domingo, 24 de março de 2013

Quem dá mais? Brasil à venda: Preços módicos!


O enredo é vendido, para os incautos e desavisados, como a busca da chave encantada, que serviria de ingresso pleno para o paraíso. Afinal - já pensou que maravilha? - o Brasil estaria sendo muito bem aceito lá fora, sempre atuando como plataforma cordial de ganhos assaz interessantes para o capital financeiro.

Por Paulo Kliass


Mas, na verdade, tudo isso se assemelha muito mais a um grande pesadelo, tendo em vista as conseqüências atuais e futuras, bem perversas, que virão para a maioria de nosso povo. Refiro-me a essas viagens dos representantes do governo da Presidenta Dilma pelos 5 continentes, na tentativa desesperada de vender as vantagens de nossas terras como a grande alternativa de investimento sólido e seguro para o capital internacional.

Tudo se passa como se estivéssemos no interior de uma roda do tempo, voltando às últimas décadas do século XIX. A economia brasileira se apresenta completamente dependente da exportação de produtos primários - em especial, a produção de café. Os poucos e localizados surtos de tentativa de industrialização terminam sendo abafados pelos interesses do setor agrário exportador. O movimento abolicionista enfrenta a dura oposição e os fortes obstáculos do "establishment", pois o fim da escravidão e a introdução do trabalho assalariado significariam a explosão dos custos de produção e inviabilizariam a economia nacional. (sic)

Naqueles tempos, o ingresso na era da economia urbano-industrial também estava a exigir um investimento maciço em infra-estrutura. Como a capacidade de poupança nacional era bastante reduzida, em função da inexistência de remuneração para aqueles que exerciam o trabalho produtivo, a estratégia envolveu a atração de investidores e empresas estrangeiras. Estando o pólo dinâmico do capitalismo internacional localizado na Inglaterra, para cá vieram as corporações como "Light and company", "Bond and company", e todas as "railways" que tivemos o direito de acolher. O foco era a geração e a transmissão de energia elétrica, além da organização e exploração econômica dos transportes urbanos (bondes) e interurbanos (trens).

As semelhanças com o Brasil do século XIX

Corta para 2013. A dependência de nosso modelo de política econômica frente à exportação de produtos primários (agricultura e extrativismo mineral) permanece a mesma. O processo de desindustrialização de nossa economia é um fato objetivo e o governo pouco ou quase nada faz para reverter essa tendência destruidora do patrimônio nacional, dos empregos e da renda interna. A prioridade cega e irracional concedida aos interesses do agronegócio e a política da valorização cambial sufocam a indústria que tenta produzir em nosso território. A inundação dos manufaturados importados é justificada como resultado inevitável das chamadas "leis de mercado", uma suposta fatalidade à qual deveríamos nos acostumar e adaptar. O governo se encarrega de reduzir o "custo Brasil", ao promover a desoneração irresponsável da folha de pagamentos e generalizar as isenções de tributos para o capital.

Os problemas de nossa infra-estrutura são bem conhecidos há muito tempo. As décadas de ajuste econômico conservador e neoliberal, o processo de privatização e a prevalência da lógica do financismo não podem mais ser utilizadas como desculpa para a inatividade ao longo dos últimos 10 anos. Se no final dos anos 1800 não tínhamos quase nada em termos de transpores e energia, hoje em dia temos muito por construir no conjunto do parque de infra-estrutura. Porém, a exemplo do passado, mais uma vez incorporamos a lógica do neo-colonialismo e saímos por aí, passando o pires pelo mundo afora.

O "road show" e as concessões ao capital internacional

O chamado "road show" protagonizado por estrelas do primeiro time de Dilma é a manifestação mais simbólica da incorporação da lógica da dependência e da submissão. A página do Ministério da Fazenda na internet apresenta a versão em inglês da apresesentação do Ministro Mantega e da publicação impressa a ser distribuída aos interessados. Os títulos sugestivos são, respectivamente, "The Brazilian Economy and Investment Opportunities" e "Infrastructure in Brazil: projects, financing instruments, opportunities". O problema não reside no fato de sermos apresentados como a oportunidade do momento. E sim nos custos implícitos do conjunto dessas operações de privatização travestidas retoricamente de "mera concessão". Afinal, tendo em vista as condições que oferecemos para lograr tal objetivo a qualquer preço, a sociedade brasileira vai arcar com o ônus de mais um ciclo de acumulação privada às expensas do dinheiro público.

Essa rodada global, patrocinada por nossos representantes, pontua os elementos positivos do desempenho econômico brasileiro ao longo do período recente e o potencial de crescimento futuro de nossa economia. Até aí, nada de novo. Os grandes investidores internacionais conhecem muito bem as oportunidades abertas para quem se interessa em vir para cá e aplicar os seus recursos. E esse cenário de ganhos continua válido, mesmo depois da corajosa e necessária mudança de postura de nossa Presidenta, que determinou a seus assessores a redução da taxa oficial de juros, a SELIC. A diferença é que a maior parte dos interessados agora deveria estar motivada tão somente pelos ganhos derivados da atividade produtiva ou na área de serviços.

A apresentação menciona a necessidade de um montante total de US$ 235 bilhões, a serem investidos ao longo dos próximos anos em programas de concessão de infra-estrutura.A distribuição desses valores de acordo com os projetos setoriais é a seguinte: i) logística: US$ 121 bi; ii) petróleo e gás: US$ 74 bi; e iii) energia elétrica: US$ 40 bi. Os principais projetos detalhados são: a) Rodovias: 7.500 km. b) Ferrovias: 10.000 km. c) Portos: 159 unidades. d) Trem de alta velocidade: 511 km. e) Aeroportos: 2 internacionais. f) Petróleo e gás: 3 rodadas de leilão para exploração de reservas. g) Energia elétrica: 33.000 MW de geração e 23.200 km de linhas de transmissão.

As facilidades oferecidas ao investidor estrangeiro

Além disso, o documento procura convencer o investidor estrangeiro a respeito das vantagens em aplicar seus recursos por aqui. Para tanto são ressaltados justamente os aspectos mais negativos e conservadores da política econômica do governo. Ou seja, aquelas medidas que se destinam a beneficiar apenas os interesses do capital em detrimento das necessidades da absoluta maioria da população. E dá-lhe receituário típico das demandas dos colunistas de economia dos grandes meios de comunicação, sempre a serviço dos interesses das associações de empresários e do financismo.

Com todo o orgulho, o texto em inglês reforça o compromisso do governo em reduzir as despesas e o déficit com a previdência social, bem como busca assegurar a continuidade da política de redução dos gastos correntes de forma geral. A apresentação exibe com toda a satisfação o êxito da política de obtenção de superávit primário, de forma sucessiva ao longo dos últimos anos. Por outro lado, tranqüiliza os gestores dos fundos de investimento quanto à continuidade da definição da taxa de câmbio baseada no pressuposto da liberdade cambial. Finalmente, o texto reforça a tendência irreversível para com a desoneração tributária (em especial a da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos) e com a redução de impostos de uma forma geral. Em poucas palavras, o recado é claro: podem vir que o retorno do investimento está tranqüilo, pois o Estado vai cumprir com seu papel de assegurar seus ganhos.

Não bastasse essa ladainha toda, o governo ainda anuncia medidas que concretizam tais compromissos, com mais pacotes de benesses. Depois do grande "lobby" exercido pelos representantes do capital, Dilma recua e aceita elevar as taxas de retorno previstas para os projetos de concessão. Ou seja, em total oposição ao discurso a respeito da queda da taxa de juros, sua equipe anuncia que as taxas de lucro dos projetos de concessão de infra-estrutura podem chegar a 15% ao ano. Uma loucura, caso consideremos que a taxa real de juros para uma aplicação em títulos da dívida pública fica em torno de 2% atualmente. O conglomerado empreendedor estrangeiro participa de uma licitação patrocinada pelo próprio Estado brasileiro, para gerir um bem ou serviço público, em uma operação quase sem nenhum risco envolvido, com uma demanda garantida por uma eternidade e ainda tem a autorização e o estímulo do governo para auferir esse tipo escandaloso de retorno financeiro. Um absurdo!

