quarta-feira, 18 de outubro de 2017

As mulheres militantes na grande Revolução de Outubro



Por José Levino


Há uma infinidade de obras sobre a Revolução Russa e seus grandes líderes. Porém, sobre a participação das mulheres não há um número significativo de publicações, à exceção das obras de Alexandra Kollontai, que foi a única ministra do primeiro governo bolchevique. A libertação da mulher foi o eixo fundamental da sua vida, como escritora e como militante. Num artigo raro, publicado no Diário Feminino de Moscou, edição de 11 de novembro de 1927, é a própria Kollontai que fala sobre essa temática. Segue um extrato do seu artigo. 

As mulheres que participaram da Grande Revolução de Outubro – quem eram elas? Indivíduos isolados? Não, havia multidões delas; dezenas, centenas e milhares de heroínas anônimas que, marchando lado a lado com os operários e camponeses sob a Bandeira Vermelha e a palavra-de-ordem dos Sovietes, passou por cima das ruínas do czarismo rumo a um novo futuro…

Alexandra Kollontai
Se alguém olhar para o passado, poderá vê-las, essa massa de heroínas anônimas que outubro encontrou vivendo nas cidades famintas, em aldeias empobrecidas e saqueadas pela guerra… O lenço em sua cabeça, uma saia gasta, uma jaqueta de inverno remendada… Jovens e velhas, mulheres trabalhadoras e esposas de soldados camponesas e donas-de-casa das cidades pobres. Mais raramente, muito mais raramente, secretárias e mulheres profissionais, mulheres cultas e educadas. Mas havia também mulheres da intelligentsia entre aqueles que carregavam a Bandeira Vermelha à vitória de Outubro – professoras, empregadas de escritório, jovens estudantes nas escolas e universidades, médicas. Elas marchavam alegremente, generosamente, cheias de determinação. Elas iam a qualquer parte que fossem enviadas. Para a Guerra? Elas colocavam o quepe de soldado e tornavam-se combatentes no Exército Vermelho. Se elas portassem fitas vermelhas no braço, então corriam para as estações de primeiros-socorros para ajudar o Front Vermelho contra Kerenski na Gatchina. Trabalhavam nas comunicações do exército. Trabalhavam felizes, convictas de que alguma coisa significativa estava acontecendo.  Nas aldeias, a mulher camponesa (seus maridos tinham sido enviados para a Guerra) tomava a terra dos proprietários e arrancava a aristocracia dos postos onde ela se alojou por séculos.

Ainda não tinham certeza do que exatamente queriam, pelo que lutavam, mas sabiam uma coisa: não iriam continuar suportando a guerra. No ano de 1917, o grande oceano de humanidade se levanta e se agita, e a maior parte desde oceano feita de mulheres…Algum dia a historia escreverá sobre as proezas dessas heroínas anônimas da revolução, que morreram na Guerra e amargaram incontáveis privações nos primeiros anos seguintes à revolução, mas que continuaram a carregar nas costas o Estandarte Vermelho do Poder Soviético e do comunismo.

Entretanto, fora deste mar de mulheres de lenços e toucas surradas inevitavelmente emergem as figuras daquelas a quem os historiadores devotarão atenção particular, quando, muitos anos depois, eles escreverem sobre a Grande Revolução de Outubro e seu líder, Lênin.

Nadezhda Krupskaya
A primeira figura que emerge é a da fiel companheira de Lênin, Nadezhda Konstantinovna Krupskaya, vestindo seu vestido cinza liso e sempre se esforçando para permanecer em segundo plano. Via e ouvia tudo, observando tudo o que acontecia; então ela poderia mais tarde fornecer um relato completo para Vladimir Ilich, adicionar seus próprios hábeis comentários e expor uma ideia sensata, apropriada e conveniente.

