quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Brasil numa encruzilhada: breves comentários


Por Aluizio Moreira


Passado o clima tenso das disputas eleitorais com a vitória de Dilma Rousseff, é fundamental que procuremos entender o “novo” quadro politico brasileiro, para além do voto. 

Esse “novo quadro politico” (nem tão novo assim!) surgido com as eleições deste outubro, já vinha, creio eu, se desenhando antes mesmo da posse de Lula em janeiro de 2003, quando as possíveis alianças que começavam a ser delineadas do PT com a chamada esquerda socialista, foram frustradas  em junho de 2002, com o lançamento da “Carta ao povo brasileiro”, que jogava na lata do lixo o “Programa dos 100 dias”, que congregava o PCB, o próprio PT, o PDT, o PSB e o PCdoB, na tentativa e estabelecer-se uma plataforma politica voltada para os interesses democráticos e populares.

Na referida Carta, que enterrou de vez o “Programa dos 100 dias”, Lula procurava acalmar o mercado financeiro e as oposições politicas e empresariais internas, que se aglutinavam contra sua possível vitória eleitoral, levantando naquela ocasião, a bandeira da mudança “para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto almejamos.”

Permitam-me reproduzir algumas passagens da “Carta ao povo brasileiro” que orientaria o Governo petista por 16 anos e que paulatinamente o foi conduzindo para os impasses atuais, sobretudo pelo abandono das pautas reformistas, ao assumir o poder.

Êis como a “Carta ao povo brasileiro” procurava justificar o lançamento de uma candidatura que, convenhamos! abriu um espaço para confiança nas mudanças significativas na nossa sociedade:

“Se em algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu despertar esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os seus resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz um balanço e verifica que as promessas fundamentais foram descumpridas e as esperanças frustradas.”

Mais adiante:

“O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o atual modelo esgotou-se.”

A partir dai o PT acena para as mudanças pretendidas, como parte de um Programa Politico amplo e capaz de mobilizar um grande contingente de apoiadores, pelo menos por um número razoável de setores progressistas e da classe média: crescimento econômico, geração de emprego e renda, redução da criminalidade, respeito de nossa “presença soberana e respeitada no mundo”, criação de um “amplo mercado interno de consumo de massa”, reforma tributária, reforma agrária, redução das carências energéticas, revisão das privatizações tucanas, diminuição do déficit habitacional, reforma da previdência, reforma trabalhista, institucionalização de programas contra a fome e insegurança pública.

Para realização de todo este Programa o Governo empossado necessitaria de “uma ampla negociação nacional”, que deveria conduzir a uma politica de alianças pelo pais, a um novo “contrato social”, capaz de “assegurar o crescimento com estabilidade”, dinamizando nossas exportações, investimento na infraestrutura, prioridade para geração de divisas, valorização do agronegócio. Tudo isto só seria possível, na medida em que o PT estivesse “disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade”. (Mera coincidência com o discurso da presidente após sua reeleição?)

O fato é que o Governo Lula abandonou uma politica de pretendidas reformas sociais, favorecendo o grande capital com a transferência de recursos públicos, beneficiando o capital financeiro, o agronegócio, procurando favorecer as empresas multinacionais com a politica de precarização do trabalho e da flexibilização do direito trabalhista. O grande arco de alianças para manter a chamada “governabilidade”, tornou-se uma prática politica, além de cooptações de organizações sindicais, partidos políticos de uma autodenominada esquerda, com o loteamento de cargos e ministérios entre seus aliados.

Após dezesseis anos de mandato petista, o que restou da reforma agrária, da reforma tributária, da demarcação das terras indígena, da defesa das comunidades negras e quilombolas, da prometida revisão das privatizações, da auditoria da divida publica prevista na nossa Constituição? O que dizer da implantação da mercantilização do ensino universitário, da saúde, da previdência social?

Em junho de 2013 testemunhamos a eclosão de um movimento de grande amplitude nacional, que punha em cheque a falta de sensibilidade politica e de compromisso com as questões sociais e populares do Governo petista. Foi o sinal de um “esgotamento” de toda uma politica social e econômica, que parecia repetir o esgotamento identificado por Lula na sua “Carta ao povo brasileiro” de 2002. A grande diferença qualitativa, é que no bojo daqueles movimentos sociais e populares de 2013, conservadores e direitistas mesclaram-se com esses movimentos, fazendo coro contra o governo, contra a politica e contra partidos. 

O discurso das mudanças ganhou novamente as ruas: contra a corrupção, pelo descaso da educação, da saúde, em defesa da segurança publica e da mobilidade urbana. Mas há mudanças e mudanças. As mudanças podem ser canalizadas para a esquerda ou para a direita.

Arrisco dizer que há uma ligação direta entre o junho de 2013 e o outubro de 2014. Com um saldo que pende para o conservadorismo e para a direita, sobretudo pelo discurso preconceituoso e agressivo e sintomaticamente antissocialista. Como se o espectro do comunismo tivesse rondando os lares dos brasileiros: em pauta, a critica agressiva à Venezuela, à Cuba, ao Mais Médicos, que ganharam as redes sociais.

Quais as perspectivas politicas para o Brasil daqui para adiante? 


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