiro mencionou a produção agrícola chinesa, que aumentou, de 1980 a 1984, 30% e continua crescendo. De acordo com ele, a queda que ocorreu no fim dos anos 1990 tem relação com um recuo da demanda na China, que aumentou o peso da proteína animal na composição de sua alimentação, reduzindo o papel dos cereais.

“Chamo atenção para o fato de que existem cada vez menos terras agricultáveis na China, pelo avanço da infraestrutura e da urbanização, por exemplo. E mesmo por causa da desertificação. Mas a produtividade do trabalho na agricultura não para de aumentar. Isso significa que a agricultura na China está se tornando uma atividade quase industrial. E isso tem suas contradições, é trabalho vivo sendo substituído por trabalho morto”, avaliou.

Ele calculou que, como resultado desse processo, algo entre 100 milhões e 150 milhões de camponeses tem saído do campo para as cidades. “A questão que quero colocar aqui é a capacidade política do PCCh de planificar esse processo de transição de milhões de pessoas. Isso está acontecendo na China e não é qualquer coisa”.

Contradições

O professor mostrou em gráficos que, na década de 1980, basicamente o crescimento chinês foi pautado pelo consumo. Mas, logo em seguida, o investimento e as exportações passaram a ser o componente da renda mais destacados.

“A relação investimento versus PIB, na China, é de 45%. Um dos desafios que a China tem hoje é lidar com as contradições que surgem dessa alta taxa de investimento, um baixo nível de consumo e com o fato de que vai se configurando na China hoje um conflito distributivo”, resumiu.

Isso porque a China de hoje tem capitalistas e tem bilionários. “E se tem bilionário de um lado, do outro lado vai ter o quê? ”, provocou. “Em algum momento - ainda mais em uma situação em que o consumo vai ter que passar o investimento, ou seja, vai ter um processo de transição em que o consumo vai precisar retomar à dianteira do processo de acumulação -, o pau vai comer na China”, previu.

Mas, diferente de outros colegas, o professor considerou que o Partido Comunista é muito capaz de lidar com essas contradições. “Na China, o PCCh tem se colocado diante da tarefa de dirigir esse grande processo político. É um partido comunista que está comandando tudo isso aqui e isso não é um processo menor”, ressaltou.

O Estado planejando os degraus do desenvolvimento

Segundo Jabbour, a partir da década de 1980, o Estado chinês assume a tarefa de se colocar no grande mercado mundial e passa a “admitir que o capitalismo é mais avançado que o socialismo em muitas questões e que é preciso buscar no capitalismo resposta para alguns de nossos problemas. A tecnologia, as grandes técnicas de administração estão no Ocidente, vamos ter que buscar no Ocidente”, indicou.

Sublinhando o papel do Estado no desenvolvimento, ele relatou que a China passou então a planejar a introdução de Zonas Econômicas Especiais (ZEE), áreas especificamente destinadas para o direcionamento da atividade industrial, a partir do oferecimento de vantagens para atrair investimentos estrangeiros.

“As primeiras quatro ZEEs eram voltadas para Taiwan, Hong Kong, Coreia de Sul e chineses ultramarinos. A introdução desses mecanismos institucionais possibilita o retorno de Hong Kong e Macau ao seio da pátria e transformou Taiwan hoje em uma continuação da China continental, em grande medida”, afirmou. Em 1984, mais 14 ZEEs foram instaladas no litoral; em 1987, todo o litoral se transformou em ZEE e, em 1992, 52 cidades chinesas são elevadas à condição de ZEE.

“Quero colocar o papel do Estado no planejamento desses degraus de desenvolvimento. O Estado passa a comandar o grande processo de transformação do desenvolvimento econômico em desenvolvimento territorial. Se me perguntarem quais políticas a China utilizou para responder ao final da URSS, eu cito que, em 1999, lança-se o audacioso Plano de Desenvolvimento do Grande Oeste, e o capital e a tecnologia que se acumulou no litoral é transferida ao interior da China, em troca de matérias primas do Oeste chinês. É o maior processo de desenvolvimento territorial da história humana”, disse.

Na sua intervenção, o professor mencionou que, em 2013, foi lançada a Nova Rota da Seda, um megaprojeto de infraestrutura, que tem o objetivo de ligar os centros industriais chineses aos mercados consumidores na Europa Ocidental.

