sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

CABET, Étienne


Nasceu no mês de janeiro de 1788 em Dijon (França) numa família de artífices. Seu pai era mestre tanoeiro. Feito advogado fixa-se em Paris, participando ao lado de Bazard, Chevalier e Buchez, da Sociedade Secreta dos Carbonários, da qual tornou-se um dos dirigentes.

Decepcionado com a atuação das Sociedades Secretas, afastou-se delas e após a Revolução de 1830, pela qual a burguesia levou Luis Felipe ao trono francês, foi nomeado  Procurador-Geral do Tribunal de Recursos  na Córsega.

Em 1831 Cabet foi destituído da função por suas críticas radicais contra a política burguesa, e por seu posicionamento público em favor de rebeldes populares poloneses e dos operários franceses que se levantaram naquele ano em Paris e Lyon. Em julho de 1831 foi eleito membro da Câmara dos Deputados, participando das lutas populares na França a partir de então.

Em 1833 criou o jornal “Le Populaire” e a folha “Les publications du Populaire”, destinada esta a circular no meio operário.
  
Em 1834 irrompeu novamente em Lyon outra insurreição operária, tendo Cabet assumido sua defesa intransigente, o que provocou o fechamento dos seus jornais e sua condenação por crime de imprensa.  Forçado a exilar-se, Cabet se instala em Londres, ocasião em que escreve "Histoire Populaire de la Révolution Française de 1789 a 1830". Abandona de vez suas idéias republicanas e assume a defesa da instituição comunista da sociedade e da socialização completa dos meios de produção. Para Cabet a sociedade comunista seria "a realização mais completa e a única forma perfeita da democracia".

Em 1839 escreveu a obra que representa suas idéias comunistas e o modelo de sociedade que propunha: "Voyage en Icarie". Sob a influência de Mably e Thomas More, na sociedade comunista descrita nessa obra, não existia a propriedade privada dos meios de produção; a direção suprema de todas as atividades eram administradas por um Conselho Superior formado por trabalhadores; toda a produção seria revertida para a comunidade, cujos produtos seriam depositados em armazéns públicos dos quais cada cidadão teria a liberdade de retirar o que necessitasse; todos os funcionários e magistrados seriam eleitos pelo voto popular e pelo voto popular estariam sujeitos à destituição; anualmente a comunidade elaboraria um plano detalhado da produção com base no cálculo das necessidades dos cidadãos. Seria a primeira experiência de uma economia planificada.

Para Cabet a transição da sociedade capitalista para a comunista se daria pacificamente no terreno político: o Conselho Superior  estabeleceria impostos progressivos sobre o capital e a herança, aboliria o exército, fundaria comunidades icarianas, passando o poder posteriormente para os membros das comunidades.

Em 1845 publica as brochuras "Mon Credo Communiste" e "Comment Je Suis Devenu Communiste". Em 1846 escreveu "Le Vrai Christianisme" , obra na qual Cabet faz um chamamento à Igreja para que praticasse o comunismo expresso no  cristianismo primitivo.

Participou da Revolução de 1848 na França e em 1849 partiu de Paris com outros discípulos para os Estados Unidos, fundando em Illinois, às margens do Mississipi, uma comunidade comunista nos moldes icarianos.

Retornando a Paris em 1851 fundou o "Journal Républicain Populaire". Expulso novamente da França em 1852, ruma mais uma vez para a Inglaterra onde funda em Londres com seus amigos Louis Blanc e Pierre Leroux, uma "União Socialista" e o novo jornal "L'Europe Libre", escrito em francês, inglês e alemão.

Em 1853 retornou à Illinois, para resolver alguns conflitos na comunidade que criara. Pouco tempo depois começa a sofrer pressões de alguns colonos, que o acusava de autoritarismo, o que o leva, pouco a pouco, a  afastar-se do convívio dos icarianos em Illinois.

Embora a historiografia socialista o inclua entre os utópicos do século XIX, Étienne Cabet distancia-se dos demais pensadores socialistas do seu tempo (Saint-Simon, Fourier, Owen). Ao lado de Wilhelm Weitling, é considerado um dos fundadores do comunismo moderno.

Cabet faleceu no dia 8 de dezembro de 1856 nos Estados Unidos, de um ataque de apoplexia. 


