quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Porque sou candidato a vereador do Recife

Por Aluizio Moreira


Professor universitário, atuei na politica desde estudante do ensino médio militando nos quadros do PCB, passando pela universidade, pelo exercício da docência, até meu afastamento da política partidária em 1988. Hoje, com muita honra, o Partido me convocou, mais uma vez à luta, lançando minha candidatura a uma vaga na Câmara Municipal  da cidade do Recife.

Longe de ser um projeto pessoal, sou candidato a vereador porque como grande parte da população do meu país, do meu Estado, do meu município, cansamos da velha forma de fazer politica, ouvindo promessas não cumpridas. que vão da melhoria do sistema de esgotos e calçamento de ruas, à melhoria da educação e da saúde. 

Somos convocados sempre para escolher senadores, deputados, prefeitos e vereadores, e nada acontece, a não ser perda dos direitos de quem trabalha, de quem se aposenta. Continuamos mendigando saúde para todos, educação para todos, segurança para todos, melhoria das condições de vida, e continuamos sem perspectiva de futuro, pois a elite no poder, a serviço do capital, sempre cria obstáculos, promove retrocessos a cada conquista que o povo alcance, seja através dos poderes constituídos, seja através de golpes de todos os matizes (civil, militar e político-parlamentar)

Precisamos de mudanças efetivas que jamais virão por iniciativa do Governo. As mudanças só acontecerão com o povo organizado nas suas comunidades, nas suas associações, nas suas universidades, no seu trabalho, nos seus sindicatos, nos seus bairros, ou seja, o Brasil só será um país de todos quando conquistar o Poder Popular, rumo ao socialismo.

Pretendo transformar meu mandato, abrindo as portas da Câmara para todos os cidadãos do meu município, mas também indo ao encontro do cidadão nas comunidades, nas associações, nos sindicatos, nos bairros.

Clamo todos homens e mulheres que fazem parte da população do Recife, de qualquer credo político ou religioso, de qualquer classe ou camada social, sem distinção de raça, de cor, de opção sexual, a exercerem o voto com a  perspectiva de mudança de rumos para este município, este Estado, este País, não apenas mudando  os homens e os partidos que eternamente se revezam no poder, mas mudando os programas de governo, os modos de gestão priorizando os trabalhadores, os menos favorecidos e os excluídos.

Isto tudo não é tarefa para uma pessoa só. As mudanças estão nas mãos de todos nós, do Povo trabalhador organizado e com certeza a verdadeira democracia, vai muito além do depósito do voto numa urna, passa também, pelo exercício pleno da verdadeira cidadania. 

A verdadeira democracia não está no Poder que como eleitores, delegamos aos outros, mas no Poder que construiremos todos nós, juntos: do apanhador de papelão e resíduos sólidos ao operário, aos trabalhadores rurais, aos sem terras, aos sem tetos, às minorias excluídas, à intelectualidade deste País.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Bloco da Esquerda Socialista realiza com êxito Seminário sobre a crise e reorganização da esquerda



     
Com a presença de mais de 200 pessoas, de várias organizações políticas e sociais e independentes, foi realizado com pleno êxito, nos dias 12 e 13 de agosto, o seminário do Bloco da Esquerda Socialista (BES), cujo tema foi A Crise Política Brasileira e a Reorganização da Esquerda, no Sindicato dos Previdenciários de São Paulo. A abertura do seminário, na sexta feira, foi realizada com conferência dos camaradas Plinio de Arruda Sampaio Filho e Mauro Iasi, que ressaltaram a importância do evento e a necessidade de reorganização da esquerda socialista. Após a abertura, a palavra foi aberta aos presentes para manifestarem suas opiniões sobre o tema.

O seminário do Bloco da Esquerda Socialista teve uma importância fundamental porque ampliou os laços de unidade e confiança entre as organizações componentes e colocou a organização do Bloco num patamar superior, uma vez que novas organizações se incorporaram ao BES e se aprovou uma declaração política que vai orientar a luta da militância revolucionária nas lutas que virão. Para Edmilson Costa, da coordenação do BES, o seminário demonstrou o acerto de construção de um instrumento unitário de luta da esquerda socialista e apontou um conjunto de aportes políticos que irão nortear a luta pelas transformações sociais e políticas no Brasil.