“Em grande medida, é uma resposta muito previsível do socialismo para enfrentar certas coisas. Lênin já falava que os comunistas russos iam ter que trocar a guerra militar pela guerra econômica e que é nas relações comerciais entre capitalismo e socialismo que se dará a grande luta de classe no mundo. Em grande medida, a China, a seu modo, dá consequência prática às opiniões de Lênin”, disse.

Jabbour argumentou ainda que o gigante asiático poderia ter se contentado em virar em uma espécie de México, em referência à presença das maquiladoras, empresas de montagem e acabamento de produtos para exportação. “Mas a China não quer esse papel e passou a ter ciclos de substituição de importações internos”, colocou.

Ele lembrou ainda que, desde 2010, o país tem se colocado a tarefa de construir um imenso Sistema Nacional de Inovação Tecnológica. “Isso não é papel da universidade no processo de desenvolvimento, não é esse discurso lúdico que temos aqui no Brasil sobre universidade. Eu estou falando em produção em escala de ciência e tecnologia. Isso significa envolver grandes empresas e grandes bancos. A universidade é só uma parte disso. É na grande empresa que se processam as inovações tecnológicas e as empresas vão se financiar nos bancos ou na bolsa de valores”, defendeu.

Inovações institucionais

Desde a década de 1980, a China tem aberto ciclos de inovações institucionais. “Tenho colocado que o papel do Estado, ao final de cada ciclo, tem aumentado qualitativamente, enquanto que o papel do setor privado tem aumentado quantitativamente. Então se existem privatizações em baixo na China, existem estatizações em cima”, apontou.

Um exemplo de estatização é a introdução do controle sobre os fluxos externos de capitais, a partir de 1994. Paralelamente, há no país um processo de aprofundamento de um imenso sistema estatal de financiamento.

“Socialismo para mim são três coisas: poder político do Partido Comunista; imensos conglomerados empresariais estatais, com efeitos de encadeamento para frente e para trás na economia; e um grande sistema de financiamento estatal. Fora disso, não dá para conversar sobre socialismo”, opinou o professor.

Ainda sobre o papel do Estado, ele lembrou que que a China, em 1994, promove uma maxidesvalorização cambial, que serve aos propósitos de induzir exportações. “Existem reformas que introduzem a legalização do enriquecimento do camponês, e há o surgimento de capitalistas a partir dessas reformas. Mas existe estatização da política monetária, dos instrumentos cruciais do processo de acumulação. Um exemplo é a estatização da taxa de câmbio”, indicou.

O papel dos bancos

O professor da UERJ chamou a atenção para a importância dos bancos no processo de desenvolvimento. “Vou fazer uma provocação. Nós, comunistas, temos que pensar em igualdade social, mas temos que pensar também em escala de produção. Se quiser construir uma sociedade que supere a capitalista, vai ter que ter níveis de produtividade do trabalho maiores que os capitalistas e, para isso, o papel dos bancos é essencial”, colocou.

Ele comparou o crédito doméstico a empresas no Brasil sob o governo de Michel Temer, que está em 48% do PIB, com a situação na China, onde o percentual é de 160% do PIB. Para ele, o crédito é o motor do processo de desenvolvimento econômico. “A economia monetária é uma invenção do capitalismo que deve estar à serviço do socialismo. Nós temos que pensar nesse nível”, propôs.

Conglomerados empresariais estatais

Segundo Jabbour, no fim da década de 90, teve início um importante processo de fusões e aquisições no setor estatal da economia chinesa. Formam-se, a partir de 1999, 149 conglomerados empresariais estatais. “É aqui o indício de que o socialismo de mercado é uma nova formação econômica e social. Porque não existe país capitalista do mundo que tenha como núcleo duro de seu sistema esse número imenso de conglomerados estatais”, pontuou.

O professor ressaltou que, em 2003, surge outra institucionalidade, State?Owned Assets Supervision and Administration Commission, uma comissão estatal que vai gerir os interesses do Estado nesses 149 conglomerados, que estão localizados em setores estratégicos da economia.