(Dados compilados por Aluizio Moreira)

Fontes:
Arquivo Marxista na Internet
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais.São Paulo:Expressão Popular,2006.
BRAVO, Gian Mario. Historia do socialismo. Lisboa:Europa-America, 1977, 3 vols.
COLE, G.D.H. Historia del pensamiento socialista.Mexico:Fondo de Cultura, 1957-1960, 7 vols.
DROZ, Jacques (Dir). Historia geral do socialismo. Lisboa: Horizonte, 1972-1977, 9 vols.
HOFMANN, Werner. A historia do pensamento do movimento social dos séculos 19 e 20. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1984.
PETITFILS, Jean-Christian. Os socialistas utópicos. São Paulo: Circulo do Livro, s/d.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Porquê o Socialismo?

por Albert Einstein

Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos económicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões. 

Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma a tornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenómenos económicos observados são frequentemente afectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente económicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social. 

Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassámos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os factos económicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência económica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro. 

Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade. 

Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afectam a organização da sociedade. 

Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?” 

Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída? 

É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples. 

O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantess, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidade que finalmente emerge é largamente formada pelo ambiente em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas e indirectas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indíviduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”. 

É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel. 

O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido. 

Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo. 

Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade. 

A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos. 

Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto. 

O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos. 

Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia actual não difere muito do capitalismo “puro”. 

A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados". O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente. 

Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira. 

Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade. 

No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder económico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia? 

A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas actuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante. 

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Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da Monthly Review , cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. Tradução de Anabela Magalhães. 

O original deste artigo encontra-se em http://www.monthlyreview.org/598einst.htm . 

FONTE: http://resistir.info  

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

“O socialismo do futuro terá as cores das sociedades que por ele optarem”

Miguel Urbano Rodrigues acredita que um socialismo humanizado abrirá ao homem a possibilidade de desenvolver todas as suas potencialidades e de se realizar integralmente, liberto das forças que o oprimem há milênios.

Por Nilton Viana
da Redação


“O mundo está num caos em conseqüência da crise global do capitalismo”. Assim, o jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues define o atual cenário mundial. Para ele, a crise atual do capitalismo é estrutural. Segundo o escritor, a crise, iniciada nos EUA, alastrou à Europa e as medidas tomadas por Bush, primeiro, e Obama depois, em vez de atenuarem a crise, agravaram-na. “Os EUA, polo do sistema que oprime grande parte da humanidade, mostram-se incapazes de controlar os colossais défices do orçamento e da balança comercial”. 

Miguel  Urbano: crise atual do capitalismo é
estrutural - Foto: Miriam Zomer - Alesc
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Urbano diz que o grande capital pouco alterou as práticas criminosas e fraudulentas que originaram a crise. Para ele, a fatura é paga pelos trabalhadores que tiveram os seus salários brutalmente diminuídos e suprimidas conquistas históricas. Taxativo, afirma que as guerras fazem parte das alternativas imperialistas e que as agressões militares são sempre precedidas de uma campanha midiática de âmbito mundial. Embora avesso a profecias, Urbano acredita que o socialismo do futuro terá as cores das sociedades que por ele optarem de acordo com as suas tradições, cultura e peculiaridades de cada uma. 

Brasil de Fato - O mundo vive hoje uma de suas maiores crises financeiras. Que avaliação o senhor faz dessa crise que tem se agudizado principalmente nos Estados Unidos e na Europa?

Miguel Urbano Rodrigues – O mundo está num caos em conseqüência da crise global do capitalismo. É uma crise estrutural. Nos países centrais a teoria da acumulação não funciona mais de acordo com a lógica do capitalismo e, na busca de uma solução, os Estados Unidos, polo hegemônico do sistema, multiplicam as guerras contra países do Terceiro Mundo para saquear os seus recursos naturais. 

Brasil de Fato - As medidas tomadas pelos governos, a seu ver, resolvem os graves problemas dessa crise? E o agravamento dessa crise, que é estrutural do capitalismo, a seu ver, irá enfraquecer ainda mais o imperialismo?

