quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Ucrânia: da insurreição ao golpe


Por Carlos Serrano Ferreira



O golpe se consolidou hoje na Ucrânia. Tenho alertado desde o início deste processo que nessa ex-república soviética não ocorria um processo revolucionário, ao contrário do que diz a mídia internacional, como atestam os depoimentos dos mais variados setores organizados da esquerda naquele país, de anarquistas aos comunistas.

A confusão se relaciona ao caráter de massas do movimento dos primeiros momentos. Contudo, isto não basta para definir um processo revolucionário, como provam os movimentos de massas que levaram ao poder Mussolini ou Hitler. Para ser algo mais que uma insurreição – que pode ser tanto progressista como reacionária – deve entrar na conta o sentido dessas manifestações e suas direções.

O processo ucraniano começou como uma insurreição de massas e se tornou ao longo do tempo, com seu esvaziamento e captura pelos setores de ultradireita, um golpe, que alcançou um ponto alto na queda de Yanukovich hoje, mas que não tende a se esgotar nisto. Para entender os fatos de hoje e o caráter do processo é preciso voltar atrás no tempo.

Com o fim da URSS a Ucrânia se tornou independente e passou por processos sociais e econômicos muito parecidos com as demais ex-repúblicas soviéticas: destruição e desorganização econômicas que ampliaram as desigualdades sociais e ampliaram a pobreza das massas e permitiram que setores secundários do antigo aparato estatal se aproveitassem para se apropriar dos espólios do Estado em desmoronamento e enriquecessem. Estes são conhecidos como oligarcas. As privatizações que lhes fizeram a riqueza foram um escândalo só e totalmente corrompidas. Estes grandes monopolistas floresceram através de suas relações com o aparato estatal e por meio de negócios escusos. Contudo, como o Estado não pode garantir o funcionamento dos negócios de todos os oligarcas, as disputas em torno ao controle do Estado de cada um dos "clãs" são constantes, e esta tem sido a marca da história ucraniana desde 1991, como ocorreu em 2004, na chamada "Revolução" Laranja, e agora novamente.

A principal líder do maior partido oposicionista (Batkivshchyna) a ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko é um dos exemplos dos oligarcas, tendo sido presa em 2001 e em 2011 por seus negócios escusos. Ela emergiu através de um golpe contra as finanças do Estado, em parceria com o então primeiro-ministro, hoje também preso nos EUA, Pavlo Lazarenko, especulando com o preço do gás russo e em parceria com o chamado clã de Dnipropetrovsk, liderado pelo então presidente Kuchma. Ela entrou em desgraça quando Kuchma passou a se relacionar com outros clãs locais, incluindo o clã de Donetsk (do sudeste do país). Este é encabeçado pelo homem mais rico do país e um dos cinqüenta mais ricos do mundo, acusado de ligação com a máfia, Rinat Leonidovych Akhmetov, um dos grandes patrocinadores do Partido das Regiões, de Viktor Yanukovich, que é de Donestk.

A "Revolução" Laranja se assemelhou às outras revoluções coloridas, particularmente ser uma disputa entre setores oligárquicos emersos do aparato estatal. Isto se repetiu novamente agora, nos eventos do chamado EuroMaidan, de fins de 2012 e início de 2013.

Sobre a disputa entre estas frações da oligarquia incidem as potências imperialistas, apadrinhando cada setor em sua disputa geopolítica e para colonizar economicamente este país, com algumas das terras mais férteis do mundo e com um razoável parque industrial no Leste. Timoshenko se aproximou da UE e dos EUA, enquanto outra fração, ligada aos interesses industriais e da oligarquia do sul e leste se aproximaram naturalmente da Rússia.

Contudo, até as portas da assinatura do Acordo de Associação com a UE, houve uma convergência das oligarquias em torno ao mesmo. Mas, as pressões moscovitas, através de um embargo; a crise econômica – para qual a UE não a oferecia nenhum tipo de saída – e os próprios termos do acordo levaram ao recuo presidencial e ao adiamento do mesmo. Os termos do AA significavam o fim das relações econômicas com a Rússia e as outras ex-repúblicas soviéticas participantes da União Aduaneira, principal destino das exportações ucranianas, principalmente industriais, mas também das importações, como do gás russo. Mas, não só isso: significaria a desindustrialização do país, que se tornaria uma enorme fazenda fornecedora de produtos primários para a Alemanha; e os custos de adequação às normas da UE seriam de insustentáveis 165 bilhões de euros (em Portugal 165 mil milhões de euros).

O tamanho do retrocesso atingiria em cheio as oligarquias do sul e do leste, financiadores do Partido das Regiões. Não só isso: atingiria a base eleitoral principal desse partido, a população dessas duas regiões. Pela história ucraniana, sendo sempre dividida entre o Leste e o Oeste, tornou-se muito diferente: as partes leste e sul, mais industrializadas, são ligadas culturalmente e linguisticamente à Rússia; a parte norte e oeste são mais agrárias e de língua ucraniana. Do ponto de vista econômico a associação com a UE seria terrível, e para a oligarquia do Sul e do Leste seria um suicídio. O embargo russo só deixou isto claro.

A Rússia se aproveitou e estendeu a mão à Yanukovich e abriu os cofres e usou sua principal arma: o preço do gás. Esta reaproximação com a Rússia e a negação do AA com a UE levou à revolta popular nas regiões norte e oeste do país, que já se acumulava contra a fração oligárquica governante, pela incapacidade de superar a crise econômica e pelos laços com a Rússia, com quem estas regiões queriam se afastar. Somem-se a isto as ilusões de progresso que as frações oligárquicas ligadas aos EUA e à UE disseminavam sobre um possível acordo com o bloco imperialista europeu. Como a Grécia e Portugal e outros países do Leste mostram, não passam do que são, meras ilusões. Mas, quando as idéias ganham as massas, como já dizia Marx na introdução a sua "Crítica à filosofia do direito de Hegel", elas se tornam forças materiais.

O primeiro a ficar claro, então, é que nunca houve uma maioria pró-UE em toda a Ucrânia, como mostram as pesquisas do instituto de pesquisa independente ucraniano Research & Branding Group (R&B): apenas 46% nacionalmente apoiavam o acordo com a UE, sendo majoritário o apoio apenas no norte e oeste. Da mesma maneira, o EuroMaidan só era apoiado majoritariamente nessas regiões, enquanto era rejeitado pela maioria esmagadora do leste e sul, que apóiam esmagadoramento a União Aduaneira da Rússia.

O segundo é que o EuroMaidan se moveu desde o início por bandeiras pouco claras, que se materializavam por uma progressiva rejeição ao governo e sua fração oligárquica, mas regressivamente não ao conjunto da oligarquia; uma rejeição à aproximação com o imperialismo russo, mas em defesa de um acordo que estabeleceria a colonização do país pelo imperialismo europeu e teria conseqüências ainda mais devastadoras para a economia e o povo ucraniano; em nenhum momento esteve colocado como pauta nada que envolvesse direitos dos trabalhadores ou posições de classe. De fato, essa confusão serviu unicamente para que com o tempo a fração oligárquica oposicionista ligada aos imperialismos estadunidense e alemão passagem a dirigir as manifestações em favor de seus próprios interesses, seqüestrando o movimento insurrecional e convertendo-o num golpe.

Assumiram a direção então o partido de Timoshenko (ligado ao imperialismo estadunidense), o UDAR do ex-boxeador Vitali Klitschko, ligado à Alemanha, e o Svoboda (que até alguns atrás se chamava Partido Nazista da Ucrânia). Klitschko nem mesmo tem moradia fixa na Ucrânia, mas mora na Alemanha, e seu partido foi criado e financiado pelos conservadores alemães da democracia cristã, que salivam com as possibilidades de saquear as riquezas ucranianas. O líder do Svoboda, Oleh Tyannybok é um fascista conhecido, anti-semita e russófobo raivoso.

Destas três forças, o setor mais organizado e com mais militância é o partido fascista, que deu a tônica nos últimos tempos. A derrubada da estátua do Lênin, festejada pela grande mídia mundial, foi perpetrada pelos membros do Svoboda e rejeitada por 70% da população de Kiev, sendo apoiada por apenas 13%, como mostra a pesquisa da R&B.