“É a partir da formação dessa institucionalidade que, na China, a socialização do investimento e a sua coordenação passam a ter outro patamar. Tanto que a reação chinesa à crise de 2009 é imediata. O Estado coloca 600 bilhões de dólares na economia e coloca essas empresas para executarem esse pacote e são elas que estão capitaneando o papel da China no mundo”, disse.

De acordo com ele, o tamanho da propriedade privada na China, em comparação com Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, é similar. Mas, no país asiático, o setor estatal é muito grande em relação aos outros país.

“Um amplo avanço de setor privado na economia não prescindiu da formação de um novo e poderoso setor estatal, notadamente a partir da década de 1990. Em tese, isso significa que a estrutura de propriedade chinesa ainda é muito diferente de outras partes do mundo. Esse processo reflete-se diretamente em um aumento continuo, desde a segunda metade da década de 1990, do controle governamental sobre os fluxos da renda nacional: de 13,5% do PIB em 1996 a 37,3% em 2015”, encerrou.



sábado, 14 de março de 2020

137 anos do falecimento de Karl Marx





No dia 14 de março de 1883, faleceu em Londres, um dos mais importantes pensadores que a humanidade conheceu. Independentemente das mudanças ocorridas no mundo do socialismo que culminou com o fim da URSS, a influencia de suas teorias sobre os mais diversos aspectos da sociedade humana, permanece ainda hoje. Mesmo que o mundo contemporâneo tenha sofrido grandes transformações que nos distanciam do século XIX, o essencial do seu pensamento continua a mobilizar "corações e mentes" na defesa e na busca da implantação do comunismo como inevitabilidade histórica.   
A seguir, as palavras com as quais Friedrich Engels homenageia Karl Marx.   
A.Moreira - Mundo do Socialismo 



Discurso Diante do Tumulo de Karl Marx
Friedrich Engels
(17 de Março de 1883)


A 14 de Março, um quarto para as três da tarde, o maior pensador vivo deixou de pensar. Deixado só dois minutos apenas, ao chegar, encontrámo-lo tranquilamente adormecido na sua poltrona — mas para sempre.

O que o proletariado combativo europeu e americano, o que a ciência histórica perderam com [a morte de] este homem não se pode de modo nenhum medir. Muito em breve se fará sentir a lacuna que a morte deste [homem] prodigioso deixou.

Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que, portanto, a„pro-dução dos meios de vida materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento económico de um povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente.

Mas isto não chega. Marx descobriu também a lei específica do movimento do modo de produção capitalista hodierno e da sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia fez-se aqui de repente luz, enquanto todas as investigações anteriores, tanto de economistas burgueses como de críticos socialistas, se tinham perdido na treva.

Duas descobertas destas deviam ser suficientes para uma vida. Já é feliz aquele a quem é dado fazer apenas uma de tais [descobertas]. Mas, em todos os domínios singulares em que Marx empreendeu uma investigação — e estes domínios foram muitos e de nenhum deles ele se ocupou de um modo meramente superficial —, em todos, mesmo no da matemática, ele fez descobertas autónomas.

Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar — sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da electricidade e, por último, ainda as de Mare Deprez.(1*)

Pois, Marx era, antes do mais, revolucionário. Cooperar, desta ou daquela maneira, no derrubamento da sociedade capitalista e das instituições de Estado por ela criadas, cooperar na libertação do proletariado moderno, a quem ele, pela primeira vez, tinha dado a consciência da sua própria situação e das suas necessidades, a consciência das condições da sua emancipação — esta era a sua real vocação de vida. A luta era o seu elemento. E lutou com uma paixão, uma tenacidade, um êxito, como poucos. A primeira Rheinische Zeitung[N47] em 1842, o Vorwärts![N126] de Paris em 1844, a Brüsseler Deutsche Zeitung[N53] em 1847, a Neue Rheinische Zeitung em 1848-1849(2*), o New-York Tribune[N62] em 1852-1861 — além disto, um conjunto de brochuras de combate, o trabalho em associações em Paris, Bruxelas e Londres, até que finalmente a grande Associação Internacional dos Trabalhadores surgiu como coroamento de tudo — verdadeiramente, isto era um resultado de que o seu autor podia estar orgulhoso, mesmo que não tivesse realizado mais nada.