Não bastasse tamanha generosidade, sempre realizada com recursos públicos previstos no orçamento, o governo decide por oferecer aos interessados e vitoriosos nas licitações a engenharia financeira do BNDES. Leia-se: o banco "nacional" de desenvolvimento vai participar com aporte de recursos, a custo praticamente nulo, para que os agentes do imperialismo venham aqui dentro explorar atividades econômicas de natureza pública! Imagine-se o que não vai ocorrer dentro de 30 ou 35 anos, quando da renovação de tais contratos. O segredo desse tipo de empreendimento, como qualquer outro, é determinado por uma conta muito simples: o resultado líquido entre receitas e despesas. Aumentar receitas significa ampliar o número de usuários e, principalmente, o valor das tarifas. Diminuir despesas significa processos mais eficientes, mas também reduzir a qualidade dos serviços oferecidos. Os resultados da privatização de telecomunicações e da energia elétrica estão aí para quem quiser refletir sobre tarifa pública e qualidade do serviço. E também sobre a incapacidade das agências reguladoras exercerem seu verdadeiro papel.

Infra-estrutura: interesse estratégico e soberania nacional

Por se tratar de áreas de interesse estratégico para o País, com elevada sensibilidade econômica, política, social, tecnológica, ambiental e de segurança nacional, esse movimento delicado deveria merecer muita mais atenção e preocupação por parte do governo. Vender dessa forma irresponsável uma parcela essencial de nossa capacidade econômica pode trazer conseqüências irreparáveis no médio e no longo prazos. A crise econômica internacional reduziu as taxas de ganho por todo o planeta. Se o Brasil é efetivamente um dos principais pólos de atração para novos investimentos estrangeiros, nossa postura deveria ser muita mais exigente e seletiva na procura dos interessados. Ao invés de oferecer mundos e fundos, deveríamos sim é colocar nossas exigências em termos de contrapartidas. Isso significaria estabelecer condições quanto a re-investimento dos lucros auferidos, internalização de tecnologia aportada, limitação das taxas de retorno financeiro nos projetos, multas para não cumprimento de cláusulas importantes, entre outros aspectos.

Em poucas palavras, seria uma excelente oportunidade para demonstrarmos ao resto do mundo que não existe mais espaço para o servilismo nem para o excesso de cordialidade nas relações econômicas com o capital estrangeiro. Que a partir de agora, o Estado brasileiro iria responder - em primeiro lugar - aos interesses nacionais e soberanos, sempre da perspectiva da maioria de sua população. Porém, como o governo não trabalha com um projeto de País nem com uma estratégia de Nação, vamos cedendo e concedendo o futuro para tocar o ramerrame do dia-a-dia.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

FONTE: ControVérsia

Lembremos-nos da Comuna (18 de março de 1871)

Por Aluizio Moreira

Considerada a primeira experiência histórica de socialismo, pois pela primeira vez na história socialistas e trabalhadores assumem o poder político, possibilitando uma reorganização da sociedade sob o controle e orientação  dos setores populares, a Comuna de Paris foi um desdobramento da guerra franco-prussiana, que ocorreu em 1870.

Após a formação da Confederação Alemã do Norte em 1867, que se seguiu à vitória da Prússia sobre a Áustria, Bismarck parte para estender seu domínio sobre o sul do país, ameaçando ocupar territórios reivindicados por Napoleão III, imperador da França, originando um clima de conflito entre França e Prússia.

Napoleão III subestimando o poderio militar alemão,declarou guerra à Prússia em julho de 1870, mas a vitória militar de Bismarck sobre as tropas francesas foi rápida.

Em setembro do mesmo ano, o exército francês em Sedan foi derrotado pelos prussianos, ocasionando a prisão do próprio Napoleão III. Cai o Império francês e instaura-se um Governo Provisório, denominado “Governo de Defesa Nacional”, o que não impediu que as tropas de Bismarck, depois de cercar Metz, chegassem até Paris.

Em Paris o povo armado continuava resistindo aos ataques prussianos. Em 28 de janeiro de 1871, o governo francês assinou o armistício com a Prússia e convocou eleições para a Assembléia Nacional, que logo na sessão inaugural negou-se a reconhecer a França como República. O monarquista Thiers foi eleito chefe do governo, passando a exigir que o povo de Paris depusesse as armas, iniciando, após recusa da população, uma ofensiva contra os parisienses. 

Aguçam-se os conflitos entre o povo e os grupos políticos monarquistas. Sob influência socialista,os trabalhadores parisienses tomam de assalto o poder em 18 de março de 1871, instituindo um Comitê Central Revolucionário. Através desse Comitê foi estabelecida a autogestão democrática e popular, na qual todos os cargos tornaram-se eletivos (deputados, professores, juizes, etc);  proclamada a igualdade civil de homens e mulheres;  promovida a separação da Igreja do Estado;  instituído um exército formado por destacamentos armados do povo;  decretado o congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade. 
  
A exemplo de Paris, as cidades de Lyon, Marselha, Toulon e Narbonne, entre outras, passam para o controle dos communards.

No dia 26 de março de 1871, o Comitê Central se desfaz, entregando do Poder a um Governo Provisório, eleito por sufrágio universal, composto por membros da Primeira Internacional, alem de blanquistas, proudhonianos, republicanos burgueses e patriotas exaltados. Foi a formação desse Governo que praticamente decretou, por antecipação, o fim da Comuna de Paris. 

Em carta ao seu amigo Kugelmann, datada de 12 de abril de 1871, como que prevendo o desfecho da Comuna, Karl Marx assim se expressa:  “O momento preciso foi perdido por causa de escrúpulos de consciência. Eles [os communards] não queriam começar a guerra civil, como se esse nocivo aborto, Thiers já não a houvesse iniciado com sua tentativa de desarmar Paris. Segundo erro: o Comitê Central entregou seu poder muito cedo, para dar caminho à Comuna. Outra vez por escrúpulos “muito honrados!” 

Contando com a ajuda das mesmas tropas prussianas que submeteram a França em 1870, soldados de Versalhes cercaram Paris, bombardeando-a intensamente. Invadem a cidade defendida por populares que desesperadamente resistiram às investidas militares. São massacrados violentamente. Resultado: 20.000 populares foram fuzilados, 38.000 detidos e 13.000 deportados. A experiência da Comuna, chega o fim em maio de 1871.

Os que conseguiram escapar à prisão e fuzilamento, fugiram para vários países, inclusive para as Américas. (*) 

Em sua "Historia del Pensamiento Socialista", G.D.H. Cole apresenta uma relação por ele mesmo considerada incompleta, na qual figuram entre os "communards" mortos, presos e os que conseguiram fugir depois da queda da Comuna de Paris, os seguintes socialistas (independentes, blanquistas, proudhonistas): 

Mortos
Louis Charles Delescluze (1809-1871) - morto nas barricadas; Eugène Varlin (1839-1871) - fuzilado após aprisionamento; Émile Victor Duval (1841-1871) - fuzilado após aprisionamento; Gustave Tridon (1841-1871) - morto nas barricadas; Théophile Ferré (1845-1871) - fuzilado após aprisionamento; Raoul Rigault (1846-1871) - fuzilado após aprisionamento; Auguste Vermorel (1841-1871) - morto nas barricadas.

Presos
Louise Michel (1830-1905) - deportada para Nova Caledônia; Adolphe-Alphonse Assi (1841-1886) - deportado para Nova Caledônia; Jean Allemane (1843-1935) - deportado para Nova Caledônia.