O processo de organização do seminário envolveu reuniões semanais das organizações políticas. Para ampliar o debate, antes do evento as organizações componentes do BES enviaram teses como contribuição à discussão, que foram amplamente divulgadas nas redes sociais. No sábado, dia 13, o debate foi dividido em dois blocos: pela manhã, as organizações do BES realizaram o debate sobre a conjuntura política brasileira. Na parte da tarde, o debate teve como tema o processo de reorganização da esquerda. Tanto na manhã quanto na tarde a palavra foi aberta para os presentes. Ao final do seminário foi aprovada a Declaração do Seminário do Bloco da Esquerda Socialista, que publicamos abaixo na íntegra.

Refletindo os tempos difíceis em que estamos vivendo, a polícia esteve na secretaria do sindicato querendo saber sobre o tema e objetivos do seminário, com o objetivo de intimidar os organizadores. Ao final do evento as crianças que estavam na creche solidária realizaram uma bela apresentação dos trabalhos de pintura que fizeram enquanto suas mães estavam participando do evento. Depois, todos foram para a festa de encerramento do seminário, no Espaço Cultural Rosa Luxemburgo, onde se divertiram até altas madrugadas.

Declaração do Seminário do Bloco da Esquerda Socialista – São Paulo

Fora Temer! Construir a Greve Geral em defesa dos direitos dos trabalhadores! O povo deve decidir e construir uma saída pela esquerda! Unir a esquerda socialista!

O Bloco da Esquerda Socialista (BES) vêm construindo com inúmeras organizações, movimentos, militantes independentes, a partir da Carta de São Paulo, aprovada no Ato/debate de 19 de maio, um processo amplo e plural de unidade política para a organização, o debate e ação. Cruzando as fronteiras formais das legendas partidárias, o movimento busca aprofundar a discussão com o objetivo de consolidar os pontos de unidade política entre as várias organizações que compõem o BES.

O Seminário realizado nos dias de 12 e 13 de agosto é o resultado dessa experiência e coloca nosso processo organizativo em um patamar superior. Fortalecemos nossos laços de unidade e confiança e nos abrimos para novos setores da esquerda socialista brasileira na luta contra as classes dominantes e por uma consistente alternativa à fracassada política de conciliação de classes representada pelo lulismo e o PT.

O que nos moveu desde o início e nos move até hoje é a disposição firme e clara de resistir aos ataques contra os interesses da classe trabalhadora, da juventude, das mulheres, LGBTs, negros, negras e indígenas em meio à gravíssima crise do capitalismo no Brasil e no mundo. Identificamos no processo de impeachment uma manobra antidemocrática da classe dominante visando exclusivamente criar condições melhores do que as existentes durante o governo Dilma para aprofundar a ofensiva contra os direitos e garantias dos trabalhadores e pensionistas.

Dilma e Lula, mantendo uma ilusória política de conciliação de classes, tentaram evitar o desfecho do impeachment apostando ainda mais na conciliação com uma classe dominante que já não queria mais acordos ou meios termos. Essa burguesia optou pelo governo Temer e sua base corrupta e elitista no Congresso visando impor aos trabalhadores e ao povo pobre e oprimido um conjunto de contrarreformas e ataques que afetarão de forma cruel as atuais e futuras gerações.

A defesa de um retorno de Dilma para cumprir seu mandato não tem força para mobilizar os trabalhadores, afinal foram os trabalhadores os mais prejudicados com os ajustes promovidos pela própria presidenta. A aposta nas eleições de 2018, como vem ensaiando o Partido dos Trabalhadores, com a possibilidade de retorno do lulismo ao poder depois que Temer já tiver feito o trabalho sujo, beira uma traição à luta pelo “Fora Temer” e em defesa dos direitos dos trabalhadores. Além de inaceitável para quem luta agora contra os ataques de Temer, essa estratégia é uma receita acabada para a derrota. Se formos derrotados agora, o cenário de 2018 poderá ser ainda mais difícil.