E, por isso, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado do seu tempo. Governos, tanto absolutos como republicanos, expulsaram-no; burgueses, tanto conservadores como democratas extremos, inventaram ao desafio difamações acerca dele. Ele punha tudo isso de lado, como teias de aranha, sem lhes prestar atenção, e só respondia se houvesse extrema necessidade. E morreu honrado, amado, chorado, por milhões de companheiros operários revolucionários, que vivem desde as minas da Sibéria, ao longo de toda a Europa e América, até à Califórnia; e posso atrever-me a dizê-lo: muitos adversários ainda poderia ter, mas não tinha um só inimigo pessoal.

O seu nome continuará a viver pelos séculos, e a sua obra também!

Friedrich Engels

domingo, 8 de março de 2020

A alternativa chinesa e a questão nodal da nossa época



São cada vez mais exigentes e candentes o estudo e a pesquisa empírica do que vem ocorrendo desde a promulgação da República Popular da China há sete décadas

Por Renato Rabelo



O trecho abaixo é o prefácio feito por Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, para o livro China - Socialismo e desenvolvimento, de Elias Jabbour (Anita Garibaldi, R$49,00).

Elias Jabbour expõe nesta edição uma agenda de pesquisas, um roteiro de seu trabalho atual referente à questão na qual se empenha, relativa à Nova Formação Econômico-Social na China contemporânea. Nesse sentido, sua atividade exploratória tem origem em duas obras focadas nas reformas introduzidas por Deng Xiaoping, a partir de 1978, que se desenvolve nesses últimos quarenta anos: China hoje: Projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado (Anita Garibaldi/EDUEPB, 2012) e China: infraestruturas e crescimento econômico (Anita Garibaldi, 2006).

São cada vez mais exigentes e candentes o estudo e a pesquisa empírica do que vem ocorrendo desde a promulgação da República Popular da China há sete décadas. Uma discussão que se estende e galvaniza atenção crescente de acadêmicos, economistas, cientistas, amantes do progresso social.   

Elias Jabbour vem se dedicando nesses últimos 25 anos ao estudo do que se passa nesse gigantesco país asiático. E, como ele o observa, não se trata de um simples “milagre” ou uma “casualidade”, mas como “parte da história da civilização humana”, como uma rica experiência de transformação econômico-social de nosso tempo, que vai além desse significativo desempenho. Eleva a China ao âmbito de uma grande potência mundial, prevendo tornar-se, em mais uma década, a maior economia do mundo, sendo essa a dimensão do que está em tela no estonteante curso mudancista nesse extenso país e o mais populoso do planeta.

Esse processo de transformação inaudita da China, no contexto global de mudanças de vulto, define um balanço de forças em movimento: tendência de um declínio relativo da hegemonia dos EUA e ascenso de novos polos de poder, primordialmente da China, e crescente multipolarização. Assim se atinge uma nova etapa histórica no sistema internacional marcada por um acirramento da disputa pela hegemonia mundial entre as duas grandes potências, EUA e China. É aparente a intensa guerra comercial em curso, sendo o centro real da disputa a conquista do predomínio tecnológico da nova era.

Elias, em seu estudo, vai adiante, acentua uma dimensão maior do curso histórico em movimento na China, a perspectiva perseguida pelo Partido Comunista da China, tendo como caminho, da sua Revolução Nacional-Popular, iniciada há 70 anos, a construção da sociedade socialista moderna e avançada, prevista em termos de longo prazo – na sequência efetiva dos seus Ciclos Decenais –, para ser alcançada em 2049, após cem anos da proclamação da República Popular da China. Desse modo, trata-se do que é escasso em nossa época: a esperança de uma nova sociedade, uma alternativa concreta que pode estar em andamento na China. “Se observamos o socialismo como o futuro historicamente construído, não se trata de exagero titular a presente experiência chinesa como um marco fundamental da história humana”.  

Acredito que a questão nodal de nossa época, já na segunda década do século XXI, é a refrega por uma alternativa ante a continuidade do capitalismo, que se debate em uma crise estrutural, ao cabo de seus 600 anos na cena da história, ancièn regime de nosso tempo; por outro lado, o mais decisivo, uma definição da alternativa para se superar o capitalismo e o descortinar do avanço civilizacional no curso atual da história, nos marcos de uma nova luta pelo socialismo, sendo concretizada por uma nova formação econômico-social, com seu advento político.


