segunda-feira, 23 de abril de 2018

Cuba tem um novo presidente: Miguel Díaz-Canel




A Assembleia Nacional de Cuba anunciou nesta quinta-feira (19) a mudança mais importante da política dos últimos 60 anos

Por Fania Rodrigues


“Companheiro deputado Miguel Díaz-Canel, a partir deste instante o senhor é o novo presidente do Conselho de Estado e de Ministros da Assembleia Nacional de Cuba. Aproxime-se e assuma a presidência”, assim anunciou o presidente da Assembleia Nacional, Esteban Lazo, na manhã desta quinta-feira (19). O sucessor de Raúl Castro foi eleito por unanimidade pelos parlamentares, na casa legislativa que é considerada uma das mais democráticas do mundo.


Em seu primeiro discurso, o novo presidente de Cuba disse que assume com “determinação o legado da geração histórica, que conquistou a Revolução Cubana” e compromete-se em seguir aprofundando o modelo socialista cubano. Díaz-Canel ressaltou ainda que o resultado de sua eleição é o reflexo de uma “determinação do povo”, que participou massivamente das duas primeiras etapas da eleição, que escolheram os representantes do Congresso cubano.

“Nesse mandato não há espaço para mudança brusca, apenas para a continuidade do modelo socialista cubano”, resumiu. O novo presidente disse também que a tarefa da nova geração política que assume o poder neste mandato é “dar continuidade à Revolução Cubana” e que segue o exemplo do “líder da revolução, Fidel Castro, e do general do exército e primeiro-secretário do partido comunista, Raúl Castro”.

Saiba quem é novo chefe de Estado cubano

Um homem discreto, simples e muito inteligente. Assim é descrito pelos cubanos o sucessor de Raúl Castro, Miguel Díaz-Canel, que assume como novo presidente da ilha neste 19 de abril.

Casado com uma professora universitária e pai de dois filhos, fruto do primeiro matrimônio, Miguel Díaz-Canel nasceu no dia 20 de abril de 1960, um ano depois do triunfo da revolução. Nesta sexta-feira (20), completa 58 anos e representa uma nova geração no comando do país.

Começou sua carreira política na província de Villa Clara, região central de Cuba, onde foi militante e depois dirigente da Federação Estudantil Universitária (FEU) e da União de Jovens Comunistas (UJC).

Formado em engenharia eletrônica pela Universidade Central das Villas Marta Abreu, o novo presidente começou sua carreira profissional como oficial das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), na qual esteve de 1982 a 1985. Mais tarde, chegou a dar aula na universidade em que se graduou. Entre 1987 e 1989, cumpriu missão internacionalista na Nicarágua, como comissário político da UJC, na brigada militar de Cuba, durante a Revolução Popular Sandinista (1979-1990).

Além de ter sido vice-presidente de Cuba, é membro, desde 2003, do birô político do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, a máxima autoridade tanto no sentido ideológico quanto político do partido e do Estado cubano. Portanto, Díaz-Canel é homem de total confiança de Raúl Castro, assim como era do líder da Revolução Cubana, Fidel Castro.

Destaque na política

Apesar de ter passado por alguns cargos de direção quando jovem, foi como primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba, do Comitê Provincial de Villa Clara, que ganhou destaque na política nacional. Era 1994 e o país estava em pleno “período especial”. Com a queda da União Soviética, em 1991, Cuba perdeu os investimentos que recebia e viveu uma década de crise econômica profunda. O produto interno bruto encolheu 36%, entre 1991 e 1993. Havia escassez de diversos produtos, mas a falta de comida e combustível era o que mais afetava o cotidiano.

O escritor e jornalista Cubano Iroel Sanchez, autor do blog La pupila insomne, também de Villa Clara, conviveu com o político na juventude. “Díaz-Canel teve um papel importante na solução dos problemas gerados pela crise, sobretudo em um momento em que havia cortes de energia elétrica. Nessa época, criou uma relação muito próxima com o povo”, conta Sanchez.