Miguel Urbano Rodrigues - A crise, iniciada nos EUA, alastrou à Europa. As medidas tomadas por Bush, primeiro, e Obama depois, em vez de atenuarem a crise, agravaram-na. O objetivo foi salvar a banca, as seguradoras e grandes empresas à beira da falência como as da indústria do automóvel. Mais de mil bilhões foram investidos pelo Estado Federal nessa estratégia com resultados medíocres. Um volume gigantesco de dinheiro (os dólares emitidos) foi encaminhado para os responsáveis pela crise, enquanto a principal vítima, os trabalhadores estadunidenses, foi esquecida. Centenas de milhares de famílias perderam as suas casas, e o desemprego aumentou muito em consequência de despedimentos maciços. O grande capital pouco alterou as práticas criminosas e fraudulentas que originaram a crise. É significativo que o atual secretário do Tesouro, Thimothy Geithner, que goza da total confiança de Obama, seja um homem de Walt Street comprometido com as políticas de desregulamentação que tiveram efeitos funestos. 

Na União Europeia, que é um gigante econômico mas um anão político, a estratégia adotada para enfrentar a crise foi diferente. A fragilidade do euro é inseparável do fato de o dólar ser, na prática, a moeda universal cujas emissões são incontroláveis. O Banco Central Europeu não pode imitar Washington. 

A crise atingiu primeiro países periféricos, como a Irlanda, a Grécia e Portugal. A Alemanha e a França, que põem e dispõem em Bruxelas, sobrepondo-se à Comissão Europeia e às instituições comunitárias em geral, impuseram a esses três países “políticas de austeridade” orientadas para a redução drástica dos défices orçamentais e a salvação da banca. A fatura foi paga pelos trabalhadores que tiveram os seus salários brutalmente diminuídos, suprimidas conquistas históricas como os subsídios de Natal e de férias, enquanto setores sociais como a Educação e a Saúde eram duramente golpeados. 

A Itália e a Espanha encontram-se também à beira de um colapso, na iminência de pedirem à Comissão Europeia e ao FMI uma “ajuda” que agravaria extraordinariamente as condições de vida da classe trabalhadora. Na Espanha o desemprego ultrapassa já os 21%. 

A chanceler Merckel e o presidente Sarkosy estão, porém, conscientes de que os efeitos da crise atingem também perigosamente os seus países. O Reino Unido, fora da zona euro, não é exceção; teme igualmente o agravamento da situação.

Neste contexto o futuro do euro e da própria União Europeia apresentam-se sombrios. São a cada semana mais numerosos os políticos e economistas que preconizam a saída do euro de alguns países. 

Obviamente, as tensões sociais na contestação ao sistema assumem características explosivas, sobretudo na Grécia, em Portugal, na Espanha e na Itália. 

Brasil de Fato - Os EUA e as grandes potências da União Europeia puseram fim às guerras interimperialistas, substituindo-as por um imperialismo coletivo. O senhor poderia explicar como têm se dado guerras? 

Miguel Urbano Rodrigues - O imperialismo evoluiu nas últimas décadas para responder à crise do capitalismo. As guerras interimperialistas que na primeira metade do século 20 devastaram a Europa e a Ásia não vão repetir-se; remotíssima essa hipótese. As contradições entre as potências imperialistas mantêm-se. Mas não são hoje antagônicas. 

Um imperialismo coletivo – a expressão é do argentino Cláudio Katz – substituiu o tradicional. 

Os seus contornos principiaram a definir-se na primeira guerra do Golfo e tornaram-se nítidos com as agressões aos povos do Afeganistão, do Iraque e da Líbia. 

Hegemonizada pelos Estados Unidos, formou-se uma aliança tática de que participam o Reino Unido, a Alemanha e a França, além de sócios menores como a Itália, a Espanha, o Canadá e a Austrália, inclusive países da Europa do Leste, ex-socialistas. 

Estadunidenses  protestam em Nova York -
Foto: Reprodução
Brasil de Fato - Então é esse bloco imperialista que comanda o mundo hoje e fomenta as guerras? 

Miguel Urbano Rodrigues - A superioridade militar e tecnológica do bloco imperialista permite-lhe, com um custo de vidas reduzido, atacar e ocupar países do Terceiro Mundo para saquear os seus recursos naturais, nomeadamente os petrolíferos.

Isso ocorreu já no Afeganistão, no Iraque e na Líbia. Atinge agora a África com a intervenção militar dos EUA em Uganda. O Africa Comand, por ora instalado na Alemanha, anuncia a criação de um exército permanente para o continente africano, previsto para 100 mil homens. 

Obama já afirmou que a “ajuda militar” (leia-se intervenção) ao Sudão do Sul, ao Congo e à República Centro Africana depende de um simples pedido a Washington.

Brasil de Fato - As guerras têm sido as saídas para o capitalismo. Com essa crise, teremos novas guerras?