Mas, há inclusive mais forças nessas manifestações, existindo claro alguns militantes de esquerda, mas que são ultra-minoritários e não dão de forma nenhuma a dinâmica do movimento. Há inclusive um setor que, junto aos militantes do Svoboda, foram os responsáveis centrais pelos distúrbios violentos e quebra-quebras incendiários, e que se intitula apenas de "A Direita". Este setor é contrário aos acordos com a UE e à Rússia, considerando o Svoboda muito recuado e estão no movimento para desestruturar o regime e tomar o poder.

A transição da insurreição para o golpe passa também pelo esvaziamento do movimento, que ocorreu conforme o tempo passou e os setores fascistas começaram a se tornar majoritários e atuar de forma mais violenta. Se no início de dezembro o movimento era apoiado nacionalmente por 49% e rejeitado por 45%, no fim desse mesmo mês era rejeitado por 50% e apoiado por 45%. Nessa mesma pesquisa, 43% achavam que os resultados seriam negativos e apenas 31% que seriam positivos; 47% consideravam o acordo com a Rússia fechado por Yanukovich positivo e apenas 27% negativo e o candidato com mais intenções de votos era o próprio presidente (com 25%), apesar de o resultado ser muito fracionado. Numa pesquisa entre 25 e 27 de janeiro deste ano da R&B apontava que 51% eram contrários ao EuroMaidan, apenas 44% favoráveis, mas, o mais importante, 60% eram contrários à tomada dos prédios públicos e apenas 32% eram favoráveis e apenas 20% acreditavam que não havia risco de uma guerra civil.

Hoje a insurreição capturada pelas oligarquias se confirmou enquanto golpe, com um impeachment relâmpago. Isto é o resultado de um acordo das duas frações oligárquicas, temerosas com o crescimento do desafio dos fascistas nas ruas. Afinal, o crescimento do fascismo é um fato por todo o Leste Europeu, como a ascensão do Jobbik húngaro demonstra. Os resultados reacionários para o povo ucraniano já podem ser sentidos: além da libertação da oligarca Yulia Timoshenko; as ameaças de pogrom contra judeus crescem e o rabino Moshe Reuven Azman já sugeriu aos judeus que deixem o país; o afastamento completo do acordo de ajuda russo, que tinha ótimas condições; e a UE sinaliza com a liberação do empréstimo do FMI acertado em2011, que se baseia em draconianas contrapartidas, como a subida em 40% do preço do gás para as residências, o que levaria de imediato no inverno ucraniano milhares de desempregados e aposentados à morte, pois não teriam condições de pagar suas contas de calefação.

Porém, o jogo não terminou. Não se sabe como os fascistas atuarão, se continuarão em seus planos de desestabilização, mas tudo indica que sim. O setor "A Direita" já anunciou em comunicado à Reuters que continuará com as manifestações. Tentarão se aproveitar do vazio de poder. Não está descartada nem mesmo a volta de Yanukovich nas próximas eleições de 25 de maio, apesar de que os golpistas provavelmente o impedirão de concorrer, senão o prenderem. A guerra civil parece mais longe, mas a divisão do país, ao menos da Criméia, de maioria russa e onde está a importante base naval russa do mar Negro, é possível. Vladislav Surkov, conselheiro do Kremlin que esteve por trás dos intentos das regiões separatistas da Abkházia e Ossétia do Sul na Geórgia foi visto andando por Kiev e Criméia. O cenário é ainda incerto. Só é certo que o povo ucraniano sairá pior do que entrou nessa espiral de caos. (1)

Nota:

(1) Para saber mais sobre os aspectos históricos, as forças políticas principais do EuroMaidan e os interesses das várias potências na crise ucraniana, veja meu artigo que sairá na edição de março de História & Luta de Classes, intitulado "A Batalha pela Ucrânia".


FONTE: Diario Liberdade

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Bósnia em revolta contra miséria e desemprego


Os protestos começaram na cidade de Tuzla, com uma manifestação contra o desemprego e o encerramento de empresas outrora estatais e depois privatizadas.


Esquerda.net


Nos últimos dias explodiu uma revolta por toda a Bósnia-Herzegovina, com múltiplas ações de protesto, choques violentos entre manifestantes e polícia e vários edifícios governamentais em chamas depois de terem sido assaltados. Os protestos começaram na cidade de Tuzla, com uma manifestação contra o desemprego e o encerramento de empresas outrora estatais e entretanto privatizadas. Na origem dos protestos estão a miséria e o desemprego, que ultrapassa os 40%.

Segundo o site “Le Courrier des Balkans”, a uma convocatória no facebook, “50.000 pessoas nas ruas por um futuro melhor”, milhares de pessoas manifestaram-se na passada quarta-feira 5 de fevereiro em Tuzla. Na quinta-feira as manifestações estenderam-se a outras cidades da Bósnia, nomeadamente Sarajevo, Zenica, Bihac e Prijedor e na sexta-feira os protestos ampliaram-se para outra cidades, incluindo da República Sérvia da Bósnia, aumentando os confrontos com a polícia.

Outro grupo do facebook (UDAR) também convocou as manifestações, nomeadamente em Tuzla, onde a organização sindical de quatro empresas antes públicas, depois privatizadas e agora encerradas (Konjuh, Polihem, Dita e Resod-Guming) teve um papel chave na mobilização e no protesto.

Em Tuzla, os manifestantes concentraram-se junto ao edifício de governo do cantão, exigindo medidas contra o desemprego e o encerramento das quatro empresas. Face à recusa do primeiro-ministro do cantão de se encontrar com os manifestantes, estes começaram a atirar pedras e ovos contra o edifício e tentaram forçar a barreira policial. Em comunicado oficial, o governo local disse que não podia fazer nada, porque as empresas que encerraram são privadas. Os confrontos entre manifestantes e polícia prolongaram-se na quarta-feira por mais de quatro horas nas ruas da cidade.

Tuzla desenvolveu-se como um centro industrial e cultural importante durante a época de Tito. Entre 2000 e 2010, as antigas empresas públicas que empregavam a maioria da população foram privatizadas pelas autoridades locais, sob controle da agência cantonal para as privatizações.

Segundo o “Courrier des Balkans”, a empresa Dita de detergentes empregava 750 pessoas e foi privatizada em 2007, comprometendo-se o novo proprietário da empresa a manter os postos de trabalho durante três anos e a produção durante cinco. Porém, a empresa deixou de fazer descontos para a segurança social. As pessoas que trabalhavam na Dita ficaram sem emprego, sem direitos sociais e impossibilitados de pedir a reforma por não terem os descontos suficientes. Em 2010, um inquérito da polícia provou os atos criminosos do novo proprietário, mas o processo ficou bloqueado na procuradoria de Tuzla. Os trabalhadores lutam há anos pelos seus direitos, no entanto o primeiro ministro do cantão diz que o assunto não lhe diz respeito, porque se trata de uma empresa privada. A situação é semelhante nas outras três empresas.

O fundador do grupo do Facebook UDAR e um dos convocadores da manifestação em Tuzla, Aldin Širanovi%u007, foi preso na quinta-feira pela polícia e mais tarde libertado, tendo denunciado que foi espancado pela polícia. O presidente do sindicato da empresa Konjuh de Tuzla, Mevludin Traki%u007, foi preso no protesto de quarta-feira e declarou após a sua libertação: “Não viemos aqui para vandalizar. Há quatro anos que pedimos o reconhecimento dos nossos direitos mas, acreditem-me, ontem fomos surpreendidos quando fomos algemados e presos pelas forças especiais. Fomos libertados às 21.30h e multados em 300 marcos (150 euros), que certamente não poderemos pagar com os miseráveis 40 marcos (20 euros) por mês que temos para viver. Nos últimos dias, eu vi jovens de 15 anos serem espancados pela polícia especial. A polícia ataca pessoas indefesas, mas se for preciso, nós podemos armar-nos. Repito, não viemos aqui para isso, mas se nos obrigarem fá-lo-emos”.