Já nesse período era conhecido também por seu amor à arte. Mesmo na etapa difícil dos anos de 1990, ele ajudou a impulsionar a produção cultural em Santa Clara, capital da província de Villa Clara. “Me lembro de uma apresentação de teatro que fizemos na minha casa, não havia energia elétrica, a iluminação era a vela. E lá estava Miguel Díaz-Canel prestigiando a obra com a família”, relembra o produtor cultural Ramón Silberio Gómez, morador de Villa Clara. Hoje ele dirige o centro cultural El Mejunje, em Santa Clara.

O local é conhecido no país por ser vanguarda na inclusão de elementos culturais marginalizados em Cuba naquela época, como o rock’n roll e as apresentações culturais produzidas por travestis, criado com o apoio de Díaz-Canel. Naquele momento, como máxima autoridade provincial, Díaz-Canel ajudou a impulsionar importantes reformas culturais nessa região do país. Até hoje Santa Clara figura como um dos mais importantes centros de produção cultural do país, atrás apenas de Havana. “Ele estabeleceu um estreito vínculo com o setor cultural e intelectual do país”, afirma o produtor cultural.

O novo chefe de Estado não faz parte da classe de políticos que frequentam festas, comemorações ou coquetéis com embaixadores. Porém, é comum encontrá-lo em concertos, apresentações de teatro e de livros, de acordo com Silberio Gómez. Sua personalidade, segundo quem o conhece, transita entra a timidez e a discrição.

Bem afeiçoado e sempre com um sorriso no rosto, o novo chefe do Estado cubano costumava andar de bicicleta pelas ruas de Santa Clara, mesmo já sendo uma importante autoridade política. “Era um dirigente do povo, simples, que costumava andar de bicicleta pela cidade e cumprimentava todo mundo”, conta Silberio.

Hoje, longe da bicicleta e perto do despacho presidencial, Díaz-Canel dispensa, até pouco tempo, certos protocolos. Precisa andar com segurança, devido ao cargo de vice-presidente que ocupava desde 2013. No entanto, usava uma estrutura mínima que se resumia-se a um guarda-costas e um motorista. Isso deve mudar em breve, pois o Estado cubano tem um regime de segurança rigoroso com o presidente do país. “Em Cuba existia um problema com os líderes da geração histórica, que é o fato de os Estados Unidos terem tentado matar Fidel Castro 538 vezes. Foi o líder de Estado que os EUA mais vezes tentaram matar, e não puderam. Isso gerou medidas elementares de segurança. Não é uma proteção contra os cubanos, mas contra as tentativas de assassinato dos EUA”, explica o escritor Iroel Sanchez.

Antes de ser vice-presidente, Díaz-Canel foi ministro de Educação Superior, entre 2009 e 2013. Esse ministério faz a gestão de todas as universidades do país. Desse período vem sua relação com o setor de educação, que se manteve, tanto que foi designado pelo partido para discutir o texto da nova Conceitualização do Novo Modelo Econômico e Social Cubano de Desenvolvimento Socialista, debatido e aprovado no último Congresso do Partido Comunista, realizado em novembro de 2017.

Em uma das plenárias com educadores realizada antes do congresso, o diretor do Centro Martin Luther King, Joel Suárez, conta como foi a relação estabelecida com Díaz-Canel: “É uma pessoa que sabe escutar. As vezes que interviu foi para colocar exemplos de situações práticas que vive o país. Ao mesmo tempo, notava-se que ele é uma pessoa que estuda e lê, pois entrava também no debate de ideias, intelectual e teórico. Contribuía ao debate”.

Para a jornalista Irma Shelton, repórter e apresentadora do canal Cubavisión, Díaz-Canel sempre foi o favorito a ocupar o mais alto cargo do país. “Ele é um dirigente político que vem das filas da Federação Estudantil Universitária e da Juventude Comunista de Cuba. Um dirigente que se destacou por sua inteligência e por sua relação com as massas, porque sabia dirigir”, relata.