O governo usurpador já anunciou os seus ataques, entre os quais ganham destaque a contrarreforma da previdência e a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria; a contrarreforma trabalhista com a perda de direitos e as terceirizações; e a contrarreforma fiscal (PEC 241) que corta ainda mais profundamente os gastos públicos até mesmo nos setores de educação e saúde, medidas exigidas pelo grande capital e que servem para punir terrivelmente os trabalhadores por uma crise que eles não geraram. Além disso, aprofunda-se a política de privatizações, em especial em setores estratégicos como no caso do pré-sal e da Petrobrás. A repressão e criminalização dos movimentos sociais também ganham força com a lei antiterrorismo e a postura truculenta e autoritária do novo governo ilegítimo.

É necessário registrar ainda que esse governo ilegítimo está buscando aprovar um projeto autoritário e discriminatório para a educação, a Escola com Mordaça, ridiculamente denominado Escola Sem Partido, cujo objetivo é implantar o obscurantismo nas escolas e universidades e impedir a formação crítica e democrática da juventude. A sua política de segurança busca não só restringir as liberdades democráticas, mas ampliar o extermínio da população pobre, negra e periférica, a repressão e o assassinato de índios e trabalhadores rurais pelo Brasil afora. A isso se junta uma reforma política que visa cercear a participação democrática das organizações de esquerda.

Em São Paulo a situação não é diferente: há mais de 20 anos o PSDB dirige o Estado de maneira truculenta e conservadora, privilegiando os ricos e poderosos, criminalizando os movimentos sociais, privatizando os equipamentos públicos e perseguindo os trabalhadores e movimentos sociais. O governo vem privatizando direta ou indiretamente o metrô, a Sabesp, os serviços de saúde e perseguindo os funcionários públicos, especialmente os professores e trabalhadores da saúde, na sua justa luta por melhores condições de vida e trabalho. A polícia de São Paulo é uma das mais truculentas do Brasil e linha de frente da criminalização dos movimentos sociais. Várias ocupações e diversas manifestações foram e são duramente reprimidas. O extermínio da juventude negra e pobre nas periferias é uma terrível realidade.

A luta de nosso povo contra o governo ilegítimo e usurpador de Temer tem sido intensa. Três meses depois do afastamento de Dilma o que vemos nas manifestações de rua, nos estádios de futebol, nas apresentações artísticas e agora mesmo nas manifestações durante as olimpíadas é uma enorme energia e disposição de luta, envolvendo a juventude, as mulheres, os trabalhadores e trabalhadoras. Portanto, este é o momento de unidade da esquerda socialista para canalizarmos essa imensa energia buscando uma saída no interesse dos trabalhadores e da juventude, que se diferencie da política de conciliação de classes e da ofensiva da direita.

Nosso posicionamento desde o início se pautou pela necessidade da unidade de ação com todos e todas que se colocam contra o governo usurpador de Michel Temer e sua política antipopular. Trata-se de uma questão vital para a classe trabalhadora e o mínimo que se pode exigir é a unidade de todas as organizações sindicais e populares nessa luta. Defendemos um processo de lutas nas várias categorias de trabalhadores, cujo desfecho deverá ser a convocação de uma greve geral, a mais unificada possível, contra esses ataques e na busca de uma alternativa dos trabalhadores.

Queremos ressaltar ainda que em nenhum momento deveremos depositar nossas esperanças de que a direção “lulista” ou petista possa levar essa luta até as últimas consequências. Por isso, batalhamos pela construção de uma alternativa social e política da esquerda socialista construída nas lutas. Defendemos a realização de um Encontro Nacional das Classes Trabalhadoras e do Movimento Popular, com o objetivo de reunir todas as forças anticapitalistas e movimentos sociais classistas para construir um programa mínimo e uma articulação política que possa colocar os trabalhadores e a juventude em movimento no sentido das transformações sociais.

A saída que propomos é o caminho da luta dos trabalhadores e trabalhadoras, da juventude e de todo o povo pobre e oprimido desse país pelo Fora Temer, contra o ajuste fiscal e os ataques contra os trabalhadores e por transformações sociais e políticas em nosso País. Nessa luta são os trabalhadores e o povo quem devem decidir os rumos do país, inclusive quem deve governar, e construir uma saída pela esquerda, fazendo com que os ricos paguem pela crise.