Fugiram
Charles Beslay (1795-1878) - fugiu para Suíça; Gustave Lefrançais (1826-1901) - fugiu para Suíça;  Jules Valles (1832-1885) - fugiu para Inglaterra; Jean Baptiste Clément (1837-1903) - fugiu para Inglaterra; Gabriel Ranvier (1828-1879) - fugiu para Inglaterra;  Albert Theisz (1839-1881) - foi condenado à morte, mas conseguiu fugir; Louis-Jean Pindy (1840-1917) - fugiu para Suíça;  Benoît Malon (1841-1893) - fugiu para Suíça; Leo Frankel (1844-1896) - fugiu para Inglaterra; Eugéne Protot (1839-1921) - dado como morto, mas conseguiu fugir; Édouard Vaillant (1840-1915) - fugiu para Suíça; Émile Eudes (1844-1888) - fugiu para Suíça.
   
Hyppolyte Prosper-Olivier Lissagaray, um dos participantes do movimento, em sua obra "História da Comuna de 1871" apresenta o seguinte quadro de condenações:

Pena de morte 270 (sendo 8 mulheres); trabalhos forçados 410 (sendo 29 mulheres); deportação para local fortificado 3.989 (sendo 20 mulheres); deportação simples 3.507 (sendo 16 mulheres e 1 criança); detenção 1.269 (sendo 8 mulheres); reclusão 64 (sendo 10 mulheres); obras públicas  29; prisão de até três meses 432; prisão de três meses a um ano 1.622 (sendo 50 mulheres e 1 criança); prisão de mais de um ano (1.344, sendo 15 mulheres e 4 crianças); banimento 322; sob guarda policial 117 (sendo 1 mulher); multa 9; crianças menores de 16 anos enviados a uma casa de correção 56.

Isso sem falar nos que foram fuzilados durante a repressão policial e sem incluir dados de outras jurisdições.                         
__________

(*) As notícias que circularam em nosso país, de que alguns participantes da Comuna viriam para o Brasil, provocaram na imprensa e no meio político calorosas discussões a favor ou contra aquela possibilidade. 

                                 ***

Homenagem aos Communards de Paris: 

Adolphe-Alphonse Assi * Albert Theisz * Alfred-Edouard Billioray * Alexis Trinquet * Alphonse Mathieu Humbert * Antoine Magliore * Arthur Arnould * Arthur Ranc * Auguste Vermorel * Benoit Malon * Charles Amouroux * Charles Ferdinand Gambon * Charles Longuet * Charles Beslay * Edmond Lepelletier * Edouard Moreau * Edouard Vaillant * Elisabeth Dmitrieff * Émile Eudes * Émile Victor Duval * Eugéne Protot * Eugéne Varlin * Eulalie Papavoine * Felix Pyat * François Jourde * François Parisel * Gabriel Ranvier * Gustave Cluseret * Gustave Coubert * Gustave Flourens * Gustave Lefrançais * Gustave Tridon * Henri Brisacc * Henry Champy * Hippolyte Prosper-Olivier Lissagaray * Jaroslaw Dombrowski * Jean Allemane * Jean Baptiste Clément * Jules Allix * Jules Audoynad * Jules Bergeret * Jules Johannard * Jules Valles * Leo Frankel * Louis Charles Delescluze * Louis-Jean Pindy * Louise Michel * Lucien-Félix Henry * Nathalie Lemel * Nathaniel Rosset * Paschal Grousset * Raoul Rigault * Remy Zephirin Camelinat * Therèse Collin * Théophile Ferré * Victorine Rouchy * Walery Wroblewski.

                                  ***

Os Decretos da Comuna de Paris

Ao assumirem o poder em Paris, os communards editaram Os Decretos a seguir:

Artigo I. As velhas autoridades de tutela, criadas para oprimir o povo de Paris, são abolidas, tais como: comando da polícia, governo civil, câmaras e conselho municipal. E as suas múltiplas ramificações: comissariados, esquadras, juízes de paz, tribunais etc. são igualmente dissolvidas.

Artigo II. A comuna proclama que dois princípios governarão os assuntos municipais: a gestão popular de todos os meios de vida coletiva; a gratuidade de tudo o que é necessário e de todos os serviços públicos.

Artigo III. O poder será exercido pelos conselhos de bairro eleitos. São eleitores e elegíveis para estes conselhos de bairro todas as pessoas que nele habitem e que tenham mais de 16 anos de idade. 

Artigo IV. Sobre o problema da habitação, tomam-se as seguintes medidas: expropriação geral dos solos e sua colocação à disposição comum; requisição das residências secundárias e dos apartamentos ocupados parcialmente; são proibidas as profissões de promotores, agentes de imóveis e outros exploradores da miséria geral; os serviços populares de habitação trabalharão com a finalidade de restituir verdadeiramente à população parisiense o caráter trabalhador e popular.

Artigo V. Sobre os transportes, tomam-se as seguintes medidas: os ônibus, os trens suburbanos e outros meios de transporte público são gratuitos e de livre utilização; o uso de veículos particulares é proibido em toda a zona parisiense, com exceção dos veículos de bombeiros, ambulâncias e de serviço à domicílio; a Comuna põe à disposição dos habitantes de Paris um milhão de bicicletas cuja utilização é livre, mas não poderão sair da zona parisiense e de seus arredores. 

Artigo VI. Sobre os serviços sociais, tomam-se as seguintes medidas: todos os serviços ficam sob controle das juntas populares de bairro e serão geridos em condições paritárias pelos habitantes de bairro e os trabalhadores destes serviços; as visitas médicas, consultas e assistência médica e medicamentos serão gratuitos.

Artigo VII. A Comuna proclama a anistia geral e a abolição da pena de morte e declara que a sua ação se baseia nos seguintes princípios: dissolução da polícia municipal, dita polícia parisiense; dissolução dos tribunais e tribunais superiores; transformação do Palácio da Justiça, situado no centro da cidade, num vasto recinto de atração e de divertimento para crianças de todas as idades; em cada bairro de Paris é criada uma milícia popular composta por todos os cidadãos, homens e mulheres, de idade superior a 15 anos e inferior a 60 anos, que habitem o bairro; são abolidos todos os casos de delitos de opinião, de imprensa e as diversas formas de censura: política, moral, religiosa etc; Paris e proclamada terra de asilo e aberta a todos os revolucionários estrangeiros, expulsos [de suas terras] pelas suas idéias e ações.

Artigo VIII. Sobre o urbanismo de Paris e arredores, consideravelmente simplificado pelas medidas precedentes, tomam-se as seguintes decisões: proibição de todas as operações de destruição de Paris: vias rápidas, parques subterrâneos etc; criação de serviços populares encarregados de embelezar a cidade, fazendo e mantendo canteiros de flores em todos os locais onde a estupidez levou à solidão, à desolação e ao inabitável; o uso doméstico (não industrial nem comercial) da água, da eletricidade e do telefone é assegurado gratuitamente em cada domicílio; os contadores são suprimidos e os empregados são colocados em atividades mais úteis.

Artigo IX. Sobre a produção, a Comuna proclama que: todas as empresas privadas (fábricas, grandes armazéns) são expropriadas e os seus bens entregues à coletividade; os trabalhadores que exercem tarefas predominantemente intelectuais (direção, gestão, planificação, investigação etc.) periodicamente serão obrigados a desempenhar tarefas manuais; todas as unidades de produção são administradas pelos trabalhadores em geral e diretamente pelos trabalhadores da empresa, em relação à organização do trabalho e distribuição de tarefas; fica abolida a organização hierárquica da produção; as diferentes categorias de trabalhadores devem desaparecer e desenvolver-se a rotatividade dos cargos de trabalho; a nova organização da produção tenderá a assegurar a gratuidade máxima de tudo o que é necessário e diminuir o tempo de trabalho. Devem-se combater os gastadores e parasitas. Desde já são suprimidas as funções de contramestre, cronometrista e supervisor.