E foi como dirigente do Partido Comunista que protagonizou uma das histórias conhecidas nos bastidores da política cubana. A jornalista Daisy Gómez, uma das mais conhecidas de Cuba, contou ao Brasil de Fato uma anedota que ilustra um pouco o grau de liderança que tinha junto à população de Villa Clara.

Em 1996, Díaz-Canel convidou o presidente Fidel Castro para celebrar uma data patriótica junto com a população da capital provincial de Villa Clara, em Santa Clara. Fidel disse: “É que a data está muito próxima, não será impossível reunir em tão pouco tempo a quantidade de pessoas necessária para encher a praça da cidade. Díaz-Canel então respondeu: “Eu me comprometo que esta noite a praça estará cheia”. “E encheu”, conta Daisy Gómez.

Modernização da comunicação

Agora, frente a novas responsabilidades, Miguel Díaz-Canel terá a tarefa de conduzir Cuba em direção às mudanças econômicas que provocarão forte impacto na sociedade. Ele faz parte de uma nova geração de políticos, escolhida para enfrentar os desafios da modernidade.

Desde 2013, quando foi eleito para o cargo de vice-presidente do Conselho de Estado da Assembleia Nacional, Díaz-Canel recebeu a missão de ser o executor das políticas estabelecidas pelo governo de Raúl Castro para área da comunicação, que envolvia telefonia, ampliação do acesso à internet, modernização dos canais de televisão, informatização e automatização dos processos produtivos.

“Como vice-presidente teve um papel de destaque. Ele coordenou a execução do Plano de Informatização do país. Nos últimos anos, houve um incremento substancial no acesso à internet em Cuba. O que tem gerado qualidade de vida à população”, destaca Iroel Sánchez, escritor e blogueiro no país.

Como vice-presidente ele também foi um dos principais defensores da massificação do uso da internet pela população cubana. Durante o lançamento do Plano de Informatização, em 2015, fez um discurso enfático sobre a necessidade de expansão da internet na ilha. “A criação de uma infraestrutura de internet, de acordo com nossas possibilidades, servirá de de base para o desenvolvimento das atividades econômicas em todos os níveis: estatal, das cooperativa e do setor autônomo”.

Também defendeu o uso da internet como ferramenta de geração de empregos. “A internet tem um potencial gerador de serviços e de atividade econômica que contribui como fonte de criação de empregos, recursos e crescimento econômico”.

O escritor e blogueiro cubano afirma que Díaz-Canel também é o responsável por impulsionar a modernização dos meios de comunicação, especialmente os canais de televisão. O principal canal de TV cubano, Cubavisión, entrou na era digital. Foi totalmente remodelado e está fazendo a transição para o sinal digital. Em três meses o sinal analógico começará a ser desligado e gradualmente será substituído pelo novo sinal.

Além disso, já existe um debate sobre a criação de uma nova política de comunicação, que será estabelecida pelo novo chefe de Estado, de acordo com informações de Iroel Sánchez. O escritor enfatiza que Cuba é submetida há anos a uma guerra midiática gigantesca. “O governo dos Estados Unidos gasta em média 50 milhões de dólares, ao ano, em propaganda contra Cuba. Falo do orçamento do Estado, fora o que se faz por outras vias em conjunto com os meios privados. Esse valor está muito acima do orçamento de todos os meios cubanos juntos”, informa Iroel.

Ainda que não tenha a ambição de competir com seu vizinho do norte, Cuba tem a necessidade de criar um novo modelo de produção e difusão de informação, de acordo com o escritor. “Cuba tem a necessidade elevar a qualidade de sua comunicação. Uma maneira de se defender é tendo bons meios de comunicação”, ressalta Iroel.

Agora eleito presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, tem a missão de implementar todas as mudanças aprovadas no último congresso do PCC, que conformarão o novo modelo de desenvolvimento do socialismo cubano. Será a continuidade da revolução, que em janeiro de 2019 completará 60 anos.

