Por Liszt Vieira
Apesar da pandemia, a China retomou um crescimento
vigoroso. No início de 2021, ela parece haver vencido a Covid-19. Enquanto a
União Europeia e os Estados Unidos estão atolados na crise sanitária, a China
voltou a apresentar forte crescimento. Segundo especialistas, o PIB chinês deve
ultrapassar o dos Estados Unidos até 2028. A economia chinesa se tornou
indispensável para o resto do planeta.
O Produto Interno Bruto - PIB - dos EUA caiu 3,5%
em 2020 (Investing.com), e deverá retomar o crescimento em 2021. Em
comunicado divulgado em 16 de dezembro passado, o FED (Federal Reserve, o Banco
Central americano) atualizou suas projeções para o PIB. Para 2021, a
expectativa é de crescimento de 4,2%. Em 2022, a projeção é de aumento do PIB
de 3,2%.
A taxa de desemprego deve ficar em 6,7% em 2020.
Para 2021, o FED projeta um desemprego de 5,0%, e para 2022 a previsão é de
4,2%. No que se refere à inflação, medida pelo FED em termos do índice de
preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), a projeção para o PCE
em 2020 foi de 1,2%. Para 2021, a projeção é de 1,8%. No ano de 2022, a mediana
das projeções para o PCE é de 1,9% (Estadão Conteúdo, 16/12/2020)
.Mas “a desigualdade piorou com as crises do
capitalismo depois dos anos 70 e da mesma maneira com os três colapsos capitalistas
desse século (2000, 2008 e 2020). E a pandemia mortal não provocou uma reflexão
sobre princípios, nem políticas adequadas para encerrar, ou reverter, a
contínua redistribuição de renda e riqueza para o topo” (Richard D.
Wolff, Carta Maior, 2/2/2021).
No que se refere à União Europeia, sua taxa de
crescimento em 2020 foi de -4,2%. A União Europeia celebrou um acordo de
investimento com a China que, em contrapartida, assumiu um compromisso limitado
de aderir às convenções internacionais sobre trabalho forçado. Com vacina, a
Europa pode crescer 4,3% em 2021 (Financial Times, de Frankfurt,
30/12/2020). Esta previsão é mais otimista que a do Banco Central Europeu
(BCE), que previu expansão de 3,9% para 2021, mas está abaixo dos 5,2%
estimados pelo FMI, Fundo Monetário Internacional (Valor, 30/12/2020)
.Quanto à China, seu PIB cresceu 2,3% em 2020, o
menor crescimento em 44 anos, mas foi o único país, além da Índia, que cresceu
em 2020 com a pandemia. De acordo com a previsão de diversos economistas, o PIB chinês
deve crescer 8,2% em 2021, maior taxa em dez anos. Para o FMI, o
crescimento da China este ano deve ser de 7,9% (AFP, O Estado de São Paulo, 18/1/2021).
Por outro lado, a China, assim como o Vietnam e o
Laos, está há três décadas entre as economias de crescimento mais rápido do
mundo. Em outras palavras, três dos melhores desempenhos de crescimento no
capitalismo global são Estados autoritários liderados por partidos comunistas
com o socialismo como meta oficial de desenvolvimento. Esse fato merece mais
atenção do que tem recebido até agora, especialmente levando em conta seu forte
desempenho em uma ampla gama de indicadores de desenvolvimento.
A revista Developing Economics, em
recente número, analisou esse fenômeno chamado de “economia socialista de
mercado”. Muitos afirmam que a China e o Vietnam de fato representam algumas
das mais impressionantes “histórias de sucesso de desenvolvimento” que o mundo
já viu nas últimas décadas. Esses países afirmam ter encontrado seu próprio
modelo de desenvolvimento combinando uma economia de mercado com o socialismo.
De acordo com as definições oficiais, isso não é capitalismo, mas uma forma
mais sustentável e socialmente justa de fazer uma economia de mercado trabalhar
para o desenvolvimento nacional e a melhoria dos padrões de vida.
Níveis elevados de crescimento ao longo de quatro
décadas viram a China emergir como uma superpotência econômica global, mas
todos os três países citados anteriormente alcançaram taxas de crescimento
surpreendentes. Durante as três décadas de 1989-2018, a China teve um
crescimento médio anual per capita do PIB de 8,4%. Este foi o terceiro
crescimento mais rápido dos países listados pelo Banco Mundial. O Vietnam ficou
em quinto lugar, com crescimento médio de 5,4%, e o Laos, em sexto, com
crescimento médio de 5,1% (data.worldbank.org)
.Embora os três países tenham apresentado tendências
de crescimento relativamente semelhantes, eles diferem significativamente em
outros indicadores de desenvolvimento. Em matéria de redução da pobreza, China
e Vietnam são campeões mundiais. Estima-se que a China tenha retirado 850
milhões de pessoas da pobreza desde o início das reformas econômicas, enquanto
o desenvolvimento do Vietnam possibilitou a mais de 45 milhões de pessoas
escaparem da pobreza apenas nas duas primeiras décadas dos anos 2000. O Laos
reduziu a pobreza pela metade nos últimos 20 anos, mas ainda está atrás de seus
vizinhos socialistas.
Dito isso, todos os três apresentam melhor
desempenho do que países com nível semelhante de renda per capita em uma ampla
gama de indicadores de desenvolvimento social e material. Na verdade, China,
Vietnam e Laos estavam entre os dez países que mais cresciam no Índice de
Desenvolvimento Humano da ONU no período 1990-2015 (World Development
Indicators and Human Development Index).