Artigo X. Os trabalhadores com mais de 55 anos que desejem reduzir ou suspender sua atividade profissional têm direito a receber integralmente os seus meios de existência. Este limite de idade será menor em relação a trabalhos particularmente custosos.

Artigo XI. É abolida a escola “velha”. As crianças devem sentir-se como em sua casa, aberta para a cidade e para a vida. A sua única função é a de torná-las felizes e criadoras. As crianças decidem a sua arquitetura, o seu horário de trabalho e o que desejam aprender. O professor antigo deixa de existir: ninguém fica com o monopólio da educação, pois ela já não é concebida como transmissão do saber livresco, mas como transmissão das capacidades profissionais de cada um.

Artigo XII. A submissão das crianças e da mulher à autoridade do pai, que prepara a submissão de cada um à autoridade do chefe, é declarada morta. O casal constitui-se livremente com o único fim de buscar o prazer comum. A Comuna proclama a liberdade de nascimento: o direito de informação sexual desde a infância, o direito do aborto, o direito à anticoncepção. As crianças deixam de ser propriedades de seus pais. Passam a viver em conjunto na sua casa (a Escola) e dirigem sua própria vida.

Artigo XIII. A Comuna decreta: todos os bens de consumo, cuja produção em massa possa ser realizada imediatamente, são distribuídos gratuitamente; são postos à disposição de todos nos mercados da Comuna. 

sexta-feira, 15 de março de 2013

14 de março de 1883: Karl Marx In memoriam


Por Aluizio Moreira

Sem qualquer dúvida nenhum outro pensador influenciou tanto a História da Humanidade como Karl Heinrich Marx. Seu pensamento não só possibilitou interpretar melhor o mundo, mas abriu caminhos para sua transformação.

O fato das tentativas daquela transformação na URSS e Leste europeu terem culminado numa crise sem precedente na história do comunismo, a ponto abalarem militantes, teóricos que passaram a desacreditar, não só nas possibilidades da construção de uma sociedade alternativa ao capitalismo, como até mesmo por em dúvidas o próprio marxismo.

Passados os anos de euforia dos antimarxistas de todos os matizes, submersos numa crise do sistema capitalista acontecida na virada do século XX para o século XXI, “a crise global revigorou o marxismo”, como afirma o sociólogo sueco Göran Therborn.

Essa retomada do marxismo, não pode espelhar-se nas realidades sociais e econômicas do século XIX. É de fundamental importância diagnosticarmos os elementos da crise e derrocada do “socialismo realmente existente”.

Como afirmaram Roger Keeran e Thomas Kenny (historiador e economista, respectivamente), militantes comunistas norte-americanos em entrevista ao jornal “AVANTE!” do Partido Comunista Português: «A interpretação do colapso soviético envolve um combate pelo futuro. As explicações ajudarão a determinar se no século XXI os trabalhadores irão uma vez mais “lançar-se ao assalto do céu” para substituir o capitalismo por um sistema melhor

KARL MARX

São incontáveis as obras, artigos, entrevistas que apresentam a biografia, interpretam e re-interpretam Marx como teórico, como articulador do movimento comunista, como revolucionário, como criador e sistematizador (juntamente com Friedrich Engels), do “socialismo cientifico”.

Abaixo apresentamos em rápidas pinceladas, uma pequena biografia de Marx.

Karl Heinrich Marx nasceu no dia 05 de maio de 1818, em Treves, província alemã do Reno. Filho de Henriette Marx e de Heinrich Marx, advogado que converteu-se em 1824 ao protestantismo.

Depois de ter terminado os seus estudos no liceu de Treves, Marx entrou na Universidade de Bonn e depois na de Berlim, onde estudou Direito, trocando-o depois pelo curso de Filosofia. Nessa época de estudante  adere ao círculo dos “hegelianos de esquerda”. Ao sair da Universidade, fixou-se em Bonn, onde pretendia tornar-se professor. Mas  o fato do governo ter assumido uma política visivelmente contra os hegelianos de esquerda – Ludwig Feuerbach fora demitido em 1832 de sua cadeira de professor e Bruno Bauer, também professor,  ter sido proibido de proferir palestras para a comunidade acadêmica – obrigou Marx a desistir de seguir a carreira de professor universitário.

Em 1841 envia para a Universidade de Iena sua tese “A Diferença entre a Filosofia da Natureza em Demócrito e Epicuro”, o que lhe confere o título de Doutor em Filosofia.

Com o título conseguido na Universidade de Iena, fixou-se em Bonn, onde pretendia tornar-se professor. Mas  o fato do governo ter assumido uma política visivelmente contra os hegelianos de esquerda – Ludwig Feuerbach fora demitido em 1832 de sua cadeira de professor e Bruno Bauer, também professor,  ter sido proibido de proferir palestras para a comunidade acadêmica – obrigou Marx a desistir de seguir a carreira de professor universitário.

O aparecimento, em Colônia,  do jornal de  Gazeta Renana em janeiro de 1842, abriu espaço para os hegelianos de esquerda: Karl Marx e Bruno Bauer, passaram a ser seus principais colaboradores. Em outubro do mesmo ano, Marx tornou-se redator-chefe desse jornal, mudando-se de Bonn para Colônia. Sob a direção de Marx, o jornal  reforçou cada vez mais sua tendência democrático-revolucionária, levando o governo a submete-lo à censura, acabando por ordenar sua suspensão definitiva em 1843, mesmo após Marx ter deixado seu posto de redator. 

Em 1843, Marx casou-se, em Kreuznach, com Jenny von Westphalen, de uma família nobre e reacionária da Prússia, amiga de infância, de quem já era noivo, desde o tempo de estudante. Ainda nesse ano, após ter recusado um cargo oferecido pelo irmão mais velho de Jenny, que trabalhava no governo prussiano, Marx foi para Paris com o objetivo de editar no estrangeiro, em colaboração com Arnold Ruge, a revista Anais Franco-Alemães, que pelas dificuldades de sua difusão clandestina na Alemanha, teve de ser suspensa, após o aparecimento do primeiro e único fascículo.

Em 1844, teve o primeiro contato com Friedrich Engels que esteve em Paris por alguns dias, nascendo daí uma grande amizade e identificação ideológica, que os tornariam inseparáveis como companheiros e revolucionários. Colabora com o Vorwarts, jornal dos revolucionários alemães, editado em Paris.

Em 1845, a pedido do governo prussiano, Marx foi expulso de Paris como revolucionário perigoso. Foi para Bruxelas, onde fixou residência, entrando em contato com várias organizações de operários comunistas alemães, bem como com os socialistas e radicais belgas, formando uma rede de comunicações com organizações de outros países.

No ano  de 1847, Marx e Engels filiaram-se à Liga dos Justos, que no seu último Congresso, seria transformada em Liga dos Comunistas, na qual ambos tiveram um papel destacado na elaboração do “Manifesto do Partido Comunista”, tarefa para a qual foram incumbidos pela própria Liga.

Quando eclodiu a revolução de Fevereiro de 1848, Marx foi expulso da Bélgica, a pedido do governo prussiano, regressando novamente a Paris de onde foi expulso, para a Alemanha, fixando mais uma vez em Colônia. Foi aí que apareceu a Nova Gazeta Renana – de junho de 1848 a maio de 1849 -  da qual Marx foi seu redator-chefe.

A contra-revolução vitoriosa arrastou Marx ao tribunal (foi absolvido em 9 de Fevereiro de 1849), expulsando-o da Alemanha (em 16 de Maio de 1849), obrigando-o a  voltar  então para Paris, de onde foi igualmente expulso após a manifestação de 13 de Junho de 1849, partindo então para Londres, onde viveu até ao fim dos seus dias.