No entanto, em Cuba não haverá mudança brusca, nem guinada de governo, afirmaram todos os entrevistados para o Brasil de Fato. Até porque Raúl Castro sai da presidência do Conselho do Estado, mas não vai se retirar da política. Ele continua à frente do Partido Comunista, que participa da tomada de decisões e implementação do plano de governo. No ano passado, durante o congresso do partido, Raúl foi eleito primeiro secretário do Partido Comunista Cubano para o mandato que termina em 2021. Além disso, é o comandante e chefe das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba.

Linha do tempo da vida do presidente Miguel Díaz-Canel

* Entre 1975 e 1982: Militante e dirigente da Federação Estudantil Universitária (FEU).
* 1982: Formou-se em engenharia eletrônica pela Universidade Central das Villas Marta Abreu.
* Entre 1982 e 1993: Dirigente da União de Jovens Comunistas (UJC).
* Entre 1982 e 1985: Oficial das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) de Cuba.
* 1994: Foi nomeado primeiro-secretário do comitê provincial do Partido Comunista de Cuba (PCC), de Villa Clara. Nessa época, o cargo representava a máxima autoridade política da província.
* 2003: Nomeado primeiro-secretário do PCC da província de Holguín e eleito membro do birô político do comitê central do PCC.
* Entre 2009 e 2013: Ministro de Educação Superior.
* Desde 2013: Primeiro vice-presidente do Conselho de Estado da Assembleia Nacional e do país. Foi o primeiro político nascido depois do triunfo da Revolução Cubana (1959) a ocupar esse cargo.
* 2018: Eleito novo presidente de Cuba, sucessor de Raúl Castro.


FONTE: Portal PCB

domingo, 15 de abril de 2018

Revolução não é uma Tarefa de Partido



Por Otto Rühle


I
O parlamentarismo apareceu com a dominação da burguesia.

Com os parlamentos apareceram os partidos políticos.

A época burguesa encontrou nos parlamentos a arena histórica das suas primeiras disputas com a coroa e a nobreza. Organizou-se politicamente e deu à legislação uma forma correspondente às necessidades do capitalismo. Mas o capitalismo não é homogêneo. As diversas camadas e os diversos grupos de interesse no interior da burguesia fizeram valer cada um as suas reivindicações de natureza diferente. Foi para levar a cabo estas reivindicações que nasceram os partidos que enviavam os seus representantes e atores aos parlamentos. O parlamento transformou-se assim num Fórum, lugar de todas as lutas, primeiro pelo poder econômico, político e legislativo, depois no quadro do sistema parlamentar, também pelo poder governamental. Porém as lutas parlamentares, tal como as lutas entre partidos, não passam de combates de paliavas. Programas, polêmicas jornalísticas, panfletos relatórios para as reuniões, resoluções, discursos parlamentares, decisões - só palavras. O parlamento degenerou em salão de tagarelices (cada vez mais à medida que o tempo passava), apesar de, desde o primeiro dia, os partidos não passarem de simples máquinas de preparar eleições. Não é por acaso que se declaravam inicialmente "uniões eleitorais".

Burguesia, parlamentarismo, partidos políticos condicionam-se mutuamente. Cada um é necessário ao outro. Marcam a fisionomia política do sistema burguês, da época capitalista-burguesa.

II
A Revolução de 1848 foi travada desde o início. Porém, o ideal da era burguesa, a república democrática, foi erigido.

A burguesia, impotente e cobarde por natureza, arreou a bandeira perante a coroa e a nobreza, contentou-se com o direito de explorar economicamente as massas e reduziu o parlamentarismo a uma paródia.

