domingo, 29 de dezembro de 2013

América Latina - o fim de um ciclo


Por Elaine Tavares                                                             


Ao se completarem nove meses da morte de Hugo Chávez, o panorama que se vislumbra na América Latina é desanimador. A Venezuela "cria cuervos”, agarrada com a elite financeira do país que põe a economia no chão.


O Equador se rende as mineradoras e aos ditames do Banco Mundial. O Brasil, que nunca chegou a trilhar os caminhos do socialismo, cada vez mais mergulha no pragmatismo do negócio. Países da América Central que estavam inclinados a uma parceria com a Venezuela também se desviam. A Bolívia, apesar de forte influência indígena, igualmente vai se rendendo às grandes empresas privadas, que formam um perigoso poder no país. O Uruguai, que tem sido a estrela da vez, avança em reformas que muito pouco mudam a estrutura do sistema de governo. Ao que parece, a era das transformações está encerrada e o caminho para o socialismo, que era uma promessa do líder venezuelano, está, por hora, interrompido. Como era de se esperar, o desaparecimento de Chávez foi também o desaparecimento do motor teórico do processo "revolucionário” que começou com a chegada desse militar incomum ao poder em 1998.

Quando Chávez chegou à presidência da Venezuela o mundo estava então dominado pelo pensamento neoliberal. Parecia não haver saída desse labirinto de pensamento único. Na América Latina apenas Cuba seguia resistindo, e o presidente venezuelano entrou no cenário com um discurso duro contra o imperialismo e o capital. No princípio foi tratado como um anacronismo, uma falha na matrix que logo seria extirpada. Mas, no tecido social completamente roto da Venezuela a proposta de Chávez cresceu, tomou corpo e se encarnou na maioria da população desde sempre empobrecida. Ele prometia uma revolução bolivariana, amarrada ao ideário do famoso conterrâneo que liderou as grandes guerras de independência da parte norte e leste da América Latina: Bolívar. E o que é o bolivarianismo? Um sistema de governo que tem como plataforma a educação gratuita para todos, soberania, fim do colonialismo político, econômico e cultural, unidade dos países latino-americanos, fim da dependência.

E foi esse sendeiro que o governo de Chávez foi abrindo por entre as veias da América Latina. Seu discurso forte, seu carisma e, fundamentalmente suas ações, guinaram a Venezuela à esquerda e, com ela, começaram a girar também outros países. O Equador, depois de fortes rebeliões indígenas, foi buscando um caminho soberano. A Bolívia, igualmente derrubou presidentes, ardeu em rebelião e apontou novos horizontes, inauditos. Veio uma nova Constituição na Venezuela, participativa, desde baixo. Outro duro golpe no pensamento neoliberal, no modelo ocidental, burguês. Institucionaliza-se o poder popular, coisa inédita nestes confins. Anunciam-se revoluções bolivarianas, cidadãs, culturais. O imperialismo atacou, deu golpe, mas foi derrotado pela massa que já não estava mais excluída da participação. Chávez voltou fortalecido, passou por novas eleições, sempre vencendo. Dia a dia ele falava com seu povo, lia livros, editava outros tantos, orientava estudos. Não era um bravateiro sem estofo. Sabia o que dizia e o que estava fazendo. Não era ainda o socialismo. No máximo, um capitalismo de estado, mas prometia avançar para além. E caminhava.

Na esteira das mudanças venezuelanas a Bolívia também mudou. Elegeu Evo Morales, das fileiras indígenas e sindicais, construiu de forma participativa e popular uma nova Constituição, criou um estado Plurinacional, avançou na participação, fez assomar a cultura originária, maioria no país. O Equador seguiu o mesmo diapasão. Nova Constituição outorgou direitos à natureza, Estado pluricultural. Abriu espaço para novos pensares, mais além do socialismo: o sumak kawsay, uma forma de organizar a vida embasada em conceitos autóctones, dos povos antigos, coisa completamente nova para quem acreditava que o modelo europeu era o único possível.

A América Latina entrou no novo milênio ardendo em novidade e transformação. Quando alguém fraquejava, lá vinha o Chávez com sua voz de trovão, puxando o timão mais à esquerda. E mesmo quando ele mesmo claudicava, ou cedia ao "possível”, buscava nos autores revolucionários, nos heróis do passado, a inspiração para reavaliar e avançar. E, assim, esses três países em especial (Venezuela, Bolívia e Equador) começaram a realizar algumas mudanças que finalmente mexiam nas estruturas. Outros, como o Brasil, a Argentina, a Nicarágua, Honduras, Paraguai, Uruguai, principiaram a realizar reformas e a amparar pelo menos alguns pontos do bolivarianismo, como a ideia de soberania e união latino-americana.

Quando, no mês de março de 2013, o câncer venceu o comandante, as coisas já não andavam bem. Na Venezuela era possível observar a subida da inflação e a opção do governo por uma aliança com o setor financeiro. O país não conseguia avançar no caminho do desenvolvimento endógeno, atropelado que fora ano após ano por golpes, contragolpes e ações desestabilizadoras da direita. Apesar de todos os esforços empreendidos, o rentismo petroleiro ainda era o carro chefe da economia do país. A produção - de comida e de outros produtos de uso corrente - não deslanchou. Continuava mais vantajoso ao empresariado nacional seguir com a importação, especulando com o dólar, criando um perigoso mercado paralelo para a moeda estadunidense.

Na Bolívia, Evo Morales passou a apostar na lógica do neodesenvolvimentismo, puxada pelo Brasil. Projetos grandiosos com construtoras estrangeiras (brasileiras) e o crescente conflito com as comunidades indígenas. No Equador, Rafael Correa foi mordido pela mosca azul e abraçou-se às mineradoras e as grandes empresas do petróleo. Tem mantido fogo cerrado contra os povos indígenas, acusando-os de barrar o progresso do país e entrou de cabeça na mesma onda do "desenvolvimento” a qualquer custo. O modelo é o mesmo do Brasil. Reforma sem vestígios de revolução.

A morte de Chávez de certa forma liberou os aliados para uma virada de timão, mais ao estilo do Brasil. Aquilo que Lula não conseguiu, já que era frequentemente ofuscado por Chávez, Dilma logrou. Não tanto pela ação dela, mas porque agora os mandatários vizinhos estavam mais livres para fugir da rota socialista. Daí que se configura inegável o papel de liderança que o presidente venezuelano exercia em todo o continente. Tanto que as proposta de uma aliança com o Caribe e a construção da Unasur foram constituídas a partir de suas investidas. A união das repúblicas latino-americanas era um sul determinado por ele e, num período de crise na região europeia assim como nos Estados Unidos, foi e continua sendo uma alternativa muito conveniente para os países da América Latina. Mas, apesar de essas propostas seguirem vivas e atuantes, é fato que perderam força política. Os encontros continuam, as instituições também, mas não há uma liderança capaz de articular as ações econômicas com o debate teórico. A última reunião da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) foi um bom exemplo. Realizada em Caracas no último dia 17 de dezembro, não mereceu sequer uma nota nos jornais. Falta a grandiloquência de um projeto totalizante de combate ao capitalismo.

O professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos, analisa a Venezuela hoje, sob o comando de Nicolás Maduro, e não tem dúvidas de que o processo revolucionário, por agora, se esgotou. "O fato de o partido do governo ter ganhado as eleições municipais agora em dezembro não diz muito. Nos pequenos municípios a política do partido está consolidada. Mas, nos grandes, não. Daí que a direita avança por aí. Maduro não tem a força de Chávez para mudar o rumo dos acontecimentos e talvez nem mesmo Chávez pudesse fazê-lo. Pode até ser que o bolivarianismo siga no poder por algum tempo – e é bom que siga - mas não haverá mais mudanças radicais e o povo ficará cada vez mais fora do poder de decisão”. Segundo Nildo, a inflação galopante que tem assolado o país e a criação de um mercado paralelo do dólar enfraquecem a economia e a tendência é de que, a seguir essa política, a situação econômica se agrave ainda mais. O empresariado local não tem interesse na produção, está lucrando de forma astronômica com o dólar. E, sem produção, o país segue dependente. É um círculo vicioso e sem saída. A menos que houvesse uma virada de curso. Mas isso não se vislumbra.

Nos demais países, a falta de um discurso forte acerca do caminho para o socialismo ou qualquer outra forma diferente de organizar a vida, coloca todo mundo -em maior ou menor grau- na posição de "humanizar" o capitalismo. No Brasil, algumas políticas públicas asseguram renda aos mais pobres, o programa Mais Médicos surge como um importante paliativo de saúde para os fundões do país. Mas, por outro lado, o agronegócio está cada vez mais abraçado ao governo, deitando e rolando no ataque aos indígenas e aos que pretendem colocar qualquer freio a nova expansão da monocultura. Vive-se uma investida anti-indígena só comparada a caminhada para o norte no início do século XX. No Uruguai, apesar de passos importantes como o ataque ao narcotráfico e a busca por uma democratização da mídia, Mujica permite a ação nefasta das papeleiras e de outras grandes crias do capital. Na Bolívia, na última quarta-feira (18.12), chegou-se ao extremo de reprimir, com gás e força policial, uma manifestação de crianças, que marchavam por um código do menor. No Equador, Correa está rendido às petroleiras.

Na verdade, toda a proposta de soberania e anticolonialismo contida no bolivarianismo parece se esvair. Os mandatários ditos "progressistas” não conseguem sair da roda da dependência. Preferem o acordo com o capital especulativo e com as megaempresas transnacionais, para tentar algum respiro do que chamam "desenvolvimento”. Aplicam políticas compensatórias que até são importantes, a considerar a extrema pobreza que vivem as maiorias, mas que não parecem capazes de romper com o ciclo de uma quase perpétua subserviência. O máximo que conseguem é o que já apontava Gunder Frank: o desenvolvimento do subdesenvolvimento, o que permite algumas ilhas de riqueza, um certo incremento no consumo através da liberação de crédito, mas praticamente nenhuma mudança estrutural. Para os protagonistas de lutas importantes contra o capital, como é o caso dos bolivianos que viveram as guerras da água e do gás, esses governos, mascarados de esquerda, acabam prestando um desserviço à luta anticapitalista. "Eles domesticam o movimento social, seguram os movimentos de luta, cooptam lideranças, disseminam uma mensagem falsa sobre as possibilidades de melhorias dentro do sistema. Assim, retrocedemos décadas. É uma tragédia", afirma Oscar Olivera, uma das mais importantes lideranças da Guerra da Água, em Cochabamba,

Nos dias de hoje, sem a presença vigorosa de um Fidel, ou a trovejante ousadia de Chávez, o que parece avançar é a acomodação ao velho modelo de dependência e de cooperação com o capital. Mas, ainda assim, a falta de uma alternativa também abre caminho para a construção de outro ciclo, talvez um pachakuti (o mundo de patas para cima, uma viração), como dizem os povos andinos. Algum novo giro, uma nova tendência, uma surpresa, como foi Chávez e seu sonho bolivariano. No final dos anos 90 essa novidade veio de onde ninguém esperava. Agora, enquanto o mundo mergulha no frisson das novas tecnologias, da inserção internética, no reino das sensações, talvez, em algum lugar não sabido, completamente inaudito, esteja brotando o que virá. As lutas não acabam, seguem seu caminho. Os movimentos continuam protagonizando resistência e, afinal, os povos sempre aprendem quando vivenciam experiências alvissareiras, como as que afloraram na última década. Algo novo há de aparecer.

Assim, seguimos!...


FONTE: Adital

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Álvaro Garcia Linera: Às esquerdas da Europa e do mundo

Falando no IV Congresso do Partido da Esquerda Europeia, vice-presidente da Bolívia apresentou cinco propostas para a esquerda europeia e mundial.



Por Álvaro Garcia Linera 

O IV Congresso do Partido da Esquerda Europeia (PIE) reuniu 30 formações de esquerda europeias em Madri, entre os dias 13 e 15 de dezembro, em busca de um discurso para unificar estratégias frente às políticas de austeridade e de submissão de Bruxelas às exigências dos mercados. Este foi o discurso do vice-presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, convidado para o encontro.

Permitam-me celebrar este encontro da Esquerda europeia e, em nome de nosso presidente Evo, em nome do meu país, de nosso povo, agradecer o convite que nos fizeram para compartilhar um conjunto de ideias, reflexões neste tão importante congresso da Esquerda Europeia.

Permitam-me ser direto, franco, mas também propositivo.

O que vemos desde fora da Europa? Vemos uma Europa que enfraquece, uma Europa abatida, uma Europa ensimesmada e satisfeita de si mesmo, até certo ponto apática e cansada. Sei que são palavras muito feias e muito duras, mas é assim que vemos. Ficou para trás a Europa das luzes, das revoltas, das revoluções. Ficou para trás, muito atrás, a Europa dos grandes universalismos que  moveram e enriqueceram o mundo, que empurraram povos de muitas partes do mundo a adquirir uma esperança e mobilizar-se em torno dessa esperança.

Ficaram para trás os grandes desafios intelectuais. Essa interpretação que faziam e que fazem os pós-modernos de que acabaram os grandes relatos, à luz dos últimos acontecimentos, parece que só encobre os grandes negócios das corporações e do sistema financeiro. 

Não é o povo europeu que perdeu a virtude ou a esperança, porque a Europa a que me refiro, cansada, a Europa esgotada, a Europa ensimesmada, não é a Europa dos povos, mas sim esta Europa silenciada, encerrada, asfixiada. A única Europa que vemos no mundo hoje é a Europa dos grandes consórcios empresariais, a Europa neoliberal, a Europa dos grandes negócios financeiros, a Europa dos mercados e não a Europa do trabalho.

Carentes de grandes dilemas, horizontes e esperança, só se ouve – parafraseando Montesquieu – o lamentável ruído das pequenas ambições e dos grandes apetites.

Democracias sem esperança e sem fé, são democracias derrotadas, são democracias fossilizadas. Em um sentido estrito, não são democracias. Não há democracia válida que seja simplesmente um apego aborrecido a instituições fósseis com às quais sem cumprem rituais a cada três, quatro ou cinco anos para eleger os que virão decidir (mal) sobre nossos destinos. 