Depois da guerra dos Balcãs nos anos 90, a Bósnia-Herzegovina tornou-se um Estado composto por duas entidades: a Federação da Bósnia e Herzegovina, onde predominam bósnios e croatas, e a República Srpska, sérvia. A presidência do Estado é rotativa, por períodos de 8 meses, entre um bósnio, um croata e um sérvio, escolhidos por mandatos de 4 anos.

Nesta sexta-feira, 7 de fevereiro, as manifestações ultrapassaram as divisões étnicas e realizaram-se não só na área da federação, mas também na República Sérvia, verificando-se ações de protesto em Sarajevo (a capital), Tuzla, Zenica, Kakanj, Mostar, Prijedor e Bihac, mas também Banja Luka, Travnik, Donji Vakuf, Jajce, Kljuc, Cazin, Visoko, Zepce e Zavidovici.

No decurso destes protestos demitiram-se os governos cantonais de Tuzla e Zenica. Na cidade de Mostar os manifestantes largaram fogo às sedes dos partidos nacionalistas HDZ e SDA.

Nos confrontos nas várias cidades da Bósnia ficaram feridas muitas dezenas de pessoas. Em Sarajevo terão ficado feridas mais de 100 pessoas, em Zenica 50 e em Tuzla pelo menos 11.

O presidente da Bósnia-Herzegovina em exercício, o croata Zeljko Komsic, declarou: "É tudo por culpa nossa. Não sei se o poder estatal poderá funcionar, mas deveria fazê-lo. O poder deve funcionar sempre, este ou outro. Porque não vem nada de bom da anarquia".

"O povo não começou a protestar por odiar alguém ou pela orientação política, ou pelo nome de alguém, mas sim pela desgraça, miséria e injustiça que os oprime com persistência", acrescentou Komsic em declarações a uma televisão local. O presidente considerou também que "caso se tivesse dialogado com as pessoas no primeiro dia não existiriam as imagens que há agora por toda a Bósnia-Herzegovina".

Por sua vez, o ministro do Interior da Bósnia, Fahrudin Radoncic, considerou os protestos como "um tsunami dos cidadãos roubados" contra a corrupção e criticou os governos cantonais de "falta de sensibilidade" face aos anseios das populações.
Radoncic disse ainda: "A privatização saqueadora foi horrível. Ainda pior, temos um sistema policial em que, de facto, os primeiros-ministros locais ordenam que se maltrate o seu povo, algo inaceitável".

A Bósnia-Herzegovina tem 3,8 milhões de habitantes. A taxa de desemprego ultrapassa os 44% e 20% da população vive abaixo do limiar de pobreza. O salário médio mensal ronda os 420 euros.

O “Courrier des Balkans” salienta: “Enquanto os planos de austeridade, as privatizações e os ataques ao direito do trabalho se sucedem em todos os países dos Balcãs, a agitação social amplifica-se. De fato, as medidas de “flexibilização do mercado de trabalho”, impostas pelo FMI vêm juntar-se a uma situação social muito deprimida: baixos salários, reformas indecentes e desemprego sempre massivo”.


FONTE: Carta Maior

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O retorno a Marx?


Como retornar a alguém que sempre esteve aqui?


Por Jean Paulo Pereira Menezes (*)


A revista Time de total defesa do capitalismo, publicou em sua capa de 13 de fevereiro de 1948 uma imagem de Karl Marx, com olhos vermelhos e diante de um caldeirão em chamas, bem sugestiva de uma espécie de satanização política. A mesma revista em 25 de março de 2013 publica “Marx’s Revenge: How Class Struggle Is Shaping the World” (A revanche de Marx: como a luta de classes está moldando o mundo). No mesmo ano de 2013, outra revista, The Economist, publica: “What would Marx say?” (O que Marx diz?). Parece que o retorno a Marx é inconteste até mesmo pelos veículos de comunicação fetichizados do próprio capital. Poderia continuar a introdução deste artigo citando centenas de revistas e jornais de circulação internacional que satanizam Marx e que em momentos de crises acabam por recorrer ao seu próprio demônio, pois este apresenta elementos de luz que até mesmo os mais conservadores são incapazes de ignorar plenamente.

Trata-se de algo importante pois estes veículos são os mesmo que procuram educar seus leitores sobre a obsolescência do pensamento de Marx e que a luta de classes é algo ultrapassado para o século XXI. É evidente que a afirmação é falsa e que Marx jamais foi enterrado e sim temido e vilipendiado diuturnamente. 

"Marx marca toda História das ciências humanas, da passagem do final do século XIX até hoje. É um autor que está presente, praticamente, em todas as esferas da sociabilidade do ser (aspecto ontológico), seja para afirmá-lo ou negá-lo"

O retorno

Recentemente, um sério jornalista de um tablóide de grande circulação no interior paulista me perguntou sobre a contribuição de Marx para a atualidade, pois o jornal faria uma matéria sobre este pensador por conta do quinto ano do Seminário de Estudos Marxistas (SESTMARX), realizado pelo Jornal Brado Informativo no interior paulista. Achei muito estranho, pois o tablóide que me refiro é altamente conservador e, sobretudo oportunista. Parece que Marx está sendo “redescoberto”, sobretudo pelos veículos de comunicação em massa tradicionalmente reacionários.

Marx marca toda história das ciências humanas, da passagem do final do século XIX até hoje. É um autor que está presente, praticamente, em todas as esferas da sociabilidade do ser (aspecto ontológico), seja para afirmá-lo ou negá-lo. O motivo: sua obra fala de algo que não se esgotou, fala das formas de reproduzir a vida na sociedade capitalista e ainda hoje o modelo que vivemos é o capitalista. Entre vários fatores temos assim um elemento importante para compreendermos Marx diante do pensamento contemporâneo.

Ser social

Trata-se de uma influência de perspectiva ontológica, ou seja, de buscar entender o ser social, em sua totalidade (algo bastante negado por muitos intelectuais) e tendo como elementos fundamentais o trabalho e a revolução. Marx não era um intelectual acadêmico, não sofria do mal que identificamos hoje: a compartimentação do conhecimento, os prazos de agências de fomento a pesquisa acadêmica/científica ou mesmo a História em migalhas. Marx investiga o ser na sua totalidade, ele se preocupa com as várias esferas da sociabilidade humana. Para Marx o homem interessa como ser na sua totalidade e não apenas o homem que escreve, o homem que trabalha, o homem que domina, o homem que luta. A totalidade (Gesamtheit) é central no pensamento marxiano. Acredito que esta perspectiva ajuda pensarmos por que este autor é referendado (de forma negativa ou mesmo positiva) na filosofia, na ciência política, na psicologia, historiografia, geografia, economia, ciências sociais, enfermagem, medicina, literatura, governos, etc.

Há sem dúvidas um redescobrimento, um clássico sempre provoca esse comportamento de retour (retorno) com o decorrer do tempo histórico. Nas últimas décadas muitas pessoas, sobretudo ligadas a uma perspectiva política conservadora, vêm afirmando um “retorno” de Marx. Diria que não se trata de um retorno da direita a Marx, mais sim de um curvar-se diante de Marx, pois sabem que a crise do capitalismo é estrutural e imanente ao capitalismo. Para isso devem se curvar diante da maior obra de Marx, que não se chama “O Comunismo”, e sim: O Capital!

Vejamos, isso é muito interessante, pois ao fazerem esse “retorno” a Marx, muitos apologetas do capitalismo recorrem a Marx com a intenção de entenderem a crise, mas o que constatam é uma imanência dela (da crise) e não uma receita de como sair da crise na perspectiva do capitalista. É importante registrar que o pensamento de Marx (que nunca foi apenas um intelectual e sim um dirigente político que pesquisava o mundo que propunha transformar) e Engels contribui para estruturar apenas parte dos modelos ditos socialistas no século XX, pois o que se registrou na História (URSS) não é obra assinada por Marx e Engels e sim por uma vasta tradição marxista que em grande parte vulgarizaram o pensamento marxiano (Stálin é o maior exemplo de deturpação). No que tange a contribuição de Marx para o futuro do capitalismo, ele mesmo (Karl Marx) é enfático quando afirma que seus estudos devem servir de arma para a classe trabalhadora fazer a revolução proletária, ou seja, a destruição do modo de reproduzir a vida no capitalismo.