Ela trabalhou incansavelmente como braço direito de Vladimir Ilich, ocasionalmente dando depoimentos e relatando críticas nas reuniões do partido. Em momentos de grande dificuldade e perigo, quando muitos camaradas firmes perderam o ânimo e sucumbiram às dúvidas, NadezhdaKonstantinovna permaneceu sempre a mesma, totalmente convencida da justiça da causa e de sua vitória certa. Ela transmitia inabalável confiança, e sua firmeza de espírito, escondia uma rara modéstia, sempre contaminava com seu ânimo todos aqueles que entravam em contato com a companheira do grande líder da Revolução de Outubro.

Outra figura que se destaca – outra leal parceira de Vladimir Ilich, uma camarada-em-armas durante os anos difíceis do trabalho clandestino, secretária do Comitê Central do Partido, Yelena Dmitriyevna Stassova. Inteligente, com uma rara precisão, e uma excepcional capacidade para o trabalho, uma rara habilidade para “apontar” as pessoas certas para o trabalho. Em suas mãos, segurava um caderno de anotações, enquanto ao seu redor multidões de camaradas do front, trabalhadores, guardas vermelhos, membros do partido e dos Sovietes, buscavam respostas claras ou ordens.

Yelena Stassova
Stassova carregou a responsabilidade por muitos negócios importantes, mas se um camarada demonstrava necessidade ou angústia nesses dias tempestuosos, ela sempre podia auxiliar, fornecendo explicações, ela fazia o que estava ao seu alcance. Ela não gostava de ser o centro das atenções. Sua preocupação não era com ela mesma, mas com a causa.

Pela nobre e estimada causa do comunismo, Yelena Stassova experimentou o exílio e a detenção nas penitenciárias do regime czarista, deixando-a com a saúde prejudicada… Em nome da causa ela era firme como aço. Mas em relação ao sofrimento de seus camaradas, ela demonstrava a sensibilidade e a receptividade que só se encontram em uma mulher com um coração afetuoso e nobre.

Klavdia Nikolayeva era uma mulher trabalhadora de origem muito humilde. Ela uniu-se aos bolcheviques já em 1908, nos anos da reação, e suportou o exílio e a prisão… Em 1917, ela retornou a Leningrado e se tornou a organizadora da primeira revista para as mulheres trabahadoras, Kommunistka. Ela ainda era jovem, cheia de ânimo e ansiedade. Então ela segurava firmemente o estandarte, e corajosamente declarava que as trabalhadoras, esposas de soldados e camponesas precisavam ingressar no partido. Ao trabalho, mulheres! Vamos defender os Sovietes e o Comunismo!  Ela era uma daquelas que lutou em duas frentes – pelos Sovietes e o comunismo, e ao mesmo tempo para a emancipação das mulheres.

Konkordia Samoilova
Os nomes Klavdia Nikolayeva e Konkordia Samoilova, que morreram exercendo funções revolucionárias em 1921 (vítimas da cólera), são indissoluvelmente ligados aos primeiros e mais difíceis passos do movimento das trabalhadoras, particularmente em Leningrado. Konkordia Samoilova foi uma militante do partido de incomparável abnegação, excelência, uma oradora metódica que sabia ganhar os corações dos trabalhadores. Aqueles que trabalhavam ao seu lado lembrarão por muito tempo de Konkordia Samoilova. Ela era simples nos costumes, simples na aparência, exigente na execução das decisões, severa com ela mesma e com os outros.

Particularmente notável é a gentil e encantadora figura de Inessa Armand, que foi incumbida de um trabalho partidário muito importante na preparação da Revolução de Outubro, e que depois contribuiu com muitas ideias criativas para o trabalho entre as mulheres. Com toda sua feminilidade e bondade nas maneiras, Inessa Armand era inabalável em suas convicções e capaz de defender aquilo que ela acreditava correto, mesmo quando deparada com temíveis oponentes. Depois da revolução, Inessa Armand se dedicou à organização do amplo movimento das trabalhadoras.