Todos sabemos e na esquerda mais ou menos compartilhamos um pensamento comum de como chegamos à semelhante situação. Os estudiosos, os acadêmicos, os debates políticos oferecem um conjunto de linhas interpretativas sobre a situação que estamos e como chegamos a ela. Um primeiro critério compartilhado de como chegamos a isso é que entendemos que o capitalismo adquiriu – não resta dúvida – uma medida geopolítica planetária absoluta. Ele cobre o mundo inteiro. O mundo inteiro tornou-se uma grande oficina mundial. Um rádio, uma televisão, um telefone, já não tem uma origem de criação. O mundo inteiro se converteu nessa origem. Um chip é feito no México, o desenho  vem da Alemanha, a matéria prima é latino-americana, os trabalhadores são asiáticos, a embalagem é norte-americana e a venda é planetária.

Esta é uma característica do moderno capitalista, não resta dúvida, e é partir dessa realidade que devemos agir.

Uma segunda característica dos últimos vinte anos, é uma espécie de retorno a uma acumulação primitiva perpétua. Os textos de Karl Marx, que retratam a origem do capitalismo nos séculos XVI e XVII, se repetem hoje como textos do século XXI. Temos uma permanente acumulação originária que reproduz mecanismos de escravidão, mecanismos de subordinação, de precariedade, de fragmentação, retratados excepcionalmente por Marx. O capitalismo moderno reatualiza a acumulação originária. Ela a expande, a irradia a outros territórios para extrair mais recursos e mais dinheiro. Mas há algo que vem junto com esta acumulação primitiva perpétua – que vai definir as características das classes sociais contemporâneas, tanto em nossos países como no mundo, porque reorganiza a divisão do trabalho local, territorialmente, e a divisão do trabalho planetário. 

Junto com isso temos uma espécie de neo-acumulação por expropriação. Temos um capitalismo depredador que acumula, em muitos casos produzindo nas áreas estratégicas: conhecimento, telecomunicações, biotecnologia, indústria automobilística, mas em muitos de nossos países, acumula por expropriação. Ou seja, acumula ocupando os espaços comuns: biodiversidade, água, conhecimentos ancestrais, bosques, recursos naturais. Esta é uma acumulação por expropriação – não por geração de riqueza -, por expropriação de riquezas comuns que se tornam riqueza privada. Essa é a lógica neoliberal. Se criticamos tanto o neoliberalismo, é por sua lógica depredadora e parasitária. Mais que um gerador de riquezas ou um desenvolvedor de forças produtivas, o neoliberalismo é um expropriador de forças produtivas capitalistas e não capitalistas, coletivas, locais, de sociedades inteiras.

Mas a terceira característica da economia moderna não é somente a acumulação primitiva perpétua, acumulação por expropriação, mas também por subordinação – Marx diria subsunção real do conhecimento e da ciência à acumulação capitalista. O que alguns sociólogos chamam de sociedade do conhecimento. Não resta dúvida, essas são as áreas mais potentes e de maior desdobramento das capacidades produtivas da sociedade moderna.

A quarta característica e cada vez mais conflitiva e arriscada, é o processo de subsunção real do sistema integral da vida do planeta, ou seja, dos processos metabólicos entre os seres humanos e a natureza.

Estas quatro características do capitalismo moderno redefinem a geopolítica do capital em escala planetária, redefinem a composição de classes da sociedade e das classes sociais no planeta.

Não estamos falando só da externalização – para as extremidades do corpo capitalista, da classe operária tradicional, que vimos surgir no século XIX e início do século XX, e que agora se transfere para as zonas periféricas, Brasil, México, China, Índia, Filipinas -, mas também do surgimento, nas sociedades mais desenvolvidas, de um novo tipo de proletariado, um novo tipo de classe trabalhadora. Professores, pesquisadores, cientistas, analistas, que não se veem a si mesmos como classe trabalhadora, mas sim como pequenos empresários, mas que no fundo constituem uma nova composição social da classe trabalhadora, do princípio do século XXI.  

Mas, ao mesmo tempo, temos também uma criação no mundo daquilo que poderíamos chamar de proletariado difuso. Sociedades e nações não capitalistas, que são subsumidas formalmente à acumulação capitalista. América Latina, África, Ásia, falamos de sociedades e de nações não estritamente capitalistas, mas que no conjunto aparecem subsumidas e articuladas como formas de proletarização difusas. Não somente por sua qualidade econômica, mas também pelas próprias características de unificação fragmentada, ou de difícil fragmentação por sua dispersão territorial.

Temos então, não somente uma nova modalidade da expansão da acumulação capitalista, mas também uma reacomodação das classes, do proletariado e das classes não proletárias no mundo. O mundo hoje é mais conflitivo. O mundo hoje está mais proletarizado, só que as formas de proletarização são distintas daquelas que conhecemos no século XIX, princípios do século XX. E as formas de proletarização destes proletários difusos, destes proletários profissionais liberais não tomam necessariamente a forma de um sindicato. A forma sindicato perdeu sua centralidade em alguns países e surgem outras formas de unificação do popular, do laboral, do obreiro.

O que fazer? – a velha pergunta de Lenin. O que fazemos? Compartilhamos diagnósticos sobre o que está errado, sobre o que está mudando no mundo e frente a essas mudanças não podemos responder – ou melhor – as respostas que tínhamos antes são insuficientes, caso contrário a direita não estaria governando aqui na Europa. Está faltando algo em nossas respostas e em nossas propostas. Permitam-me, de maneira modesta, fazer cinco sugestões nesta construção coletiva a que se propõe a esquerda europeia.

A esquerda europeia não pode se contentar com o diagnóstico e a denúncia. O diagnóstico e a denúncia servem para gerar indignação moral e é importante a expansão da indignação moral, mas não gera vontade de poder. A denúncia não é uma vontade de poder. Pode ser a antessala de uma vontade de poder, mas não é a própria. A esquerda europeia e a esquerda mundial, diante desse turbilhão destrutivo, depredador da natureza e do ser humano, impulsionado pelo capitalismo contemporâneo, tem que aparecer com propostas ou com iniciativas.

Nós precisamos construir um novo sentido comum. No fundo, a luta política é uma luta pelo sentido comum. Pelo conjunto de juízos e preconceitos. Pela forma como, de modo simples, as pessoas – o jovem estudante, o profissional, a vendedora, o trabalhador, o operário – ordenam o mundo. Esse é o sentido comum. É a concepção de mundo básica com a qual ordenamos a vida cotidiana. A maneira pela qual valoramos o justo e o injusto, o desejável e o possível, o impossível e o provável. A esquerda mundial tem que lutar por um novo sentido comum, progressista, revolucionário, universalista. Mas, obrigatoriamente, um novo sentido comum.

Em segundo lugar, necessitamos recuperar – como apresentou o primeiro expositor de maneira brilhante – o conceito de democracia. A esquerda sempre reivindicou a bandeira da democracia. É nossa bandeira. É a bandeira da justiça, da igualdade, da participação. Mas para isso temos que nos livrar da concepção da democracia como um fato meramente institucional. A democracia são instituições? Sim, são instituições. Mas é muito mais do que isso. A democracia é votar a cada quatro ou cinco anos? Sim, mas é muito mais do que isso. É eleger o Parlamento? Sim, mas é muito mais do que isso. É respeitar as regras da alternância? Sim, mas não é só isso. Essa é a maneira liberal, fossilizada, de entender a democracia na qual às vezes ficamos presos. A democracia são valores? São valores, princípios organizativos do entendimento do mundo: a tolerância, a pluralidade, a liberdade de opinião, a liberdade de associação. Está bem, são princípios, são valores, mas não são somente princípios e valores. São instituições, mas não são somente instituições. 