No que se refere ao crescimento econômico, redução
da pobreza e aumento dos padrões de vida, a China e o Vietnam alcançaram grande
sucesso e o Laos, só até certo ponto. Se levarmos em consideração a liberdade
política e a sustentabilidade ambiental, os três casos obviamente deixam a
desejar. O rápido crescimento econômico abusou dos recursos naturais e da
devastação do meio ambiente nos três países. As mudanças climáticas e desastres
naturais ameaçam minar o desenvolvimento.
A China e, depois, os EUA são os maiores poluidores
do mundo. Mas a China, em 2018, contribuiu com 45% do crescimento global de
energia renovável, mais do que toda a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), tornando-se o maior investidor em energia renovável
do mundo. No começo de 2017, a China anunciou que investiria US$ 360 bilhões em
energia renovável até 2020 e que abandonaria os planos de construir 85 centrais
de energia elétrica a combustão de carvão. Mas, face à pandemia, de janeiro a
junho de 2020, a China aprovou novos projetos de usinas a carvão.
Apesar disso, é forçoso constatar seu grande
esforço para reduzir a quantidade de carvão, o principal combustível da matriz
energética chinesa, e inserir energia solar e eólica. A Declaração chinesa de
que buscará atingir a neutralidade de carbono até 2060 foi um grande destaque
na Assembleia Geral da ONU em setembro último.
Por outro lado, enquanto muitos previram um
afrouxamento do controle do regime junto com o aumento da riqueza, relatórios
de direitos humanos mostram que particularmente a China, mas também o Vietnam e
o Laos, se tornaram mais repressores nos últimos anos. Além disso, a
desigualdade aumentou nos três países durante o período de reformas, na China
principalmente. Embora a receita seja distribuída de maneira mais uniforme no
Vietnam e no Laos, seus desempenhos também são ruins. As elites nos três países
acumularam quantias significativas de riqueza e poder. Existem desigualdades
óbvias e gritantes entre as populações étnicas, e as minorias étnicas estão
grosseiramente sobre representadas nas estatísticas de pobreza nos três países.
A "economia socialista de mercado" é um
modelo de desenvolvimento distinto em que regimes comunistas introduzem
reformas de mercado. China, Vietnam e Laos compartilham um legado comunista de
planejamento econômico, coletivização da agricultura e empresas estatais
dominantes. Todos os três países introduziram reformas de mercado na década de
1980, representando o início oficial das transformações econômicas.
O Estado continua a desempenhar papel central nos
três países. Grandes empresas estatais são favorecidas politicamente, embora
seu peso tenha diminuído. Muitos viram na economia socialista de mercado,
particularmente China e Vietnam, o modelo asiático de desenvolvimento. Outros
falaram em processos de neoliberalização, alguns até alegaram que esses três
regimes comunistas são agora neoliberais. Seria mais correto ver esses três
regimes como uma combinação de elementos de estratégias de desenvolvimento (neo)
liberais e estatizantes. Eles são estatizantes demais para os neoliberais e
liberais demais em termos econômicos para os proponentes do Estado
desenvolvimentista.
No que tange às políticas sociais, a situação é mista e complexa. Por um lado,
os ideais socialistas parecem mais distantes à medida em que há privatização de
serviços públicos e a desigualdade aumenta. Por outro lado, esses três países
alcançaram um caminho de desenvolvimento que é mais inclusivo e amplamente
aceito do que a maioria dos países em situação semelhante.
O modelo parece ter um viés urbano cada vez mais
forte. De suas raízes camponesas, e apesar de grandes partes da população nos
três países residirem em áreas rurais, parece que as sociedades
"modernas" agora concebidas pelos regimes comunistas têm um caráter
mais urbano. Segundo alguns críticos, o ‘Novo Homem Socialista’ parece ter
mudado, e talvez substituído por um ‘consumidor socialista’ urbano de classe
média.
Depois que Xi Jinping afirmou no 19º Congresso do
Partido em 2017 que a China está pronta para assumir o papel de modelo para
outros países, tornou-se mais relevante do que nunca analisar mais de perto a
construção da economia socialista de mercado. A partir dessa data, em várias
ocasiões Xi Jinping sugeriu que outros países em desenvolvimento poderiam
adotar o modelo de crescimento da China. Em um mundo capitalista dominado pelo
fracassado modelo neoliberal, será que as "economias socialistas de
mercado" asiáticas poderiam oferecer uma alternativa realista para outros
países em desenvolvimento?
Se a China está agora disposta a colocar dinheiro e
recursos para "exportar" seu modelo de desenvolvimento, isso deve ser
considerado seriamente. O modelo contém importantes "lições” para outros
países, mas devido às suas características específicas, bem como às variações
locais entre China, Vietnam e Laos, a economia socialista de mercado não
representa um modelo facilmente transferível para outras nações.
Além disso, a economia socialista de mercado é o
produto de um período único, representando os países comunistas moldados pela
Guerra Fria, adaptando-se às forças da globalização e da liberalização do
comércio e dos fluxos de capital. No entanto, China, Vietnam e Laos são
excelentes ilustrações do potencial de crescimento da combinação entre
integração econômica global e regional e um Estado voltado para o
desenvolvimento por meio de reformas pragmáticas. Ao mesmo tempo, são também
ilustrações do custo humano e ambiental embutido nos sistemas de produção
capitalistas e no socialismo autoritário. Ou seja, esse modelo reúne as
vantagens do capitalismo e do socialismo, mas também suas respectivas
desvantagens. Resta saber o que irá pesar mais na balança a longo prazo.
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