Capitalismo

"Na perspectiva marxiana, o PT jamais governou para os trabalhadores... É no mínimo um insulto a classificação do PT como um partido de esquerda"

Acho bastante infantil quando Antonio Delfim Netto (professor catedrático da USP) apresenta um Marx analista financeiro e com indicações para o desenvolvimento de um capitalismo mais humano. Um dos centros do pensamento de Marx é justamente demonstrar que o modelo capitalista é fundamentalmente anti-humano e necessita da exploração para se reproduzir. Ou seja, esse retorno a Marx acontece também de forma desviada, destorcendo (assim como em partes da URSS) o que Marx passou estudando e organizando a vida toda.

Há no imaginário social uma visão de que é a esquerda que governa o Brasil. Que o Partido dos Trabalhadores é um partido de esquerda. Na perspectiva marxiana, o PT jamais governou para os trabalhadores... É no mínimo um insulto a classificação do PT como um partido de esquerda. Entretanto isso é um fato... A maioria absoluta da população ainda identificam os partidos de frente populares (emblematicamente o PT no Brasil) como sendo organizações de esquerda, e não vai ser um ou todos os textos do Marx que mudará esta leitura. Estes governos de frente popular provocam um estrago tremendo na organização da classe trabalhadora, pois é uma prática deste tipo de governo cooptar os movimentos populares para fazerem uma gestão de colaboração de classes. Alguns milhões para o social e outros bilhões para os capitalistas. Definitivamente isso não é Marx! Muitos estudos sobre Marx são sólidos no Brasil, mas há ainda muita vulgarização. E muitas delas são propositais.

Em alguns círculos intelectuais universitários, altamente incomodados com Marx, postulam que a esquerda (genericamente) não sabe o que fazer com o pensamento de Marx. Apenas em partes concordo com a afirmação de que a esquerda não sabe o que fazer com Marx, pois a análise de Marx é feita em um dado momento do mundo e que não adianta querer que Marx nos fale o que fazer com a internet hoje, ou, com o Sistema Único de Saúde, que não funciona plenamente; ou, com a Lei de Diretrizes e Bases para educação no Brasil. Mas o eixo central de Marx ainda é radicalmente atual. A raiz do pensamento do Marx é o modo de produção capitalista... E, a essência desta forma de reproduzir a vida não mudou nada, assim com a essência categorial de outros clássicos até mais antigos do que o próprio Marx. Generalizar que a esquerda não sabe o que fazer com Marx é muito frágil, sobretudo porque é necessário esclarecer o que é essa esquerda intelectual tão citada genericamente. Diria, “parte” da esquerda está perdita sim, na verdade sempre estiveram. A recepção de Marx, por exemplo, na América é muito complexa, pois a leitura de Marx vem recheada de positivismo, de imobilismo histórico, de futurologias e muitas vezes antidialética. Penso que hoje as importantes contribuições do passado estão recebendo a análise critica que merecem o que é bastante razoável, pois a História é o constante movimento, não estamos parados... Marx, e outros autores, como Lênin, Trotsky, Rosa de Luxemburgo, Gramsci, jamais serão sepultados facilmente.

"Em alguns círculos intelectuais universitários, altamente incomodados com Marx, postulam que a esquerda (genericamente) não sabe o que fazer com o pensamento de Marx"

Biografia

Diante de todos os discursos sobre um determinado retorno a Marx, atualmente no Brasil, os leitores já podem conhecer um pouco mais da história deste autor tão negado e afirmado. Trata-se de uma biografia escrita pelo Franz Mehring que é considerada a melhor escrita até hoje em todo o mundo na perspectiva de militantes como Rosa de Luxemburgo. O trabalho de Mehring é altamente refinado, sua estética é realmente encantadora. Não se apresenta um Marx santificado, um deus... não... apresenta o Marx como ser social... com críticas e reconhecimentos. Compreende o que muitos biógrafos não foram capazes, pois ele capta o Marx em sua essência: Crítico, Radical e Revolucionário. Muitos biógrafos de Marx quebram essa tríade para atenderem o mercado editorial (sobretudo o caráter revolucionário do pensamento de Marx). Não é o caso dessa biografia. Como não alivia para o lado de Marx... realmente é um trabalho sério e que recomendo a leitura. Está biografia fora escrita há décadas e apenas agora temos uma tradução para o português aqui no Brasil, mérito que faço questão de reconhecer a Editora Sundermann. Agora podemos ter acesso à biografia mais comentada e que apenas em 2013 fomos capazes de trazer a público (apenas uma sugestão para conhecermos o “retorno” de quem sempre esteve presente).

Se concordarmos que o trabalho escravo ainda existe; que a exploração do trabalhador ainda é um fato; que as relações jurídicas não estabelecem plenamente a igualdade postulada pelo iluminismo; que se os capitalistas, por um ataque moral resolvessem ajudar o mundo e segundos depois capitulassem ao constatarem que todos faliriam; que o salário não é algo justo; que o mundo produz três vezes mais a sua capacidade de consumo, mas não pode socializar a produção e evitar a fome... etc; diria que Marx ainda é atual.

Considerando que a maior parte dos textos do Marx (obras completas) jamais foram publicadas, acredito também que ainda teremos muito o que conhecer e aprender com Marx, um autor que sempre esteve presente nos últimos séculos em toda cena humana e desumana. Desta forma o retorno a Marx é o mesmo que afirmar a volta dos que não foram!


(*) Jean Paulo Pereira Menezes é professor do Departamento de Ciência Política e Economia na Unesp de Marília.


FONTE: Controvérsia

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Os 30 anos do MST e a luta pela reforma agrária hoje


Por Guilherme C. Delgado



Nesta semana de 10 a 15 de fevereiro o MST celebra os seus 30 anos de fundação, por ocasião do VI Congresso que realiza em Brasília. O momento é propício para uma reflexão em perspectiva sobre dois temas conexos – questão agrária e reforma agrária, ambos relacionados à estrutura de propriedade, posse e uso da terra.

O próprio surgimento do MST no final do regime militar (1984) e primórdios da construção do Estado democrático (1988) é sinal do retorno da Questão Agrária, declarada ainda no início do ano 60 do século passado, sistematicamente negada pela ditadura militar mediante apelo explícito às armas, por um lado, e ao projeto econômico de “modernização conservadora” da agricultura, por outro.

A questão agrária, politicamente concebida, contém uma proposta de mudança da estrutura agrária, construindo um novo regime de direitos agrários que a Constituição de 1988 adota: 1) princípio da função social e ambiental legitimando o direito de propriedade e toda a política agrária (Art. l84-186); 2); 2) designação do estatuto das terras indígenas (Art. 231); 3) normas de preservação ambiental e de designação das terras de reserva florestal (art. 225). Além dessas designações, remanesce um imenso patrimônio de terras publicas devolutas, relativamente descontroladas, correspondente a mais de 1/3 do território nacional (Cf. IBGE - Censo Agropecuário de 2006).

Decorridos 25 anos da promulgação Constituição de 1988 e 30 anos da fundação do MST, o cerne do regime fundiário da Constituição de l988, qual seja a mudança da estrutura agrária, que é também o principal fundamento da reforma agrária, continua sistematicamente negado, agora não mais pelo regime militar, mas pelas forças políticas hegemônicas que construíram nos anos 2000 a nova “modernização conservadora”, autodenominada de economia do agronegócio.

É bem verdade que, sob a égide da Constituição de 1988 e ainda sob pressão constante do movimento social, particularmente do MST, houve uma ação importante de distribuição de terras no nível do governo federal – o Programa de Assentamento de Trabalhadores Rurais, formalmente responsável pelo assentamento de cerca de 1 milhão de famílias em áreas para este fim destinadas, oriundas em sua grande maioria de terras devolutas públicas. Isto evidentemente é uma realidade importante, a ser aprofundada; mas que não toca ainda ao cerne da reforma agrária – uma mudança de toda a estrutura agrária nacional (direitos de propriedade, posse e uso da terra), coadjuvada pela ação de redistribuição fundiária, incidente sobre a propriedade fundiária que descumpre a função social e ambiental.