No final dos anos 50 e nos anos 60, a retomada dos movimentos operário e socialista, levou Marx a voltar ao trabalho prático, empenhando-se na mobilização dos trabalhadores, da qual resultou a fundação,  em 1864 (em 28 de Setembro), em Londres,  da Associação Internacional dos Trabalhadores, que ficou mundialmente célebre como I Internacional.

Em Dezembro de 1881, morre  sua mulher. Dois anos depois, em janeiro de 1883, falece sua filha Jenny em Paris. A partir daí, o estado de saúde de Marx se agrava, com crises de bronquite, inflamação na garganta que o impedia de falar e de comer, infecção pulmonar. No dia 14 de Março de 1883, Marx falece enquanto dormia. Foi enterrado junto da sua mulher no cemitério de Highgate, em Londres.

Segundo um dos seus biógrafos – Jean Bruhat – aos seus funerais poucas pessoas compareceram: Engels, sua filha Eleanor, seus dois genros Paulo Lafargue e Charles Longuet, sua futuro genro Edward Aveling, Gottlieb Lemke, membro da Sociedade de Educação Operária dos Trabalhadores Alemães em Londres, o operário Friedrich Lessner, o carpinteiro Georg Lochner, o químico Karl Schorlemmer e o biólogo inglês Ray Lancaster.

Entre as  obras deixadas por Marx, citamos: "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" - 1843; "A Questão Judáica" - 1843; “Manuscritos Econômico-Filosóficos” - 1844; “Teses sobre Feuerbach” - 1845; “Miséria da Filosofia” – 1847; “O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte” – 1852; “Elementos Fundamentais para a Crítica da Economia Política” – 1857/58; “Contribuição para a Crítica da Economia Política” – 1859; “O Capital” (Tomo I) – 1867; “A Guerra Civil na França” – 1871; “Crítica do Programa de Gotha” - 1874.

Em colaboração com Engels, escreveu: “A Sagrada Família” (1845), “A Ideologia Alemã” (1846), “Manifesto do Partido Comunista” (1848).

DISCURSO DE ENGELS DIANTE DO TÚMULO DE MARX

A 14 de Março, um quarto para as três da tarde, o maior pensador vivo deixou de pensar. Deixado só dois minutos apenas, ao chegar, encontramo-lo tranquilamente adormecido na sua poltrona — mas para sempre.

O que o proletariado combativo europeu e americano, o que a ciência histórica perderam com [a morte de] este homem não se pode de modo nenhum medir. Muito em breve se fará sentir a lacuna que a morte deste [homem] prodigioso deixou. 

Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que, portanto, a„produção dos meios de vida materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento econômico de um povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente. 

Mas isto não chega. Marx descobriu também a lei específica do movimento do modo de produção capitalista hodierno e da sociedade burguesa por ele criada. Com a descoberta da mais-valia fez-se aqui de repente luz, enquanto todas as investigações anteriores, tanto de economistas burgueses como de críticos socialistas, se tinham perdido na treva. 

Duas descobertas destas deviam ser suficientes para uma vida. Já é feliz aquele a quem é dado fazer apenas uma de tais [descobertas]. Mas, em todos os domínios singulares em que Marx empreendeu uma investigação — e estes domínios foram muitos e de nenhum deles ele se ocupou de um modo meramente superficial —, em todos, mesmo no da matemática, ele fez descobertas autônomas.

Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar — sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e, por último, ainda as de Mare Deprez nos últimos tempos.

Pois, Marx era, antes do mais, revolucionário. Cooperar, desta ou daquela maneira, no derrubamento da sociedade capitalista e das instituições de Estado por ela criadas, cooperar na libertação do proletariado moderno, a quem ele, pela primeira vez, tinha dado a consciência da sua própria situação e das suas necessidades, a consciência das condições da sua emancipação — esta era a sua real vocação de vida. A luta era o seu elemento. E lutou com uma paixão, uma tenacidade, um êxito, como poucos. A primeira Rheinische Zeitung[N47] em 1842, o Vorwärts![N126] de Paris em 1844, a Brüsseler Deutsche Zeitung[N53] em 1847, a Neue Rheinische Zeitung em 1848-1849(2*), o New-York Tribune[N62] em 1852-1861 — além disto, um conjunto de brochuras de combate, o trabalho em associações em Paris, Bruxelas e Londres, até que finalmente a grande Associação Internacional dos Trabalhadores surgiu como coroamento de tudo — verdadeiramente, isto era um resultado de que o seu autor podia estar orgulhoso, mesmo que não tivesse realizado mais nada.

E, por isso, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado do seu tempo. Governos, tanto absolutos como republicanos, expulsaram-no; burgueses, tanto conservadores como democratas extremos, inventaram ao desafio difamações acerca dele. Ele punha tudo isso de lado, como teias de aranha, sem lhes prestar atenção, e só respondia se houvesse extrema necessidade. E morreu honrado, amado, chorado, por milhões de companheiros operários revolucionários, que vivem desde as minas da Sibéria, ao longo de toda a Europa e América, até à Califórnia; e posso atrever-me a dizê-lo: muitos adversários ainda poderia ter, mas não tinha um só inimigo pessoal.

O seu nome continuará a viver pelos séculos, e a sua obra também!

F. Engels, Londres, 17.03.1883.

Por que as ideias de Marx são mais relevantes do que nunca no século XXI


O marxismo está em evidência com a crise econômica global. Mas, como Marx diz, o importante não é apenas interpretar o mundo, mas o transformar. Para isso, ele precisa ser mais do que uma ferramenta intelectual para comentaristas confusos com a conjuntura. Ele necessita ser uma ferramenta política.

Por Bhaskar Sunkara* – The Guardian

    
O ‘capital’ costumava nos vender visões do amanhã. Na Feira Mundial de 1939, em Nova York, empresas exibiram novas tecnologias: nylon, ar condicionado, lâmpadas fluorescentes, e o impressionante ''View-Master''. No entanto, mais do que apenas produtos, um ideal, de “classe média”, de tempo livre e de abundância, era oferecido àqueles cansados da depressão econômica e da expectativa de guerra na Europa.

O passeio futurístico levou os participantes até mesmo por versões em miniatura de paisagens transformadas, representando novas autoestradas e projetos de desenvolvimento: o mundo do futuro. Esta era uma tentativa determinada a renovar a fé no capitalismo.

No despertar da segunda guerra mundial, um pouco desta visão se tornou realidade. O capitalismo prosperou e, mesmo que desigualmente, os trabalhadores norte-americanos progrediram. Pressionado por baixo, o estado foi conduzido por reformadores, e o comprometimento de classe, para além da luta de classes, fomentou o crescimento econômico e compartilhou uma prosperidade antes inimaginável.

A exploração e opressão não acabaram, mas o sistema pareceu ser não somente poderoso e dinâmico, mas conciliável com os ideais democráticos. O progresso, no entanto, estava esmorecendo. A democracia social se deparou com uma crise estrutural nos anos 1970, que Michal Kalecki, autor de ''Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego'', previu décadas antes. Altas taxas de emprego e as garantias do estado de bem-estar social não ''compraram'' os trabalhadores, mas encorajaram fortes demandas salariais. Os capitalistas mantiveram estas políticas enquanto os tempos eram bons, mas com a estagflação - que consiste na intersecção entre baixo crescimento e alta inflação - e o embargo da Opep, uma crise de rentabilidade seguiu-se.

O neoliberalismo emergente refreou a inflação e restaurou os lucros, mas tudo isso só foi possível por meio de uma ofensiva cruel contra a classe trabalhadora. Havia batalhas campais travadas em defesa do estado de bem-estar social, mas, de maneira geral, nossa era foi de desradicalização e conformismo político.

Desde então, os salários reais se estagnaram, a dívida disparou, e as perspectivas para uma nova geração, ainda apegada à velha visão social-democrata, se tornaram sombrias.