Miguel Urbano Rodrigues - As agressões militares são sempre precedidas de uma campanha midiática de âmbito mundial. A receita tem sido repetida com algum êxito. Para impedir a solidariedade internacional com os povos a serem alvo de agressões previamente planejadas e semear a confusão e a dúvida em milhões de pessoas nos países desenvolvidos, os Estados Unidos e seus aliados promovem campanhas de satanização de líderes apresentados como ditadores implacáveis, ou terroristas que ameaçam a humanidade. A invasão do Afeganistão foi precedida da diabolização de Bin Laden – definido como inimigo número 1 dos EUA – e a guerra do Iraque, da satanização de Sadam Hussein. No caso da Líbia, Kadafi , que um ano antes era recebido com todas as honras em Paris, Londres, Roma e Madri, e tratado com deferência por Obama, passou de repente a ser apresentado como um monstro sanguinário que submetia o seu povo a uma opressão cruel. O desfecho é conhecido: a aprovação pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) de uma “zona de exclusão aérea” para “proteger as populações”. Logo depois começaram os bombardeios de uma guerra que durou sete meses, definida como “intervenção humanitária”. Sabe-se hoje que a “insurreição” de Benghasi foi preparada com meses de antecedência por comandos britânicos e agentes da CIA, dos serviços secretos britânicos e franceses, e da Mossad israelense. 

Brasil de Fato - Como o senhor avalia as consequências dessa crise para os países pobres, do chamado Terceiro Mundo? 

Miguel Urbano Rodrigues - O custo destas agressões imperiais para os países por elas atingidos tem sido altíssimo. Não há estatísticas credíveis sobre as destruições de infraestruturas e o saque de bens culturais e sobre o número de mortos civis resultante das guerras no Afeganistão, no Iraque e na Líbia. Mas o saldo dessa orgia de barbárie ocidental ascende – segundo grandes jornais da Europa e dos EUA – a centenas de milhares. 

A satanização de Bachar Assad e do seu exército gera o temor de que a intervenção imperial na Síria esteja iminente. Mas o grande “inimigo” a abater é o Irã. Motivo: é o único entre os grandes países muçulmanos que não se submete às exigências do imperialismo. 

Israel ameaça atacar e incita os EUA a bombardear as instalações nucleares de Natanz. Obama conseguiu que o Conselho de Segurança aprovasse vários pacotes de sanções ao Irã, mas o Pentágono hesita em envolver-se numa nova guerra contra um país que dispõe de uma capacidade de retaliar ponderável. A invasão terrestre está excluída e o bombardeio das instalações subterrâneas de Natanz com armas convencionais poderia, na opinião dos especialistas, ser ineficaz. 

O balanço das guerras do Afeganistão e do Iraque não é animador para a Casa Branca. O presidente Obama ao anunciar a retirada das últimas tropas estadunidenses do Iraque sabe que mentiu aos seus compatriotas. Num discurso eleitoreiro, triunfalista, que pode ser qualificado de modelo de hipocrisia, afirmou que os Estados Unidos alcançaram ali os objetivos previamente fixados. Na realidade a resistência prossegue e dezenas de milhares de mercenários substituíram as forças do Exercito e da Força Aérea. Mas qualquer previsão sobre futuras agressões é desaconselhável. Tudo se pode esperar da engrenagem do sistema imperial, comandado por um presidente elogiado como humanista e defensor da Paz quando, na realidade, a sua estratégia de dominação planetária configura uma ameaça sem precedentes à humanidade. 

Gregos se reunem em manifestação em Atenas -
Foto: Mehran Khalili/CC
Brasil de Fato - Como o senhor avalia o papel de organismos como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e a OMC?

Miguel Urbano Rodrigues - O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são instrumentos do sistema imperial, criados para o servir. Quanto à Organização da Nações Unidas (ONU), há que estabelecer a distinção entre a Assembleia-Geral e o seu órgão executivo, o Conselho de Segurança. A primeira, representativa de quase 200 Estados, é uma instituição democrática, mas as suas resoluções somente produzem efeito se referendadas pelo Conselho de Segurança. Ora este, manipulado pelos EUA, com o apoio do Reino Unido e da França, funciona há muito como instrumento da vontade dos três, até porque a Rússia e a China, os outros membros permanentes, não têm exercido o direito de veto, com raríssimas exceções.

