A pátria das manifestações
As grandes manifestações que tomaram as ruas do País em junho assustaram tanto a direita quanto algumas forças politicas da esquerda.
Já nas primeiras manifestações contra os aumentos das tarifas de ônibus e metrô em São Paulo, os grandes meios de comunicação da burguesia exigiram que a polícia reprimisse duramente os protestos. O Jornal Nacional da Rede Globo chamava os manifestantes de baderneiros e vândalos. A Folha de S. Paulo no dia 13 de junho publicou editorial com o título “Retomar a Paulista”, conclamando a polícia a impedir os protestos na Avenida Paulista e afirmando que os manifestantes “São jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionaria, que buscam tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar em ônibus e trens superlotados”.
O Estado de São Paulo não ficou atrás e escreveu no editorial “Chegou a hora do basta”: “No terceiro dia de protesto contra o aumento da tarifa dos transportes coletivos, os baderneiros que o promovem ultrapassaram, ontem, todos os limites e, daqui para frente, ou as autoridades determinam que a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem, o que é inaceitável”.
E foi o que tentou fazer a Policia Militar não só em São Paulo, mas em outras capitais.
Centenas de balas e de bombas foram atiradas nos manifestantes. No total, mais de 1.000 pessoas foram presas e centenas foram feridas e hospitalizadas. A repressão foi tão feroz que nem mesmo repórteres dos jornais que clamaram por mais violência foram poupados.
Diante da brutal selvageria da policia, a luta contra o aumento das passagens transformou-se em luta política contra a repressão e pela liberdade de expressão e de manifestação. Os protestos cresceram e se espalharam pelo país afora, impulsionados também pela realização dos jogos da Copa das Confederações em estádios caríssimos construídos com dinheiro público, enquanto hospitais, postos de saúde e escolas se encontram em péssima situação, como denunciaram criativos cartazes com os dizeres: “Queremos saúde e educação padrão Fifa”.
O tiro saiu pela culatra, e também as balas de borracha e as bombas de lacrimogêneo. A direita e seus meios de comunicação ficaram encurralados. Em todas as capitais, mas também em cidades do interior, os estudantes foram às ruas exigir redução dos preços das passagens, passe livre, denunciar os gastos com a Copa da Fifa, o descaso com a saúde e a educação, desafiar o poderoso aparelho de repressão.Uma manifestação no Rio chegou a reunir mais de 500 mil pessoas e calcula-se que mais de dois milhões de brasileiros foram às ruas em três semanas.
Após vários dias seguidos de passeatas e protestos, os abusivos aumentos das passagens foram revogados pelos mesmos prefeitos e governadores que os autorizaram. A imprensa burguesa foi obrigada a reconhecer a vitória das ruas: Folha de São Paulo: “Protestos de rua derrubam tarifas”; O Estado de São Paulo: “Haddad e Alckmin cedem, tarifa volta a R$ 3 e MPL mantém ato”; O Globo: “Protestos derrubam aumentos em São Paulo e Rio de Janeiro”.
Como não conseguiram deter as manifestações com a repressão, as classes dominantes passaram a afirmar nos seus meios de comunicação que grupos de vândalos estavam saqueando lojas e depredando o patrimônio público e privado.
É claro que elementos ligados ao tráfico de drogas se aproveitaram da situação para roubar algumas lojas. Mas assaltos a restaurantes, arrastão e roubos ocorrem com ou sem manifestações. A bem da verdade, se for realizada uma análise rigorosa, ver-se-á que durante as manifestações houve uma redução da criminalidade.
Ademais, as depredações que porventura ocorreram, foram, sem dúvida, bem menores do que a causada pela realização da 11º rodada de leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP), um prejuízo calculado em R$ 1,5 trilhão, sem contar a afronta à soberania nacional.
Aliás, há saque maior que gastar metade do Orçamento da União, do Governo Federal,para pagar juros aos banqueiros e especuladores da divida pública? E o que dizer de entregar bilhões para as montadoras de automóveis e nada investir para melhorar o transporte público, num país onde a imensa maioria da população usa ônibus, trem ou metrô?