O ''boom'' tecnológico dos anos 1990 trouxe rumores de uma ''nova economia'', leve e adaptável, algo que substituiria o velho ambiente de trabalho Fordista. Mas tais rumores foram apenas um eco distante do futuro prometido na Feira Mundial de 1939.

De qualquer forma, a recessão de 2008 despedaçou estes sonhos. O capital, livre de ameaças provindas de baixo, cresceu ganancioso, selvagem, e especulativo.

Para muitos de minha geração, a ideologia subjacente ao capitalismo foi minada. O maior percentual de norte-americanos nas idades entre 18 e 30 anos que possuem uma opinião mais favorável ao socialismo do que ao capitalismo pelo menos sinaliza que a era da Guerra Fria, onde havia uma confluência entre socialismo e stalinismo, não mais impera.

Para os intelectuais, o mesmo é verdade. O marxismo tem estado em evidência: a política externa recorreu a Leo Panitch, e não a Larry Summers, para explicar a recente crise econômica; e pensadores como David Harvey têm desfrutado de um renascimento tardio em suas carreiras. Um maior reconhecimento do pensamento da “esquerda do liberalismo” – como a revista Jacobin, que editei – não é apenas o resultado de uma perda de confiança nas alternativas dominantes, mas sim a capacidade que os radicais possuem de formular questões estruturais mais profundas e apresentar novas alternativas de desenvolvimento situadas em um contexto histórico. 

Agora, mesmo um liberal célebre como Paul Krugman tem invocado ideias que foram largamente relegadas às margens da vida norte-americana. Quando pensa sobre automação e o futuro do trabalho, Krugman preocupa-se que “mesmo possuindo ecos de um marxismo fora de moda, tais temas não deveriam ser ignorados, mas frequentemente são”. Mas a esquerda que ressurge possui mais do que preocupações, ela tem ideias: sobre a redução do tempo de trabalho, a desmercantilização do trabalho, e os meios pelos quais os avanços da produção podem constituir uma vida melhor, e não mais miserável.

É neste ponto que está se desenvolvendo, mesmo que desajeitadamente, um intelectualismo socialista do século 21 que mostra suas forças: na vontade de apresentar uma visão para o futuro, algo mais profundo do que mera crítica. Mas mudanças intelectuais não significam muito por si mesmas.

Um exame do panorama político nos EUA, a despeito do surgimento do movimento Occupy em 2011, é desanimador. O movimento trabalhista demonstrou alguns sinais de vida, especialmente entre os trabalhadores do setor público ao combaterem a austeridade; no entanto, tais ações são apenas de retaguarda, um esforço defensivo. Os índices de sindicalização continuam em baixa, e é a apatia, e não um fervor revolucionário, o que reina.

O marxismo nos EUA precisa ser mais do que uma ferramenta intelectual para comentaristas tradicionais confusos com nosso mundo em mudança. Ele necessita ser uma ferramenta política para transformar o mundo. Comunicado, não apenas escrito, para um consumo de massa, vendendo uma visão de tempo livre, abundância e democracia ainda mais real do que os profetas do capitalismo ofereceram em 1939. Uma Disneyland socialista: inspiração para depois do “fim da História”.

Tradução: Roberto Brilhante

Fotos: Arquivo 

FONTE: Carta Maior

quinta-feira, 7 de março de 2013

O maior legado de Hugo Chávez é uma histórica revolução democrática


Por Breno Altman (*) 


chavez-democraciaTantos simpatizantes quanto críticos do falecido presidente venezuelano, em sua maioria, tendem a destacar os feitos sociais como a principal herança de seu governo.

Afinal, são inegáveis os avanços conquistados nesses últimos catorze anos, impulsionados por uma liderança que transferiu a receita petroleira, antes apoderada por grupos privados, para um vasto pacote de serviços públicos e iniciativas distributivistas.

A Venezuela apresenta a sociedade com melhor repartição de renda da América do Sul, de acordo com o índice Gini, além do maior salário mínimo regional, atestado pela Organização Mundial do Trabalho. Registra, na última década, o mais acelerado padrão de crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do subcontinente, segundo relatório das Nações Unidas. Foi declarada território livre de analfabetismo pela Unesco, em 2006. Não é pouca coisa.

Esses resultados foram consequência da universalização de direitos sociais, sob o comando do Estado, em um processo financiado pela progressiva nacionalização dos recursos minerais, especialmente dos hidrocarbonetos, que antes abasteciam as arcas de oligarcas venezuelanos e estrangeiros.

Provavelmente nada disso, contudo, teria sido possível se Hugo Chávez não tivesse colocado como a primeira e mais importante tarefa a mudança radical do sistema político. Estudioso da experiência chilena de Salvador Allende, o presidente socialista derrubado por um golpe militar em 1973, o mandatário venezuelano sempre afirmou que não se fazem reformas estruturais com as velhas instituições forjadas pelas elites.

Talvez uma estratégia de mudanças sem rupturas pudesse prescindir de transformação política mais ampla. O programa de Chávez, porém, tinha outras características, apontando para medidas de choque contra os monopólios privados, os latifúndios e o imperialismo. Seu discurso assumiria, com o passar do tempo, declarada perspectiva anticapitalista, enfeixado sob o conceito de "socialismo do século XXI".

Não foi à toa que, amparado por instável maioria parlamentar, sua batalha inaugural foi pela convocação de uma Assembleia Constituinte que refundasse o Estado, dotando-o de mecanismos democráticos que ampliassem a participação das camadas populares e reduzissem a influência dos antigos grupos que, até então, partilhavam o poder entre si. O radicalismo da pauta política, nos primórdios da gestão do falecido dirigente, era o destacamento avançado de uma agenda que ainda apontava para reformas econômicas bastantes moderadas.

O novo marco constitucional, que fundava a Quinta República, trouxe no seu bojo instrumentos democráticos inéditos. Além de instituir mecanismos plebiscitários, de caráter impositivo, que poderiam ser convocados tanto pelo parlamento e o governo quanto por iniciativa de cidadãos, a Constituição também adotou a possibilidade de referendos revogatórios de todos os mandatos, inclusive o presidencial, desde que estivesse cumprida metade do termo e ao menos 20% dos eleitores subscrevessem a convocação.

O próprio Chávez enfrentou votação dessa natureza, em 2004, na qual manteve seu mandato por larga maioria. Muitos governadores, prefeitos e deputados não tiveram a mesma sorte e foram afastados. O objetivo dessas medidas, entre tantas outras, não era eliminar a democracia representativa, herdada do liberalismo, mas reinseri-la em um cenário no qual as formas de participação direta da cidadania ocupassem o centro das decisões.

Vários capítulos constitucionais versam sobre essa centralidade, ampliando os espaços de soberania popular em todas as esferas do Estado. Chávez recorreu às urnas, através de eleições ou consultas, para cada um de seus passos estratégicos. Foram catorze processos eleitorais gerais desde 1998, sempre com a presença de observadores internacionais das mais distintas correntes. O ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, chegou a citar o sistema eleitoral venezuelano como "o mais aperfeiçoado do mundo".

A expansão contínua da democracia participativa, em detrimento da estrutura de representação, minou o peso do empresariado, dos meios comerciais de comunicação e das casamatas mais retrogadas do aparelho estatal, especialmente no sistema judiciário. Provocou o ódio do tradicionalismo, mas deu a Chávez base popular para integrar o conjunto das instituições à transformação política em curso.
Recentes avanços

Nos últimos anos, novas empreitadas foram consolidando esse projeto. A mais relevante talvez seja a criação e o desenvolvimento do chamado poder comunal. Trata-se de pequenas áreas geográficas, distritos ou bairros, que funcionam como instituições políticas, mas também podem organizar seus próprios serviços públicos, constituir empresas para diferentes atividades e receber financiamento direto do governo nacional. Busca-se, assim, horizontalizar o Estado e esvaziar os estamentos burocráticos ainda controlados ou corrompidos pelos antigos senhores.