Uma saída pela esquerda para a crise passa necessariamente pela auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes especuladores e uma maior tributação sobre as grandes fortunas. Junto com isso também defendemos o controle público sobre o sistema financeiro. Medidas como essas serão necessárias para que se possa financiar os serviços públicos de qualidade, garantir o direito a uma aposentadoria digna, a ampliação dos direitos sociais e o desenvolvimento do país a partir de uma lógica social e ambientalmente adequada às necessidades da nossa classe. Também é preciso revolucionar esse sistema político falido e apostar na radicalização da democracia com base no poder popular.

Além dessas lutas, estamos pela defesa dos direitos trabalhistas e reprodutivos das mulheres, garantia de serviços de saúde, educação, transporte e moradia às mulheres pobre e negras. Defendemos as lutas LGTBs contra o retrocesso e o reconhecimento do nome social aos transexuais. Da mesma forma, lutaremos contra qualquer tipo de opressão (machismo, racismo, LGTBfobia).

Se a crise e os ataques aos direitos são internacionais, uma saída pela esquerda no Brasil deve articular-se com a resistência e luta internacional da classe trabalhadora contra o capitalismo, em particular na América Latina. Todas essas lutas e ações têm que estar a serviço da estratégia pela revolução socialista.

Participamos como Bloco da Esquerda Socialista da manifestação de 31 de julho em São Paulo convocada pela Frente Povo Sem Medo e esperamos que essa manifestação possa representar uma nova etapa da luta contra Temer e sua política antipopular, onde uma posição independente do que foi o petismo e “lulismo” possa dar o tom e fazer a luta avançar.

As organizações, movimentos e militantes do Bloco da Esquerda Socialista, também se insurgem contra o atual estado de coisas no campo da própria esquerda socialista. O nível de fragmentação e sectarismo presentes no último período tem inviabilizado a construção de alternativas de esquerda viável no país. Mas essa situação começa a se modificar por iniciativas como as nossas, entre outras que ocorrem nacionalmente. Essas iniciativas unificadoras representam um avanço importante na luta de nosso povo e precisam estar cada vez mais coordenadas e unificadas.

Apesar das contradições presentes, o cenário atual é mais propício à unidade da esquerda socialista. Pressões oportunistas e sectárias continuam existindo, mas estamos em meio a um importante processo de reorganização e recomposição da esquerda socialista. Muitos setores estão tirando conclusões da intensa experiência das lutas e debates desde as jornadas massivas de junho de 2013, o ascenso das greves e ocupações do movimento popular, a primavera das lutas das mulheres e LGBTs, as ocupações de escolas por parte da juventude, a luta contra a direita nas ruas, passando pelo processo de impeachment e as lutas atuais pelo Fora Temer.

É nosso papel fortalecer os pilares políticos e programáticos, anticapitalistas, classistas e socialistas e as práticas democráticas, solidárias, de colaboração e unidade entre as forças da esquerda socialista. Como continuidade de nosso processo de reorganização, propomos a realização de um Encontro nacional de todas as frentes e blocos da esquerda socialista que se organizaram em vários estados nos últimos tempos.

No Seminário que acabamos de realizar fortalecemos nossas bases comuns e aprendemos um pouco mais a lidar com as diferenças, sem escondê-las ou subestimá-las, mas tratando-as de forma proporcional a sua importância real. Ainda temos um longo caminho pela frente, mas estamos em melhores condições para avançar. Por isso, chamamos a todos lutadores e lutadoras, organizações políticas, movimento sindical e popular e os coletivos que inspiram-se nos mesmos ideais de luta e unidade da esquerda socialista para que se somem à construção das bases para uma verdadeira alternativa de esquerda socialista.

São Paulo, 13 de agosto de 2016




domingo, 14 de agosto de 2016

O pensamento vivo de Che Guevara - parte 2


Seus primeiros escritos buscaram sistematizar as experiências guerrilheiras em Cuba e generalizá-las para os outros países do Terceiro Mundo. No entanto, também, escreveu sobre economia, Estado, ideologia socialista e a construção do "novo homem”. Creio que estes últimos textos sejam os mais significativos e os que mais podem nos trazer ensinamentos para os dias atuais.



