domingo, 21 de julho de 2013

O conceito de Poder Popular em Lênin e Trotsky

Boletim da FPMR (Frente Patriotica Manuel Rodriguez) 


Muito se fala e se debate do poder popular nos diferentes momentos da luta, tanto no auge do confronto de classe, como nos períodos de dispersão. Debate certamente delimitado na atualidade a um pequeno círculo no Chile, no entanto, o que preocupa desta situação é que se desconhece por parte de muitos companheiros e organizações o conceito histórico de poder popular. Mais do que isso, se assume a fictícia via de construção do poder popular (antecedente à destruição do estado burguês) como programa, como tática de uma edificação política, como se essa construção fosse produto da própria vontade, como se bastasse a simples decisão de alguns para instalar o poder duplo; sem lugar a dúvidas, como diria Lênin, se confunde a análise científica de uma situação concreta com a agitação política.

Esse desconhecimento ou posição consciente deriva, num geral a deformações reformistas, por exemplo, que não é necessário na atualidade uma estratégia que contemple a tomada do poder, senão que "o poder se construa" e que em um processo "natural" o crescimento deste novo poder irá ocupando os espaços da sociedade.

Assume-se que toda construção social é já embrionariamente o poder dual confundindo desta maneira o que é uma correlação de forças para a transformação social, com o que é o poder popular em concreto. Inclusive em alguns aparece uma correlação de forças para a transformação social, com o que é o poder popular concretamente. Inclusive em alguns aparece a noção de que a construção de poder popular deve estar desprovida de confronto, caminhando por um canal paralelo e asséptico, e que está sempre fora, na margem do sistema, e que não se mancha nunca com o poder do Estado burguês, desconhecendo dessa forma os elementos básicos da dialética marxista.

Para indagar sobre o conceito de poder popular analisaremos duas linhas teóricas que se tem confrontado historicamente, quer dizer, a de Lênin e a de Trotski, sem pretender por certo esgotar o tema, senão com o mero propósito de ir aproximando-se destes conceitos deste ponto de vista mais científico.

Similaridade entre Trotski e Lênin

"O duplo poder se manifesta na existência de dois governos: um é o governo principal, o verdadeiro, o real governo da burguesia: o governo provisório de Lyon e Cia., que tem em suas mãos todos os recursos do poder; o outro é um governo suplementar ou paralelo, de "controle", composto pelos Sovietes, de deputado e trabalhadores e soldados de Petrogrado, que não tem em suas mãos nenhum recurso do poder, mas que descansa diretamente no apoio da maioria indiscutível e absoluta do povo, nos trabalhadores e nos soldados armados". (Lênin, As tarefas do proletariado em nossa revolução - TOMO XXIV )

"A preparação histórica da revolução conduz, no período pré-revolucionário, uma situação na qual a classe chamada a implementar um novo sistema social, mas ainda não é dona do país, reúne de fato em suas mãos uma parte considerável do poder do Estado, enquanto o aparato oficial deste último segue ainda nas mãos de seus antigos detentores. Daqui parte a dualidade de poderes de toda a revolução". (Trotski, História da Revolução Russa).

§ Ambos consideram a dualidade de poderes como um fenômeno transitório, ainda que, como veremos mais adiante diferem no caráter obrigatório;

§ Coincidem no paralelismo e na coexistência por um momento de ambos os poderes;

§ O poder duplo é um feito de fato e não um feito legal, o poder do proletariado é uma ação revolucionária;

§ A temporalidade é inevitável na dualidade do poder, num fenômeno anômalo já que a unidade é um comportamento "natural" do Estado;

§ Não é um poder dividido, senão que se trata de dois poderes em disputa, cada poder está ocupado por uma classe organizada.

As diferenças

Trotski não vê a dualidade de poderes em um tempo ou lugar histórico determinado, nem tampouco o relaciona a algum tipo específico de revolução. O vê como um fenômeno característico de toda crise social e não próprio da revolução russa de 1917, fala da "dualidade de poderes de toda revolução" (A história da Revolução Russa, Trotski). A dualidade de poderes seria segundo Trotski, "um episódio característico da luta entre os regimes" (A história da Revolução Russa, Trotski). Portanto, vê dualidade de poderes nas revoluções burguesas da França e Inglaterra, quer dizer, entre o poder feudal e o poder burguês, na França entre a assembléia constituinte (órgão da burguesia) e a monarquia, na Inglaterra, entre o parlamento e o Rei.

