sábado, 28 de março de 2015

Em debate, esquerda discutiu ameaça conservadora e luta dos trabalhadores no Brasil




Diário Liberdade – Em importante debate realizado neste sábado (21) em São Paulo, representantes da esquerda reafirmam a necessidade de construção de uma frente de lutas da classe trabalhadora e popular.

Neste sábado (21), foi realizado em São Paulo o debate “Direitos sociais e ameaça conservadora no Brasil”, organizado pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e que contou com a presença de Guilherme Boulos (coordenador nacional do MTST), Berna Menezes (dirigente da Intersindical), Frei Betto (teólogo e escritor) e André Singer (professor e cientista político). O ginásio do Sindicato dos Bancários lotou, e um público de mais de mil pessoas assistiu ao importante debate sobre a atual conjuntura política e os caminhos da esquerda para lutar contra a onda conservadora e as medidas do Governo Federal.

No debate, foram discutidos os assuntos referentes ao histórico de luta da esquerda, que, após décadas de mobilização, levou o PT ao governo, com a esperança de mudanças reais nos rumos do país, deixadas de lado pelo pacto de conciliação de classes desse partido, que cedeu à burguesia em detrimento da classe trabalhadora, cujos resultados atuais são o ajuste fiscal e os ataques às trabalhadoras e trabalhadores no começo deste ano. A recente mobilização da direita e as alternativas da esquerda para combater o conservadorismo e se apoiar nas massas também foram assuntos muito discutidos.

Histórico de luta da esquerda brasileira nas últimas décadas

A diriginte da Intersindical, Berna Menezes, remontou ao início dos anos 80, quando foi contruída uma grande frente, que ia da Igreja Católica, nos bairros, passando pelos sindicatos, exilados, movimento de mulheres, até a esquerda radical, que construiu grandes organizações do povo. “Essa frente atrasou e impediu por dez anos a aplicação dos planos neoliberais no Brasil, e nos anos 90 barrou a ALCA”, lembrou.

[Foto] Mais de mil pessoas lotaram o ginásio do Sindicato dos
 Bancários, em São Paulo. Diário Liberdade

Em 2003, essa frente conseguiu impor o governo Lula. Mas o governo assumiu e abandonou o conjunto de propostas amadurecidas nessa frente, decidiu não comprar grandes brigas. “O maior crime que o PT cometeu foi alterar a correlação de forças, o bem maior que a classe trabalhadora tinha”, afirmou Berna.

Governos do PT

Com a chegada da esquerda ao poder, em 2003 com o PT, grandes progressos foram conquistados, na opinião de Frei Betto, em questão de soberania nacional, integração latino-americana e caribenha e em políticas sociais, “que não foram aquelas dos meus sonhos, por isso deixei o Governo”, ponderou.

“O PT decidiu assegurar a sua governabilidade através do Mercado e do Congresso, quando deveria ter feito através dos movimentos sociais”, criticou Betto.

Para Ivan Valente, o PT não conseguiu implantar um programa minimamente democrático e popular para gerar consciência política, e hoje ele é um dos principais responsáveis pela atual correlação de forças políticas, porque “a luta é um aprendizado, a luta é pedagógica, e sem enfrentamento, sem conflito, não há crescimento de consciência política”.

O cientista político André Singer analisou a contradição dos governos petistas, que geraram emprego à classe trabalhadora, e por isso ela tem condição de resistir às políticas implantadas pelo próprio PT.

“O emprego é o eixo central da luta da classe trabalhadora, é quando ela tem condição de lutar, e quando há desemprego a espinha dorsal da classe trabalhadora está quebrada”, disse. Para ele, não foram apenas as posições do PT, mas o neoliberalismo quebrou o movimento sindical, por via do desemprego. “O Lulismo, com todas as suas contradições, produziu uma situação de pleno emprego no país, o que dá à classe trabalhadora, neste momento, condição de resistência a esta política que o próprio Lulismo está fazendo. Esta é a contradição em que estamos metidos”, afirmou.

Já para o líder do MTST, Guilherme Boulos, o modelo petista de conciliação de classes, que não tocou em nenhuma reforma estrutural pendente no país desde 1964, foi se esgotando e uma escolha teria que ser feita, mas demorou e a direita foi capaz de canalizar esse esgotamento, oferecendo uma falsa saída (pois sua intenção é aprofundar o que o governo petista tem de pior, os ataques à classe trabalhadora) pela direita, o que foi se fortalecendo.

Segundo mandato do Governo Dilma e manifestações da direita no dia 15 de março

Todos os debatedores condordaram que as medidas atuais do Governo Dilma são indefensáveis. Boulos afirmou que não é a questão da corrupção que está fazendo cair a popularidade do governo, mas o ajuste fiscal e suas medidas antipopulares. “O grosso do público manifestante no dia 15 de março era da classe média. Mas o que mais preocupa são os setores populares que aplaudiram e simpatizaram vendo pela TV as manifestações contra o governo Dilma”, disse.

“O desemprego que já começou ainda é resultante da fraqueza da economia de 2014, ainda não começou o desemprego que vai ser resultante do ajuste fiscal que está se fazendo”, afirmou André Singer, que advertiu também que a situação pode piorar muito e é o “começo de uma crise política, que está colocando questões centrais pra luta de classes no Brasil”.

Para Boulos, o que existe hoje no país é uma ofensiva da direita, com ampla gravidade, manifestada nas ruas durante os protestos do dia 15, cujo clima da intervenção militar e da intolerância foi o clima hegemônico naquele dia. Já Singer não acredita em uma ameaça de golpe militar, pois, segundo ele, não há predisposição dos militares e também não há o clima de Guerra Fria, como havia no mundo em 1964.