A democracia é prática, é ação coletiva. A democracia, no fundo, é a crescente participação na administração dos bens comuns que uma sociedade possui. Há democracia se os cidadãos participam dessa administração. Se temos como um patrimônio comum a água, então democracia é participar na gestão da água. Se temos como patrimônio comum o idioma, a língua, democracia é a gestão comum do idioma. Se temos como patrimônio comum as matas, a terra, o conhecimento, democracia é a gestão comum destes bens. Crescente participação comum na gestão das matas, na gestão da água, na gestão do ar, na gestão dos recursos naturais. Teremos democracia, no sentido vivo, não fossilizado do termo, se a população (e a esquerda trabalhar para isso) participar de uma gestão comum dos recursos comuns, das instituições, do direito e das riquezas.

Os velhos socialistas dos anos 70 falavam que a democracia deveria tocar as portas das fábricas. É uma boa ideia, mas não é suficiente. Deve tocar a porta das fábricas, a porta dos bancos, das empresas, das instituições, a porta dos recursos, a porta de tudo o que seja comum para as pessoas. Nosso delegado da Grécia me perguntava sobre o tema da água. Como começamos na Bolívia? Por temas básicos, de sobrevivência, água! E, em torno da água, que é uma riqueza comum, que estava sendo expropriada, o povo travou uma “guerra” e recuperou a água para a população. Depois recuperamos não somente a água, fizemos outra guerra social e recuperamos o gás e o petróleo, as minas e as telecomunicações, e falta muito ainda por recuperar. Mas a água foi o ponto de partida para a crescente participação dos cidadãos na gestão dos bens comuns que tem uma sociedade, uma região.

Em terceiro lugar, a esquerda tem que recuperar também a reivindicação do universal, dos ideais universais. Dos comuns. A política como bem comum, a participação como uma participação na gestão dos bens comuns. A recuperação dos bens comuns como direito: direito ao trabalho, direito à aposentadoria, direito à educação gratuita, direito à saúde, a um ar limpo, direito à proteção da mãe terra, direito à proteção da natureza. São direitos. Mas são universais, são bens comuns universais frente aos quais a esquerda, a esquerda revolucionária, tem que propor medidas concretas, objetivas e de mobilização. Eu estava lendo no jornal como na Europa estão se utilizando recursos públicos para salvar bens privados. Isso é uma aberração. Usaram o dinheiro dos poupadores europeus para socorrer os bancos.

Usaram bens comuns para socorrer o privado. O mundo está ao contrário! Tem que ser o inverso disso: usar os bens privados para salvar e ajudar os bens comuns. Não os bens comuns para salvar os bens privados. Os bancos têm que ter um processo de democratização e de socialização de sua gestão. Caso contrário, eles vão acabar tirando não somente seu trabalho, sua casa, sua vida, sua esperança e tudo mais, e isso é algo que não se pode permitir.

Também precisamos reivindicar, em nossa proposta como esquerda, uma nova relação metabólica entre o ser humano e a natureza. Na Bolívia, por nossa herança indígena, chamamos isso de uma nova relação entre ser humano e natureza. Como o presidente Evo diz, a natureza pode existir sem o ser humano, mas o ser humano não pode existir sem a natureza. Mas não é o caso de cair na lógica da economia verde, que é uma forma hipócrita de ecologismo.

Há empresas que aparecem ante vocês europeus como protetoras da natureza, como se fossem limpas, mas essas mesmas empresas provocam uma série de desperdícios e danos na Amazônica, na América e na África. Aqui são depredadores, aqui são defensores e ali se tornam depredadores. Converteram a natureza em outro negócio. A a preservação radical da ecologia não é um novo negócio, nem uma nova lógica empresarial. É preciso restituir uma nova relação, que é sempre tensa. Porque a riqueza que vai satisfazer necessidades humanas requer transformar a natureza e ao fazermos isso modificamos sua existência, modificamos a biosfera. Ao modificarmos a biosfera, muitas vezes destruímos a natureza e também o ser humano. O capitalismo não se importa com isso, porque para ele tudo não passa de um negócio. Mas para nós sim, para a esquerda, para a humanidade, para a história da humanidade. Precisamos reivindicar uma nova lógica de relação, não diria harmônica, mas sim metabólica, mutuamente benéfica, entre entorno vital natural e ser humano. Trabalho, necessidades.

Por último, não resta dúvida que precisamos reivindicar a dimensão heroica da política. Hegel via a política em sua dimensão heroica. E seguindo a Hegel suponho, Gramsci dizia que as sociedades modernas, a filosofia e um novo horizonte de vida, tem que se converter em fé na sociedade. Isso significa que precisamos reconstruir a esperança, que a esquerda tem ser a estrutura organizativa, flexível, crescentemente unificada, que seja capaz de reabilitar a esperança nas pessoas. Um novo sentido comum, uma nova fé – não no sentido religioso do termo -, mas sim uma nova crença generalizada pela qual as pessoas dediquem heroicamente seu tempo, seu esforço, seu espaço e sua dedicação.

Eu destaco o que comentava minha companheira quando nos dizia que hoje temos 30 organizações políticas reunidas aqui. Excelente. Isso quer dizer que é possível reunir-se, que é possível sair dos espaços fechados. A esquerda tão débil hoje na Europa não pode se dar ao luxo de ficar distante de seus companheiros. Pode haver diferença em 10 ou 20 pontos, mas coincidimos em 100. Esses 100 tem que ser os pontos de acordo, de proximidade, de trabalho. E deixemos os outros 20 para depois. Somos demasiados fracos para nos darmos ao luxo de seguir em brigas doutrinárias e de pequenos feudos, nos distanciando dos demais. É preciso assumir novamente uma lógica gramsciana para unificar, articular e promover ações comuns.

É preciso tomar o poder do Estado, lutar pelo Estado, mas nunca devemos esquecer que o Estado, mais do que uma máquina, é uma relação. Mais do que matéria, é uma ideia. O Estado é fundamentalmente ideia. E um pedaço é matéria. É matéria como relações sociais, como força, como pressões, como orçamentos, acordos, regulamentos, leis. Mas é fundamentalmente ideia como crença de uma ordem comum, de um sentido de comunidade. No fundo, a luta pelo Estado é uma luta por uma nova maneira de nos unificarmos, por um novo universal. Por uma espécie de universalismo que unifique voluntariamente as pessoas.

Mas isso requer uma vitória prévia no terreno das crenças, uma vitória sobre os nossos adversários na palavra, no sentido comum, ter derrotado previamente as concepções dominantes de direita no discurso, na percepção do mundo, nas percepções morais que temos das coisas. E isso requer um trabalho muito árduo. A política não é somente uma questão de correlação de forças, capacidade de mobilização. Em um momento, ela será isso. Mas ela é, fundamentalmente, convencimento, articulação, sentido comum, crença, ideia compartilhada, juízo e conceito compartilhado a respeito da ordem do mundo. E aqui a esquerda não pode se contentar somente com a unidade de suas organizações. Ela tem que se expandir para o âmbito dos sindicatos, que são o suporte da classe trabalhadora e sua forma orgânica de unificação. 