Por Augusto C. Buonicore*

Visando a vencer estes obstáculos Che lançou um amplo movimento de emulação do trabalho. Ele criou e liderou os batalhões de voluntários, participando pessoalmente do corte de cana e da construção de moradias. Seguindo seu exemplo, milhares de estudantes, funcionários públicos e intelectuais passaram a realizar atividades produtivas fora do seu tempo normal de trabalho ou de estudo. Guevara queria utilizar a força do exemplo para incentivar os trabalhadores a aumentarem a produção.

Aqui, novamente se estabeleceu uma divergência entre ele e os especialistas soviéticos. Tratava-se de encontrar a melhor forma de incentivar o trabalhador a produzir mais e melhor. Toda a tradição de construção do socialismo na URSS e no Leste Europeu se baseava, fundamentalmente, na concessão de estímulos materiais aos trabalhadores que atingissem ou ultrapassassem as metas impostas pelos órgãos centrais de planejamento. Guevara não negava a necessidade de se dar esses estímulos materiais na primeira fase de construção do socialismo, mas acreditava que o movimento de emulação para produção não devia se assentar principalmente neles.

Escreveu: "não negamos a necessidade objetiva do estímulo material, mas estamos relutantes em utilizá-lo como alavanca impulsora fundamental. Consideramos que, em economia, este tipo de alavanca se torna rapidamente uma categoria autônoma e chega a impor rapidamente sua própria força nas relações entre os homens. Não devemos esquecer que (essa necessidade de estímulos materiais) provém do capitalismo e está destinada a morrer no socialismo”.

Criticando os defensores do modelo de emulação de tipo soviético, afirmou: para eles, "o estímulo material direto, projetado no futuro e acompanhando a sociedade nas diversas etapas da construção do comunismo, não se contrapõe ao ‘desenvolvimento’ da consciência, enquanto para nós, sim; é por isso que lutamos contra o seu predomínio: porque significa o atraso do desenvolvimento da moral socialista”.

Era preciso ganhar a consciência dos trabalhadores, fortalecendo neles uma ética socialista. O partido revolucionário e seus militantes teriam um grande papel neste processo de reeducação da sociedade. "O grande papel do Partido nas unidades de produção é ser o seu motor interno e utilizar todas as formas de exemplo de seus militantes para que o trabalho produtivo, a capacitação, a participação nos assuntos econômicos das unidades sejam parte integrante da vida dos operários e se transformem num hábito insubstituível.”

Outro aspecto, vinculado ao anterior, que diferenciava o projeto de Guevara das experiências do "socialismo real”, era quanto à igualização dos salários. No regime soviético, as significativas diferenças salariais entre trabalho intelectual e manual, entre trabalho especializado e não especializado, entre função dirigente e subordinada passaram a ser defendidas como intrínsecas a todo o período de transição do socialismo ao comunismo. Na tradição soviética o "igualitarismo” foi apressadamente definido como um desvio pequeno-burguês.

Guevara acreditava que, já no início da transição, o Estado Socialista e o Partido Comunista deveriam tomar medidas no sentido de eliminar as mazelas provindas da sociedade capitalista, a saber: a divisão estanque entre trabalho intelectual e manual; entre funções de mando e subordinadas; o predomínio de incentivos materiais, através de maiores salários e acesso aos bens de consumo – o que, no caso soviético, contribuiu para a formação de uma burocracia afastada das massas trabalhadoras. Ele defendeu que o socialismo, necessariamente, deveria tender sim para a igualização dos salários e das condições de vida. Isto, inclusive, deveria implicar sacrifícios conscientes para algumas camadas de trabalhadores mais privilegiadas, especialmente dos setores médios e da burocracia.

Afirmou ele: "Esta tarefa de distribuição dos bens do país é a mais difícil e a mais penosa; estamos empenhados nela agora para repartir de modo equitativo nossa pobreza, para que ninguém deixe de comer, de se vestir, de receber educação, atendimento médico e também para que ninguém receba demais (...) não deve recair sobre os trabalhadores a desgraça de pertencer a uma indústria de pouca rentabilidade ou a sorte excessiva de estar numa indústria das mais rentáveis”. Continuou, "os trabalhadores que hoje têm salários acima da norma terão seus salários congelados e o trabalhador que ingresse na produção passará a um trabalho similar, não com o salário daquele companheiro que tinha adquirido seu direito anteriormente, mas com o novo salário.”