Resultou então daí o dever para a classe operária de enviar representantes seus ao parlamento. Estes retomaram as reivindicações democráticas das mãos pérfidas da burguesia. Fizeram-lhes uma enérgica propaganda, tentaram inscrevê-las na legislação. A social-democracia atribui-se com esta finalidade um programa mínimo. Um programa de reivindicações actuais e práticas, adaptadas à época burguesa. A sua ação no parlamento estava determinada por este programa. Dominada pela preocupação de obter para a classe operária, e para a sua atividade política, as vantagens de um campo de manobra legal, construindo e acabando a democracia formal burguesa-liberal.

Quando Wilhelm Liebknechet propôs o abstencionismo [1], tratava-se de um desconhecimento da situação histórica. Se a social-democracia queria ser eficaz como partido político, devia entrar no parlamento. Não havia nesse caso nenhuma outra possibilidade de agir e de se fazer valer politicamente.

Quando os sindicatos se desviaram do parlamentarismo e pregaram o antiparlamentarismo, faziam honra à sua apreciação sobre a vaidade e a corrupção crescente da prática parlamentar. Mas, na prática, exigiam da social-democracia qualquer coisa de impossível. Exigiam que se tomasse uma decisão que ia ao encontro da necessidade histórica, que a social-democracia renunciasse a si própria. Esta não podia adoptar tal ponto de vista. Devia ir ao parlamento porque era um partido político.

III
Também o K.P.D. [1N - Partido Comunista da Alemanha] se tornou um partido político. Um partido no sentido histórico, como os partidos burgueses, como o S.P.D. [2N - Partido Social-Democrata Alemão] e o U.S.P.D.[3N - Partido Social-Democrata Independente da Alemanha].

Os chefes têm a palavra em primeiro lugar. Falam, prometem, seduzem, comandam. As massas quando estão presentes, encontram-se perante um facto consumado. Têm de pôr-se em formação e marchar alinhados. Têm de acreditar, calar-se e pagar. Têm de receber ordens e instruções e executá-las. Têm de votar.

Os chefes querem entrar no parlamento. Têm só que se apresentar às eleições. Depois do que, mantendo-se as massas numa submissão muda e numa passividade devota, são os chefes que fazem alta política no parlamento.

Também o K.P.D  se tornou um partido político.

Também o K.P.D. quer chegar ao parlamento.

A central do K.P.D. mente quando diz às massas que só pretende entrar no parlamento para o destruir.

Mente quando garante que não quer levar a cabo no parlamento nenhum trabalho positivo.
Não destruirá o parlamento, não pretende faze-lo nem pode. Fará um "trabalho positivo" no parlamento, a isso é obrigada e assim o quer. Vive disso.

O K.P.D. tornou-se um partido parlamentar como os outros. Um partido do compromisso, do oportunismo da crítica e da luta oratória.

Um partido que deixou de ser revolucionário.

IV
Observai-o.

Aparece no parlamento. Reconhece os sindicatos. Inclina-se perante a constituição democrática. Faz as pazes com o poder reinante. Coloca-se no terreno das relações das forças reais. Toma parte na obra da restauração nacional e capitalista.

O que o diferencia do U.S.P.D.? Critica em vez de negar. Faz oposição em vez de revolução. Faz comércio em vez de agir. Tagarela em vez de lutar. É por isso que deixa de ser uma organização revolucionária.

Torna-se um partido social-democrata. Só nuances o distinguem dos Scheidemann e dos Daumig. É o avatar do U.S.P.D. Virá a ser em breve um partido do governo, com o de Schidemann e o de Daumig. E será o seu fim.

V
Resta uma consolação às massas: há sempre uma oposição. Esta oposição não toma de início posição pela contra-revolução. Que podia fazer? Que faz? Reuniu-se, uniu-se numa organização política. Seria necessário?

Os elementos mais maduros politicamente, os mais activos de um ponto de vista revolucionário têm o dever de formar a falange da revolução. Só podiam cumprir esse dever sob a forma de falange, isto é, de formação fechada. São a elite do proletariado revolucionário. Pelo caracter fechado da sua organização, reforçam-se e adquirem uma profundidade de discernimento cada vez maior. Manifestam-se enquanto vanguarda do proletariado, como vontade de acção face a indivíduos hesitantes e confusos. No momento decisivo formam o centro magnético de toda a actividade. São uma organização política.