É preciso ficar muito atento também, companheiros e companheiras, a outras formas inéditas de organização da sociedade, à reconfiguração das classes sociais na Europa e no mundo, às formas diferentes de unificação, formas mais flexíveis, menos orgânicas, talvez mais territoriais, menos por centros de trabalho. Tudo é necessário. A unificação por centros de trabalho, a unificação territorial, a unificação temática, a unificação ideológica. É um conjunto de formas flexíveis, frente às quais a esquerda tem que ter a capacidade de articular, propor e de seguir adiante.

Permitam-me em nome do presidente, e em meu nome, felicita-los, celebrar esse encontro, desejar-lhes e exigir-lhes – de maneira respeitosa e carinhosa – que lutem, lutem e lutem!. Não nos deixem sós, outros povos que estamos lutando de maneira isolada em alguns lugares, na Síria, na Espanha, na Venezuela, no Equador, na Bolívia. Não nos deixem sós. Precisamos de vocês, precisamos mais ainda de uma Europa que não veja somente à distância o que ocorre em outras partes do mundo, mas sim novamente uma Europa que volte a iluminar o destino do continente e o destino do mundo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

FONTE: Carta Maior

domingo, 22 de dezembro de 2013

História de um naufrágio (2)

Por José Luís Fiori

Os socialistas e os social-democratas europeus só perderam definitivamente o seu rumo e a sua identidade, depois do fim da União Soviética.


  
As the twentieth century was coming to a close, socialists could not but re-examine, yet again, the framework of their doctrine. They did so as they had always done: in a confuse and unco-ordinated manner, propelled by the contingency of everyday politics and the pressure of electoral consideration. They could not do otherwise. Moving forward is no guarantee of success. Standing still offers the certainty of defeat”.

Donald Sassoon (1997), One Hundred Years of Socialism, Fontana Press, London, p: 754     


Ao fazer o balanço do socialismo europeu, no início do século XXI, é possível extrair pelo menos três grandes ensinamentos de sua trajetória e de suas experiências governamentais, do século passado: 

i) A  sua identidade doutrinária foi sendo desmontada pelos próprios socialistas, através de sucessivas revisões teóricas, ideológicas e políticas de sua matriz originária, de inspiração marxista, feitas sempre em nome das “transformações do capitalismo”, e das exigências da “luta eleitoral”. Mas a lenta e progressiva “desconstrução” desta matriz não deu lugar à nenhuma outra teoria com a mesma capacidade marxista de definir objetivos, atores e estratégias, a partir de um diagnóstico de longo prazo das tendências críticas do capitalismo. Pelo contrário, estas sucessivas revisões foram criando uma verdadeira “colcha de retalhos”, que foi sendo tecida de forma pragmática, como resposta aos desafios imediatos, e como justificativa de decisões políticas conjunturais, cada vez mais contraditórias, com relação aos objetivos iniciais dos socialistas.

Como vimos no artigo anterior, a primeira “rodada revisionista”, do final do século XIX, foi uma opção política pela “via eleitoral” que acabou tendo um enorme impacto estratégico e de longo prazo, porque significou, na prática, o abandono do projeto revolucionário de ruptura e superação do capitalismo, através da eliminação da propriedade privada, das classes sociais, e do estado. A segunda “rodada revisionista”, da década de 1950, por sua vez, implicou no abandono definitivo da própria ideia de uma sociedade e uma economia socialistas, e  no longo prazo, significou uma opção pelo “aperfeiçoamento” ou “humanização” do próprio capitalismo  De forma que se pode considerar que a terceira grande “rodada revisionista” e neoliberal, dos anos 80 e 90, foi apenas uma culminação da decisão anterior de se adequar periodicamente às “exigências e inovações do Capital”.

Pouco depois, no início do século XXI,  o socialismo europeu já estava transformado numa “torre de Babel” irrecuperável. 

ii) A experiência governamental do socialismo europeu foi bem menos turbulenta e inovadora do que foi sua vida doutrinária. Durante os séculos XIX e XX, os “socialistas utópicos”, de todos os matizes, e os “anarquistas’, por razões óbvias, só participaram pontualmente de alguma experiência de gestão estatal, defendendo - até hoje - várias formas de economia comunitária, cooperativa ou solidária, e várias formas políticas de democracia local, direta ou participativa. E o “socialismo soviético” simplesmente eliminou o problema da gestão estatal do capitalismo, ao coletivizar a propriedade e se propor a construção de uma economia de planejamento central. Por isto coube aos partidos socialistas e social-democratas ( e de forma secundária, aos partidos comunistas) enfrentar o desafio de administrar democraticamente os estados e as economias capitalistas europeias.

Neste campo, entretanto, os socialistas europeus inventaram e inovaram muito pouco com relação às politicas ortodoxas, conservadoras ou convencionais, durante suas três grandes experiências de governo, depois da Iº Guerra Mundial, nos anos 60/70, e durante a “era neoliberal”. Se pode afirmar que nunca existiu um programa de governo específico e exclusivo dos socialistas, que pelo contrário, sofreram sempre uma forte influência e muitas vezes assimilaram, pura e simplesmente, as ideias e projetos dos partidos e governos conservadores. 

No campo da política econômica, por exemplo, os governos socialistas foram quase sempre ortodoxos, como no caso clássico de Rudolf Hilferding, ao assumir o Ministério da Fazenda da Alemanha, em 1928. Mas também no caso do Partido Laborista inglês que optou em 1929 pela “visão do Tesouro”, contra a opinião liberal de John Keynes e David George, e o mesmo aconteceu com o governo social-democrata de Leon Blum, na França, em 1936.

Mesmo depois da II Guerra Mundial, os social-democratas e socialistas seguiram ortodoxos, e só se “converteram” às políticas keynesianas na década de 60. Mas assim mesmo, nas crises monetárias de 1966 e 1972, os governos de Harold Wilson e Helmut Schmid voltaram rapidamente ao trilho conservador da ortodoxia monetarista. Neste sentido, como já vimos, a experiência sueca da década de 1930 foi uma exceção dentro de uma história relativamente monótona e recorrente. E ainda mais, depois da década de 80, e da adesão entusiástica dos socialistas de todos os matizes ao novo ideário neoliberal liderado e popularizado pelos governos anglo-saxões de  Margareth Thatcher e Ronald Reagan. 
  
O mesmo aconteceu no campo da política externa dos governos socialistas e social-democratas do século XX. Foi por aí que começou sua primeira grande divisão interna, por conta de sua tomada de posição frente  à Iº Guerra Mundial.

Mas na década de 30, as coalizões de governo com participação socialista ou social-democrata, também se dividiram frente à Guerra Civil Espanhola e aos primeiros passos da escalada nazista. E voltaram a se dividir durante a Guerra Fria, e foi só tardiamente que eles aderiram ao projeto da unificação europeia iniciado pelas forças conservadoras da França e da Alemanha. Em todo o século XX, uma das raras iniciativas realmente originais e autônomas de uma governo social-democrata, no campo da política internacional, afora a solidariedade genérica dos socialistas, com o “terceiro mundo”, foi a Ostpolitik do governo social-democrata de Willy Brandt, em 1969, que viabilizou os acordos de desarmamento, da década de 70 em 80, e iniciou o grande movimento na direção do “leste”, da Alemanha Ocidental, que acabou produzindo mudanças geopolíticas fundamentais, dentro e fora da Europa. Mas em geral se pode dizer que a política externa dos socialistas, e dos  social-democratas, também se pautou pelas ideias e diretrizes dos partidos e governos conservadores, na Inglaterra, do nacionalismo gaullista, na França, e dos democrata-cristãos, na Alemanha.