Para Trotski a dualidade de poderes seria uma lei social, colocando as coisas como se nenhum processo revolucionário pudesse suceder a margem da existência de alguma forma de dualidade de poderes.

A transformação, para Lênin, seria a teoria da excepcionalidade do poder dual, se descarta absolutamente  essa transtemporalidade, não somente não haveria existido nunca uma situação similar na história, senão incluído "ninguém pensou previamente, nem poderia pensar em um duplo poder" (O duplo poder TOMO XXIV).

Lênin define a dualidade de poderes como uma anomalia ou enfermidade que se apresenta no seio do poder do Estado Russo. A dualidade de poderes são dois tipos de estado que se desenvolvem de um modo simultâneo no interior dos mesmos elementos essenciais, o que deveria ocorrer sucessivamente ocorre no entanto de maneira paralela, de um modo anormal, sua unidade é uma contradição, ou incompatibilidade. A dualidade de poderes é, portanto, um desenvolvimento essencialmente antagônico. Trata-se de uma "peculiaridade essencial de nossa revolução", o "entrecruzamento de duas ditaduras" consistiria a surpresa da revolução russa (Lênin, As tarefas do proletariado em nossa revolução).

A aproximação no tempo, a contemporaneidade, o paralelismo entre a revolução democrático-burguesa e a revolução socialista é o característico da revolução Russa. É dizer "a dominação da burguesia poderia e deveria ser seguida pela dominação do proletariado e o campesinato por sua ditadura. Na vida real, entretanto, as coisas já sucederam de um modo diferente; se produziu um entrelaçamento de um com o outro extremamente original, novo, sem precedentes". (Lênin, Cartas sobre tática, TOMO XXIV). No entanto "Tal entrelaçamento não pode durar muito. Em um mesmo Estado não podem existir dois poderes. Um deles está destinado a desaparecer". (Lênin, As tarefas do proletariado em nossa revolução).

Em resumo, todo o anterior teria sua explicação produto de que na Rússia num mesmo momento e lugar surgiu uma série de contradições:

1. Caráter tardio da revolução burguesa na Rússia, o proletariado logo não se alienou pela pobreza de conquistas da burguesia;
2. Num mesmo momento se encontraram o melhor e mais avançado proletariado da Europa e a mais atrasada das burguesias;
3. A contemporaneidade da revolução burguesa e socialista;
4. Entrelaçamento de duas ditaduras. Estas características segundo Lênin seriam específicas e exclusivas da realidade russa, a dualidade de poder então seria um fenômeno que dificilmente se repetiria em outra realidade do planeta.

COMO CONCLUSÃO

Ou seja, a noção que mais tem imperado no campo da esquerda é a trotskista, que em sua expressão mais exacerbada (portanto, afastada inclusive da raiz de Trotski) cai irremediavelmente no voluntarismo, no movimentismo, no basismo. Aparece o poder popular como um capricho individualista e não como expressão das contradições da luta específica e concreta, que coloca a organização revolucionária e a classe trabalhadora frente à problemática da dualidade de poder. Sob esse enfoque o poder popular se expressa como uma tarefa que deve ser executada sob qualquer circunstancia, realidade ou momento histórico. Em transformação o conceito leninista de poder popular, se define este fenômeno como excepcional da revolução Russa (estamos falando obviamente de uma realidade que ocorre frente à tomada de poder, já que depois da tomada do poder pelas forças revolucionárias e a classe trabalhadora a construção da sociedade socialista se baseia fundamentalmente no poder popular como forma e tipo de Estado).

Então, se é uma exceção produto das particulares contradições de uma época, a tarefa das forças populares não é a de tratar de construir um tão desejado poder popular, senão a de levantar uma correlação de forças capaz de derrotar a burguesia e arrancá-la do poder, como condição básica para a construção de um novo tipo de Estado, como diria Engels, a "comuna".

Tradução: Ceres Luisa Antunes Hadich
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Nota de Mundo do Socialismo:

A Frente Patriótica Manuel Rodriguez (FPMR), organização comunista chilena, fundada em 1983 por integrantes do  Partido Comunista do Chile (PCCh),que optou pela luta armada para enfrentamento da ditadura de Augusto Pinochet. Como retorno do chile à NORMALIDADE democrata em 1991 o FPMR renunciou à luta armada, integrando-se no sistema parlamentar chileno, fazendo parte da coalizão de esquerda.


FONTE:  Patrialivre

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