O trabalho voluntário realizado pela juventude, intelectuais comunistas e membros do governo era uma das muitas medidas visando a valorizar o trabalho manual-produtivo e, em certo sentido, a reduzir o fosso existente entre os dois tipos de trabalho – intelectual e manual. Lênin chegou a apregoar essa forma de trabalho logo após a revolução de outubro: os sábados comunistas.

Apesar da presença de certo voluntarismo, uma vontade de pular etapas – na tentativa de redução do espaço de ação da lei do valor –, ele levantou questões essenciais que devem ser enfrentadas logo nos primeiros dias da transição. Em outras palavras, seria preciso realizar, ao lado do desenvolvimento das forças produtivas, uma verdadeira revolucionarização nas relações de produção – eliminando gradualmente as diferenças entre trabalho intelectual e manual, das funções de execução e de mando, reduzindo as desigualdades salariais e no nível de vida entre as diversas camadas de trabalhadores, e entre elas e os membros do aparato estatal. O socialismo não pode reforçar essas assimetrias como ocorreu na experiência soviética.

Talvez sejam essas teses guevaristas, muitas das quais foram e são aplicadas pelo Estado cubano, que nos permitem entender melhor a incrível capacidade de resistência do poder popular em Cuba durante todos estes anos, apesar do cerco imperialista e da débâcle soviética. É preciso aprender com esta experiência, sem tê-la como "modelo ideal” a ser aplicado extemporaneamente e sem ter em conta as particularidades nacionais.

A CONSTRUÇÃO DO HOMEM NOVO

Segundo Guevara, o problema da construção do "homem novo” figurava num lugar de destaque dentro do projeto socialista e deveria ser a principal obra da revolução. O sistema capitalista, no seu processo de produção e de reprodução social, não cria apenas mercadorias e mais-valia, cria também homens incompletos, fragmentados. Sobre este processo escreveu Che: "O exemplar humano, alienado, tem um invisível cordão umbilical que o liga à sociedade (capitalista) em seu conjunto: a lei do valor. Ela atua em todos os aspectos de sua vida, vai modelando seu caminho e seu destino (...). As leis do capitalismo, invisíveis para o comum dos mortais, e cegas, atuam sobre o indivíduo sem que este perceba.”

As particularidades do processo de transição ao socialismo, que pressupõe a permanência do mercado e de suas leis – inclusive a lei do valor – levam a sociedade nova a ainda conviver, por algum tempo, com elementos das ideologias predominantes no capitalismo – a burguesa e pequeno-burguesa. Estas continuam a se reproduzir, ameaçando o futuro da transição, se não forem contidas pela ação firme e consciente do novo poder popular e socialista.

"As taras do passado”, afirmou Che, "se transferem ao presente na consciência individual, e é preciso fazer um trabalho contínuo para erradicá-las (...). A nova sociedade em formação tem que competir muito duramente com o passado (...) pelo próprio caráter deste período de transição com a persistência das relações mercantis. A mercadoria é a célula econômica da sociedade capitalista; enquanto existir, seus efeitos se farão sentir na organização da produção e, por conseguinte, na consciência”.

Por esse motivo, Che se colocou contra os métodos de emulação que priorizassem as concessões de estímulos materiais – aumento de cotas de consumo, prêmios de produtividade etc. Segundo ele, a necessidade do aumento rápido da produção levou à "tentação de seguir caminhos trilhados do interesse material”, correndo-se o risco de perseguir o sonho irrealizável de buscar construir o socialismo com a ajuda "das armas defeituosas que nos foram legadas pelo capitalismo”; estas fariam um lento e seguro trabalho de sabotagem sobre o desenvolvimento de uma consciência socialista dos trabalhadores. "Daí”, afirmou ele, "ser importante escolher corretamente o instrumento de mobilização das massas. Esse instrumento deve ser de índole moral (...). A sociedade em seu conjunto deve se converter em uma gigantesca escola”.