Brasil de Fato - Como o senhor vê os protestos e as mobilizações que têm ocorrido em vários países, na chamada Primavera Árabe, na Grécia e nos Estados Unidos? 

Miguel Urbano Rodrigues - Em primeiro lugar é útil esclarecer que a expressão “Primavera Árabe”, muito divulgada pelos governos ocidentais e pela mídia é, por generalizante, fonte de confusão. Os levantamentos populares no Egito e na Tunísia foram espontâneos e inesperados para o imperialismo. Triunfaram ambos, provocando a queda de Hosni Mubarak e de Ben Ali. 

No caso da Tunisia, a vitória de um partido islamista moderado nas recentes eleições não representa um problema para o imperialismo. Tudo indica que as relações dos Estados Unidos e os grandes da União Europeia com Tunis serão cordiais como eram com o governo da ditadura. 

No Egito tudo permanece em aberto, porque o povo não aceitou o governo dos militares comprometidos com o imperialismo e continua a exigir a sua renúncia.

No Bahrein e no Iémen não houve qualquer “primavera”. Washington e os seus aliados abstiveram-se de criticar os regimes que eram alvo dos protestos populares. No tocante ao Bahrein, base da IV Frota da US Navy, os EUA manobraram de modo a que tropas sauditas e dos Emirados do Golfo invadissem o pequeno país e reprimissem com violência as manifestações.

Os protestos populares na Europa e nos Estados Unidos contra regimes de fachada democrática, que na prática são ditaduras da burguesia e do grande capital apresentam também características muito diferenciadas. 

O acampamento inicial dos indignados em Madri funcionou como incentivo a movimentos similares em dezenas de cidades da Europa e dos EUA. Esses jovens sabem o que rejeitam e os motiva a lutar, mas não definem com um mínimo de precisão uma alternativa ao capitalismo. 

Inspirado pelos espanhóis, o acampamento de Manhattan, realizado sob o lema “Ocupem Wall Street”, alarmou a engrenagem do poder. A solidariedade de intelectuais progressistas como Noam Chomsky, Michael Moore e James Petras contribuiu para que o movimento alastrasse a muitas cidades. 

Brasil de Fato - No caso estadunidense, os protestos foram uma surpressa? Como o senhor analisa a reação do governo dos Estados Unidos a estas manifestações? 

Miguel Urbano Rodrigues - A reação da administração Obama foi inicialmente de surpresa. Mas perante a amplitude assumida pelo movimento recorreu a uma repressão brutal. As conseqüências dessa opção foram inversas das esperadas pelo governo. Os acontecimentos de Oakland, na Costa do Pacífico, demonstraram que a contestação é agora dirigida contra a engrenagem capitalista responsável pela crise que afeta 99% dos cidadãos e beneficia a apenas 1% , tema de um slogan que já corre pelo país. A profundidade do descontentamento popular é transparente. Uma certeza: alarma Obama e Wall Street. 

Paralelamente aos protestos espontâneos referidos, desenvolvem-se na Europa outros, promovidos pelos sindicatos e por partidos revolucionários.

A greve geral de novembro, em Portugal, e as grandes manifestações de protesto ali realizadas traduziram não só a condenação de políticas de direita impostas por Bruxelas e a submissão ao imperialismo, com perda de soberania, como a exigência de uma política progressista incompatível com a engrenagem capitalista. 

É sobretudo na Grécia que as massas exprimem em gigantescas e permanentes concentrações populares a sua determinação de lutarem contra o sistema capitalista até a sua destruição Quinze greves gerais num ano, empreendidas sob a direção de uma Frente Popular na qual o papel do Partido Comunista da Grécia é fundamental, os trabalhadores da pátria de Péricles batem-se hoje com heroísmo pela humanidade inteira.

Brasil de Fato - Frente a esse cenário de crise mundial do capitalismo, qual a alternativa para os povos? Como o senhor vê o futuro da Humanidade?

Miguel Urbano Rodrigues - A única alternativa credível à barbárie capitalista é o socialismo. O capitalismo conseguiu superar desde o século 19 sucessivas crises. Desta vez, porém, enfrenta uma crise estrutural para a qual não encontra soluções. Os EUA, polo do sistema que oprime grande parte da humanidade, mostram se incapaze de controlar os colossais défices do orçamento e da balança comercial. Forjaram um tipo de contracultura monstruosa que pretendem impor a todo o planeta. Mas o declínio do seu poder é transparente e irreversível. 