Há vandalismo maior que exibir sem nenhum pudor, na TV, milionários em carros luxuosos, bebendo champanhe em taça de ouro, gastando R$ 700 mil em joias e colocando seus cães em creches com aulas de natação, como faz o programa Mulheres Ricas, da TV Bandeirantes, quando a imensa maioria da povo brasileiro faz apenas uma refeição por dia e vive na pobreza? E o que dizer da violência de um sistema econômico que eleva os juros para aumentar os preços e, assim, impedir que o povo compre o que ele precisa? A propósito, lembremos os versos de Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta, se diz que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”.
A rua é de quem luta
Afastadas do povo e das suas lutas e acomodadas no Parlamento ou em cargos nos governos, algumas forças políticas de esquerda passaram a ver nos protestos, em particular, nos cartazes “Todos contra a corrupção” e “Não à PEC 37”, indícios claros de que as manifestações estavam sendo manipuladas pela extrema-direita.
É verdade que houve elementos da extrema-direita infiltrados visando a desorganizar as massas, hostilizar a esquerda e impedir que as manifestações avançassem na direção correta. Mas esse tipo de infiltração sempre ocorreu em greves e em passeatas. Todos sabem o que é um P2, ou o que representam os bandos neonazistas. Porém, não se combate esses elementos ou grupos deixando de participar das manifestações. Muito pelo contrário. A melhor maneira de enfrentá-los é com as massas nas ruas.
Depois, de forma sábia, o principal grito dos manifestantes foi “Vem, vem para a rua, vem”. Quem viesse com seu cartaz ou com sua reivindicação era, sem dúvida, bem acolhido. Quem ficou na janela também o foi, desde que mostrasse apoio e simpatia ao movimento.
Houve também, da parte de alguns manifestantes, ações claramente antipartidárias, mas essa situação é muito mais consequência das repetidas promessas de determinados partidos nas eleições, mas nunca cumpridas, do que exatamente da força da extrema-direita nos atos.
É claro que os meios de comunicação dominantes ao editarem seus programas mostram apenas o que lhes interessa, mas isso não é novidade. Um exemplo: numa manifestação diante da prefeitura de São Paulo foi queimado um boneco que tinha em sua cabeça as inscrições PT e PSDB, mas o repórter da TV Globo apenas afirmava que se estava queimando um boneco do PT. Essa manipulação realizada pelos meios de comunicação não é uma novidade. Foi realizada durante a Ditadura, na campanha pelas Diretas já, para eleger Collor e continua sendo feita hoje ao chamar os manifestantes de vândalos. O surpreendente é que até hoje, após 12 anos no governo, o PT não tenha sequer encaminhado ao Congresso Nacional um projeto para democratizar os meios de comunicação.
Portanto, o atual apartidarismo das massas é em grande parte resultado do inegável abandono de programas e até de princípios de alguns partidos de esquerda. Lembremos que quando na eleição de Lula para presidente da República em 2002, ninguém conseguiu impedir que as bandeiras do PT tomassem as ruas em todas as grandes cidades do Brasil. Pelo contrário, se brigava para ter uma bandeira nas mãos.
De fato, há quem possa negar que o PT após fazer campanha contra as criminosas privatizações do governo FHC, nada investigou e nem reestatizou nenhuma estatal? Pior, hoje privatiza portos, rodovias, aeroportos e promove leilões que entregam o nosso petróleo às multinacionais. Há como negar que os crimes cometidos pela Ditadura Militar continuam impunes no Brasil, embora tenham sido julgados e condenados na Argentina, no Chile e no Uruguai?
É possível ignorar que o PCdoB defende abertamente os leilões de petróleo, o Código Florestal e o uso do dinheiro público na construção dos palácios da Fifa?
Não, ninguém pode negar esses fatos. Como então negar o direito do povo de rejeitar quem o traiu?
A quem serve o apartidarismo?
É verdade que outros partidos que não são responsáveis por nada disso, pelo contrário, lutaram e lutam contra essa política, também sofreram hostilidade. Foi o caso do PCR durante uma manifestação em São Paulo. Mas esse não é um problema das massas que estão nas ruas lutando por seus direitos. Cabe a nós mostrar as diferenças, esclarecer o que somos e o que defendemos, apresentar o nosso programa e trabalhar para elevar a consciência das massas de forma que ela saiba separar o joio do trigo. Mas isso é muito diferente de construir teorias para justificar o afastamento das manifestações de rua.