A questão agrária em aberto no século XXI é bem mais complexa que aquela que o MST enfrentou nos seus primórdios. Àquela época, o sistema agrário dominante, em crise econômica e política (fim do regime militar), resistia às mudanças ao velho estilo (do apelo às armas  privadas ou estatais). Hoje, sob a égide do pacto de poder dominante, o processo sistemático de negação à mudança da estrutura agrária, segundo o princípio do próprio regime fundiário constitucional, conta com  estratégia concertada, por dentro e por fora do Estado, com vistas à completa ‘mercadorização’ das terras.

Atualmente, são armas ideológicas das mídias e da cultura do agronegócio, apoiadas por forte aparato econômico das cadeias agroindustriais voltadas à ‘reprimarização’ do comércio exterior, as grandes inimigas da reforma agrária. Ademais, com controle sistemático do Congresso (bancada ruralista), do Executivo Federal há quatro governos sucessivos, e sob o silêncio obsequioso do Judiciário, ou da sua extremamente lenta manifestação, persegue-se um processo gradual de desmonte do regime fundiário constitucional, retroagindo-se á lei de terras de 1850.

Diante deste quadro complexo, os desafios à reforma agrária são evidentemente outros, que não há espaço aqui para comentar. Mas obviamente não eliminam, ao contrário, exacerbam a necessidade de mudança da estrutura agrária, ora submetida a invulgar cobiça do capital e do dinheiro mundiais, à revelia da função social e ambiental da propriedade da terra.


Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.


FONTE: Correio da Cidadania

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Manifesto de repúdio à tipificação do crime de terrorismo



Pelo presente manifesto, as organizações e movimentos subscritos vêm repudiar as propostas para a tipificação do crime de Terrorismo, que estão sendo debatidas no Congresso Nacional, através da comissão mista, com propostas do Senador Romero Jucá e Deputado Miro Teixeira.

Primeiramente, é necessário destacar que tal tipificação surge num momento crítico em relação ao avanço da tutela penal frente aos direitos e garantias conquistados pelos diversos movimentos democráticos. Nos últimos anos, houve intensificação da criminalização de grupos e movimentos reivindicatórios, sobretudo pelas instituições e agentes do sistema de justiça e segurança pública.

Inúmeros militantes de movimentos sociais foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.

Neste limiar, a aprovação pelo Congresso Nacional de uma proposta que tipifique o crime de Terrorismo irá incrementar ainda mais o já tão aclamado Estado Penal segregacionista, que funciona, na prática, como mecanismo de contenção das lutas sociais democráticas e eliminação seletiva de uma classe da população brasileira.

Nesta linha, o inimigo que se busca combater para determinados setores conservadores brasileiros, que permanecem influindo nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é interno, concentrando-se, sobretudo, nos movimentos populares que reivindicam mudanças profundas na sociedade brasileira.

Dentre as várias propostas, destaca-se o Projeto de Lei de relatoria do Senador Romero Jucá, que em seu art. 2º define o que seria considerado como Terrorismo: “Art. 2º – Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial ou étnico: Pena – Reclusão de 15 a 30 anos”.

Trata-se, inicialmente, de uma definição deveras abstrata, pois os dois verbos provocar e infundir são complementados pelos substantivos terror e pânico. Quem definiria o que seria terror e pânico? Como seria a classificação do terror e pânico generalizado? Ora, esta enorme abstração traz uma margem de liberdade muito grande para quem vai apurar e julgar o crime.

Além disso, esse terror ou pânico generalizado, já de difícil conceituação, poderia ser causado, segundo a proposta, por motivos ideológicos e políticos, o que amplia ainda mais o grau de abstração e inconstitucionalidade da proposta.

É sabido que as lutas e manifestações de diversos movimentos sociais são causadas por motivos ideológicos e políticos, o que, certamente, é amplamente resguardado pela nossa Constituição.
Assim, fica claro que este dispositivo, caso seja aprovado, será utilizado pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais, já que tais lutas são realmente capazes de trazer indignação para quem há muito sobrevive de privilégios sociais.

Também a proposta do Deputado Miro Teixeira revela o caráter repressivo contra manifestações sociais, evidenciada em um dos oito incisos que tipifica a conduta criminosa: “Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”. Verifica-se, portanto, que as propostas são construídas sobre verdadeiros equívocos políticos e jurídicos, passando ao largo de qualquer fundamento ou motivação de legitimidade.

Agregue-se, ainda, o cenário de repressão e legislação de exceção paulatinamente instituídos pela agenda internacional dos grandes eventos esportivos, solapando a soberania política, econômica, social e cultural do povo brasileiro, e a fórmula dos fundamentos e motivações da tipificação do crime de terrorismo se completa, revelando a sua dimensão de fascismo de Estado, incompatível com os anseios de uma sociedade livre, justa e solidária.

Já contamos quase 50 anos desde o Golpe de 64 e exatamente 25 anos desde a promulgação da ‘Constituição Cidadã’. Nesse momento, diante da efervescência política e da bem-vinda retomada dos espaços públicos pela juventude, cumpre ao Congresso Nacional defender a jovem democracia brasileira e rechaçar projetos de lei cujo conteúdo tangencia medidas de exceção abomináveis como o nada saudoso ‘AI-5’.

Desta maneira, repudiamos veementemente estas propostas de tipificação do crime que, sobretudo, tendem muito mais a reprimir e controlar manifestações de grupos organizados, diante de um cenário já absolutamente desfavorável às lutas sociais, como estamos vendo em todo o Brasil.


ASSINAM:


Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT Brasil
Actionaid Brasil
Anarquistas Contra o Racismo – ACR
Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre – ANEL
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – ABEA
Associação Cultural José Martí/RS
Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará (Casa José Martí)
Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo – AEPPSP
Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB
Associação dos Servidores do IJF – ASSIJF
Associação Juízes Para a Democracia – AJD
Associação Missão Tremembé – AMI
Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP
Associação Nacional dos Anistiados Políticos e Pensionistas
Bento Rubião – Centro de Defesa dos Direitos Humanos
Brigadas Populares
Casa da América Latina
Casa de Cultura e Defesa da Mulher Chiquinha Gonzaga
Cearah Periferia
Central de Movimentos Populares – CMP
Centro Cultural Manoel Lisboa
Centro de Assessoria à Autogestão Popular – CAAP
Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa – Ceará
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Nenzinha Machado – Piauí
Centro de Direitos Humanos e Cidadania Ir. Jandira Bettoni – Lages/ Santa Catarina
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDDHEP – Acre
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo – CDHEP
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo de Artistas Socialistas – CAS
Coletivo de Memória, Verdade e Justiça João Batista da Rita de Criciúma
Coletivo Desentorpecendo a Razão – DAR
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça
Comboio
Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI
Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
Comitê Goiano da Memória, Verdade e Justiça
Comitê Memória, Verdade e Justiça da Paraíba
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Delta do Parnaíba – Piauí
Comitê Pela Desmilitarização
Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Piauí
Comitê Popular da Copa de Salvador
Comitê Popular da Copa de SP
Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro
Comitê Popular dos Atingidos pela Copa – COPAC BH
Comitê Popular Memória, Verdade, Justiça do RS
Comitê Verdade, Memória e Justiça de Pelotas e Região
Conectas
Confederação Nacional de Associações de Moradores – CONAM
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas
Consulta Popular
Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana
Diretório Central Estudantil da Universidade Federal do Espírito Santo
Escola de Governo
Espaço Kaleidoscópio – Criciúma-SC
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenharia – FISENGE
Federação Nacional das Associações de Empregados da Caixa Econômica – FENAE
Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas – FNA
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – FENEA
Fórum Catarinense Pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infanto-juvenil
Fórum da Amazônia Oriental/ GT Urbano – FAOR
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro
Fórum Direito à Memória e à Verdade do Espírito Santo
Fórum Nordeste de Reforma Urbana – FneRU
Fórum Sul de Reforma Urbana
Fórum Urbano da Amazônia Ocidental – FAOC
Frente de Resistência Urbana
Grupo Lambda LGBT Brasil
Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
Grupo Tortura Nunca Mais – SP
Habitat para a Humanidade
Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual
Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH
Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – PÓLIS
Instituto Edson Néris
Instituto Frei Tito
Instituto Paulista da Juventude – IPJ
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC
Justiça Global
Levante Popular da Juventude
Luta Popular
Mães de Maio
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento AnarcoPunk – MAP
Movimento da Juventude Andreense – MJA
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB
Movimento de Moradia do Centro – MMC
Movimento de Segurança Urbana e Carcerária
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST
Movimento em Defesa da Economia Nacional – MODECOM
Movimento Hip-Hop Organizado – MH2O
Movimento Moinho Vivo – Favela do Moinho
Movimento Mulheres em Luta – MML
Movimento Nacional dos Direitos Humanos – MNDH
Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM
Movimento Palestina Para Tod@s
Movimento Passe Livre – MPL
Movimento Periferia Ativa
Núcleo de Direito à Cidade – USP
Núcleo De Diversidade Seremos – ACR
Partido Comunista Revolucionário
Pastoral Carcerária Nacional
Pastoral da Juventude da Arquidiocese de São Paulo
Quilombo Raça e Classe
Reaja Ou Será Morto, Reaja Ou Será Morta (Bahia)
Rede 2 de Outubro
Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência (RJ)
Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicador@s – RENAJOC
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
Rede Nacional de Familiares e Amigos de Vítimas do Estado
Rede Observatório das Metrópoles
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Sarau Perifatividade
Serviço de Paz e Justiça – SERPAJ, América Latina
Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões/SEMPRO – Pernambuco
Serviço Franciscano de Solidariedade – SEFRAS
Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia – SINFRAJUPE
Sindicato dos Gráficos do Ceará – SINTIGRACE
Sindicato dos Servidores do Município de Fortaleza – SINDIFORT
Streetnet Internacional
Terra de Direitos
Tribunal Popular
39º Núcleo do CPERS – Sindicato
União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os da Classe Trabalhadora – UNEAFRO
União Nacional por Moradia Popular – UNMP
Viração Educomunicação