Por si só, as gigantescas reservas de dólares e os títulos do Tesouro norte-americano que a China e o Japão acumularam, estimados aproximadamente em dois mil bilhões de dólares, são esclarecedores da fragilidade da economia dos Estados Unidos, um colosso com pés de barro, hoje o país mais endividado do mundo. 

Sou avesso a profecias de qualquer natureza. Mas creio que o socialismo do futuro terá as cores das sociedades que por ele optarem de acordo com as suas tradições, cultura e peculiaridades de cada uma – um socialismo humanizado que abrirá ao homem a possibilidade de desenvolver todas as suas potencialidades e de se realizar integralmente, liberto das forças que o oprimem há milênios. 
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Miguel Urbano Rodrigues  é jornalista e escritor português. Redator e chefe de redação de jornais em Portugal antes de se exilar no Brasil, onde foi editorialista principal do jornal O Estado de S. Paulo e editor internacional da revista brasileira Visão. Regressando a Portugal após a Revolução dos Cravos, foi chefe de redação do jornal do Partido Comunista Português (PCP) Avante!, e diretor de O Diário. Foi ainda assistente de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, presidente da Assembleia Municipal de Moura, deputado da Assembleia da República pelo PCP entre 1990 e 1995 e deputado da Assembleias Parlamentares do Conselho da Europa e da União da Europa Ocidental, tendo sido membro da comissão política desta última. Tem colaborações publicadas em jornais e revistas de duas dezenas de países da América Latina e da Europa e é autor de mais de uma dezena de livros publicados em Portugal e no Brasil.

FONTE: Brasil de Fato

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Protestos: Europa volta às ruas contra oligarquia financeira

Por Antonio Martins


Manifestações na Grécia, Espanha, Bélgica e Portugal. União Europeia exige novos sacrifícios. Em Atenas, partidos no poder não querem eleições.

A onda de grandes protestos sociais que percorreu boa parte da Europa em 2011 deu sinais de ressurgir nesta sexta-feira (10/2). Uma greve geral, que prossegue hoje, parou a Grécia e provocou os primeiros sinais de divisão no governo do primeiro-ministro não-eleito, Lucas Papademos. Centenas de participantes do movimento 15-M manifestaram-se na Puerta del Sol, em Madri, horas depois de o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy anunciar um decreto-lei que facilita demissões e permite rebaixas de salários. Em Lisboa, as centrais sindicais convocaram uma grande marcha para esta tarde. Um curioso enfrentamento entre bombeiros (nas ruas) e policiais marcou a tarde de ontem em Bruxelas. Há algo em comum, entre todas as mobilizações. Elas enfrentam novas tentativas de cortar direitos sociais para preservar os interesses da oligarquia financeira –uma prática que na União Europeia (UE) parece não ter fim, a assume dimensões cada vez mais dramáticas.

O caso mais extremo é, mais uma vez, o da Grécia. Na manhã de sexta-feira, uma reunião extraordinária de governo, que durou cinco horas, terminou com o anúncio de um corte de 22% no salário mínimo, demissão de mais 15 mil servidores públicos e redução suplementar das aposentadorias.

As medidas haviam sido exigidas na véspera, numa reunião de ministros das Finanças dos países da zona do euro. Em outubro, o bloco prometera à Grécia, em contrapartida a outra bateria de medidas de “austeridade”, um empréstimo de 115 bilhões de euros e a redução, em 50%, do total devido aos banqueiros privados. Mas nos últimos meses, as bases do acordo foram alteradas.

A redução dos créditos dos bancos tem caráter “voluntário”. Para aceitá-la, eles estão exigindo contrapartidas — aumento das taxas de juros e redução dos prazos de amortização, por exemplo — que, na prática, anulam a concessão. Como as contas não fecham, os ministros europeus requereram de Atenas que reduza despesas e serviços públicos, impondo novos sacrifícios à sociedade grega.


Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas contra tais medidas. Houve confrontos com a polícia. Entrevistado pelo New York Times, um arquiteto de 28 anos, que participava dos conflitos, afirmou: “Tenho pouco a perder. Cursei 6 anos de faculdade, mais um de serviço militar obrigatório, e nunca consegui um emprego”. Depois de cinco anos seguidos de recessão, os índices de desocupação chegaram a 20,9% — e a 48%, entre os jovens.