                             São cada vez mais exigentes e candentes os estudos e pesquisa empírica que vem ocorrendo desde
                                   a promulgação da República Popular da China


Quanto ao capitalismo contemporâneo, o fato é que, nos marcos do sistema, ele não conseguiu superar a grande crise iniciada em 2007-2008. O problema de fundo é que esse sistema vive uma crise estrutural, porquanto falta uma solução estrutural para resolvê-la que, por sua vez, aumenta a crise social que acirra a disputa política, projetando saídas imediatas para soluções autoritárias, neofascistas, resultando num aprofundamento do impasse de caráter sistêmico. Em tais situações, exemplificadas pela história, as saídas de fato aconteceram pela via transformadora, revolucionária.

A luta pelo socialismo e sua construção irrompe desde o início do século XX em sociedades capitalistas relativamente atrasadas. Este é o caso da China que contava inclusive com regiões onde prevaleciam uma relação de produção pré-capitalista. Na atualidade, sua experiência se distancia do “modelo soviético” de um período excepcional, abrindo o caminho na transição socialista, incorporando formas contemporâneas.

Elias Jabbour salienta no exemplo chinês, quando o processo se acelera a partir das reformas de 1978, a adoção de uma combinação do desenvolvimentismo de tipo asiático em fusão com o Estado revolucionário fundado em 1949.    

No desbravar do que seja a alternativa chinesa – a experiência socialista recente e as dinâmicas do Estado desenvolvimentista –, Elias soube reunir talentosos parceiros – dentro e fora do país, economistas marxistas e keynesianos – e buscar nos “clássicos do desenvolvimento” destrinchar o peculiar “socialismo de mercado” como uma Nova Formação Econômico-Social (NFES); “tema de fronteira” que está no centro de grande parte de seus artigos exploratórios. Essa nova formação econômico-social, no desenvolvimento do seu estudo, tem na sua complexidade o principal atributo, “pois se ocupa de uma formação marcada pela convivência de diferentes estruturas/formações sociais”.

Fora disso o processo chinês incorre em formulações que podem ser vistas de forma estática, instantânea, modelar, como uma simples “restauração capitalista” ou um “capitalismo de Estado”. Desse modo não dá conta da distinta formação econômico-social em evolução, da abordagem dos fenômenos com suas singularidades e da sua relação com o processo histórico do capitalismo financeirizado e do rápido avanço tecnológico.

A China na complexidade de sua formação econômico-social, oriunda do seu nível primário de desenvolvimento, determinou como sua principal tarefa o crescimento das forças produtivas, colocou o socialismo com suas próprias características na vanguarda do processo de desenvolvimento e crescimento na época em que vivemos. O seu Estado é conduzido por forças políticas e sociais que desde a instauração da República Popular mantém a perspectiva socialista e se instrui na base teórica do marxismo.

O trabalho exploratório de Elias e parceiros, nessa relevante empreitada, situa na experiência chinesa o curso dos ciclos decenais em movimento e inovações institucionais necessárias. Dessa dinâmica desponta uma poderosa estrutura estatal constituída por grandes corporações empresariais e financeiras, em lugares-chave da economia e da sociedade; a rápida incorporação de inovações tecnológicas tem permitido o surgimento de novas e superiores formas de planificação econômica, dando nitidez ao rumo estabelecido.

A sua coragem de pensar e perscrutar, como ele afirma, baseada nos clássicos do materialismo histórico e no leito da heterodoxia econômica leva-o a uma ousada agenda de pesquisa sobre a China, quando ele assevera: “O controle crescente, por parte do Estado [chinês] dos fluxos nacionais de renda, desde 2012 dá forma à face da Nova Formação Econômico-Social que surge e que poderá conceber o próximo modo de produção dominante na esfera mundial”.

Hoje Elias Jabbour é um estudioso persistente, dedicado a um trabalho meritório, que tem um papel relevante na linha de pesquisa da Fundação Maurício Grabois para os dois grandes temas de nossa época: 1) as tendências do capitalismo contemporâneo; e 2) a conformação do socialismo contemporâneo nas experiências revolucionárias remanescentes do século passado, sobretudo o exemplo mais avançado que vem sendo desenvolvido na República Popular da China.  


FONTE: Opera Mundi