Um imenso trabalho foi feito por Varvara Nikolayevna Yakovleva durante os difíceis e decisivos da Revolução de Outubro em Moscou. No terreno de batalha das barricadas, ela mostrou a determinação meritória de uma líder do quartel-general do partido. Muitos camaradas disseram na ocasião que sua determinação e coragem inabaláveis foi o que deu ânimo aos vacilantes e inspirou aqueles que haviam perdido suas forças.

  Anna Yelizarova-Ulyanova

Maria Ulyanova
Ao recordar das mulheres que tomaram parte na Grande Revolução de Outubro, mais e mais nomes e faces surgem como mágica da memória. Poderíamos deixar de honrar a memória de Vera Slutskaya, que trabalhou de modo abnegado na preparação para a revolução e que foi morta pelos Cossacos no primeiro front Vermelho próximo a Petrogrado? Podemos nos esquecer de Yevgenia Bosh, com seu temperamento inflamado, sempre pronta para a batalha? Ela também morreu no trabalho revolucionário.  Podemos nos omitir de mencionar aqui dois nomes intimamente ligados com a vida e a atividade de V. I. Lênin – suas duas irmãs e companheiras em armas, Anna Ilyinichna Yelizarova e Maria Ilyinichna Ulyanova?

…E a camarada Varya, das oficinas de linhas de trem em Moscou, sempre animada, sempre inquieta? E Fyodorova, trabalhadora têxtil de Leningrado, com seu rosto amável e sorridente e seu destemor quando estava lutando nas barricadas?

É impossível listar todas elas, e quantas delas permanecem desconhecidas? As heroínas da Revolução de Outubro formavam todo um exército, e embora seus nomes estejam esquecidos, sua abnegação vive em cada vitória daquela revolução, em todos os ganhos e façanhas desfrutadas pelos trabalhadores da União Soviética.

É lógico e incontestável que, sem a participação das mulheres, a Revolução de Outubro não traria a Bandeira Vermelha da vitória.

Glória às trabalhadoras que marcharam sob a bandeira vermelha durante a Revolução de Outubro. Glória à Revolução de Outubro que libertou as mulheres!

José Levino, historiador


FONTE: A Verdade

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O Socialismo Utópico brasileiro


Por John Kennedy Ferreira



A divulgação das ideias socialistas no Brasil é totalmente original em relação aos demais países do subcontinente. Esses países realizaram Revoluções de Independência, instaurações de Estados Republicanos alterações e mudanças nas instituições.

O processo brasileiro ocorre de modo distinto, aqui as instituições praticamente eram as mesmas da colônia e a ausência de um comércio e de uma indústria desenvolvidas deixava um vazio nas relações sociais. Ou seja, trata-se de um país agrário onde a mão de obra é escrava e ao mesmo tempo, tem-se uma classe dominante cônscia de seu papel histórico e das dificuldades de seu presente.

El Brasil Independiente desde 1822 bajo La fórmula de um gobierno imperial orientado por uma oligarquia culta penetrada por La masonaria, presentara historicamente uma combinación muy apta para AL desarrollo de lãs nuevas ideas de “reforma social” de tipo cientificista. Esas minorias, por definición liberadas del ideário tradicionalista, son conscientes de atraso del pais de sudebilidad y em definitiva de su in evitable sometimiento a grandes pontencias europeas, antes Portugal y a hora Inglaterra.
El “proyecto social” del saintsimonísmo, especialmente em la version que protagonizan constructores y administradores de ferrocarriles como Cichel Chevalier y Prosper Enfantín, los banqueros Péreire, y e otros empresários y economistas, partidários de expansión de la ordenacíon econômica de La socierdad, de la eficácia del Estado, tuvo que encontrar necesariamente eco em lãs altas esferas de la economia y La política brasilenas (VÉASE  apud  RAMA, 1996, p.LV).

Ademar Leonidio chama atenção para uma particularidade que define a diferença entre o pensamento socialista no Brasil e noutros países vizinhos.