Mas não são um partido político.

Não um partido no sentido tradicional.

A sigla de Partido Comunista Operário (K.A.P.D.) [4N] é o último vestígio exterior - em breve supérflua- de uma tradição que um simples passar de esponja infelizmente não chega para resgatar de uma ideologia política de massas, ainda à pouco tempo viva, mas hoje já ultrapassada.

Também este vestígio será apagado.

A organização das primeiras fileiras comunistas da revolução não deve ser um partido habitual, sob risco de morte, sob risco de reproduzir a sorte que coube ao K.P.D.

A época da fundação de partidos passou, porque passou a época dos partidos políticos em geral.

O K.P.D. é o último partido. A sua bancarrota é a mais vergonhosa, o seu fim o mais desprovido de dignidade e de glória.. Mas o que será feito da oposição? O que será feito da Revolução?

VI
A revolução não é uma tarefa de partido. Os três partidos social-democratas têm a loucura de considerar a revolução como tarefa sua, própria de partido e de proclamar como seu objectivo partidário a vitória da revolução.

A revolução é tarefa política e económica da totalidade da classe proletária.

Só o proletariado enquanto classe pode levar a revolução à vitória.

Tudo o resto é superstição, demagogia, charlatanismo político.

Trata-se é de conceber o proletariado como classe e de desencadear a sua actividade para a luta revolucionária, na mais larga base e no mais vasto quadro.

É por isso que todos os proletários prontos para o combate revolucionário, não importa a proveniência nem a base sob a qual se recrutam, devem ser reunidos nos ateliers e nas empresas em organizações revolucionárias de empresa e no quadro da A.A.U. (União Geral dos Trabalhadores).

A União Geral dos Trabalhadores não é uma salada, nem uma formação fortuita. É o reagrupamento de todos os elementos proletários, prontos para uma actividade revolucionária, que se declaram a favor da luta de classe pelo sistema dos conselhos e pela ditadura do proletariado.

É o exército revolucionário do proletariado.

Esta União Geral dos Trabalhadores enraíza-se nas empresas e edifica-se a partir dos ramos das indústrias, de baixo para cima, federativamente na base e organizada no topo por meio de homens de confiança revolucionários. Desenvolve-se de baixo para cima a partir das massas operárias. Cresce em conformidade com elas: é a carne e o sangue do proletariado; a força que lhe dá impulso, é a acção das massas, sua alma e sopro incandescente da revolução.

Não é uma criação de chefes. Não é uma construção subtilmente cozinhada. Não é um partido político com tagarelice parlamentar e bonzos pagos. Também não é um sindicato.

É o proletariado revolucionário.

VII
Que há de fazer o K.A.P.D? Criará organizações revolucionárias de empresa. Propagará a União Geral dos Trabalhadores.

Trabalhando de empresa em empresa, de ramo industrial em ramo industrial, formará os quadros das massas revolucionárias. Formá-los-á para o assalto, consolidá-los-á e dar-lhes-á forças para o combate decisivo, até que toda a resistência do capitalismo, prestes a desabar, possa ser vencida.

Insuflará às massas combatentes a confiança da sua própria força, garantia de qualquer vitória na medida em que esta confiança os libertará dos chefes ambiciosos e traidores.

E a partir da União Geral dos Trabalhadores começando nas empresas, estendendo-se pelas regiões económicas e finalmente por todo o país, desenvolver-se-á vigorosamente o movimento comunista.

O novo "partido" comunista, que já não é um partido. Mas que é - pela primeira vez- comunista.

Coração e cabeça da revolução.