Esta falta de “originalidade” talvez explique porque tenha sido durante seus próprios governos que o socialismo e a social-democraica tenham se dividido de forma mais profunda e radical. Uma divisão que chegou no limite da ruptura definitiva, depois da “virada revisionista” dos anos 50, e durante os governos social-democratas que começam na década de 60. Foi o período das grandes revoltas sociais e sindicais que questionaram a estratégia e a organização da “velha esquerda” e criaram as bases dos novos movimentos sociais, com sua proposta de volta às raízes anárquicas e comunitárias do “socialismo utópico”, e sua recusa da política partidária e da participação em governos. 

III) Assim mesmo, no balanço final do século XX,  é fundamental reconhecer que os partidos socialistas e os social-democratas europeus, na oposição ou no governo, mais na oposição do que no governo, e sobretudo depois da II Guerra Mundial, deram uma contribuição decisiva para a diminuição da desigualdade social, e para a universalização de formas de proteção social e planejamento que haviam sido experimentadas durante a guerra. Mesmo quando estas políticas também tivessem sido apoiadas e incentivadas por vários partidos e governos conservadores.

De fato, os socialistas e os social-democratas europeus só perderam definitivamente o seu rumo e a sua identidade, depois do fim da União Soviética, que havia contribuído, no período anterior, para sustentar a imagem progressista do socialismo europeu, no cumprimento de sua função, dentro da Guerra Fria, de “alter-ego crítico” e de oposição de esquerda, ao socialismo soviético.


FONTE: Carta Maior

sábado, 14 de dezembro de 2013

A Classe Operária


Por José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras *


Como todos sabem, já faz algum tempo, não se gera vida espontaneamente. Nem os criacionistas confiam que isso seja possível. Da mesma forma, por que acreditar que as massas, em movimento, tomarão, espontaneamente, o caminho da Revolução? As leis que governam uma e outra gravidez equivalem-se.

Quando Marx e Engels se preocupam com a organização dos trabalhadores, na gênese do movimento comunista internacional, indicam claramente que esse é um dos pressupostos do sucesso ou do malogro da luta da classe operária. Mesmo porque, do outro lado da rua, os capitalistas estão a postos, estruturados, disciplinados e aparelhados.

A defesa do "apoliticismo” das mobilizações e o discurso "antipartido” e "antiorganização” são mais velhos que a antiga e mal-falada profissão. A repetição da chorumela, ao longo da história do movimento de massas, aqui e aonde quer que seja, enfastia.

Mas sempre haverá quem a revitalize, assim como sempre haverá um cabo à espreita para enredar os que berram contra os partidos, contra os sindicatos, contra os políticos. Um cabo, vê-se, estipendiado pelos democratas da linhagem dos Krupp, dos Thiesen, dos Kirdoff, dos Porsche, dos Hugo Boss, da IG Farben, da AEG ou da estirpe de nossa gloriosa Fiesp (como Paulo Egydio Martins relembra, denuncia e não se arrepende).

Não porque o ex-governador e a finíssima flor do capitalismo alemão fossem (ou são) malvados, feios e perebentos. Também. Mas o que os guia é a consciência de classe. Essa mesma consciência que eles fazem de tudo para retirar, e negar, aos trabalhadores. Ora, quando decretaram o fim da história quem eles pretendiam que houvesse finado? A contradição de classes, et pour cause, a luta de classes. Quer dizer, promulgaram o falecimento de apenas um dos polos das contradições.

Quando o atual ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, foi indicado, vieram à imprensa duas autorias memoráveis de seu avô: o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, o cabra marcado para morrer, em 1962; e o assassinato da líder camponesa Margarida Maria Alves, em 1985, que a "Marcha das Margaridas” lembra todos os anos. Pois bem, confrontado com o passado, o neto, sem a falsa sofisticação dos Fukuyama, proclamou: "Isso é coisa daquela época, agora, depois da queda do Muro de Berlim, acabou essa história de esquerda e direita”.

Assim, decretado, passou a compor alegremente o Ministério da presidente. Nenhum remorso, nenhum arrependimento, pois seu avô fez que o se esperava que os de sua classe fizessem, naqueles tempos terríveis quando ainda havia no mundo esquerda e direita.

A jornalista Juliana Cunha, do "Já Matei por Menos”, parodiando o velho dito, diz que "ideologia boa é ideologia naturalizada”. E, assim absorvida, passa a constituir senso comum. Como tal, engolem-se barbaridades como as do neto do matador de camponeses como ingênitas, de rerum natura. O antinatural seria o oposto, é claro. O imperdoável, jamais prescrito, seria Teixeira ter eliminado o avô do ministro.

Se as classes existem, é procedente que se organizem em defesa de seus interesses de classe. Principalmente a classe operária, vitimada nas últimas décadas pela mais poderosa campanha de cerco e aniquilamento ideológico. Mas não a organização domesticada dos sindicatos e das centrais sindicais.

Do ponto de vista da burguesia, dos capitalistas, a organização sindical hoje, aqui, nos Estados Unidos, Europa, Ásia ou África, equivale-se aos clubes lítero-musicais do século XIX, tão anódina, inofensiva. Desse mato, não sai coelho.

Qual, então, seria a organização adequada à classe operária, para que ela possa defender seus interesses de classe e opor-se à classe que a quer ver descaracterizada, enfraquecida, despolitizada, desideologizada, corrompida?

O Partido da Classe Operária

Não existe outro espaço à classe operária que o seu próprio partido, Estado-Maior que a conduzirá no confronto, diário e final, com os capitalistas. O Partido da Classe Operária é o meio indispensável, vitam aut mortem, para a vitória do socialismo, para a prevalência dos interesses da maioria sobre o capitalismo e sua mais cruel invenção, o neoliberalismo.

Nos anos 60/70, quando do tronco fundador brotam, espocam miríades de partidos e organizações, debatia-se com paixão e inevitável sectarismo a construção ou reconstrução (caso o PCB tivesse sido) do Partido da Classe Operária e havia mesmo quem presumisse pôr-se como célula geradora da (re)construção do Partido.

Nas décadas seguintes, dividida, subdividida, estripada, perdida, desviada, descaminhada para as mais absurdas opções, incluindo-se aí a pretensa sementeira, as esquerdas deixaram o debate sobre a indispensabilidade do Partido para coçar as feridas dos erros. E diante deles, ao invés de corrigi-los, reproduz o que já vimos tantas vezes na história: capitula.

A tal da redemocratização (cui prodest, cara pálida?) consolida a renúncia de boa parte da esquerda à revolução, ao socialismo e, quando muito, ela passa a militar a favor de uma peculiar social democracia de tipo novo, a socialdemocracia que gera esse prodígio chamado nova classe média, dezenas de milhões de brasileiros admitidos no maravilhoso mundo do consumo, levando na carteira, em média, mágicos 270 reais. Alvíssaras!