É difícil falar no Brasil em uma linha evolutiva que leva da radicalização dos ideais de liberdade e de igualdade ao Socialismo Utópico, como se deu na Europa. Quando tais ideias “aportaram” no Brasil, na década de quarenta do Século XIX, encontraram uma situação sui generis: ausência de uma burguesia enquanto classe social distinta e muito pouco trabalho livre. O comércio e o artesanato, embora com pequenas diferenças regionais, continuavam muito reduzidos. Além disso, predominava, mesmo aí, o trabalho escravo, conforme testemunhou Tollenare alguns anos antes:

Um mestre-de-obras, um marceneiro, um carpinteiro, um ferreiro, um pedreiro, um chefe, enfim, de qualquer destas profissões, em lugar de assalariar operários livres, compra negros e os instrui (…) Portanto, era nas camadas médias urbanas – profissionais liberais, burocratas e até homens de Estado – que as ideias socialistas, como todas as ideias novas que vinham de fora, encontrariam uma base para sua difusão. Maselas em si não representavam nenhuma classe social concreta. (LEONIDIO, 2009, p.99-100)

Portanto a naturalização do discurso socialista no Brasil, ocorrerá de forma distinta do discurso que predominou na Europa, especial na revolução de 1848, onde o houve um encontro entre o Socialismo, Democracia e Republicanismo e que foi o motivo de encantamento dos socialistas utópicos de outros países latino-americanos.

Entre os pioneiros do Socialismo no Brasil, destacam-se os médicos franceses Jean Maurice Faivre e Jean Benoit Mure, ambos discípulos de Charles Fourier. Faivre nascido em 1795 na França forma-se em Medicina em 1825 onde tomou contato com as ideias de Saint-Simon e Charles Fourier, tornando-se um adepto deste último.

Jean Maurice Faivre, pioneiro
do socialismo no Brasil, década
de 1840 (fonte: Wilkepedia)

O Brasil em 1826. O Brasil é um país recém-independente.  Faivre, começa a trabalhar no Exército e  pouco é indicado para o Hospital da Corte e ainda figurará como um dos cinco fundadores da Academia Imperial de Medicina. Na década de 1840, valendo-se de suas relações na Corte e com a Imperatriz Tereza Cristina, do qual era médico particular, obtém fundos para financiar em 1847 um falanstério no meio da selva na província de São Paulo (hoje Parará). O Falanstério Teresa Cristina as margens do rio Ivaí. O núcleo inicial era composto por 25 famílias e outras vieram da França. (MANFREDINI, 2013).
Faivre imaginou que se refugiado na selva, junto com seus aderentes, desenvolvendo vida livre e igualitária, estaria a salvo das iniqüidades – sobretudo morais – que haviam assolados o mundo das cidades. (idem 2013).

A Colônia apresentou como uma de suas marcas a proibição da escravidão isso, isso quarenta  anos antes da abolição no Brasil. Faivre distribuiu terras e ajudou na quitação dividas.

Nos primeiros anos a Colônia expressou algum progresso com a produção de rapadura e aguardente, construiu uma olaria. Mas o isolamento fez com que aos poucos as famílias fossem abandonando Tereza Cristina e em 1858, vítima de uma febre Faivre morreu e a Colônia pouco depois acabou.

O presidente da província do Paraná não deixa de tecer elogios a ação pioneira e a retidão moral e política de Faivre como um exemplo de homem puro e dedicado a uma causa. (MANFREDINE, 2013)

A outra experiência deu-se com o Dr. Jean Benoit Mure, médico que veio para o Brasil em 1841. Aqui  tem como missão convencer a conservadora Corte brasileira a lhe dar estrutura para a construção de um falanstério no Brasil. Após  alguns anos de trabalho consegue, junto ao Brigadeiro Machado Oliveira terras na região de Sai em Santa Catarina para construção de seu falanstério. (QUEIROZ, 1990, p10).