A persistência da ideologia burguesa, engendrada pelas leis de mercado, levam o trabalhador a considerar natural a vinculação direta entre sua produtividade média e seu acesso ao consumo de mais e melhores mercadorias. "Justamente por isso”, afirmou, "a ação do Partido de Vanguarda consiste em levantar ao máximo a bandeira oposta, a do interesse moral, do estímulo moral, a bandeira dos homens que lutam, se sacrificam, e não esperam nada mais do que o reconhecimento por parte de seu companheiros.”. Continuou: "O estímulo moral, a criação de uma nova consciência socialista é o ponto em que devemos nos apoiar, aonde devemos chegar e ao qual devemos dar ênfase (...). O estímulo material é o resquício do passado com o qual se deve contar, mas cuja importância deve diminuir na consciência das pessoas na medida em que o processo avança (...). O estímulo material não fará parte da nova sociedade que está se criando, deverá se extinguir no caminho”.

Segundo Guevara, o homem no socialismo, "apesar da sua aparente homogeneização, é mais completo (...) e sua possibilidade de se expressar e se fazer sentir no aparato social é infinitamente maior.” O socialismo seria o momento de recuperação da integralidade humana, da construção do homem multidimensional, desalienado. O socialismo plenamente realizado representaria a apropriação, pelos homens, das condições de sua produção e reprodução de sua vida.

Este processo teria início com a implantação do planejamento consciente– e democrático– da produção econômica. Assim, o homem tomaria o seu destino nas próprias mãos. Afirmou ele: "é preciso acentuar sua participação consciente, individual e coletiva, em todos os mecanismos de direção e de produção (...). Assim obterá a consciência total de seu ser social, o que equivale à sua realização plena como criatura humana”. E conclui: "o homem realmente alcança sua plena condição humana quando produz sem a compulsão da necessidade física de vender-se como mercadoria”.

Seguindo uma indicação do jovem Marx, ele constatou que o trabalhador "morre diariamente às oito horas em que atua como mercadoria para ressuscitar em sua criação espiritual”. Contudo, no capitalismo, mesmo o lazer e a produção cultural não passam de tentativas de fuga. "A lei do valor não é mero reflexo das relações de produção”, ela perpassa todas as relações humanas, inclusive fora do trabalho. Na sociedade atual, "a angústia sem sentido ou o passatempo vulgar constituem válvula cômodas para a inquietação humana”. Sendo, portanto, úteis para a reprodução do sistema.

Trabalho desalienado é uma categoria importante para Guevara, seria exclusivamente através dele que poderia ser constituído o homem novo. Por isso, a renovação e valorização do trabalho, especialmente o manual-produtivo, deveriam ser uma tarefa central do poder socialista. Este processo passaria pela redução das desigualdades entre trabalho intelectual e manual, entre funções de comando e funções subordinadas. O trabalho manual não poderia ser a sina dos definidos como menos aptos, como ocorre nas sociedades capitalistas. Nelas, a pecha de trabalho desqualificado é sinônimo de baixos salários e precarização das condições de vida, quando comparadas com formas "superiores” de trabalho – o trabalho intelectual e de dirigente do processo produtivo e estatal. O socialismo deveria fundar também uma nova ética do trabalho.

Referindo-se aos jovens cubanos ele afirmou: "Sua educação é cada vez mais completa, não nos esquecemos de sua integração no trabalho desde os primeiros momentos. Nossos bolsistas fazem trabalho físico em suas férias ou simultaneamente ao estudo. O trabalho é um prêmio em certos casos, um instrumento de educação, em outros, nunca um castigo.” O trabalho manual deveria se livrar do estigma de martírio e castigo que, de certa forma, carregou inclusive nas experiências socialistas – que tinha no deslocamento para trabalhos manuais uma forma de castigo para os opositores ao regime.