Ao contrário de outras experiências de identidade socialista, a ampliação da democracia direta não foi acompanhada pela redução de liberdades, mesmo daqueles setores que participaram do golpe de Estado em 2002. Nenhum partido político foi fechado ou proibido. Nenhum jornal ou revista deixou de circular por ação do governo. Praticamente todas as concessões de rádio e televisão foram mantidas, com a exceção da RCTV, que violou seguidamente as normas legais, mas pode continuar sua transmissão como canal a cabo.

O que ocorreu foi uma multiplicação dos veículos impressos e eletrônicos, particulares e públicos, afetando o controle que a mídia tradicional detinha sobre a informação social e a disputa de valores, mas permitindo que novas vozes passassem a ser escutadas pelo país.

O presidente Hugo Chávez também enfrentou com prioridade a questão militar, particularmente após a intentona para derrubá-lo do governo. Afirmava que não repetiria, nessa seara, o erro de Allende. Sua frase preferida: "nossa revolução é pacífica, mas armada".

Tratou de promover oficiais leais ao processo revolucionário, alterando programas de formação e doutrinas que significassem a defesa do antigo regime, trazendo as forças armadas para um papel ativo na construção política e econômica do projeto bolivariano. A consolidação de sua hegemonia entre as distintas estruturas de segurança, assim o compreendia, era a salvaguarda indispensável para que não fosse abortado o nascimento das novas instituições e do modelo de nação que defendia.

Esse processo levou a uma profunda politização, com a batalha de ideias assumindo todos os espaços públicos, à direita e à esquerda. Inúmeros movimentos e organizações foram criados. O próprio Partido Socialista Unificado da Venezuela, principal agremiação governista, nasce desse ambiente incentivado pela radicalização democrática.

O presidente Chávez, por fim, somou seu ativismo pedagógico às mudanças institucionais, com um viés lincolniano. Não compreendia o papel do chefe de Estado como um árbitro acima das classes ou um gestor de interesses supostamente comuns a todos, mas como um líder escolhido pela maioria do povo para representar determinado projeto de nação e forjar a mobilização necessária para vencer seus adversários.

Por essas e outras, nada é tão importante no legado de Hugo Chávez Frias como a revolução política que comandou. Ao contrário do que propala parte da mídia, e levando a cabo o que para outros não passa de mera retórica, a essência da experiência chavista está na radicalização da democracia.

(*) Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.

FONTE: Diário Liberdade

Março: do Dia Internacional da Mulher à fundação do PCB


Por Aluizio Moreira

O mês de março foi palco de alguns acontecimentos marcantes para a História do movimento operário e socialista, tanto em relação ao mundo ocidental como em relação ao nosso país.


Comecemos pelo dia 8 de março de 1857. Reconhecido em todo mundo como a data que deu origem ao Dia Internacional da Mulher, em homenagem às 129 mulheres assassinadas por seus patrões naquela data, no interior de uma fábrica têxtil em Nova York, epilogo de um movimento grevista deflagrado pelas mulheres operarias das fábricas de vestuário, que reivindicavam redução da jornada de trabalho, licença maternidade e melhores condições de trabalho. (Ver artigo por nós postado neste blog em março de 2012)



Ano de 1871, ano da Comuna de Paris. A data 18 de março é lembrada há 142 anos, marcada pela tomada do poder pelos operários e socialistas de Paris, estabelecendo uma forma de governo democrático e popular, que tudo indica, iria por fim à existência do Estado como instituição coercitiva originado com o surgimento da propriedade privada dos meios de produção. Engels se refere ao poder político exercido na Comuna pelos operários de Paris da seguinte forma:

"Ultimamente, as palavras 'ditadura do proletariado' voltaram a despertar sagrado terror ao filisteu social-democrata. Pois bem, senhores, quereis saber que face tem essa ditadura? Olhai para a Comuna de Paris: êis aí a ditadura do proletariado." (ENGELS)





Março de 1883. No dia 14, às 14:45, falece Karl Marx um dos mais importantes pensadores e revolucionário do movimento socialista Internacional, criador do materialismo dialético e materialismo histórico, cuja influencia, concorde-se ou não com ele,  permanece até hoje como teórico e como homem de ação, que dedicou toda sua vida em defesa da emancipação dos trabalhadores. No dia 17 do mesmo mês, Friedrich Engels pronuncia o “Discurso diante do túmulo de Marx”, no cemitério de Highgate, em Londres.








No ano de 1919, no dia 1º de março, é realizada uma reunião preparatória para a formação de III Internacional (a Internacional Comunista), acontecendo, no dia seguinte, o Primeiro Congresso da Terceira Internacional, o Congresso de fundação do Komintern. No dia 4 de março, Vladimir Lênin apresenta no Congresso suas "Teses e Relatório Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado" (ver postagem neste blog sobre a III Internacional). Há 94 anos.







Dias 24 a 26 de março de 1922. Há 91 anos trás, realizava-se no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso, congresso de fundação, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), com a presença de nove delegados que representaram 73 militantes de vários Estados brasileiros. Eram eles: Abilio de Nequete (barbeiro de origem libanesa), Astrojildo Pereira (jornalista do Rio de Janeiro), Cristiano Cordeiro (contador do Recife), Hermogenio da Silva Fernandes (eletricista da cidade de Cruzeiro), João da Costa Pimenta (gráfico de São Paulo), Joaquim Barbosa (alfaiate do Rio de Janeiro), Jose Elias da Silva (sapateiro do Rio de Janeiro), Luis Peres (vassoureiro do Rio de Janeiro) e Manuel Cendon (alfaiate espanhol). Além da escolha da primeira Comissão Central Executiva, foram apresentados e aprovados os Estatutos do PCB.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Terceira Internacional (Internacional Comunista)


Por Aluizio Moreira

Quadro de Diego Rivera
As divergências no movimento operário e socialista internacional, acirradas com a 1ª Guerra Mundial, apontavam para o fim da II Internacional. Lênin e os bolcheviques já o admitiam, imediatamente após o encerramento das suas atividades, quando propuseram, sem resultado, a criação de uma outra Internacional, livre dos erros e da degenerescência da maioria dos Partidos Sociais-Democratas, que compunham a II Internacional.

Após a desorientação e a desorganização inicial causada pela falência daquela Internacional, o Movimento de Zimmerwald surgia como uma possibilidade da formação de uma entidade internacional socialista de novo tipo, depurada das ideologias social-patrióticas e centristas. Mas a tendência majoritária que se apresentava, era mais para fazer ressuscitar a velha Internacional do que criar uma nova.

Os bolcheviques, Lênin à frente, e a esquerda internacionalista revolucionária, lutaram no seio do movimento de Zimmerwald, para dar outra orientação àquela possibilidade que se abria com a retomada das Conferências Socialistas Internacionais. Mas já na Conferência de Kienthal de 1916, o grupo de esquerda (bolcheviques.  internacionalistas revolucionários e socialistas de esquerda) punha em dúvida a vantagem de permanecer no “Grupo de Zimmerwald”. 

Por ocasião da convocação da Conferência de Estocolmo em 1917, os bolcheviques chegaram a discutir a possibilidade de não participarem do encontro, ou mesmo de se fazerem presentes, mas com o fim apenas de informação. O fiasco da Conferência de Estocolmo amadureceram ainda mais as convicções de Lênin e bolcheviques russos. 

As condições objetivas e subjetivas estavam evidenciadas: pela consolidação da Revolução bolchevique russa, iniciada em outubro de 1917;  pelas contradições do imperialismo com a divisão do mundo em dois sistemas (socialista e capitalista), diemetralmente antagônicas entre si;  pela ascensão dos movimentos de libertação nacional nos países africanos e asiáticos;  pela intensificação das lutas de classes tanto nos países que saíram vencedores como nos vencidos naquele primeiro conflito mundial.