Para tanto traz da França um grupo de colonos que  logo se dividem entre as duas lideranças; a primeira de Mure e a segunda de Michel Derrion. Que funda outro falanstério na região de Palmital. O fato é que ambas tentativas deram em fracassos na década de 1840, movidas por brigas internas, interesses particulares que desafiavam o dogma de Charles Fourier de construção do Paraíso na terra. (QUEIROZ , 1990, p 11)

Apesar do fracasso, Mure continuou a divulgar o fourierismo e o socialismo através de seu jornal o “Socialismo da Província” e consegue que seja aprovado na conservadora Corte imperial a construção de um novo falanstério  que é saudado assim pelo jornal de Mure (LEONÍDIO, 2009,p104).

O Brasil é o primeiro país onde o governo acolhe e protege até a ciência social, o fourierismo! O governo do Brasil é o primeiro que prestou às ideias sociais o auxílio da sua legislação! Há quatro anos, de acordo com as câmaras, o governo autorizou a formação de um falanstério; hoje um ilustre senador do Império colocando-se à frente do progresso social no seu país, acaba de obter de Sua Majestade Imperial o decreto que publicamos abaixo e de cuja execução pode datar uma nova era de verdadeira prosperidade (O Socialista da Província do Rio de Janeiro, 06/08/1845).

Acreditava-se que, com o amparo benevolente do imperador Don Pedro II, o Brasil seria o primeiro país onde se veria realizada a concepção falansteriana de Fourier. O “ilustre senador” ao qual se refere a citação é Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e o “falanstério”, a Sociedade Família Industrial de Ibicaba perto de Limeira, interior de São Paulo.“ (LEONÍDIO, idem 104)

Leonídio chama atenção para a relação conservadora existente entre as ideias socialistas e a sua naturalização no Brasil. exceto a primeira experiência realizada por Faivre, em nenhum momento a Escravidão, a propriedade e a monarquia foram questionadas ou as ideias republicanas e democráticas e igualitárias foram divulgadas. (LEONÍDIO , idem p105)

Vale destacar também que a primeira vez que o socialismo é mencionado no pais será através do jornal “O Globo”, jornal filosófico, literário industrial e científico, fundado em 1844 por A. Guimarães que apresenta as ideias do socialista francês como um antídoto à anarquia urbana, como um meio de construir novas colônias agrícolas e ocupar a terra  ociosa.

O mesmo jornal se preocupa em tranquilizar os seus leitores informando que o pensamento de Fourier é uma forma de combater as ideias revolucionárias em voga na Europa  e também evitar que a miséria e a pobreza se alastrem pelas cidades brasileiras. (LEONÍDIO, idem p101)

Em Pernambuco surgiram vários jornais que divulgaram as ideias socialistas. Tanto  Carlos Rama como Leonidío destacam a presença de José Ignácio Abreu e Lima como importante socialista brasileiro.  Este era filho de um revolucionário de 1817 que teve se exilar nos Estados Unidos e depois se juntou a Simon Bolivar. Abreu e Lima  participou do Exército bolivariano, tendo atuado em  várias batalhas, destacando-se com heroísmo e dando baixa com a patente de General. Inspirado na obra de Lamannais escreve o seu livro “O Socialismo”, considerado por Rama como o mais importante trabalho sul-americano sobre o socialismo dessa época. Nesta obra mostra conhecimento das obras de Saint Simon, Fourier e Proudhon. (RAMA, 1996, p. XLIX).

A presença do engenheiro Louís Léger Vauthier, como chefe de Obras Públicas do Pernambuco também denota a introdução das ideias socialistas ligadas a Fourier nessa região. Vauthier divulgará o Socialismo através de círculos de discussão e também  contribuirá no Jornal “O Progresso” de seu amigo e também socialista Antonio Pedro Figueiredo.