Enquanto isso, nenhum aparte sobre a massacrante, incessante, exploração da classe operária. E a classe, desorganizada, despolitizada, desideologizada, não reage, inconsciente de seus interesses e de sua força. E assim, nessa toada, nesse rame-rame medíocre lá vamos nós... para as eleições de 2014.

Paulo, o apóstolo, inventou o cristianismo ao determinar que fora da igreja não haveria salvação. Não estaremos inventando nada ao proclamar que sem partido não haverá salvação para a Classe Operária e, em consequência, para a redenção de todo o povo brasileiro, notadamente para a classe média de 270 reais por mês.

Os esquerdistas tradicionais costumavam ser severos na crítica ao neoliberalismo dos governos de FHC e mais severos ainda na crítica aos erros acontecidos no ex-bloco socialista. São experts na longa catalogação dos erros do comunismo internacional e descem a ripa com fervor inquisitorial no Partido Comunista Brasileiro, o dito Partidão, hoje rara luz nesse cinzento político que encobre o país.

Há ainda os pentitti, envergonhados de seu passado, que fazem coro com crítica de direita ao PT, considerando o socialismo e marxismo superados, defendendo um capitalismo não selvagem, como se a selvageria não fosse característica intrínseca do sistema capitalista, ainda mais nos tempos de globalização.

É claro que ocorreram erros graves nos países ditos socialistas e consequentemente nos partidos comunistas que lhes davam sustentação. Mas nunca é demais lembrar do cerco e da ofensiva do império dos Estados Unidos contra a antiga União Soviética, República Popular da China e Cuba, por exemplo, inclusive aproveitando as contradições sino-soviéticas.

Mas faz toda a diferença criticar os erros pela esquerda ou simplesmente capitular ao discurso conservador de que o capitalismo é eterno, esquecendo-se, deliberadamente, que as crises são provocadas pelo próprio sistema capitalista.

Na revolta das ruas, ficou evidente o fracasso da modelo social-liberal dos governos petistas e de comunistas de logotipo, que administram as crises capitalistas com inimigos de classe. Como diz o padeiro, é impossível fazer pão de primeira com farinha de terceira.

Por isso, os explorados e oprimidos continuam protestando nas ruas e berrando que, apesar deles, amanhã há de ser outro dia e essas figuras não terão como se esconder na euforia. E o povo trabalhador cantará Chico Buarque: quando chegar o momento esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro, todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro...

*José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras são jornalistas.

FONTE: Adital

domingo, 1 de dezembro de 2013

Retomar a estratégia do socialismo


Por Jeferson Choma
Em tempos de crise econômica se revela a verdadeira face do capitalismo. A crise atual atinge as maiores economias do mundo, varrendo do mapa empregos e semeando miséria e pobreza para a maioria. Por outro lado, nunca se viu tanto dinheiro ser despejado para salvar uma ínfima minoria - empresários e banqueiros. 

Nunca na humanidade houve tanta gente excluída. Nunca houve tanto dinheiro para tão poucos. Mesmo num país como os Estados Unidos, com anos de crescimento econômico, revela-se agora que nunca houve tanta desigualdade social. Nunca se produziu tanta mercadoria. Nunca também se trabalhou tanto tempo. Nunca se viu tamanho desenvolvimento tecnológico. Nunca, porém, se viu tantos desempregados e tamanha ação predatória contra a natureza. 

Durante a década de 1990, com a queda do muro de Berlim e a ofensiva neoliberal, a esquerda foi sacudida por um vendaval oportunista: muitos se perderam, acreditando que não havia mais saída por fora do capitalismo. Falar em socialismo, luta de classe e revolução mundial era considerado “fora de moda”. 

Hoje, vinte anos depois da tão proclamada “vitória do capitalismo sobre o socialismo”, a mentira da globalização e do neoliberalismo provou que não era capaz de resolver os mais básicos problemas dos trabalhadores. A crise atual demonstra que o capitalismo está aproximando a humanidade da barbárie. Seu início indica que, se depender da grande burguesia, a crise vai causar um drástico rebaixamento dos salários em todo o mundo. Haverá uma queda dos rendimentos dos operários nos países imperialistas ao nível dos países como o Brasil ou Argentina. E os salários daqui vão cair aos níveis pagos na China. Além disso, vários países quebrarão e perderão seu parque industrial inteiro, aumentando o desemprego de maneira colossal. 

Mas é possível mostrar que a humanidade pode seguir por outro caminho. Que é possível recusar a barbárie. Por isso, é um novo desafio colocar hoje o socialismo como alternativa. 

Capitalismo, um flagelo da humanidade

O capitalismo é um sistema em decadência, que desenvolve tecnologia unicamente para obter lucros e não para benefício da humanidade. Ao contrário, quase sempre a utiliza para a destruição do homem e da natureza. Esse sistema precisa desesperadamente das guerras para gerar lucros. Nele vigoram a anarquia da produção, o consumo descontrolado e supérfluo de uma minoria, a superexploração dos recursos naturais que provoca um desastre ecológico mundial e a especulação financeira.

A classe dos capitalistas é formada pelos proprietários de meios de produção social, que exploram o trabalho assalariado. Os trabalhadores assalariados não possuem meios próprios de produção e são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviverem.

O domínio das grandes empresas sobre a economia e seu funcionamento com base no mercado só é possível em função da propriedade privada. Dessa forma, a abolição da propriedade privada dos meios de produção, das grandes empresas, é uma condição necessária à superação do capitalismo.

Uma economia socialista pressupõe a expropriação da burguesia. Só assim é possível suprimir a busca do lucro por parte da burguesia, força motriz da produção capitalista, e organizar a economia para satisfazer às necessidades dos trabalhadores.

Tecnologia a serviço da humanidade 

É bastante conhecido o desenvolvimento tecnológico promovido pelo capitalismo nos últimos anos, como a informática e a robotização. No entanto, o avanço tecnológico não resultou em uma melhoria nas condições de vida dos trabalhadores ou na diminuição do tempo de trabalho. Isso porque qualquer inovação tecnológica sob o capitalismo está direcionada a produzir mais lucros para os patrões. 

“Melhorar a maquinaria equivale a tornar supérflua uma massa de trabalho humano. E assim como a implantação e o aumento quantitativo da maquinaria trouxeram consigo a substituição de milhões de operários manuais por um número reduzido de operários mecânicos, seu aperfeiçoamento determina a eliminação de um número cada vez maior de operários das máquinas e, em última instância, a criação de uma massa de operários disponíveis que ultrapassa a necessidade média de ocupação do capital, de um verdadeiro exército industrial de reserva”. (Engels, Do socialismo utópico ao socialismo cientifico). 

Assim, no capitalismo o excesso de trabalho de uns é a condição determinante para o desemprego de outros. “E a maquinaria, o recurso mais poderoso que se pôde criar para reduzir a jornada de trabalho, converte-se no mais infalível recurso para converter a vida inteira do operário e de sua família numa grande jornada disponível para a valorização do capital”. (Engels)

Mas é possível utilizar os avanços da tecnologia para facilitar uma experiência não capitalista nos dias de hoje. Sob o planejamento socialista da economia, a inovação tecnológica será voltada a diminuir a jornada de trabalho e a erradicar o desemprego.