(13 de fevereiro de 2014)


FONTE: Correio da Cidadania

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Marx voltou e ameaça ficar


Por Carlos Abel Suárez


Por ocasião dos primeiros sinais da atual crise econômica mundial, antes ainda do estouro da bolha das hipotecas norteamericanas, iniciou um movimento que muitos denominaram o “retorno” de Marx. Revistas de atualidade e de ampla circulação internacional publicaram sua inconfundível imagem em suas edições. O destaque de capa era Marx.

Em algumas pesquisas relevantes, Marx foi eleito como um dos pensadores mais destacados de todos os tempos. Quando das operações de resgate financeiro, nos principais jornais norteamericanos se alternavam como insulto ou como elogio a retomada das idéias daquele personagem tão querido quanto odiado, nascido em Tréveris, em 1818. Não faz muitos anos, sua memória estava sepultada e sua obra engavetada e degradada por pseudoexegetas, interpretadores falsários e filisteus de toda pelagem, processo vitaminado pela direitização da social-democracia e pela implosão da União Soviética.

Mas o Marx original, sua obra – despojada das versões de tantos “marxistas” que tanto ele como Engels desprezavam já em vida – apenas começa a se projetar nos círculos acadêmicos, nas tertúlias da esquerda e nos debates políticos coerentes. No entanto, segundo o atual retrato do mundo, na economia, na política e na cultura, parece que as idéias de Marx e Engels poderão seguir ilustrando grande parte do século XXI.

Muito se perguntarão: o que é o projeto MEGA? Não se trata de um dispositivo eletrônico para espionar comunicações ou do desenho de uma nova represa gigantesca? Trata-se, na verdade, de um dos maiores empreendimentos editoriais da atualidade e, possivelmente, um dos mais destacados de todos os tempos: a nova edição crítica das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe). O professor Michael Krätke, coeditor da nova MEGA, explicou durante quase duas horas as características desta espetacular iniciativa, em uma conferência realizada na Universidade de Barcelona, às vésperas do encontro internacional de Sin Permiso, realizado em Madri, em dezembro último.

O auditório da conferência – majoritariamente formado por acadêmicos e estudantes conhecedores da obra de Marx – foi surpreendido por alguns trechos da minuciosa e apaixonada exposição de Krätke, tanto por sua qualidade acadêmica, rigor conceitual, contextualização histórica e domínio dos temas sobre os quais trabalharam Marx e Engels, como pelas descobertas que virão a público com a nova MEGA.

É conhecido que os textos de Marx e de Engels sofreram múltiplas manipulações. Krätke assegurou que não há um só dos livros publicados que tenha respeitado a versão original, seja por questões políticas ou pela caprichosa tesoura dos editores. Krätke lembrou que a primeira iniciativa de reunir e publicar toda a obra de Marx e Engels iniciou em 1911, dirigida pela socialdemocracia alemã, com a participação de Karl Kautsky, Augusto Bebel e Eduardo Bernstein. Em seguida, o projeto passou para as mãos da União Soviética, em 1922, sob a direção de David Riazanov, até este ser destituído por Stálin, em 1931, e fuzilado anos mais tarde, em 1938, juntamente com seus companheiros da velha guarda bolchevique.

Na MEGA contemporânea, que começou a ser desenhada em 1960 e, estima-se, deve estar concluída em 25 ou 30 anos, trabalham 80 colaboradores de 8 países e 3 continentes. O plano original, explicou Krätke, contempla a publicação de aproximadamente 164 volumes, compreendendo os textos original, mais todos os anexos.

Os princípios acordados para o imenso reordenamento e revisão de manuscritos, vários deles inéditos, livros e artigos publicados, mais toda a correspondência Marx-Engels – e a destes como amigos, colaboradores e editores – são o respeito e a fidelidade com o original, além da certificação de sua autenticidade e sua preparação para serem editados de forma completa e integral. A equipe multidisciplinar que trabalha no MEGA realiza um acompanhamento da evolução dos textos, discute exaustivamente os mesmos, evitando ao mesmo tempo os comentários políticos.

Com a perícia de um arqueólogo que vai limpando com cuidado as peças de um achado para não danificá-lo, Krätke expôs as vicissitudes pelas quais passaram os trabalhos de Marx mais difundidos. Todos têm sua história, suas polêmicas, as marcas da manipulação, do silenciamento. Há “montanhas” de papéis: fichas, apontamentos, cartas, cadernos com cálculos matemáticos, que os entusiastas da MEGA ordenam e classificam.

No plano da nova MEGA, O Capital e todos os textos preparatórios e manuscritos, somam 15 volumes, a maior parte deles já publicados em alemão. A correspondência completa entre Marx e Engels e a destes com terceiros, compreende 35 volumes. A coleção de extratos, fichas bibliográficas e anotações marginais dos amigos inseparáveis, tomará outros 32, segundo o programa editorial.

É notável que, a 127 anos da morte de Marx, ainda existam trabalhos inéditos do autor, observou Krätke. Um deles sobre a crise financeira de 1857-1858 será publicado em breve. Segundo o pesquisador alemão, que possui uma contundente trajetória como economista e historiador, à qual se agrega seus conhecimentos da obra de Marx, o trabalho sobre a crise de 1857 lança luz para entender melhor a crise financeira e econômica atual. Aquela, como a atual, começou nos Estados Unidos (1).

Krätke se encarregou de refutar, à luz das investigações até agora realizadas, as especulações sobre as diferenças entre Marx e Engels e as diligências deste em procurar ordenar a publicar a obra inconclusa de seu amigo. Pode ter cometido alguns erros, mãos o trabalho de Engels foi cuidadoso e respeitoso, assegurou.