As novas medidas serão votadas pelo Parlamento em regime de rolo compressor. A União Europeia exige que sejam aprovadas até domingo, para liberar uma nova parcela do empréstimo de “resgate”. Num cenário já devastado pela crise, tal pressão provocou a demissão de cinco ministros. Mas os líderes dos dois principais partidos no poder — Pasok, “socialista”, e Nova Democracia, de direita — parecem estar construindo uma fórmula para se manterem no poder, a despeito das medidas impopulares. Cresceram os rumores de que negociam um acordo que postergaria para 2013 as eleições parlamentares, marcadas para abril próximo. Se o acerto se concretizar, o país continuará submetido a um governo não-eleito. O premiê Papademos, um antigo executivo de bancos internacionais, chegou ao posto em novembro de 2011, sem jamais ter obtido um voto. Ascendeu num acordo “de emergência” entre as duas agremiações, reivindicado e aplaudido pela UE.

Na Espanha, o ataque promovido pelos governos contra a democracia assumiu a forma do ocultamento de informações. Ontem à tarde, a vice-premiê Soraya Senz e a ministra do Trabalho, Fátima Báñez, anunciaram um pacote que altera leis trabalhistas estabelecidas há 50 anos, para tornar as demissões mais fáceis e menos custosas para as empresas. Mas na entrevista coletiva concedida à imprensa, omitiram um aspecto ainda mais duro do decreto-lei assinado pelo governo, para impor as medidas. O jornal El País revelou neste sábado, a partir de um exame mais detalhado do diário oficial espanhol, que cláusulas incluídas no documento permitem aos patrões reduzir unilateralmente o salário de seus empregados.

A brecha é aberta por um dispositivo denominado “quantia salarial”. Caso julgue necessário rebaixar os vencimentos de um trabalhador “por questões relacionadas à competitividade, produtividade ou organização técnica” da produção, o empresário poderá fazê-lo sem sequer preocupar-se em negociar. Bastará comunicar com antecedência de 15 dias, restando ao atingido pelo corte resignar-se ou se demitir. O Partido Popular do premiê Rajoy tem maioria absoluta no Parlamento, mas tomou uma precaução a mais para garantir a aprovação integral do pacote. Ao adotá-la por decreto-lei, impede que os parlamentares façam emendas no projeto — restando-lhes apenas aprová-lo ou rejeitá-lo in totum.


Em Madri, outra “novidade” indesejável de ontem foi a repressão policial. Por volta das 21h, a polícia investiu contra centenas de manifestantes que se concentravam na Puerta del Sol, alegando que seu protesto não havia sido notificado previamente. Nove pessoas foram presas e nove ficaram feridas.

No dominó de países que vão caindo, vítimas das políticas europeias de proteção aos privilégios da oligarquia financeira, Portugal pode ser a próxima pedra a desabar. Esta semana, o Tesouro do país foi obrigado a pagar juros entre 16,1% e 20,8% ao ano, para rolar sua dívida. Os credores exigem taxas cada vez maiores, porque julgam frágeis as finanças portuguesas. A situação poderia ser aliviada com um empréstimo do Banco Central Europeu (BCE), mas este recusa-se a fazê-lo. Não é por falta de meios: na virada do ano, o mesmo BCE liberou, sem reticências, cerca de 400 bilhões de euros, para bancos privados que se disseram afetados pela crise econômica. Mais uma vez, aceitou, como “garantias”, créditos podres em poder das instituições — levando ainda mais adiante o processo de transferência, à sociedade, dos prejuízos sofridos pelo sistema financeiro a partir de 2008.

Como há o risco de uma nova rodada de ataque aos direitos sociais,a Confederação Geral Portuguesa dos Trabalhadores (CGTP) antecipou-se e convocou para hoje, em Lisboa, uma manifestação de resistência. “Outra política é possível e necessária”, diz o cartaz que convida para o ato — em favor de Salários, Serviços Públicos, Direitos e Emprego.

Na jornada de mobilizações de ontem, a nota mais irreverente veio de Bruxelas. Os bombeiros estão promovendo manifestações contra a tentativa do governo eliminar alguns de seus direitos — elevando, por exemplo, a idade de aposentadoria. Para tentar restringir suas ações, o governo convocou a tropa de choque, armada e paramentada.