Os trabalhadores são embrutecidos culturalmente pela exploração capitalista, inferiorizados pela burguesia. Numa economia dirigida para o socialismo, porém, eles teriam mais tempo disponível para se desenvolverem culturalmente, se dedicarem a suas famílias e a participarem da vida política do país. 

Diferente da realidade atual, em que se trabalha muitas vezes dez horas por dia, deixando milhões desempregados, é possível que os trabalhadores tenham uma jornada de apenas uma parte do dia - manhã, tarde ou noite. A outra parte do tempo poderia ser dedicada para a educação, possibilitando um salto no conhecimento da população, e para a vida cultural. E, principalmente, os trabalhadores teriam tempo para se dedicar ao controle da economia e da sociedade, possibilitando uma verdadeira democracia. 

O fabuloso avanço tecnológico conquistado na área de comunicação, como a televisão e a internet, por exemplo, permitiria a rápida circulação de informação para todos sobre tudo o que se passa na vida política, cultural e social do país. A internet e as novas tecnologias poderiam ser aliadas na construção da sociedade socialista, possibilitando que na casa dos trabalhadores chegassem os debates reais sobre os rumos da economia, tecnologia, situação política etc. A democracia operária continuaria funcionando baseada nas assembleias. Mas a informação e o debate poderiam ser acumulado em discussões e debates pela televisão e internet. Por outro lado, a informática possibilitaria uma enorme facilidade para a contabilidade da produção e circulação de mercadorias, que poderiam assim ser mais facilmente controladas.

“Pela primeira vez, surge agora, e surge de um modo efetivo, a possibilidade de assegurar a todos os membros da sociedade, através de um sistema de produção social, uma existência que, além de satisfazer plenamente e cada dia mais abundantemente suas necessidades materiais, lhes assegura o livre e completo desenvolvimento e exercício de suas capacidades físicas e intelectuais.” (Engels)

É possível uma democracia superior à democracia burguesa?

A abolição do capitalismo significa também o fim do Estado burguês. O Estado na forma como o conhecemos hoje é um conjunto de instituições – o governo que administra o cotidiano do país, a Justiça, o Parlamento e as Forças Armadas – que tem uma função central, manter e preservar o sistema capitalista, cuja base é a propriedade privada. 

Por isso o Estado capitalista deve ser substituído pelo Estado operário, onde as decisões seriam tomadas por todos os trabalhadores. Os novos organismos que constituiriam a base deste Estado seriam os conselhos operários que existiriam em âmbito municipal, estadual e nacional. Os conselhos seriam formados por representantes eleitos em suas ramificações nas fábricas e bairros, onde também seriam eleitos os responsáveis pela administração dos respectivos setores urbanos. 

Dessa forma, os funcionários e administradores deste Estado seriam eleitos pela base, mas com mandatos revogáveis a qualquer momento. Teriam salários iguais aos dos operários, sem qualquer privilégio. Algo bem diferente dos parlamentares da democracia burguesa, eleitos por quatro anos sem dar nenhuma satisfação a população. 

Essa democracia – infinitamente superior a democracia burguesa – permitiria que a maioria da população debatesse todas as decisões do país. Desde pequenas obras necessárias nos bairros, a construção de fábricas, até a decisão sobre o orçamento do país, ou ainda as prioridades do planejamento estatal da economia.

Esse novo Estado reorganizaria a economia de forma planejada, não sob a lógica dos patrões de obter lucros, e sim dirigida para satisfazer as necessidades dos trabalhadores. 

Assim, a economia não estaria mais sujeita a crises, ao desemprego, porque ela estaria submetida a um controle por parte da coletividade sobre o processo social de produção e distribuição.

Experiência histórica da URSS

A retomada da estratégia socialista hoje é impossível sem fazer um balanço do que se passou no leste europeu, e em particular na Rússia. Essa fantástica experiência histórica, a primeira em que o proletariado exerceu seu poder enquanto classe terminou derrotada. Mas dela se extrai uma lição fundamental, nos avanços que significou a expropriação da burguesia, a democracia soviética dos primeiros anos da revolução e na rejeição ao stalinismo.

Antes da revolução, a Rússia era o país mais atrasado país da Europa. Mas se transformou numa potência mundial que se aproximou dos níveis dos EUA. A revolução assegurou aos trabalhadores o acesso aos serviços sociais e o pleno emprego. Promoveu nos primeiros anos um amplo desenvolvimento cultural e artístico e erradicou o analfabetismo num país onde 90% não sabiam ler ou escrever. 

Quando o mundo capitalista sucumbia a Grande depressão de 1929, a economia da União Soviética (URSS) crescia em média 10% ao ano. Mesmo no período de Stalin, o desenvolvimento da URSS era impressionante. Trotsky escreveu sobre isso em A Revolução Traída : “nos últimos dez anos (1925-1935), a indústria pesada soviética aumentou sua produção dez vezes”. Já o capitalismo, para superar sua crise econômica reinventou até novas formas de escravismo, implementadas pelo nazismo de Hitler contra os judeus e eslavos.

A experiência da revolução russa incluiu também em seus primeiros sete anos o maior exemplo de democracia de toda a história da humanidade, muito superior ao de qualquer democracia burguesa. 

Já existia uma breve experiência anterior, como a criação de conselhos populares com a revogabilidade de mandatos, que foi implementada na Comuna de Paris (primeiro governo operário da história em 1871).

Mas a experiência russa foi de maior fôlego e demonstrou que era possível os trabalhadores tomarem o poder e também construir sociedades sob sua direção. Os conselhos de operários e camponeses (sovietes) discutiam e decidiam sobre tudo. Os sovietes locais dirigiam diretamente as empresas e regiões, além de participarem na discussão e decisão dos grandes temas nacionais. Grandes debates foram realizados e decididos com a participação direta de milhões, como o que fazer com a economia, a guerra etc. Neles havia a participação direta de várias correntes políticas, a favor ou contra as posições do governo revolucionário.

A vida cultural floresceu livremente, gerando grande marcos na cultura mundial como na poesia (Mayakovsky), cinema (Eisenstein), pintura (Malevitch) e muitos outros. Esta parte da história foi esquecida pelo amargo, cinzento e brutal período da repressão stalinista. 

Mas o isolamento da jovem república soviética cobrou um preço caro. A batalha pelo socialismo na URSS não dependia apenas da arena nacional, mas, sobretudo, da internacional. “Quanto mais tempo a URSS fique cercada de capitalismo, tanto mais profunda será a degeneração dos tecidos sociais. Um isolamento indefinido deve trazer, inevitavelmente, não o estabelecimento de um comunismo nacional, mas a restauração do capitalismo”, escreveu Trotsky.

A derrota da revolução no conjunto da Europa fortaleceu a burocracia representada por Stalin que se apoderou do poder e impôs uma ditadura burocrática, destruindo a democracia soviética. O veredicto de Trotsky infelizmente se confirmou. 

Entretanto, a experiência da Revolução Russa mostrou que o socialismo não é só possível como necessário e, como registrou Trotsky, “mesmo no caso de que a URSS, por culpa de seus dirigentes, sucumbisse aos golpes do exterior – coisa que esperamos firmemente não ver – ficaria, como prenda do futuro, o fato indestrutível de que a revolução proletária foi o única que permitiu a um país atrasado obter, em menos de vinte anos, resultados sem precedentes na História”.


FONTE: Portal do PSTU