A Espanha na obra de Marx

Mas se algo ilustra a erudição e, cabe dizer também, a coragem de Krätke, é falar da história da Espanha, em Barcelona, e diante de acadêmicos bem conhecedores dessa história. Um só dado mostra bem a importância dos trabalhos de Marx e Engels sobre a Espanha: do total da nova MEGA, uns 12 volumes contém seus ensaios, artigos e estudos vinculados ao tema. Marx nunca visitou a Espanha, mas começou a estudar espanhol em 1850 e, desde então, encontram-se em seus escritos citações de clássicos como Cervantes e Lope de Vega.

Várias vezes em sua trajetória intelectual, Marx realizou estudos sistemáticos sobre a história da Espanha. Particularmente entre os anos 1847 e 1848, e depois durante os anos 1850 e 1851, 1854 e 1855 e, por último, entre 1878 e 1882m quase ao final de sua vida. Em uma oportunidade, no período que vai de 1854 a 1855, Marx se pôs a escrever uma história crítica das mudanças revolucionárias na Espanha, precisou Krätke. 

Por algum tempo, a partir de 1854, Marx escreveu sobre a situação política espanhola para o New York Daily Tribune. Vários desses artigos tiveram a participação de Engels – e fazem parte da seção da MEGA denominada “Espanha Revolucionária” (2). Sobre os motivos que levaram Marx a estudar a história e a política espanhola, Krätke assinalou que encontrou aí algumas chaves importantes do que seria sua teoria política, ou, dito de outro modo, a acumulação de conhecimentos e papéis para elaborar uma teoria política.

“Marx não começa com as “leis” da história”, afirmou, “ele constata e discute os fenômenos e as aparências, regularidades e irregularidades, e busca então as explicações históricas. Marx estudou em profundidade, no caso espanhol, a relação entre a formação das classes, a sociedade burguesa e o Estado Moderno. Segundo Krätke, o modelo de um primeiro Império colonial global, a forma curiosa que assumiu o absolutismo, o conceito de um liberalismo avançado e o desenvolvimento revolucionário tão particular é o que fazia da Espanha um campo de análise muito valioso para Marx. Entre outras coisas, para entender a transição do feudalismo para o capitalismo. Transição para a formação do Estado moderno, que, lembrou Krätke seguindo Marx, assumiu formas muito diversas.

Um capítulo relevante na seção da nova MEGA dedicada a Espanha trará os trabalhos de Marx sobre a Constituição de Cádiz de 1812. Frequentemente se esquece a sólida e inicial formação de Marx como jurista. A propósito da Espanha, volta a esses temas de seu interesse com a crítica às interpretações contemporâneas da Constituição de 1812, a qual valorizava por sua originalidade e pela situação política que dá origem a ela. Trabalho, por sua vez, que desperta a preocupação de Marx para uma releitura da Constituição francesa de 1791 e para a análise da Constituição espanhola de 1820. Nestes ensaios, observa Krätke, Marx reflete sobre a natureza das constituições revolucionárias, sempre “impraticáveis” e “impossíveis”.

Ao retornar a suas investigações espanholas, 20 anos depois, Marx revisa outra vez os vínculos entre Espanha e a história política mundial, a formação do Estado moderno na Europa, depois do ano 1000, a Conquista e a Reconquista e o papel da Espanha como poder militar e imperialista, observou ainda o coordenador da nova MEGA.

Uma vez terminado este grande empenho da nova MEGA, seguramente as idéias de Marx e de Engels poderão seguir ecoando na segunda metade do século XXI. Esta injeção de otimismo nos animou após escutar as palavras de Krätke. Uma maior dose de otimismo exigiria pensar que, na metade deste século, se terá liberado o mundo e o marxismo da “leitura dogmática e clerical” de Marx e Engels, como desejava Manuel Sacristán, ou da “clerigalla marxista”, como reclamava Franz Mehring em 1918.

NOTAS

(1) Ver Michael R. Krätke, Marx, periodista económico, en Sin Permiso Nº 6, Barcelona, 2010. 

(2) Com tradução e prefácio de Manuel Sacristán, en 1960, a editorial Ariel de Barcelona publicou con o título de “Revolução na Espanha” os artigos jornalísticos de Marx e Engels sobre a Espanha que se conheciam então.

(*) Carlos Abel Suárez é integrante do Comitê de Redação de SINPERMISO. Publicado em "Bitácora" do Uruguay.

Tradução: Katarina Peixoto


FONTE: Carta Maior

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Ucrânia: dez teses da oposição de esquerda


O texto que publicamos em seguida é da autoria de ativistas que participam na mobilização contra o governo ucraniano, rejeitando a perspetiva da direita que lidera os protestos e defendendo que o maior problema é a oligarquia predatória.

Por Coletivo da Oposição de Esquerda


A popularidade dos protestos na Ucrânia (Euromaidan) não significa que os ucranianos considerem a questão do livre comércio com a União Europeia tão significativo que os encoraje a passar noites sem dormir na praça. Os problemas socioeconómicos do país, que são muito mais graves do que os dos seus vizinhos do oriente e do ocidente, deram o significado aos protestos. O salário médio na Ucrânia é duas a 2,5 vezes mais baixo que na Rússia e na Bielorrússia, e muito mais baixo que na UE.

A crise económica afetou a economia ucraniana muito mais drasticamente que quase qualquer outra economia na Europa, do Atlântico aos Urais. O crescimento económico depois da crise praticamente congelou, e a indústria muito provavelmente continuará a declinar em 2013. Além disso, o sistema económico ucraniano isenta mais ou menos os oligarcas de pagarem impostos. É possível exportar, de forma totalmente legal, minerais, metais, amónia, trigo e sementes de girassol no valor de dezenas de milhares de milhões e declarar que não houve lucros. Todos os ganhos são escondidos em jurisdições offshore, onde quase todas as empresas ucranianas em atividade estão sediadas formalmente. Quaisquer ganhos obtidos por uma empresa no interior do país podem ser legalmente e sem esforço transportados para locais offshore, mascarando-os de empréstimos fictícios, por exemplo.

As dificuldades sistemáticas do governo ucraniano para cumprir o orçamento surpreendem alguém? No final do ano passado, a Ucrânia estava à beira da falência. Suspender o pagamento de salários dos funcionários públicos tornou-se uma prática comum, e foi praticamente suspensa a alocação de fundos do orçamento para os programas sociais. A situação foi exacerbada por uma guerra comercial com a Rússia, quando a Gazprom forçou a subida do preço do gás a níveis recorde na Europa oriental.

Os oligarcas conduziram o país para um beco; mesmo depois de discussões infindáveis, não conseguiram formular uma estratégia coerente de desenvolvimento, evitando qualquer investimento no Estado ao mesmo tempo que o exauriam. Qualquer estratégia de desenvolvimento tem de significar que os seus apetites sejam refreados – pelo menos tem de incluir o fim dos esquemas offshore e um crescimento mínimo da arrecadação de impostos. Mas é isso exatamente que os oligarcas não podem aceitar, apesar de compreenderem que se não mudarem as regras do jogo, levarão o Estado à catástrofe socioeconómica, cortando o ramo onde eles próprios estão sentados.

A oposição de direita, quando fala dos problemas económicos, concentra-se quase exclusivamente nos temas da corrupção e da ineficácia do governo. E se a conversa se vira para o facto de os oligarcas saquearem o país, procura limitá-la aos negócios que pertencem aos filhos de Yanukovich. Na opinião da direita, os outros oligarcas não representam um problema, porque têm consciência nacional. Por esta lógica, quando a Ucrânia for pilhada por um “щирый” (“autêntico” em ucraniano, nota do editor), isso será benéfico à causa nacional.

Está a abrir-se uma situação paradoxal. Todos os economistas conscienciosos (mesmo os mais neoliberais, por exemplo, Viktor Pinzenik) concordam que os sistemas fiscal e regulador do país foram construídos para isentar totalmente os oligarcas de pagar impostos. Todos veem que este sistema não pode durar muito mais, mas nenhum dos políticos no Parlamento se atreveu a propor a alternativa sistémica óbvia e realista. Quase ninguém ousa admitir em público que a questão mais urgente que a Ucrânia enfrenta não é a União Europeia ou a união comercial, mas simplesmente que os oligarcas comecem a pagar impostos. O aparelho de Estado é perfeitamente capaz de forçá-los a isso, já que os bens em funcionamento estão todos localizados na Ucrânia. Contudo, como observou recentemente Andrei Hunko, a oligarquização da política ucraniana chegou a tal proporção que nem um único dos partidos parlamentares existentes pode sequer mencionar este tema.