VIII
Representemos o processo de maneira concreta. Há 200 homens numa empresa. Uma parte deles pertence à A.A.U. e faz-lhe propaganda, inicialmente sem sucesso. Porém o primeiro combate, no qual os sindicatos naturalmente, cedem, rompe os antigos laços. Imediatamente 100 homens passam para a União. Há entre eles 20 comunistas, sendo o resto composto por pessoas do U.S.P.D., por sindicalistas e desorganizados. No início, o U.S.P.D. inspira maior confiança. A sua política domina a táctica dos combates na empresa. No entanto, lenta mas seguramente, a política do U.S.P.D. revela-se falsa, não revolucionária. A confiança dos trabalhadores no U.S.P.D. atenua-se. A política dos comunistas afirma-se. De 20 os comunistas passam a 50, depois a 100 e mais, em breve o grupo comunista domina politicamente a totalidade da empresa, determina a táctica da União, domina nos combates com objectivo revolucionário. Será assim em pequenas ou grandes proporções. A política comunista implantar-se-á de empresa em empresa, de região económica em região económica. Realizar-se-á, ganhará o comando, tornar-se-á corpo, cabeça e ideia directriz.

É a partir das células dos grupos comunistas nas empresas, a partir dos sectores comunistas de massa nas regiões económicas que se constitui - na edificação do sistema dos conselhos - o novo movimento comunista.

E então? Uma "revolucionarização" dos sindicatos, uma "restruturação"? Quanto tempo durará o processo? Anos? Dezenas de anos? De modo nenhum.

O objectivo não é o de demolir, de destruir o colosso de argila das centrais sindicais com os seus 7 milhões de membros, para os reconstruir depois sob outra forma.

O objectivo é a conquista dos comandos nas empresas preponderantes para a indústria, para o processo de produção social, e desse modo para conquistar poder de decisão no combate revolucionário. Apoderar-se do dispositivo que pode derrotar o capitalismo em ramos e regiões industriais inteiros.

Nestas circunstâncias é isto que a disponibilidade resoluta para a acção de uma organização única pode conseguir mais eficazmente que uma greve geral.

É assim que o David da empresa abate o Golias da burocracia sindical.

IX
O K.P.D. deixou de encarnar o movimento comunista na Alemanha. Bem pode reclamar-se ruidosamente de Marx, Lenine e Radek! Não passa de último membro da frente única da contra-revolução. Em breve se apresentará em perfeito acordo com o S.P.D. e o U.S.P.D., no quadro de uma frente única para um Governo operário "puramente socialista". A promessa de uma "oposição legal" aos partidos assassinos que traíram os operários é uma etapa desse processo.

Renunciar a exterminar de forma revolucionária os Erbert e os Kautsky (consultar Die Rote Fahne (9) de 21 de Março de 1920), é já aliar-se a eles.

A última fase do capitalismo na sua agonia.

O último "socorro político" da burguesia alemã.

O fim.

O fim dos próprios partidos, da política de partido, do logro dos partidos, da traição dos partidos.

É o novo começo do movimento comunista.

O Partido Comunista Operário.

As organizações de empresas revolucionárias, reagrupadas na União Geral dos Trabalhadores.

Os conselhos revolucionários.

O congresso dos conselhos revolucionário.

O governo dos conselhos revolucionários.

A ditadura comunista dos conselhos.

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Notas:

[1] Em 1875, Liebknechet propôs o abstencionismo, contrariamente a Marx e Engels.
[1N] K.P.D. - Kommunistische Partei Deutschlands - Partido Comunista da Alemanha, fundado em Dezembro de 1918.
[2N] S.P.D. - Sozialdemokratische Partei Deutschlands - Partido Social-Democrata Alemão, fundado em 23 de maio de 1863.
[3N] U.S.P.D. - Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands - Partido Social Democrata Independente da Alemanha, fundado em 6 de abril de 1917.
[4N] K.A.P.D. - Kommunistischen Arbeiter-Partei Deutschlands - Partido Comunista Operario da Alemanha, fundado em abril de 1920 em Heidelberg a partir da cisão do K.P.D.