Ademais, não é de hoje que a burguesia e seus meios de comunicação fazem campanha para afastar as massas dos partidos revolucionários. Age assim porque sabe, como disse Manoel Lisboa, fundador do PCR, que “Sem a ação da vanguarda, sem a direção de um partido revolucionário, a revolta do povo será sempre cega e inconsequente.”
Com efeito, numa sociedade em que os grandes meios de comunicação e o capital se encontram nas mãos da burguesia, só é possível as massas exploradas desenvolverem uma consciência revolucionária, isto é, ter consciência de que é preciso fazer uma revolução para transformar a sociedade capitalista, se os elementos mais conscientes do povo estiverem organizados num partido político e que este partido trabalhe para educar e elevar a consciência dos trabalhadores até a conquista do poder e a construção do socialismo. Sem um partido formado pelos mais conscientes, mais ativos e mais corajosos revolucionários, e que atue no sentido de organizar os trabalhadores para lutar pelo poder, e não simplesmente por reivindicações econômicas, a burguesia, de posse de todo o aparato de repressão e ideológico de que dispõe, sofrerá derrotas parciais, mas seguirá governando e dominando a sociedade.
Assim mostra a história da Comuna de Paris e das vitoriosas revoluções russa, vietnamita, chinesa, cubana, e também a história mais recente das revoltas populares na Tunísia e no Egito.
Aliás, é exatamente pela importância que tem o partido para a vitória da revolução que a TV Globo escolheu o Partido Comunista Revolucionário (PCR) para alvo no Jornal Nacional. Também não foi à toa que a rede Globo teve que esconder sua marca nas manifestações (seus repórteres trabalharam sem identificação) e que milhares de pessoas realizaram um ato em frente à sede da Globo, no Rio.
Lições das ruas
Houve e ainda há quem questione para onde vão essas manifestações e onde tudo isso vai desembocar; afinal, a imensa maioria dos participantes dessas manifestações são jovens.
Não há porque desconfiar ou temer a juventude. Toda a história da humanidade e do nosso próprio país revela que a juventude é uma força progressista e revolucionária. Esteve à frente de todos os grandes movimentos da luta pela nacionalização do petróleo, pelo fim da ditadura, etc. Não será agora que ela irá desapontar os trabalhadores e a nação. Não, isso não ocorrerá, principalmente, se nós cumprirmos com as nossas tarefas e se não a abandonarmos às balas e às bombas dos fascistas comandantes da Policia Militar.
De toda maneira, vale a pena lembrar aqui as palavras de Emile Zola:
“Aonde vão vocês, jovens, aonde vão, estudantes, que correm em bandos pelas ruas manifestando vossas cóleras e entusiasmos, sentindo a imperiosa necessidade de lançar publicamente o grito de vossas consciências indignadas?
Vão em busca da humanidade, da verdade, da justiça!” (Carta à Juventude)
Mas quais as lições das ruas?
Primeiro, que quem luta conquista. As manifestações de junho foram responsáveis pela redução das tarifas nos transportes públicos na maioria das cidades do país e impôs uma dura derrota às dezenas de famílias ricas que controlam as empresas de ônibus nas capitais e que há décadas assaltam o povo com tarifas abusivas, confiantes na corrupção de prefeitos, vereadores e governadores.
Segundo, que a juventude venceu o medo das balas de borracha e está disposta à luta, não só à luta por seus direitos econômicos, mas à luta para transformar esse País, para acabar com as injustiças sociais e pode, portanto, ser ganha para ir além, para lutar pelo poder popular e pelo socialismo. E é essa a nossa tarefa.
Terceiro, que é preciso decuplicar a agitação e propaganda, que esse trabalho agora, deve ser feito para milhões e não apenas para milhares. Que é necessário irmos com entusiasmo às ruas, levarmos os cartazes, as faixas, as bandeiras e, principalmente, nosso programa. Que é urgente desenvolvermos um trabalho muito mais efetivo e profundo para se vincular às massas, e o caminho para isso é defender com mais vigor os interesses e as reivindicações populares.
Fruto do nosso trabalho e da nossa luta, um novo tempo chegou também ao nosso país. Vamos, portanto, às ruas, as escolas, aos bairros e às fábricas levar a mensagem da necessidade de construir uma nova sociedade, sem repressão, sem injustiça e sem a exploração do homem pelo homem, uma sociedade socialista.
Lula Falcão, membro do comitê central do Partido Comunista Revolucionário
FONTE: A Verdade
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