Infelizmente, apenas a esquerda radical levanta estas questões mínimas e óbvias. Insisto que estas bandeiras não devem ser vistas como a agenda da Oposição de Esquerda, mas sim como primeiros passos para a formação de políticas que possam reunir todas as forças antioligárquicas, que não consideram que uma ditadura fascista ultradireitista seja uma solução – o tipo de ditadura que a União de Todos os Ucranianos “Svoboda” insistentemente defende, enquanto os líderes oficiais da oposição olham passivamente.

A ausência de qualquer plano coerente de ação para ajudar a Ucrânia a sair da crise tornou-se tão premente que mesmo publicações bastante liberais, quase liberal-direitistas, começaram a discutir os nosso dez pontos – tais como, por exemplo, zaxid.net de Lvov, “Oposição de Esquerda” de Zahar Popovich.

Plano para a mudança social em dez pontos

Apresentamos um documento intitulado “Plano para a mudança social”, que delineia formas de aumentar o bem-estar dos cidadãos e garantir o progresso social. Foi criado em parte porque as manifestações do Eurmaidan ignoraram a maioria das reivindicações sociais. A nossa esperança é que este documento possa servir de plataforma para unificar uma ampla gama de iniciativas sociais, sindicais e de esquerda. Este documento foi escrito por ativistas que pertencem à Oposição de Esquerda, uma organização socialista que pretende unificar todos os que pertencem à comunidade provisoriamente chamada #leftmaidan.

Nem é preciso dizer que partidos políticos transformam o movimento de protesto e dirigem-no para a política eleitoral; tentam encontrar novas vozes, em vez de fazer mudanças significativas ao sistema. Não apoiamos as ideias das estruturas liberais, que fazem propaganda da economia de livre mercado, nem apoiamos os nacionalistas radicais que defendem políticas discriminatórias.

A nossa esperança é que o movimento de protesto, aguilhoado para a ação pela injustiça social, possa finalmente erradicar as raízes desta injustiça. Acreditamos que a causa da maioria dos problemas sociais é a oligarquia que se formou como resultado do capitalismo desenfreado e da corrupção. É importante limitar os interesses egoístas dos oligarcas, em vez de confiar na ajuda da Rússia ou do FMI, com a consequente dependência nacional. Acreditamos que é prejudicial juntar as nossas vozes às reivindicações a favor da euro-integração; em vez disso, precisamos claramente de delinear as mudanças necessárias para apoiar os interesses dos cidadãos comuns, especialmente os trabalhadores. Em várias ocasiões, citamos as experiências progressivas de uns poucos estados europeus que tomaram medidas semelhantes.

Os objetivos que criámos são relativamente moderados, de forma a poderem chegar ao mais amplo número de organizações. Não escondemos o facto de, para nós, este plano ser menos uma reação aos eventos atuais do que um passo para a formulação de uma força política de esquerda contemporânea – uma força que seja capaz de influenciar os que estão no poder e oferecer uma alternativa à ordem social existente. A Oposição de Esquerda considera que o plano proposto é o mínimo para construir socialismo nos princípios do autogoverno: a socialização da indústria, a alocação de recursos para as necessidades sociais e a eleição de cidadãos para as funções governamentais.

Apelamos a que subscrevam as nossas páginas no Facebook e no Vkontakte e deixem lá as vossas opiniões, ou enviem mail para gaslo.info@gmail.com. Substituir um grupo de políticos e oligarcas por outro sem que haja mudanças sistémicas não vai melhorar as nossas vidas. Em vez disso, o nosso grupo de ativistas sociais e sindicais propõe dez condições básicas para superar a crise económica e garantir o crescimento futuro da Ucrânia.

1. Governo do povo, não dos oligarcas

Tem de haver uma transição de uma república presidencial para parlamentar, na qual o poder presidencial seja limitado a funções representativas no nível internacional. A autoridade deveria ser transferida dos administradores do Estado para comités eleitos (sovietes). As autoridades devem ter o direito de despedir os delegados que não cumpriram as expectativas; os juízes e os chefes de polícia deveriam ser eleitos, não nomeados.

2. Nacionalização das indústrias de base

Metalurgia, mineração, além das empresas de infra-estrturas (energia, transportes e comunicações) deveriam contribuir para o bem-estar social.

3. Os trabalhadores devem controlar todas as formas de propriedade

Seguindo bem-sucedidos exemplos europeus, deveríamos construir uma ampla rede de sindicatos independentes dos trabalhadores, que controlarão a gestão e garantirão os direitos dos trabalhadores. Os trabalhadores devem ter o direito de greve (recusar-se a trabalhar quando não recebem pagamento). Os trabalhadores devem também ter o direito de obter empréstimos às custas dos empregadores se os salários se atrasarem. Os dados da produção, as contas e os balanços de gestão de todas as empresas com mais de 50 funcionários, ou com um capital de giro de mais de um milhão, devem ser publicados online.

4. Introdução de um imposto sobre o luxo

Instauração de um imposto de 50% sobre os produtos de luxo – iates, automóveis topo de gama, e outros itens que custam mais de um milhão de gryvna. Introdução de um imposto progressivo sobre os rendimentos pessoais. Indivíduos com um rendimento anual superior a mais de 1 milhão de gryvna devem ser taxados a 50%, seguindo o exemplo da Dinamarca (neste sistema, só o Renat Ahmetov teria pago 1,2 mil milhões de gryvna ao orçamento federal, comparado com os 400 milhões que ele pagou em 2013 a uma taxa de 17%).

5. Proibição de transferências de capital para offshores

As leis que isentam empresas ucranianas de impostos numa variedade de países offshore devem ser revogadas, de forma a evitar a transferência de capital para o exterior. Os bens das empresas offshore na Ucrânia devem ser congelados, e nomeada uma administração provisória até que a legalidade dos investimentos seja provada.

6. Separação entre os negócios e o governo

Cidadãos com rendimento que supere 1 milhão de grivni devem ser banidos de postos governamentais e de lugares nos governos locais. Devem ser realizadas eleições nacionais em cumprimento a esta regra.

7. Redução dos gastos com o aparelho burocrático

Os gastos do governo têm de ser controlados e transparentes. Devem ser feitas reformas administrativas, resultando na redução do número de gestores. Hoje, departamentos inteiros poderiam ser substituídos por programas informáticos. Mas, em vez disso, nos últimos oito anos o números de burocratas no governo cresceu quase 19%, compreendendo mais de 320 mil pessoas (na Ucrânia, há 8 burocratas para cada mil pessoas – em França, há apenas 5 por mil).

8. Dissolução da Berkut e outras forças especiais

Começando em 2014, deveria haver reduções de gastos no aparelho de segurança do Estado: o Ministério de Assuntos Internos, o Serviço de Segurança, o Escritório do Procurador-Geral, e as forças policiais especiais. É inaceitável que o Ministério de Assuntos Internos tenha recebido mais de 16,9 milhões de grivni em 2013 – 6,9 milhões mais do que todo o orçamento da saúde!

9. Acesso à educação gratuita e ao serviço de saúde

Os fundos para esta iniciativa deveriam vir da nacionalização das indústrias e da redução de gastos na segurança e no aparelho burocrático. Para eliminar a corrupção na educação e na medicina, temos de aumentar os salários dos médicos e dos professores e restaurar o prestígio destas profissões.

10. Saída das opressivas instituições financeiras internacionais

Apoiamos o fim da cooperação com o Fundo Monetário Internacional e outras instituições financeiras internacionais. Devemos seguir o exemplo da Islândia, que se recusou a pagar dívidas contraídas por banqueiros e burocratas (sob garantia governamental) para o enriquecimento pessoal e “doações sociais”, mais do que para o desenvolvimento da indústria.


FONTE: Controvérsia