Mas os soldados do fogo não se intimidaram e fizeram uso de seu instrumento de trabalho mais típico — a mangueira d’água de alta pressão — para apagar o fogo dos repressores. Vale a pena assistir a cena até o final, e esperar que também os governos dominados pela oligarquia financeira sejam constrangidos e encurralados pela pressão social por direitos e democracia…


(Publicado em 11 de fevereiro de 2012)
FONTE: Outras Palavras

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Existe uma alternativa socialista?

Por Aluizio Moreira


MÉSZÁROS, Istvan. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao sistema parlamentar. Tradução: Paulo Cezar Castanheira, São Paulo: Boitempo, 2010.



A conclusão a que Mészáros chega nesta obra, da necessidade de uma estratégia ofensiva socialista como fundamental para a transformação da sociedade, é decorrente, em primeiro lugar, da observação  da conduta  política assumida pelo Governo Tony Blair com a vitória do seu Partido Trabalhista em 1997, na Inglaterra.

Enquanto Partido caracterizado como reformista, no poder, torna-se mais conservador do que o governo conservador de Margaret Thatcher (a quem fez ferroz oposição), chegando a declarar que seu Partido era o “Partido do empresariado e das indústrias modernas na Inglaterra” (p. 12). Externamente submeteu-se à política de alinhamento com a política  militarista de Washington, mesmo sob os protestos de milhares de cidadãos.

Mas o olhar de Mészáros não se fixa apenas na Inglaterra. Percebe que o movimento trabalhista e socialista no Ocidente, na medida em que participam da vida parlamentar burguesa, submetem-se “às regras do jogo parlamentar”, como força integrante do processo de reprodução do capital.  Para o Autor, o capital controla “inclusive o processo legislativo parlamentar, ainda que se suponha que este seja considerado totalmente independente do capital” (p. 36).

Ora, se o Parlamento é uma “camisa de força” para o movimento operário e socialista, como estes poderão  ter uma atuação independente e direcionada à transformação do sistema do capital? Até que ponto a participação dos socialistas no parlamento burguês enquanto estratégia política, inviabilizará qualquer  ação que deveria culminar com o fim da democracia liberal  e com o “fenecimento do Estado”?

A  única alternativa possível será o movimento socialista assumir uma postura ofensiva diante do capital; postura ofensiva esta, que implicará na organização extraparlamentar dos cidadãos; considerando  que essa organização deverá assumir forma alternativa ao modelo parlamentar. Esse modelo possível será o da “autogestão plenamente autônoma da sociedade de produtores livremente associados em todos os domínios”, conclui Mészaros (p. 16).

Não é difícil concordar com o Autor quando afirma que o movimento revolucionário “não pode ser apenas um tipo de partido político orientado para a obtenção de concessões parlamentares, que em geral são, mais cedo ou mais tarde, anuladas pelos interesses  especiais da ordem estabelecida que também prevalecem no Parlamento” (p. 43). Ou quando transcreve Rosa Luxemburgo (p. 21): “O sistema parlamentar é o viveiro de todas as atuais tendências oportunistas da social-democracia ocidental”, pois “transformou-se na mola propulsora dos carreiristas  políticos”. 

Paralelamente às discussões acerca das limitações do Parlamento diante das causas populares e da alternativa socialista a esse mesmo Parlamento, duas outras observações devem ser feitas acerca da obra de Mészáros: a primeira se refere ao contexto utilizado pelo Autor para demonstrar a “atualidade da ofensiva socialista”. Trata-se da análise do quadro da crise do capitalismo, caracterizada como crise estrutural, objeto do 2º capitulo. 

A segunda observação é a menção que faz da atuação, ao longo das fases do movimento socialista, das estratégias parlamentaristas que estiveram sempre presentes em vários momentos de sua História. Relembra a prática da II Internacional e de importantes partidos socialistas e comunistas, que embora alinhados às Resoluções da III Internacional, aderiram à “estrada parlamentar para o socialismo”: o Partido Comunista Frances e o Partido Comunista Italiano. Não muito diferente das tendências do “eurocomunismo”, da “terceira via” e mais recentemente das “Refundações” dos Partidos Comunistas, notadamente após o fim da URSS e da queda do muro de Berlim.

Atualidade histórica da ofensiva socialista” é uma leitura indispensável para todos aqueles que ainda se mantêm acreditando nas possibilidades do socialismo e do comunismo como “alternativa histórica” ao capital. Mas também indispensável para aqueles que ainda admitem a solução Parlamentar como caminho para a emancipação dos trabalhadores.