A sociedade socialista em construção deveria se livrar também da velha concepção capitalista de que a capacidade de consumo de mercadorias seria a medida de todos os homens. Se o socialismo quiser competir neste terreno estará de antemão derrotado. Não seria possível oferecer um nível de consumo superior ao existente nas sociedades capitalistas avançadas para toda a população, nem em curto e nem em longo prazo. "Não se trata de quantos quilos de carne se come ou de quantas vezes por ano alguém pode ir passear na praia, nem de quantas maravilhas que vêm do exterior possam ser compradas como os salários atuais. Trata-se, precisamente, de que o indivíduo se sinta mais pleno, com mais riqueza interior e com muito mais responsabilidade”, afirmava ele.

Outra característica do humanismo socialista, defendido por Che, é o internacionalismo. Ser comunista se confundia com ser internacionalista e ter amor pela humanidade. "Permita-me dizer-lhes”, afirmou ele, "com o risco de parecer ridículo, que o revolucionário verdadeiro é guiado por grandes sentimentos de amor. É impossível se pensar em um revolucionário autêntico sem esta qualidade (...). Nosso revolucionário de vanguarda tem que idealizar esse amor aos povos, às causas mais sagradas e fazê-lo único, indivisível”.

O militante da causa socialista não deve se contentar apenas em realizar as tarefas locais e se bastar com elas. Mesmo as pequenas vitórias cotidianas podem adormecer o espírito transformador e levá-lo ao acomodamento, e isto é a morte da revolução e da possibilidade da realização plena do socialismo. "Se o afã de revolucionário se debilita quando as tarefas mais prementes se realizam em nível local e se esquece do internacionalismo proletário, a revolução que dirige deixa de ser uma força impulsionadora e desaparece numa cômoda modorra, aproveitada por nossos inimigos irreconciliáveis”. Conclui Che: "Não pode existir socialismo se nas consciências não se opera uma mudança que provoque uma nova atitude fraternal diante da humanidade”.

No texto O que deve ser um jovem comunista, Guevara reafirmou suas teses humanistas e internacionalistas: "o que se coloca para todo jovem comunista é ser essencialmente humano, ser tão humano que se aproxime do melhor dos humanos. Purificar o melhor do homem através do trabalho, do estudo, da prática da solidariedade contínua com o povo e com todos os povos do mundo; desenvolver o máximo de sensibilidade, até o ponto de sentir-se angustiado quando em algum canto do mundo um homem é assassinado e até o ponto de sentir-se entusiasmado quando em algum canto do mundo se levanta uma nova bandeira de liberdade”.

Contraditoriamente, a vitória da revolução pode levar à burocratização dos quadros dirigentes do Estado e do Partido, por isso é necessário um constante processo de vigilância e educação ideológico. A burocratização é um instrumento a serviço da contrarrevolução. "Contrarrevolucionário é todo aquele que contraria a moral revolucionária (...) é (também) aquele senhor que, valendo-se de sua influência, consegue uma casa, consegue depois dois carros, viola o racionamento e obtém depois tudo o que o povo não tem (...). Aquele que utiliza suas influências boas ou ruins em proveito pessoal ou dos seus amigos, este é contrarrevolucionário”. Os dirigentes do Partido e do Estado devem ter uma conduta exemplar, este é um fator determinante para se conquistar as massas para a construção do socialismo.

As dificuldades impostas ao processo de construção do "homem novo” são enormes. A sua realização exige vontade férrea e grandes sacrifícios dos dirigentes revolucionários. Não se realizará de uma só vez, conhecerá avanços e recuos. Os métodos serão importantes – por isso é preciso encontrar métodos novos, adequados à nova sociedade socialista que se quer construir. Mas, ela é possível de ser realizada e nela se assentará a possibilidade de realização do sonho socialista – de um homem liberto da exploração, da opressão de toda espécie –, o homem emancipado.

Afirmou Guevara: "Se alguém nos disser que somos quase uns românticos, que somos idealistas inveterados, que estamos pensando em coisas impossíveis e que não se pode conseguir da massa do povo que ela seja quase um arquétipo humano, temos que responder uma e mil vezes que sim, que isso é possível, que estamos no caminho certo, que todo o povo pode avançar, acabar com a mesquinhez humana como está acontecendo em Cuba nestes quatro anos de revolução.”


* Historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.


Fonte:Grabois


BIBLIOGRAFIA

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FONTE:  Adital