“A esquerda deve defender a democracia, que, no mundo, é uma conquista da classe trabalhadora”, disse Singer. Segundo ele, o Impeachment que a direita quer é na verdade um “golpe branco”, pois não há nenhuma base jurídica para o Impeachment de Dilma, e a esquerda não pode aceitar isso, por mais divergências que tenha com o governo Dilma e suas medidas, que são indefensáveis.

O deputado Ivan Valente disse que o descontentamento é generalizado e difuso, com medo do desemprego e da inflação, e que esse é um dos motivos que levou tanta gente para as manifestações da direita. “No dia 15, foi pra rua gente que votou no PT, tinha a direita organizada, tinha setores fascistas”, afirmou.

Sobre a atual situação de insatisfação e oportunismo da direita para canalizar falsamente os anseios das classes populares, Frei Betto argumentou que “as pessoas não sabem o que querem, só sabem o que não querem, e isso é um reflexo do neoliberalismo”.

“O Brasil terá quatro anos de profunda turbulência econômica, política e social, porque todos estão pensando apenas na questão do poder”, prevê Betto.

“Os que foram para a rua em Junho de 2013 sabiam o que queriam”, mas a nova traição de Dilma, que prometeu pautas de esquerda durante o segundo turno das eleições de 2014 e aplicou os mais duros ataques à classe trabalhadora no começo de 2015, jogou um balde de água fria na população, argumentou Berna Menezes. Os protestos de 15 de março, em parte, capitalizaram um descontentamento com o Governo Dilma que foi se acumulando. “Eles tinham apoio popular, infelizmente, em setores de massa”, disse.

Caminhos da esquerda e frente de luta

Ainda sobre o apoio de setores populares que foi demonstrado nas manifestações do dia 15, Berna afirmou que a esquerda deve compreender que “esses setores de massa não estão consolidados com a direita, nem setores da classe média esclarecida”. “Nós temos que disputar esses setores, não podemos deixar que se consolidem nas mãos da direita.”

Berna avalia que, neste momento, um dos maiores erros que a esquerda pode cometer é achar que a classe trabalhadora está na defensiva, mas que, na verdade, está lutando sem comando central. “A Intersindical quer reconstruir uma frente que comece a organizar essas lutas que estão ocorrendo”, disse. “Nós estamos fragmentados, e a direção tradicional das greves não quer unificar o movimentos. Nós temos que tensionar, que construir uma nova síntese, para que seja a direção desse processo.”

Outro ponto é que existem duas lutas fundamentais nesse período, segundo ela. Uma contra a reforma do Estado em curso, que rasga o concurso público e a CLT, “abrindo para a iniciativa privada e os oligopólios internacionais”, e a outra é contra a PL 43.30, que é a terceirização não só dos serviços públicos, mas de todos os cargos, “que arrebenta a legislação trabalhista e os sindicatos”. “A luta contra a direita é a luta por direitos”, por isso é preciso “construir uma grande frente para barrar a direita, o conservadorismo e a retirada de direitos sociais”, concluiu.

O professor André Singer avaliou que o que existe é um governo fraco e isolado no parlamento, e que é absolutamente urgente a construção de uma frente, porque o PT sozinho não tem mais condição de dar uma direção para a esquerda, mas que esse partido é fundamental nessa frente social ampla necessária. “Se quisermos fazer uma frente de esquerda no país, temos que aceitar as diversidades”, disse. “Precisamos reconstruir a força política da classe trabalhadora.”

Ivan Valente crê que é “patente que existe um crescimento de ideias, valores de direita e uma ofensiva de direita”. A tendência é que tenhamos um tempo de crise prolongada, de turbulência. Mas das crises saem soluções, e para Valente, podem sair dessa crise soluções mais conservadoras ou mais revolucionárias.

A esquerda também precisa combater a corrupção – porque a direita sabe trabalhar essa questão, que tem simbologia para as massas -, além de centrar em um programa unitário, que tem que ser feito com muita sabedoria, porque são as bandeiras que irão nos unificar, que irão nos levar para as ruas, afirmou o deputado.

“Nós temos que ter um movimento de baixo pra cima organizado, articulado, unitário e com bandeiras que representam avanço pra classe trabalhadora, contra o golpismo e contra o direitismo, mas principalmente pela democracia brasileira e pelos direitos sociais dos trabalhadores e por uma outra sociedade que não seja uma sociedade autoritária, nós temos que avaçar resolvendo nossas divergências.”

André Singer também teve uma conclusão semelhante à de Ivan Valente sobre a questão da corrupção. “É claro que a corrupção não começa nem termina no PT, mas é inadmissível para um partido de esquerda ter qualquer envolvimento com a corrupção”, disse. “E não podemos aceitar isso, porque nos tira a autoridade moral, e a autoridade moral é um caminho para sair da crise a favor da classe trabalhadora”, completou.

“A forma de conseguir combater o golpismo e a direita é tirar a base popular, porque a direita está surfando numa base de insatisfação. Nesse sentido, esse desafio está colocado para nós, de lutar contra o ajuste e formar uma linha de frente de enfrentamento da direita e do golpismo”, disse Guilherme Boulos. “Se deixar isso passar, depois pode ser tarde”, advertiu. “Com o fascismo não se discute; fascismo se enfrenta, fascismo se combate, e nosso papel vai ser fazer essa turminha que anda destilando ódio por aí voltar pro armário, que é o lugar deles”, concluiu Boulos.


Texto postado originalmente em:

http://www.diarioliberdade.org/brasil/reportagens/54961-em-debate,-esquerda-discutiu-ameaça-conservadora-e-luta-dos-trabalhadores-no-brasil.html


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