Nos países dependentes da América Latina, operários, camponeses, pequena burguesia urbana, intelectuais e estudantes se mobilizaram contra a dominação estrangeira, a pobreza, a carestia, na defesa da reforma agrária, da jornada de oito horas de trabalho, na proteção do trabalho feminino e infantil, da liberdade de associação sindical.

Paralelamente a tudo isso, cresciam as organizações operárias em todo mundo, como acelerou-se o processo de formação de partidos e grupos comunistas, não mais “social-democratas”, mas "comunistas".

Surge a III Internacional

Em janeiro de 1919, realizou-se em Moscou, a 1ª reunião preparatória da Internacional Comunista, à qual compareceram representantes bolcheviques, socialistas revolucionários de esquerdas e sociais-democratas de esquerda da Suécia, Noruega, Inglaterra e América do Norte, além de internacionalistas poloneses, romenos, tchecos e croatas. Nessa reunião decidiu-se convocar uma Conferência de esquerda, sob as seguintes condições:

1) dos partidos e organizações empreenderem a luta contra seus governos e pela paz; 
2) apoiarem a Revolução Bolchevique e o Poder Soviético sob ameaça constante das forças imperialistas.

Nessa reunião foi aprovada por unanimidade a proposta de V. Lênin de convocar "em breve" o Congresso constituinte da III Internacional.

Em fevereiro daquele mesmo ano, os socialistas e sociais-democratas resolveram convocar um Congresso em Berna com o objetivo de ressuscitar a II Internacional.

Diante dessa possibilidade, bolcheviques, sociais-democratas de esquerda e socialistas revolucionários, resolveram marcar uma reunião em Moscou para o dia 1º de março daquele mesmo ano, preparatória para examinar os problemas da inauguração, constituição e ordem dos trabalhos do Congresso da Internacional Comunista. Por sugestão de H. Eberlein, representante do Partido Comunista da Alemanha, foi aprovada sua proposta de iniciar o Congresso como uma Conferência Comunista Internacional, que cuidaria, entre outras coisas de elaborar um Programa, ele os membros dirigentes, e dirigir  aos chamados partidos "irmãos"  um pedido de adesão à criação da nova Internacional.

Momento da abertura do I Congresso da I.C.
Finalmente em 2 de março daquele mesmo ano (1919), realizava-se a referida Conferência Comunista Internacional, que como observou  Paul Sweezy ("Socialismo", Rio de Janeiro: Zahar, 1963:184),  com uma estrutura
radicalmente diferente da configuração das duas organizações que a precederam; não seria nem um órgão coordenador de um grupo de sociedade esparsa, nem uma federação descentralizada de partidos nacionais; seria um único Partido, Comunista Internacional, com seções nacionais estreitamente integradas.
Compareceram à Conferência 52 delegados representando 35 organizações de 21 países da Europa, América e Ásia.  Estavam representados os partidos e grupos comunistas e socialistas de esquerda da Alemanha, Áustria, Bulgária, Tchecoslováquia, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Holanda, Hungria, Noruega, Polônia, Reinos balcânicos (sérvios, croatas e eslovenos), Romênia, Rússia Soviética, Suécia, Suíça, Estados Unidos, China, Irão e Turquia.

No dia seguinte discutiu-se o projeto de Programa, cujo texto, após emendas e correções, foi aprovado com a abstenção do representante do Partido Operário da Noruega.

No dia 4 de março, pela manhã, Lênin apresentou suas Teses e Relatório desenvolvendo suas idéias contidas nas obras "O Estado e a Revolução" e "A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky". A tarde do mesmo dia voltou-se a discutir a possibilidade ou não de se instituir de imediato a Internacional Comunista. Com exceção de H. Eberlein, todos votaram pela proposta de se transformar aquela Conferência em Congresso da I.C. 

Assim, a partir do dia 4 de março, a Conferência Comunista Internacional trabalhou como I Congresso da Terceira Internacional, criando-se o Comitê Executivo da Internacional Comunista (CEIC) como órgão dirigente integrado por representantes dos comunistas da Rússia Soviética, Alemanha, Áustria, Hungria, Suíça, Escandinávia e Federação Social-Democrata Revolucionária dos Balcãs, tendo sido nomeado G. Zinoviev, do Partido Comunista Bolchevique Russo, seu presidente. Criou-se ainda um Bureau, composto por 5 pessoas, para realizar os trabalhos organizativos da III Internacional.

Ao longo dos seus 24 anos de existência, a Terceira Internacional promoveu 7 Congressos: 1919 (o de fundação), 1920, 1921, 1922, 1924, 1928 e 1935.

Desses Congressos, V. I. Lênin participou decisivamente dos 4 Primeiros, apresentando as seguintes Teses e Relatórios:

"Teses e Relatório Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado" (apresentadas ao I Congresso, 1919)

"Esboço Inicial das Teses Sobre as Questões Nacional e Colonial"  e  "Relatório Sobre a Situação Internacional e as Tarefas Fundamentais da Internacional Comunista" (apresentado ao II Congresso, 1920)

"Teses do Relatório Sobre a Tática do PCR" (apresentadas ao III Congresso, 1921)

"Cinco Anos da Revolução Russa e Perspectivas da Revolução Mundial" (Relatório apresentado ao IV Congresso, 1922)

Durante a realização do II Congresso em 1920, foi amplamente discutido um documento que estabelecia as 21 condições para filiação de um partido na I.C (1).- Entre essas condições salientamos:
reconhecimento da ditadura do proletariado e luta sistemática e conseqüente para estabelecê-la 
•rompimento completo com os “reformistas” e “centristas” e sua expulsão do Partido 
•combinação dos métodos legais e ilegais de luta 
•trabalho sistemático no campo, no exército, nos sindicatos reformistas e nos parlamentos burgueses 
•os partidos deveriam chamar-se Comunistas e estruturar-se segundo o principio do centralismo democrático 
•todas as Resoluções dos Congressos e do Comitê Excutivo da I.C. deveriam ser de conhecimento obrigatório dos partidos filiados à Internacional.
No IV Congresso desculpando-se por não estar em "condições de apresentar um grande relatório", devido à sua "longa doença", Lènin (2) retomou suas idéias acerca do "Capitalismo de Estado", por ele esboçada num artigo escrito em 1918 (Trata-se do artigo "Acerca do Infantilismo ‘de Esquerda’  e do Espírito Pequeno-Burguês", que não deve ser confundido com sua obra "A Doença Infantil do Esquerdismo no Comunismo", escrita em 1920), considerando-as "extremamente importante" para os destinos da Rússia Soviética.
  
No dia 13 de maio de 1943, numa reunião do Presidium do Comitê Executivo da Internacional Comunista (CEIC) da qual participaram Georgi Dimitrov, Dimitri Manuilski, Wilhelm Pieck, Maurice Thorez, Andre Marty, Johann Koplenig e Vasil Kolarov, membros do Presidium;  Dolores Ibárruri, Matias Rakosi, Walter Ulbricht, Jean Sverma e Friedrich Wolf, membros efetivos e suplentes do CEIC;  Anna Pauker (PC Romeno), Vlasov (PC da Iugoslávia) e I. Lehtinin (PC da Finlândia), foi dissolvida a Terceira Internacional.
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(1) O Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em março de 1922 encaminhou seu pedido de adesão à Internacional Comunista em novembro/dezembro do mesmo ano, por intermédio do militante Antonio Bernardo Canelas que na época se encontrava em Paris.  Aceito de inicio do partido simpatizante, só foi integrado como membro da Seção da Internacional, no V Congresso realizado em  1925.

(2) Em maio de 1922, Lênin sofre o primeiro ataque de hemorragia cerebral com a paralisia do lado direito do corpo e dificuldade de fala. Em outubro voltou a trabalhar novamente. Em 9 de março de 1923 teve um novo ataque, desta vez mais violento, sobrevivendo inválido por oito meses, falecendo em  24 de janeiro de 1924.