Antonio Pedro Figueiredo foi importante intelectual  o primeiro a  destacar a necessidade de uma divisão de terras no país. Essa divisão era meio fantasiosa imaginava mais uma vontade distributiva do que uma legislação. Figueiredo estudou o curso de filosofia socialista de Victor Cousin  e passou a defender e a divulgar as ideias socialistas através do Jornal” O Progresso”.

Borges Fonseca foi o mais radical dos pensadores socialistas, defendeu a República e divulgou em seus vários jornais ideias que iam do fim do Império a reformas dentro do mesmo. Destacam-se em suas ideias o direito ao sufrágio universal e o direito ao trabalho. Borges Fonseca e Inácio Bento Loyola chegaram a fazer tímidas defesas do fim da Escravidão. (QUEIROZ, 1990, p.13) Mas deve ser ressaltado os limites e as contradições que o contexto brasileiro – profundamente conservador – impunha às ideias do Socialismo Utópico, que começaram a se propagar no Brasil por volta de meados do Século XIX. Um conservadorismo que tendia a hiper-valorizar a hierarquia, acima da Liberdade e da Igualdade entre os homens, a ostentar uma verdadeira obsessão pela ordem, antes e acima de qualquer ideal de progresso e reforma. Propunha articular com as ideias modernas, mas sem jamais levá-las às últimas consequências, antes, adaptando-as e impondo-lhes limites tais, que do delas quase nada restasse. Seja como for, as ideias do Socialismo Utópico tiveram sua passagem pelo Brasil, como tiveram as do Liberalismo.

Na conclusão de seu trabalho, Leonídío,  nos dá uma demonstração dos limites expressados pelos pioneiros do Socialismo Utópico brasileiro, adaptado às regras, dialogando sempre com as hierarquias, sem ter presença nas atividades sociais e nos movimentos políticos que existiram em larga escala nessa primeira metade do Século XIX.

Destaca-se, também, a preocupação utópica com uma sociedade, mas o que implicava em conciliar com os interesses das oligarquias na manutenção da Escravidão, da Monarquia. A seu modo, as políticas utópicas responderam  parte dos anseios das classes dominantes, de então, em combater a ociosidade que crescia nas cidades brasileiras, especialmente, no Rio de Janeiro.

Suas propostas de organização coletiva no campo eram  bem acolhidas junto aos círculos de poder dominante e expressaram mais as preocupações desses círculos em formular projetos alternativos para ocupações do vasto e vazio território brasileiro através de colônias agrícolas, que ampliassem  a ocupação defensiva do território nacional, como também eliminar o grupos marginais que povoavam as cidades, do que construir um novo projeto de sociedade.

A legitimação de uma hierarquia de raças, de classes parecia no discurso socialista algo natural.  Essa era a opinião de Abreu e Lima e também de Albuquerque e Melo  Jornal “A Verdade” 1848

Nós não podemos deixar de ter escravos (…) por isso a igualdade que proclama a República não pode ser entre nós para os escravos, e, quem deseja o governo republicano no Brasil não pode querer acabar com a Escravatura, porque será isto o mesmo que aniquilar a república (LEONIDIO, idem p.114)

O interessante  comparar é que  no Chile, Uruguai, Argentina as manifestações dos socialistas apontavam para a superação do passado colonial e firmavam a República e a Democracia como pressupostos, inspirados pela Revolução de 1848  . No Brasil as ideias socialistas se acomodaram ao Império e fizeram parte do discurso da ordem, sejam as colônias falanstérias, seja a Colônia  Cecília, de inspiração anarquista, fundada em Palmeira, com auxílio inicial do Império em 1890, por Giovanni Rossi.

Foto de Giovanni Rossi e a Colonia Cecília, década de 1890. Fonte: Gazeta do Povo

http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/dos-mitos-a-verdade-sobre-a-colonia-cecilia-ekg9lok3sgkj3r557nrzj5tfy



Referências

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* JOHN KENNEDY FERREIRA é Doutor em História Econômica- USP; Pesquisador do NEILS/PUC/SP.