É inegável a importância das manifestações ocorridas a partir de 2011, envolvendo várias cidades em vários países em todo mundo, que os meios de comunicação, bem ou mal, não pouparam espaço para noticiá-las. Importância não só pelo número de participantes que foram às ruas, como pela característica e significado daquelas mobilizações.
Não iremos discutir aqui o que já foi objeto de observação e comentários de vários analistas que se debruçaram sobre algumas de suas características: mobilização de massa; ausência de liderança de um partido politico na organização dos movimentos; posicionamento contra as necessidades mais elementares da população como emprego, saúde, educação; duras criticas aos privilégios do capital financeiro e à corrupção; demonstração de descontentamento diante da omissão e inoperância dos representantes políticos nos parlamentos burgueses.
É especificamente sobre este último ponto que gostaríamos de apresentar algumas observações, a fim de retomarmos um debate que não é novo, mas que as manifestações populares desses últimos anos, recolocam na ordem do dia: a questão do poder popular e da democracia representativa (1).
Ora, se existe a concordância de que as referidas mobilizações, entre outras coisas, significam a existência de um abismo entre os cidadãos e seus representantes nos parlamentos, indicam um antagonismo entre a democracia praticada pela sociedade politica e a reivindicada pela sociedade civil, como esse impasse poderá ser resolvido? Aprimorando a democracia existente ou mudando a estrutura do poder?
Ora, se existe a concordância de que as referidas mobilizações, entre outras coisas, significam a existência de um abismo entre os cidadãos e seus representantes nos parlamentos, indicam um antagonismo entre a democracia praticada pela sociedade politica e a reivindicada pela sociedade civil, como esse impasse poderá ser resolvido? Aprimorando a democracia existente ou mudando a estrutura do poder?
Após o fim da Segunda Guerra Mundial com a derrota do nazi-fascismo e paralelamente à expansão de sociedades comunistas na Europa do Leste e Ásia, a democracia ocidental, como contraponto, passou a ser o modelo “inquestionável”, “indiscutível”, de forma de governo, como única condição para a realização da cidadania em toda sua dimensão.
A democracia representativa, sobretudo a partir da década de 80 do século passado -- com o agravamento das crises verificadas nas sociedades do socialismo real iniciadas com as denúncias dos crimes de Stalin em 1956, a chamada Revolução da Hungria” no mesmo ano, a “Primavera de Praga” em 1968 -- passa a ter uma grande aceitação no mundo ocidental.
Tão grande é a aceitação da democracia pluripartidária, que a esquerda e até mesmo partidos comunistas abandonam seus programas revolucionários de construção de sociedades socialistas, tornam-se democrático-parlamentares, passando a disputar uma vaga nos parlamentos burgueses, colaborando com a elite politica para fazer “avançar” a democracia representativa.
Esquecem a esquerda e certos partidos comunistas “entusiasmados” e “esperançosos” com o poder burguês, que a classe dominante pode até fazer concessões às “vozes vindas das ruas”, mas há um limite possível para as mudanças econômica, social e politica por via parlamentar. Ou seja, não haveria como se aprofundar as conquistas do povo, nem tampouco estabelecer novas regras de coexistência entre as classes com interesses “diametralmente opostos”, sem destruir o sistema democrático representativo.
Como tentativa de minimizar as contradições e antagonismos entre essa democracia e a sociedade civil, os governos procuram ampliar o nível de participação dos cidadãos em determinadas ações de caráter público. E como dispositivo complementar, institui-se a forma participativa que se exerceria através do plebiscito, do referendo e por iniciativa popular (2).
Até que ponto esse poder de deliberação por esses meios, realmente nos conduziria a uma ruptura com o sistema de dominação do poder politico e do facciosismo do Estado próprios da democracia representativa?
Ao ponto que chegamos e em termos de expectativas não resolvidas pela democracia ocidental, não se trata apenas de podermos continuar usando o voto para elegermos nossos representantes no parlamento, sob a orientação politico-ideológica de um ou outro partido politico porta voz de interesses de setores da classe dominante, e termos como “consolo”, a garantia constitucional de sermos convocados para um plebiscito ou referendo sobre ações politicas do Governo.
Daí porquê acharmos que é fundamental a criação de mecanismos a serem exercidos pela sociedade civil sobre a administração pública, se alicerçando no principio de que a legitimidade das ações politicas respalda-se na deliberação dos cidadãos livres e iguais, sem intermediações, ou se preferem, sem representações.
A democracia no sentido mais radical do termo não se exerce por delegação. Para o seu exercício, os cidadãos devem constituir-se em suas próprias organizações, seja em comunidades, associações ou conselhos, aos níveis municipal, estadual e federativo, que funcionarão como órgãos de administração pública, de deliberação, fiscalização e controle, organizações que comporiam outro tipo de Estado.
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Notas:
(1) Sob essa forma, o povo expressaria sua vontade através de eleições de representantes que tomariam decisões em nome daqueles que os elegeram.
(2) Alias a Constituição Brasileira no seu Art. 14 prevê que a “soberania popular” se exercerá através do plebiscito, referendo e iniciativa popular.
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